Barbosa, João Mendes Sachetti

Estremoz, 29 março 1714 — ca. 1773/1774

Palavras-chave: newtonianismo, medicina setecentista, reforma pombalina do ensino da medicina.

DOI: https://doi.org/10.58277/GTWS1803

João Mendes Sachetti Barbosa foi um médico português e principal responsável pela reforma do curso de Medicina da Universidade de Coimbra, durante o governo pombalino. Manteve relações epistolares com diversos médicos portugueses residentes no estrangeiro, incluindo Jacob de Castro Sarmento (1691–1762) e António Nuno Ribeiro Sanches (1699–1782), estando a par das novidades científicas e médicas da época. 

Sachetti Barbosa foi filho de João Mendes Sachetti e de Catarina Rodrigues. De origem humilde, estudou Filosofia em Évora e Medicina em Coimbra. Após a conclusão do curso, foi médico em Estremoz e em Campo Maior onde obteve o lugar de médico do Hospital Real. Em 1743, foi para Elvas, onde continuou a exercer as mesmas funções.

Nos anos seguintes, procurou estabelecer o seu prestígio internacional. Em 1745, enviou uma carta para Martin Folkes, presidente da Royal Society of London, comunicando algumas novidades científicas, incluindo a descrição de uma pedra, alegadamente com propriedades terapêuticas. No ano seguinte, apresentou a sua candidatura para sócio daquela instituição, tendo a mesma sido rejeitada. Jacob de Castro Sarmento, médico judeu exilado em Londres, fez parte do conjunto de sócios que apoiaram a sua proposta. Foi provavelmente por esta época que os dois médicos iniciaram uma troca epistolar mantida até à morte de Sarmento.

Em 1747, foi eleito para sócio da Academia Medica de Madrid. Dois anos depois, fez parte da Academia Portopolitana, fundada no Porto por Manuel Gomes de Lima, tendo escrito a “Oração Academica Inaugural”, onde defendeu as ideias do médico neerlandês Herman Boerhaave (1668–1738). Desta academia fizeram parte Sarmento e Ribeiro Sanches, para além de outros médicos, colegas de Sachetti Barbosa no Alentejo, província onde viveu uma parte significativa da sua vida.

A 10 de maio de 1750, quatro anos após a sua primeira tentativa, foi aceite como sócio da Royal Society, tendo a sua proposta sido apoiada por Robert Moore, botânico inglês, que conheceu Sachetti Barbosa pessoalmente. Foi provavelmente nesta época que iniciou a sua correspondência com António Nunes Ribeiro Sanches, também ele residente fora do país.

Numa obra publicada em Paris em 1752, de autor desconhecido, dedicada às águas termais das Caldas da Rainha, foi apontado como o médico português mais indicado para dirigir o hospital termal daquela localidade e proceder às reformas necessárias. No ano seguinte, Sarmento dedicou a este estabelecimento a obra Appendix ao que se acha escrito na Materia Medica do Dr. Jacob de Castro Sarmentosobre a Natureza, Contentos, Effeytos, e Uso pratico, em forma de bebida, e banhos das Agoas das Caldas da Rainha.

Das diversas comunicações enviadas para a Royal Society, apenas duas foram publicadas nas Philosophical Transactions. A primeira consistiu no registo das observações feitas em Elvas em Março de 1755, utilizando um tubo ótico, dando conta dos defeitos da superfície lunar. A segunda incluiu excertos de duas cartas enviadas a Sarmento, onde são descritos os efeitos devastadores do grande terramoto de Lisboa de 1755. Sachetti Barbosa estava em Lisboa quando se deu o sismo, tendo presenciado a destruição provocada na capital portuguesa.

Em 1756 foi nomeado Familiar do Santo Ofício, o que lhe permitiu alcançar posições mais vantajosas. Quando, em 1758, publicou a sua principal obra, intitulada Considerações Medicas sobre as Epidemias e Febre Agudas, já era médico do número da Casa Real e da Câmara de D. António, de D. Gaspar e de D. José, e cavaleiro fidalgo da mesma Casa. 

Serviu como físico-mor do Exército durante a guerra de 1762 (Guerra Fantástica), tendo, porém, caído em desgraça por razões desconhecidas. Esteve preso quatro meses e meio e teve baixa de posto por aviso de D. Luiz da Cunha de 21 de abril de 1763. 

Com a morte de Sarmento, em 1762, estabeleceu uma relação epistolar com Emanuel Mendes da Costa, secretário da Royal Society, tendo mantido esse contacto de 1763 até 1765.

Participou ativamente na reforma do curso de Medicina da Universidade de Coimbra, no âmbito das alterações introduzidas pelo governo pombalino nos estatutos daquela instituição. No diário de Frei Manuel do Cenáculo, presidente da Junta de Providência Literária, foi referido que Sachetti Barbosa foi o principal responsável pela renovação do curso. A correspondência entre Sachetti Barbosa e Ribeiro Sanches evidenciou que este último também participou na elaboração dos novos estatutos. Após a sua publicação, em 1772, Ribeiro Sanches não ficou satisfeito com a reforma, devido ao facto de muitas das suas sugestões não terem sido seguidas, o que terá determinado o fim da amizade entre os dois homens.

O local e a causa da morte de Sachetti Barbosa são desconhecidos, não se sabendo se terá morrido em 1773 ou em 1774.

Sachetti Barbosa teve um papel relevante nas transformações ocorridas na medicina portuguesa do século das luzes. Os contatos estabelecidos com sociedades estrangeiras e com os médicos portugueses emigrados de maior prestígio, permitiram-lhe aceder a algumas das novidades médicas do século, como, por exemplo, a inoculação das bexigas (varíola), prática defendida pelo seu colega Sarmento. Seguidor das ideias de Boerhaave, contribuiu para a sua disseminação e apropriação entre os médicos portugueses.

A sua principal obra, Considerações Medicas sobre o Método de Conhecer, Curar e Preservar as Epidemias e Febres Malignas, teve algum impacto entre os médicos portugueses, sendo claramente influenciada por Isaac Newton (1643–1727), e pelas obras de Boerhaave e dos seus seguidores, como Gerard van Swieten (1700–1772), ou John Huxham (1692–1768). A obra foi dedicada ao príncipe D. António, filho de D. João V. A primeira parte, que foi a única a ser publicada, incluiu duas cartas, devendo a segunda ter incluído uma terceira carta e um apêndice. 

No prefácio, procurou sustentar a opinião de que a verdadeira medicina deveria ser fundada na experiência e na observação judiciosa, elegendo Boerhaave, que seguiu os princípios experimentais definidos por Newton, e Hipócrates, como os autores mais relevantes. 

Na primeira carta, procurou estabelecer a relação entre as febres e a ocorrência de fenómenos naturais, como os terramotos, as inundações, ou o aparecimento de meteoros e cometas. Na segunda carta, onde aludiu aos modos pelos quais se podem curar as febres, preconizou a união do saber antigo com o saber moderno. Nesta carta, são fez críticas aos médicos portugueses, nomeadamente no que respeitava à utilização de certos medicamentos na cura das febres. 

A obra foi criticada pelo médico Duarte Rebelo de Saldanha num livro editado em 1761, intitulado Illustração Médica Ethico-Politica, Historico-Sistematica, Sceptico-Eclectica, Fizico-Analitica, e Theorico-Pratica

Também foi produtor de medicamentos de segredo, incluindo a Água de Inglaterra (vinho obtido a partir da quina quina, cujo princípio ativo mais importante era a quinina), o medicamento de segredo mais importante do século XVIII. Algumas das receitas para a preparação dos seus medicamentos foram-lhe comunicadas por Sarmento e Ribeiro Sanches. 

A obra e atividade de Sachetti Barbosa foram ilustrativos do modo como alguns médicos portugueses procuraram estar a par das novidades científicas e médicas da época, estabelecendo contactos com sociedades estrangeiras e com médicos emigrados com prestígio. Newtoniano e apoiante das ideias de Boerhaave, Sachetti Barbosa procurou disseminar as novas ideias entre os médicos portugueses. A reforma do curso de Medicina da Universidade de Coimbra foi o seu maior contributo para a medicina portuguesa de setecentos, propondo uma prática clínica baseada na observação e na experimentação.

Hélio Pinto

Arquivos

Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Fundos, Conselho Geral do Santo Ofício, Inquisição de Évora.

Biblioteca Nacional.

Obras

Sachetti Barbosa, João Mendes. Consideraçoens Medicas sobre o Metodo de Conhecer, Curar, e preservar as Epidemias, ou Febres Malignas Podres, Pestilenciais, Contagiozas, e todas as mais que se compreendem no titulo de Agudas, a cujos respeitos se trata do uso, e abuzo de todos os remedios notáveis da nossa presente pratica, principalmente leites, soros, e caldos de frangos por ordem ao clima de Portugal, e a vulgar opinião, que muitos tem sobre o de Lisboa, e o das Provincias…. Lisboa: José da Costa Coimbra, 1758.

Bibliografia sobre o biografado

Dias, José Pedro Sousa, A Água de Inglaterra – Paludismo e Terapêutica em Portugal no século XVIII. Lisboa: Caleidoscópio, 2012.

Lemos, Maximiano de. História da medicina em Portugal, doutrinas e instituições, Lisboa: D. Quixote e Ordem dos Médicos, 1991.

Silva, Francisco Innocencio da e Aranha Brito. Diccionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858–1958.