Maria Saal, Áustria, 25 fevereiro 1806 — Londres, 20 outubro 1872
Palavras-chave: Angola, botânico, herbário, Welwitschia mirabilis.
DOI: https://doi.org/10.58277/MXAO2545
Botânico austríaco, filho de Joseph Anton Welwich e Genoveva Mayr (ca.1783–c.1811) nasceu em Maria Saal, perto de Klagenfurt no Sul da Caríntia, desde cedo mostrou interesse pela botânica devido aos passeios na natureza que fazia com o seu pai.
Tendo estudado na escola primária de Maria Saal, prosseguiu os seus estudos no liceu em Klagenfurt. Contra a vontade de seu pai, que ambicionava que o seu filho estudasse direito, inscreveu-se na Faculdade de Medicina na Universidade de Viena (1824), visto que na época seria a única maneira de prosseguir os seus estudos na área da botânica. Como consequência de ter contrariado o seu pai, este retirou-lhe o apoio financeiro e para sobreviver, Welwitsch, para além da bolsa que recebia (“zweites Zwanzigerishes Handstipedium”), iniciou-se como crítico de teatro e música. Enquanto esteve em Viena, Welwitsch conviveu com jovens botânicos entre os quais: Karl Moriz Diesing, Karl von Enderes, August Neilreich, Ludwig von Köchel e Eduard Fenzl (1808–1879), o único contacto do tempo de juventude com quem Welwitsch mais tarde trocaria correspondência.
A primeira publicação de Welwitsch (1834) foi distinguida com um prémio atribuído pela cidade de Viena. Na mesma altura foi oficialmente nomeado como médico especialista em cólera, nomeação que fez com que se reconciliasse com o seu pai. Na época, a nomeação para um lugar oficial mesmo não tendo o grau de doutor não era invulgar.
Depois de viajar como tutor de um jovem nobre, Welwitsch adquiriu o título de doutor em Medicina (1836) com a sua tese Synopsis Nostochinearum Austriae Inferioris, que na época contribuiu com perspectivas interessantes para a ciência médica e seus métodos de exame. Continou as suas viagens como tutor e acompanhante, não se sabendo ao certo os objectivos desta ocupação, nem quem Welwitsch acompanhou.
Em 1839, surgiu a oportunidade de fazer uma expedição às ilhas dos Açores, Cabo Verde e Canárias, tendo sido recomendado por Christian Ferdinand Friedrich Hochstetter e Ernst Gottlieb von Steudel da Unio Itineraria de Vurtemberga, da qual Welwitsch também era membro. Welwitsch nunca mais retornou ao seu país natal.
Na sua viagem passou por Esslingen, Paris (onde contactou com Jussieu, Brongniart, Auduin, Arago, St. Hilaire, Gay e Webb) e Londres. A 13 de Julho de 1839, o botânico chegou a Lisboa, e dado os contínuos adiamentos da sua expedição devido ao mau tempo, Welwitsch aproveitou o tempo de espera para fazer excursões nos arredores de Lisboa, bem como para aprender a língua portuguesa. Em seis semanas, depois de chegar a Portugal, Welwitsch adquiriu um bom domínio da língua (muito provavelmente por ter boas bases de latim) tendo conseguido rapidamente estabelecer ligações com entidades científicas e oficiais, entre os quais Joaquim José da Costa de Macedo (secretário da Academia das Ciências), rei D. Fernando II e duque de Palmela. Tornou-se membro da Sociedade Farmacêutica Lusitana, Lisboa (1839) e membro correspondente da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa (1840).
A expedição aos Açores, inúmeras vezes adiada, acabou por não acontecer e a Dezembro de 1840, o duque de Palmela confiou a Welwitsch a posição de diretor do Jardim Botânico da Ajuda, num período politicamente conturbado em Portugal. Welwitsch, para além de diretor do Jardim Botânico, tornou-se demonstrador de botânica (demonstrator botanicae) e conservador na Escola Politécnica de Lisboa, onde hoje se encontra o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC-Museus da Universidade de Lisboa). Enquanto esteve em Portugal, o botânico aproveitou para viajar e coletar plantas por todo o país, tendo como auxiliar técnico, Bento António Alves. Em Agosto de 1841, Robert Brown na altura com 68 anos, acompanhou Welwitsch numa excursão de três dias ao Vale do Zebro, a sul do Tejo.
Em 1844, Welwitsch abandonou ambos os cargos quando o duque de Palmela lhe concedeu a posição de diretor dos seus jardins do Lumiar e lhe confiou a orientação de outros dos seus jardins dispersos no país. Em 1850, publicou Genera Phycearum Lusitanae, a respeito das algas do seu herbário português, e no mesmo ano o Governo Português decidiu enviar uma expedição científica a Angola. Para este projeto Welwitsch teve o apoio do próprio rei D. Fernando II, do ministro das Colónias, Bernardo Sá da Bandeira (1795–1876) e de Bernardino António Gomes (1806–1877), responsável pela cadeira de Matéria Médica na Escola Médico Cirúrgica de Lisboa. Deste modo, a 17 de Março de 1851 o Governo Português foi autorizado a enviar um naturalista às colónias e a 10 de Abril de 1852, Welwitsch foi designado para o cargo de naturalista neste projeto dado os seus vastos conhecimentos sobre fauna e flora de Portugal.
Depois de catorze anos em Portugal, Welwitsch embora tendo mantido a nacionalidade austríaca, considerou Portugal como sendo a sua “pátria adotiva” e até 1853 manteve-se no país tendo saído apenas para curtas viagens a Paris, Londres e costa ocidental espanhola. Na viagem a Londres encontrou-se com Robert Brown, adquiriu o equipamento que necessitava para a sua expedição e foi eleito membro da Royal Botanical Society of London (c.1852).
Depois dos preparativos oficiais finalizados, Welwitsch partiu a 8 de Agosto de 1853 no navio de guerra Duque de Bragança, tendo passado pela ilha da Madeira (12 a 14 de Agosto), arquipélago de Cabo Verde (20 a 24 de agosto), Serra Leoa (29 de agosto a 6 de setembro), ilha do Príncipe (15 a 22 de setembro), ilha de S.Tomé a 23 de setembro chegando a Luanda, Angola, a 30 de setembro. Esta expedição às possessões angolanas (1853–1860) teve como objetivo a colheita de plantas e animais para análise científica, com o fim de verificar o seu potencial económico. Enquanto esteve em Luanda foi nomeado diretor da comissão encarregue de preparar a representação de Angola na Exposição Mundial de Paris de 1855. No mesmo período foi nomeado membro correspondente do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (1855) depois de ter enviado sementes para esta instituição. Welwitsch permaneceu sete anos em Angola, tendo feito explorações nas atuais províncias de Luanda, Bengo, Cuanza Norte, Malange, Benguela, Namibe e Huíla. Nestas províncias, colheu espécimes, fez ilustrações, tirou inúmeras notas de campo detalhadas, quer em termos de descrição quer de distribuição e habitat. Durante o tempo que permaneceu em Angola conviveu em setembro de 1854 com David Livingstone no Golungo Alto e a 3 de setembro de 1859 foi o primeiro europeu a descrever a famosa planta do deserto do Namibe, mais tarde classificada de Welwitschia mirabilis, por Joseph Dalton Hooker em honra do botânico austríaco.
Chegou a Portugal a 31 de janeiro 1861 com mais de 8 000 coleções botânicas correspondendo a cerca de 5 000 espécies, das quais 1 000 não tinham sido ainda descritas. Esta representa provavelmente a coleção mais significativa feita desde sempre na África Tropical. Pouco tempo depois de chegar a Portugal foi nomeado membro da comissão governamental para o fomento da cultura do algodão em Angola e membro da comissão governamental com o fim de preparar as amostras de objetos da representação nacional na Exposição Mundial de Londres de 1862. Como resultado desta exposição, Welwitsch recebeu uma medalha por uma coleção de produtos notável, tendo sido esta entregue pessoalmente pelo rei a 11 de maio de 1863 tendo sido ainda condecorado (Hábito de Cristo). Welwitsch recebeu também a cruz de cavaleiro da Ordem de Francisco José pelo imperador Francisco José (1863) e a condecoração da Ordem de Maria Anunciada.
No entanto, dado que Welwitsch não tinha condições para identificar as suas coleções em Portugal, pois não possuía literatura suficiente, nem outras coleções botânicas para efetuar comparações taxonómicas, depois das devidas autorizações feitas ao Governo Português, partiu com estas para Londres em 1863, mantendo os seus espécimes nas habitações onde viveu, ao mesmo tempo que tentava identificá-los durante visitas ao British Museum (BM) e aos Royal Botanic Gardens, Kew (K). Welwitsch foi eleito sócio da Linnean Society of London (1858) e mais tarde fellow (1865). Em Londres, o naturalista austríaco manteve contacto com vários botânicos, entre os quais: William Hooker, Joseph Hooker, Daniel Oliver e William Philip Hiern. O botânico, antes de falecer em Londres, em 1872, expressou em testamento o desejo de que as suas colecções fossem depositadas em BM e noutros herbários mas o Governo Português, que tinha financiado a expedição, exigiu que estas voltassem a Lisboa. Seguiu-se um processo em tribunal, em que ficou decidido, em 1875, que o melhor lote iria para Lisboa (atual MUHNAC- Herbário LISU), o segundo lote para BM e que os restantes lotes fossem distribuídos por outras instituições. Welwitsch encontra-se enterrado no cemitério de Kensal Green, Londres.
Sara Albuquerque
Universidade de Évora
Arquivos
Lisboa, MUHNAC (Museus da Universidade de Lisboa), Herbário LISU, “Welwitsch”, Caixas 1-5
Londres, Natural History Museum (NHM), “Welwitsch”, Museum Archives, DF BOT/400/3/61, DF BOT/404/1/8/20
Londres, NHM, “Litigation over the Welwitsch Collection”, Museum Archives, DF BOT/404/2/
Londres, NHM, “Correspondence of Henry Trimen on the Welwitsch case”, Museum Archives, DF BOT/405/1
Londres, NHM, “Welwitsch paper and exhibition”, Museum Archives, DF BOT/461/9
Londres, NHM, “Friedrich Welwitsch temporary exhibition”, Museum Archives, PH/4/11/12
Londres, The Linnean Society of London, Library & Archives, Class. SP.1260 – 1262
Londres, Royal Botanic Gardens, Kew, Library, Art & Archives, Director’s Correspondence, volumes 42, 47, 48, 51, 60.
Obras
Welwitsch, Frederich. “Beiträge Zur Kryptogamischen Flora Unterösterreichs.” Beiträge Zur Landeskunde Österreichs 4 (1834): 156–273.
———. “Synopsis Nostochinearum Austriae Inferioris.” Vienna: 1836.
———. “Genera Phycearum Lusitanae.” Actas da Academia das Ciências de Lisboa II (1850): 106–17.
——— “Semina Plantarum Africae Tropicae Occidentalis, in Insulis Capidis Viridis, Nec Non in Contenente Africano, Imprimis in Regno Angolensi Lecta.” Annais do Conselho Ultramarino, Parte Não Official (Apontamentos), Sér. I (1954): 79–84.
———. Relação das Collecções de Objectos de História Natural, Feitas até agora nos Distritos de Golungo-Alto, Cazengo e numa parte do de Ambaca.” Annais Do Conselho Ultramarino, Parte Não Official (Apontamentos) 24 (1956): 253–54.
———. “Aphorismos Ácerca Da Fundação Dos Jardins de Acclimatação Na Ilha Da Madeira E Em Angola, Na Africa Austro-Occidental.” Jornal Do Commercio, no. 1478 (1958): pp.
———. “Apontamentos Fito-Geográficos sobre a Flora da Província de Angola na África Equinocial, servindo de Relatório Preliminar àcerca da Exploração Botânica da mesma Província executada por ordem de Sua Majestade Fidelíssima pelo Dr. Welwitsch.” Annais Conselho Ultramarino, Parte Não Official (Apontamentos) Sér. I (1958): 527–80.
———. Synopse Explicativa das Amostras de Madeiras e Drogas Medicinais e de Outros Objectos Mormente Etnographicos Colligidos na Provincia de Angola Enviados a Exposicao Internacional de Londres em 1862 (…). Lisboa: Imprensa Nacional, 1862.
———. “Observations on the Origin and the Geographical Distribution of the Gum Copal in Angola, West Tropical Africa.” Journal of the Linnean Society 9 (1866): 287–302.
———. “Sertum Angolense, Sive Stirpium Quarundam Novarum Vel Minus Cognitarum in Itinere per Angolam et Benguellam Observatarum Description Iconibus Illustrata.” Transactions of the Linnean Society 27 (1869): 1–94.
Bibliografia sobre o biografado
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