Baía, 27 setembro 1756 – Lisboa, 23 abril 1815
Palavras-chave: Botânica, Jardim Botânico, Viagens Filosóficas, Brasil.
DOI: https://doi.org/10.58277/HENR6746
Nasceu na cidade da Baía de Todos os Santos a 27 de setembro de 1756, filho de Manuel Rodrigues Ferreira. Por vontade de seu pai, seguiu a vida religiosa e a 20 de setembro de 1768 recebeu as primeiras Ordens Clericais. Por ter revelado excecional aptidão para os estudos, seguiu para Portugal para frequentar a Universidade de Coimbra, porém chegou em plena Reforma Pombalina e depois da frequência de um ano em 1770, só pôde retomar os estudos a partir de finais de 1773. Aluno de Domenico Vandelli, foi nomeado demonstrador nas aulas de História Natural ainda em 1778. No mesmo ano, designado Naturalista do Real Gabinete de História Natural e Jardim Botânico da Ajuda, mudou-se para a Corte a 15 de Julho de 1778 e aguardou ordens relativas à viagem do Ministro de Estado Martinho de Melo e Castro, então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos para empreender uma viagem filosófica, entendida como essencial para se ter um maior conhecimento geográfico e científico da região, especialmente desde que os estudos de Guillaume Delisle demonstraram as falsificações na cartografia portuguesa, que colocavam o estuário do rio da Prata dentro do hemisfério luso definido pelo Tratado de Tordesilhas, com consequências na ocupação dos territórios de Mato-Grosso e da bacia Amazónica. [FMR1] Porém, sobretudo por motivos de guerra, a data da partida foi sendo adiada. Enquanto esperava pela partida, Ferreira voltou a Coimbra para obter o grau de Doutor em Filosofia Natural em 1779. Neste período, a pedido de Vandelli, explorou as Minas de Buarcos com João da Silva Feijó (1778); parte do Ribatejo, de novo com Feijó e Joaquim José da Silva (1781); e a região de Setúbal (1783), com Júlio Mattiazi e José Custódio da Silva. Em 22 de maio de 1780, o duque de Lafões nomeou-o Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.
Finalmente, em 14 de julho 1783, partiu de Lisboa, para empreender uma viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá com o objetivo de recolher materiais dos três reinos da natureza—animal, vegetal e mineral—, acompanhado do jardineiro naturalista Agostinho Joaquim do Cabo e dos riscadores, José Joaquim Freire e Joaquim José Codina, que iria durar durante mais de nove anos. Chegados em setembro desse ano, iniciam um périplo de vários anos pelo Pará, seguindo para a capitania de São José do Rio Negro, deslocando-se seguindo o curso dos rios. A partir de 1787, percorreram de forma intensa a região amazónica e o Mato Grosso, recolhendo, acondicionando e remetendo para o Real Museu da Ajuda, em Lisboa, milhares de exemplares vegetais, animais, minerais e etnográficos, acompanhados de centenas de memórias manuscritas e desenhos. No final da viagem, fica nove meses na cidade do Pará à espera de partir para Lisboa, tempo durante o qual o Governador e Capitão General do Pará o nomeia para Vogal com a função de assistir às Juntas de Justiça e Fazenda. Durante esse período acaba por se casar com D. Germana Pereira de Queiroz Ferreira em 16 de setembro de 1792, filha do Capitão Luiz Pereira da Cunha, responsável pelo transporte das coleções de Alexandre Rodrigues Ferreira para a Corte e que nada recebeu pelo seu trabalho e despesa.
Volvida quase uma década, Rodrigues Ferreira e José Joaquim Freire regressaram para Lisboa em setembro de 1792. Os resultados da expedição foram 230 manuscritos, 8 cartas geográficas, 26 estampas e desenhos, 12 chapas de cobre gravadas, 2 volumes de aguarelas, armas e objetos indígenas e tudo aquilo que conseguiu ser coletado e transportado por vias fluviais e terrestres até Belém de depois atravessar o Atlântico até aos seus destinos: Real Jardim Botânico da Ajuda e o Real Gabinete de História Natural. Somam-se a este espólio inventariado pelo cientista Carlos França, outros recentemente descobertos: a coleção de estampas do Conselho Federal de Cultura (Museu Nacional do Rio de Janeiro) e a coleção de estampas Brummer. As estampas revelam dados da geografia natural e geografia humana, de várias embarcações civis e militares, de técnicas agrícolas tradicionais do período pré-industrial, de antropologia—raças e etnias—e de técnicas de construção e técnicas alimentares, e zoologia (aves e mamíferos) e botânica. A riqueza dos minerais e da flora estimularam o seu intelectual, mas não é menos significativo o legado que nos deixou sobre as doenças que padeciam os indígenas e os visitantes que respiravam o “ar doentio” das terras encharcadas em água, como por exemplo em Mato Grosso. A sua preparação em ciências médicas para aliviar os males da tripulação, permitiram-lhe fazer esta investigação, que se revelou preciosa para a História da Medicina. Neste âmbito, importa mencionar o legado que nos chegou das boticas de Alexandre Rodrigues Ferreira—duas listas com todos os compostos que este requisitou em Barcelos em 5 de fevereiro de 1788 para a sua expedição ao Rio da Madeira e a segunda data de 21 de Maio de 1790—“Relação de tudo quanto se faz preciso apromptar para a Expedição Philozofica de Villa Bella para Cuyabá”.
Em 1793, instalado em Lisboa, em mercê dos serviços prestados, foi nomeado Oficial da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, dedicando-se, durante um curto período de tempo, à administração metropolitana. A 25 de julho de 1794 foi condecorado com a Ordem de Cristo. A 7 de setembro de 1794, na sequência do falecimento de Júlio Matiazzi, foi nomeado Vice-Diretor do Real Gabinete de História Natural e do Real Jardim Botânico da Ajuda, com tutela ainda da tesouraria do complexo e seus estabelecimentos—gabinete da biblioteca, também conhecido como do Desenho, casa do laboratório, dita das preparações, armazéns, etc., sendo sucessivamente reconduzido nestas funções até 1811. A partir de 1794, dedicou-se à seleção e organização das coleções da Ajuda, em particular do material produzido e recolhido durante a viagem ao Brasil, com o objetivo de compor uma História Natural do Pará, em vários volumes, que deixaria inacabada. Foi ainda nomeado administrador das Reais Quintas de Queluz, Caxias, e Bemposta por decreto de 25 de julho de 1794, tendo desempenhado um papel fundamental na conclusão da cascata com esculturas de Joaquim Machado de Castro. Nesse ano foi também nomeado Deputado da Real Junta do Comércio por decreto de 23 de dezembro de 1795.
Alexandre Rodrigues Ferreira revelou um verdadeiro espírito científico nas observações feitas ao natural que recolheu no Brasil, assim como na preocupação epistemológica de distinguir o conhecimento científico do conhecimento em geral, nunca deixando de privilegiar o conhecimento que engrandecia o reino.
Estando doente desde cerca de 1807, faleceu em Lisboa, em 23 de abril de 1815.
Ana Duarte Rodrigues e David Felismino,
NOVA FCSH
Arquivos
Academia das Ciências de Lisboa, Portugal
Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa, Portugal
Biblioteca Nacional–Divisão de Obras Raras e Publicações, Rio de Janeiro, Brasil
Museu Nacional de História Natural, Lisboa, Portugal
Museu Antropológico da Universidade de Coimbra
Obras
Abuso da Conchyologia em Lisboa, para servir de introdução à sua Theologia dos Vermes
Exame da Planta Medicinal, que como nova aplica, e vende o Licenciado Antonio Francisco da Costa, cirurgião Mór do Regimento de Cavalaria de Alcantara.
Alexandre Rodrigues Ferreira. Catálogo de Manuscritos e Bibliografia, Biblioteca Nacional. Divisão de obras raras e publicações, 1952.
Bibliografia sobre o biografado
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Lima, Américo Pires de. O Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira. Documentos Coligidos e Prefaciados. Agência Geral do Ultramar. Divisão de Publicações e Biblioteca, 1953.
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Soares, José Paulo Monteiro e Cristina Ferrão, eds. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira: Colecção Etnográfica. Rio de Janeiro: Kapa, 2005
Matos, Manuel Cadafaz de. No segundo centenário da viagem filosófica, de Alexandre Rodrigues Ferreira, por terras do Brasil. Lisboa: Távola Redonda, 1993.
Cunha, Osvaldo Rodrigues da. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira: Uma análise comparativa de sua viagem filosófica (1783-1793) pela Amazônia e Mato Grosso com a de outros naturalistas posteriores. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1991.
Memória da Amazónia: Alexandre Rodrigues Ferreira e a viagem philosophica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá: 1783-1792. Coimbra: M.L.A. da Univ., 1991.