Fregnoley, Valais, Suíça, 6 fevereiro 1872 — Caldas da Saúde, Santo Tirso, 4 novembro 1957
Palavras-chave: Brotéria, Botânica, Briologia, Companhia de Jesus.
DOI: https://doi.org/10.58277/ZPTI3206
Nascido na Suíça, a 6 de fevereiro de 1872, Afonso Luisier, S.J. ingressou na Companhia de Jesus no Noviciado do Barro, em Torres Vedras, a 2 de outubro de 1891. A decisão de fazer o noviciado em Portugal prendia-se com o seu desejo de vir a ser missionário na Zambésia, missão que estava sob a alçada dos jesuítas portugueses. Depois de ter completado o noviciado e de ter estudado um ano de retórica, foi professor em Lons-le-Saunier (França) e em Guimarães entre 1894 e 1897. Estudou filosofia e ciências naturais em Lyon (1898), no Noviciado do Barro (1899), no Colégio de São Francisco, em Setúbal (1900), e na Escola Apostólica de Guimarães (1901), e cursou teologia em Innsbruck, Áustria, entre 1902 e 1906, onde foi ordenado sacerdote a 26 de julho de 1906. De regresso à Província Portuguesa da Companhia de Jesus, a que pertencia oficialmente desde o seu ingresso no noviciado, foi destacado para o Colégio de Campolide, em Lisboa, onde foi professor de química, física e história natural até 1910.
Entre 1902 e 1932, Luisier foi um dos mais profícuos autores da Brotéria, a revista de ciências naturais dedicada à identificação e descrição de novas espécies de animais e plantas, fundada pelos jesuítas portugueses no Colégio de São Fiel, em Louriçal do Campo, Castelo Branco, em 1902. A maioria dos seus trabalhos versava sobre a identificação e descrição de novas espécies de briófitas na Península Ibérica, nas ilhas da Madeira e Açores e no Brasil. Dedicou grande parte da sua carreira a estudar a flora briológica da Madeira, tendo começado por publicar, entre 1917 e 1922, uma série de artigos na Brotéria-Botânica intitulada Les Mousses de Madère. Depois de ter estado doze vezes na Madeira, iniciou uma nova série de artigos intitulada Les Mousses de l’Archipel de Madère et en général des Îles Atlantiques, publicada entre 1927 e 1945. Ao longo da sua carreira, descobriu e descreveu dezoito novas espécies e treze novas variedades de musgos, tendo constituído uma importante colecção de briófitas que, actualmente, se encontra no Instituto Nun’Alvres em Santo Tirso. De acordo com a origem geográfica dos espécimes, esta colecção de musgos divide-se em três secções distintas: Bryotheca Europaea, Bryotheca Atlantica e Bryotheca Exótica. Apesar de ter publicado a maioria dos seus trabalhos na Brotéria, Luisier publicou também alguns artigos no Boletim da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, nos Anais Científicos da Academia Politécnica do Porto, no Boletim da Sociedade Broteriana, na Revista Agronómica e em actas de congressos organizados pela Asociación Española para el Progreso de las Ciencias ou pela sua congénere portuguesa.
No início da sua carreira científica, Luisier correspondeu-se com alguns dos mais conceituados botânicos portugueses da sua geração, como Gonçalo Sampaio (1865–1937), Júlio Henriques (1838–1928) e Joaquim de Mariz (1847–1916). A colaboração com estes botânicos terá começado, pelo menos, em 1902, ano de fundação da Brotéria. Nesse ano, publicou no Boletim da Sociedade Broteriana um catálogo da flora de Setúbal e da Serra da Arrábida, no qual constavam cerca de mil espécies diferentes e para o qual contara com a colaboração destes três botânicos. Tal como no século XIX, o estabelecimento destas redes de correspondência revelou-se fundamental para a circulação de espécimes, herbários, livros e instrumentos e, sobretudo, para a identificação e descrição de novas espécies de animais e plantas. Um exemplo que ilustra bem a importância das redes de correspondência onde se inseria Luisier, para a classificação de novas espécies de plantas, é o da descoberta e descrição do cardo Centaurea luisieri. Colhida por Luisier em 1915, perto de Salamanca, a hipotética nova espécie de cardo viajou de Salamanca para o Porto, onde foi estudada por Gonçalo Sampaio, e daí para Coimbra, para ser analisada por Júlio Henriques, que confirmou a descoberta, após comparação com as suas congéneres presentes nos herbários da Universidade de Coimbra. De regresso ao Porto, o novo cardo foi então descrito nas páginas da Brotéria por Gonçalo Sampaio que o baptizou de Centaurea luisieri, em homenagem ao seu descobridor.
Com a implantação da República, em 1910, os jesuítas foram expulsos de Portugal, os seus colégios foram encerrados e os seus livros, colecções e instrumentos científicos foram, na sua grande maioria, inutilizados ou expropriados pelo Governo Provisório. Luisier foi um dos três jesuítas estrangeiros que conseguiu reaver parte das suas colecções no exílio. Por intervenção directa do cônsul suíço, recuperou parte das suas colecções de briófitas em abril de 1913. Passou os dois primeiros anos de exílio em Gemeert (Holanda) e Alsemberg (Bélgica), onde continuou os seus estudos de identificação, classificação e descrição de novas espécies de briófitas. Entre 1912 e 1932 esteve exilado em Espanha, primeiro em Salamanca (1912–1915), onde foi superior da escola apostólica, depois em Pontevedra (1916–1918), onde estava instalada a casa de escritores dos jesuítas portugueses e, finalmente, no Colégio de La Guardia (1918–1932), na província de Pontevedra, onde permaneceu até à dissolução da Companhia de Jesus em Espanha. Ao longo do seu exílio em Espanha estudou a flora briológica de Salamanca, tendo publicado em 1924 a obra Musci Salmanticenses, que viria a ser premiada pela Real Academia de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales de Madrid. No Instituto Nun’Alvres, onde se instalou entre 1932 e 1957, desenvolveu uma importante actividade pedagógica, sobretudo no ensino das ciências naturais. No ano de fundação deste colégio dos jesuítas em Portugal estabeleceu uma estação meteorológica que, à semelhança do observatório que os jesuítas tinham fundado no Colégio de São Fiel em 1902, pertencia também à rede nacional de postos meteorológicos.
Após a morte de Joaquim da Silva Tavares, S.J. (1866–1931), em setembro de 1931, Luisier assumiu a direção da revista Brotéria. Dadas as dificuldades financeiras em editar uma revista inteiramente dedicada à investigação científica, decidiu então restruturar a revista e unificar as séries científicas Botânica e Zoologia, que então se publicavam alternadamente, numa única série intitulada Ciências Naturais. Entre 1932 e 1957, Luisier continuou a publicar os resultados dos seus trabalhos de classificação sistemática sobre os musgos da Madeira, Açores, Portugal Continental e Brasil. Neste período, publicou ainda alguns trabalhos sobre os artrópodes da Madeira e de Portugal. No caso dos artrópodes da Madeira, o seu trabalho era uma resenha das espécies publicadas por Olav Lundblad, professor na Universidade de Estocolmo que tinha estudado a fauna entomológica da ilha portuguesa. Ao publicar esta resenha, Luisier pretendia suprimir a dificuldade que os botânicos portugueses tinham no acesso à revista Arkiv für Zoologie, da Academia das Ciências da Suécia, onde Lundblad tinha publicado o seu trabalho. Tal como Silva Tavares, Luisier acabaria por publicar na Brotéria, uma biografia de Félix de Avelar Brotero (1744–1828), a quem a revista era dedicada. Esta biografia, mais actualizada e extensa do que as que tinham sido publicadas anteriormente na revista dos jesuítas portugueses, continha também uma lista das principais obras do naturalista, onde se destacavam seis trabalhos inéditos.
Enquanto diretor da Brotéria, Luisier continuou a promover a publicação de trabalhos de autores que já colaboravam com a revista desde os anos anteriores, como os jesuítas Cândido Azevedo Mendes (1874–1943), Camilo Torrend (1875–1961), Longino Navás (1858–1938), Jaime Pujiula (1869–1958) e Johann Rick (1869–1946), pioneiro dos estudos micológicos no Brasil. Neste período estabeleceu ainda novas colaborações com reputados botânicos portugueses como Ruy Telles Palhinha (1871–1957), Carlos das Neves Tavares (1914–1972), António Rodrigo Pinto da Silva (1912–1992), Flávio Resende (1907–1967), Arnaldo Rozeira (1912–1984), Manuel Cabral Resende Pinto (1911–1990) e ainda o geólogo Carlos Teixeira (1910–1982). À semelhança do seu antecessor, Luisier estava particularmente interessado em estabelecer colaborações científicas que continuassem a prestigiar a Brotéria: Ciências Naturais, no contexto dos periódicos científicos portugueses e estrangeiros. Durante o período em que foi dirigida por Luisier, a Brotéria: Ciências Naturais esteve particularmente associada a três organismos públicos: o Instituto Botânico de Lisboa, a Estação Agronómica Nacional e o Instituto Botânico Dr. Gonçalo Sampaio. De entre estas novas colaborações institucionais, a mais relevante, pelo menos do ponto de vista da afirmação e consolidação disciplinar, terá sido a que foi estabelecida com a Estação Agronómica Nacional. Ao publicar alguns dos primeiros artigos de citogenética e de genética de melhoramento de plantas do grupo dirigido por António Sousa da Câmara (1901–1971), Luisier colocava a Brotéria na vanguarda dos periódicos científicos portugueses, e associava a revista a uma das principais linhas de investigação em botânica durante o Estado Novo.
Doutor honoris causa pela Faculdade de Ciências do Porto em 1942, e sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa desde 1933, Luisier foi ainda sócio da Sociedade Broteriana e sócio fundador da Sociedade de Ciências Naturais, da Société Valaisienne de Sciences Naturelles e da Sullevant’s Moss Society. A 6 de fevereiro de 1957, por ocasião do seu 85.º aniversário, foi agraciado com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, numa cerimónia presidida por Baltazar Rebelo de Sousa (1921–2002), então Subsecretário de Estado da Educação Nacional. Entre os vários discursos proferidos nesse dia salientaram-se os de Américo Pires de Lima (1886–1966), representante da Faculdade de Ciências do Porto, de António Sousa da Câmara, director da Estação Agronómica Nacional, de Abílio Fernandes (1906–1994), da Sociedade Broteriana, e de Francisco Caldeira Cabral (1908–1992), professor do Instituto Superior de Agronomia, que falava em nome dos antigos alunos. Além de professores das três universidades portuguesas estiveram também presentes nesta homenagem o arcebispo de Braga e o vice-cônsul suíço.
A 4 de novembro de 1957, seis meses depois de celebrar o seu 85.º aniversário, Afonso Luisier acabaria por morrer nas Caldas da Saúde (Santo Tirso), onde se encontrava desde o seu regresso a Portugal.
Obras
Luisier, Afonso. “Apontamentos sobre a flora da região de Setubal.” Boletim da Sociedade Broteriana 19 (1902): 172–274.
Luisier, Afonso. “Le Genre Triquetrella en Europe.” Brotéria: Botânica 11 (1913): 135–138.
Luisier, Afonso. “Sur la distribuition géographique de Triquetrella arapilensis Luis.” Brotéria: Botânica 13 (1915): 150–151.
Luisier, Afonso. “Les Mousses de Madère.” Brotéria: Botânica 15 (1917): 81–98; 16 (1918): 29–71; 17 (1919): 17–142; 18 (1920): 5–22; 78–120; 20 (1922): 76–106.
Luisier, Afonso. “Musci Salmanticenses. Descriptio et distributio specierum hactenus in Província geographica Salmanticensi cognitarum. Brevi addito conspectu Muscorum totius Peninsulae Ibericae.” Memorias de la Real Academia de Ciencias Exactas Físicas y Naturales de Madrid 3 (1924): 1–280.
Luisier, Afonso. “Les Mousses de l’Archipel de Madère et en général des Îles Atlantiques.” Brotéria: Botânica 23 (1927): 5–53; 129–145 24 (1930): 18–47; 66–96; 119–40; 25 (1931): 5–20; 123–39; Brotéria: Ciências Naturais 1 (1932): 164–82; 7 (1938): 78–95; 110–31; 11 (1942): 29–41; 14 (1945): 78–94; 112–27; 156–76.
Luisier, Afonso. “Recherches bryologiques récentes à Madère,” Brotéria: Ciências Naturais 5 (1936): 140–44; 6 (1937): 88–95; 8 (1939): 40–52; 12 (1943): 135–44; 16 (1947): 86–91; 22 (1953): 178–91; 25 (1956): 170–82.
Luisier, Afonso. “Mousses des Açores.” Brotéria: Ciências Naturais 7 (1938): 96–98.
Luisier, Afonso. “Hepáticas dos Açores.” Brotéria: Ciências Naturais 7 (1938): 187–189.
Luisier, Afonso. “Artrópodes da Madeira, segundo as investigações do Dr. O. Lundblad.” Brotéria: Ciências Naturais 8 (1939): 18–39; 82–95; 101–12; 9 (1940): 184–88; 10 (1941): 61–69; 133–42; 179–84; 11 (1942): 84–93; 137–44; 177–87; 12 (1943): 29–36; 128–34.
Luisier, Afonso. “Contribuições para a flora briológica do Brasil.” Brotéria: Ciências Naturais 10 (1941): 114–132.
Bibliografia sobre o biografado
Carvalho, José Vaz de. “Afonso Luisier”, Diccionario Histórico de la Compañía de Jesús, vol. 3: 2440–2441. Madrid e Roma: Universidade Pontificia Comillas, Institutum Historicum Societatis Iesu, 2001.
Neves, Maria Luísa. “Recordando o Padre Luisier—Nos 40 anos do seu falecimento.” Brotéria Genética,18 (1997): 99–101.
Archer, Luís. “Centenário do nascimento do P. Alphonse Luisier, S.J.” Brotéria: Ciências Naturais 41 (1972): 1.
Lima, Américo Pires de. “Rev. Pe. Dr. Alphonse Luisier.” Separata do Boletim da Sociedade Broteriana 32 (1958).
Carcalhaes, José. “Padre Alphonse Luisier.” Brotéria: Ciências Naturais 54 (1958): 3–16.Carvalhaes, José. “Reverendo Padre Alphonse Luisier, S.J.: Homenagem ao cientista e ao mestre.” Boletim Cultural de Santo Tirso 5 (1957): 223–249.