Santos, Capitania de São Paulo, Brasil, 13 junho 1763 — Ilha de Paquetá, Brasil, 6 abril 1838
Palavras-chave: mineralogia, geognosia, Intendência Geral de Minas, Academia de Minas de Freiberg, Academia das Ciências de Lisboa, malária.
DOI: https://doi.org/10.58277/NARE4042
José Bonifácio de Andrada e Silva foi um mineralogista e estadista. O seu pai, Bonifácio José Ribeiro de Andrada foi coronel e detentor de uma fortuna considerável, e a mãe, Maria Bárbara da Silva, prima do marido, descendia dos condes de Bobadela. Os Bobadela-Freire de Andrade constituíam um dos ramos de uma abastada e respeitada família nobre do norte de Portugal.
Primeiramente instruído pelo pai, José Bonifácio foi para São Paulo em 1777, tendo ali estudado gramática, retórica, filosofia e francês sob a orientação do franciscano Manuel da Ressurreição, sagrado bispo de São Paulo por Frei Manuel do Cenáculo de Vilas Boas, em 1774. Em 1783, foi enviado para Portugal a fim de completar a sua educação, matriculando-se na Universidade de Coimbra, que fora reformada em 1772 pelo marquês de Pombal, onde estudou matemática, filosofia natural, que na época abrangia a astronomia e a história natural, e direito, tendo concluído os estudos na Faculdade de Filosofia, em 1787, e na Faculdade de Leis, em 1788.
Na sua juventude coimbrã, José Bonifácio cultivou igualmente a poesia e as ideias expressas nos seus poemas foram muitas vezes explicitamente inspiradas em Leibniz, Descartes e Newton. Leu diversos autores clássicos e contemporâneos, tais como Montesquieu, Locke, Pope, Virgílio, Horácio, Camões e Rousseau, sendo Voltaire o filósofo que mais o influenciou.
Com o apoio de um familiar, o duque de Lafões, parente da família real e um dos fundadores da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779), Bonifácio tornou-se membro desta instituição em 1789, apresentando neste ano o seu primeiro trabalho, intitulado “Memória sobre a pesca das baleias e extração do seu azeite; com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias”.
Em 1790, José Bonifácio casou com a irlandesa Narcisa Emília O’Leary. Entretanto, o duque de Lafões foi exercendo influência junto de D. Maria I para que esta enviasse Bonifácio para o estrangeiro numa missão científica, que se prolongou por um decénio. O principal objetivo foi obter e trazer para Portugal informações teóricas e práticas sobre química, mineralogia, exploração de minas e metalurgia, áreas então em franco desenvolvimento na Europa em resultado da revolução industrial.
Bonifácio deixou Portugal na companhia de dois naturalistas: Joaquim Pedro Fragoso de Sequeira e Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt Aguiar e Sá, ambos igualmente nascidos no Brasil. Entre 1790 e 1791, estudou mineralogia com René Juste Haüy, botânica com Antoine Laurent de Jussieu, química e mineralogia com Jean-Antoine Chaptal e Antoine François de Fourcroy e frequentou as aulas de Jean-Pierre-François Guillot-Duhamel na Escola de Minas de Paris. Ainda em 1790, apresentou um trabalho, em coautoria com o irmão, Martim Francisco de Andrada e Silva, à Sociedade de História Natural, intitulado “Mémoire sur les Diamants du Brésil”, que lhe valeu o ingresso nesta instituição no ano seguinte. Algum tempo antes, foi eleito para a Sociedade Filomática, um passo que normalmente precedia a filiação na Academia das Ciências de Paris. Na realidade, foi, mais tarde, membro-correspondente do Instituto de França, instituição criada por Napoleão Bonaparte, que agrupou as cinco principais academias francesas, incluindo a Academia das Ciências. Durante a sua estadia em França, foi testemunha da “hidra fatal” da Revolução Francesa, liderada por “homens solapados que se apregoam amigos do povo”. Bonifácio repudiou-a por diversos motivos, entre os quais seus efeitos sangrentos.
José Bonifácio foi depois para os estados germânicos, onde frequentou, entre 1792 e 1794, os cursos de geognosia e minas de Abraham Gottlob Werner na famosa Academia de Minas de Freiberg. Ali foi colega e amigo dos prussianos Alexander von Humboldt e Christian Leopold von Buch, do dinamarquês Jens Esmark e do espanhol Andrés Manuel del Rio, todos naturalistas de renome. Na Academia de Freiberg, estudou ainda matemática pura e aplicada com Johann Friedrich Lempe, direito e legislação mineira com Josef Köhler, química mineral com Johann Klotzsch, química prática com Johann Carl Freisleben e metalurgia com Wilhelm August Eberhard Lampadius.
Visitou diversas minas na Áustria e viajou por Itália, onde privou com Alessandro Volta, e pela Grã-Bretanha, onde conheceu Joseph Priestley. Em Itália, dedicou-se aos estudos geológicos, o que o levou a escrever em 1794 uma dissertação intitulada “Viagem Geognóstica aos Montes Eugâneos”, na qual, enquanto neptunista na linha de Werner, se opôs às teorias vulcanistas sobre essa mesma região italiana, defendidas por Johann Jacob Ferber, Alberto Fortis e Lazzaro Spallanzani. Entre 1796 e 1799, viajou pela Suécia, Noruega e Dinamarca, onde teve a oportunidade de frequentar cursos de mineralogia em Uppsala com Torbern Bergman e, as lições de Peter Christian Abilgaard em Copenhaga. Visitou ainda minas na Escandinávia, em Arendal, Sahla, Krageroe e Langbanshyttan. Destas visitas resultou a descoberta de doze novos minerais (quatro novas espécies e oito variedades de espécies conhecidas). As quatro novas espécies de minerais foram por ele designadas, respetivamente, petalite, espodumena, criolite, escapolite. As oito variedades que pensou serem novas espécies foram designadas wernerite (uma variedade de escapolite), acanticónio (uma variedade de epídoto), salita (um nome que hoje se aplica às piroxenas comuns), cocolite (uma variedade de piroxena), ictioftalmite (uma mistura de apofilite com indicolite e alocroíte), indicolite (correspondente à turmalina azul), afrisite (uma variedade de turmalina negra) e alocroíte (correspondente à granada). Todos estes minerais foram descritos num artigo intitulado “Kurze Angabe der Eigenschaften und Kennzeichen einiger neuen Fossilien aus Schweden und Norwegen nebst einigen chemischen Bemerkungen über dieselben”, publicado na revista alemã Allgemeines Journal der Chemie.
Este estudo teve uma considerável repercussão na Europa, tal como revelam as diversas traduções da versão original alemã. Nele, Bonifácio deu especial ênfase à determinação do peso específico dos minerais, que calculou com grande precisão. O peso específico era, à época, um parâmetro fundamental para a identificação de minerais, uma vez que o fenómeno do isomorfismo era ainda desconhecido, a escala de Mohs não existia e os sistemas cristalinos ainda não tinham sido estabelecidos. Os mineralogistas tinham de confiar integralmente na determinação rigorosa de propriedades como a clivagem, a cor, a dureza aproximada, as formas de cristalização e as propriedades químicas. Dois dos minerais identificados por José Bonifácio adquiriram particular importância na história da classificação periódica dos elementos químicos: a petalite e a espodumena, originalmente identificados na Suécia. Ambos os minerais são silicatos, mas foi Martin Klaproth que, alguns anos mais tarde, determinou a natureza da espodumena como um silicato de alumínio. No entanto, a massa total do mineral excedia sempre a soma das massas respetivas de alumínio e silício. Só em 1818, um estudante de Jöns Jacob Berzelius, Johann August Arfwedson, concluiu, através de uma minuciosa análise da petalite, que este mineral incluía uma base contendo um metal ao qual deu o nome de lítio. O mesmo ocorreu com a espodumena, na qual Humphry Davy e William Thomas Brande identificaram, independentemente, a presença de lítio.
Na Escandinávia, José Bonifácio recusou o convite do príncipe da Dinamarca para inspetor das minas norueguesas. Após a estadia no norte da Europa, visitou a Bélgica, a Holanda, de novo os estados germânicos, a Hungria, a Boémia, a Turquia e a Inglaterra. Com 37 anos, tornara-se membro das mais relevantes instituições científicas europeias, como a Sociedade Mineralógica de Iena, a Academia de Berlim, a Academia de Estocolmo, a Sociedade Geológica de Londres e a Sociedade Werneriana de Edimburgo.
Em 1801, regressou a Portugal e as suas atividades foram oficialmente reconhecidas pela Coroa que o nomeou para diversos cargos, que nem sempre eram pagos e, frequentemente, eram mal pagos, sendo encarados como distinções e sinais de reconhecimento oficial. José Bonifácio rapidamente se sentiu submergido pelo excesso de tarefas administrativas, que, muitas vezes, implicavam a cobertura de todo o país, destacando-se as de membro do Tribunal de Minas, intendente-geral das Minas e Metais do Reino, administrador das minas de carvão de Buarcos e das minas e fundição de ferro de Figueiró dos Vinhos e inspetor das matas e florestas. Foi também nomeado para a cátedra de Metalurgia da Universidade de Coimbra, com um contrato por seis anos, mas esta experiência revelou-se frustrante. A mentalidade dominante e a falta de instalações e equipamentos não lhe permitiram prosseguir os seus planos de modernização do ensino da mineralogia, que considerava livresco e arcaico. Numa tentativa de ultrapassar estas dificuldades, recorreu à sua coleção particular de minerais, que sabia ser de grande qualidade e com potencial para se tornar uma das melhores da Europa. Foi também nomeado diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda, em 1801, ficando encarregado de aí organizar aulas práticas de química e docimasia, e, em 1802, diretor das obras de reflorestamento da orla marítima portuguesa. Enquanto diretor do laboratório da Casa da Moeda, Bonifácio orientou diversos projetos de investigação. Em 1814, publicou, em conjunto com João Croft, Sebastião de Mendo Trigoso e Bernardino António Gomes, um artigo sobre o quinino que resultou de pesquisas realizadas em 1811, efetuadas no contexto da busca, promovida pelo governo português, de um substituto brasileiro da quinquina peruana. Esta substância era amplamente utilizada como antipirético, sobretudo na luta contra a malária. Pela vastidão dos conhecimentos de química adquiridos no estrangeiro, orientou as investigações subsequentes realizadas no laboratório da Casa da Moeda por Alexandre António Vandelli, e pelo médico Bernardino António Gomes, tendo este último isolado, por cristalização da denominada Chinchonina, a substância ativa de carácter básico (alcaloide) presente na casca da quina.
Em 1807, foi dispensado da docência na Universidade para melhor se dedicar à Intendência-Geral de Minas, sendo ainda nomeado superintendente do Encanamento do Rio Mondego e das Obras Públicas de Coimbra. Com as Invasões Francesas, participou ativamente na resistência às tropas napoleónicas, entre 1808 e 1810, tendo sido nomeado major em 1809, e depois tenente-coronel do Corpo Militar Académico.
Após o conflito, retomou as suas funções anteriores. Ascendeu a vice-secretário da Academia Real das Ciências de Lisboa em 1812, ano em que foi criada a Instituição Vacínica, liderada por Bernardino António Gomes. No ano seguinte, defendeu a adoção do Sistema Métrico Decimal e advogou a introdução da vacina antivariólica, em memória publicada em 1814.
Em 1810, José Bonifácio iniciou as suas tentativas de obter autorização para regressar ao Brasil, o que só conseguiu em 1819. A 24 de junho de 1810, fez um discurso de despedida na Academia Real das Ciências de Lisboa, em que expôs os seus pontos de vista sobre mineralogia e climatologia, declarando, igualmente, a sua intenção de traduzir para português a História Natural de Plínio. José Bonifácio dominava diversas línguas estrangeiras, sendo capaz de compreender onze línguas diferentes e de falar e escrever em seis.
Quando José Bonifácio regressou ao Brasil em 1819, recusou o cargo de reitor do Instituto Académico, uma espécie de universidade que D. João VI pretendia estabelecer no Rio de Janeiro. Em vez disso, dedicou-se a missões científicas, das quais resultaram planos para a exploração de recursos minerais e o estabelecimento de diversas indústrias. No seguimento da Revolução Liberal de 1820, as atividades científicas de Bonifácio terminaram em 1821, devido ao seu claro envolvimento político. O regresso a Portugal, em 1821, do rei D. João VI e da família real, assim como de muitos membros da aristocracia que se lhes juntaram, aliado às políticas aplicadas em Lisboa relativamente ao Brasil, conduziram a uma situação em que o príncipe D. Pedro, que tinha permanecido no Brasil, desafiou a autoridade paterna. José Bonifácio envolveu-se então nas campanhas militares comandadas pelo futuro imperador do Brasil, D. Pedro I. Em junho de 1821, José Bonifácio foi eleito vice-presidente da Junta Governativa de São Paulo, após o fracasso do governo imposto por Lisboa. Em dezembro desse mesmo ano, foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros. Nessa capacidade, desempenhou um influente papel devido, não só à sua competência diplomática, mas também à sua filiação na Maçonaria, onde atingiu o grau de Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, em 1822. Após a proclamação da independência do Brasil, neste mesmo ano, foi nomeado ministro do Império, mas divergências políticas levaram-no a passar à oposição, na qual se tornou extremamente ativo. Em 1823, foi preso e deportado para Espanha, mas depressa se mudou para Talence (Bordéus, França), onde viveu durante seis anos. No exílio, dedicou-se à poesia, escrevendo diversos livros e traduzindo autores latinos como Virgílio e Píndaro.
De novo regressado ao Brasil, foi viver na ilha de Paquetá, eximindo-se a qualquer participação política. No entanto, com a crise de 1831, que culminou com a abdicação do imperador D. Pedro I, foi nomeado tutor do novo imperador D. Pedro II, então com cinco anos de idade. Esta nomeação fundou-se na estima e admiração que o anterior imperador lhe dedicava, mas, uma vez mais, a intriga política levou à sua demissão, sob a acusação de subversão, sendo então detido e colocado sob prisão domiciliária em Paquetá. Orgulhoso e perentório, o “Patriarca da Independência”, como passou a ser conhecido no Brasil, recusou-se a ir a tribunal. Finalmente, após algumas atribulações, acabou por ser absolvido em 1835.
Politicamente, as atividades de José Bonifácio pautaram-se por um profundo sentido de objetividade e pragmatismo, que foi da maior importância no processo de independência do Brasil. Anticolonialista, opôs-se aos empréstimos externos e à dependência económica. Em linhas gerais, o seu pensamento político caracterizou-se pela defesa de uma reforma agrária que se opunha ao latifúndio, do direito dos analfabetos ao voto, da extinção do tráfico de escravos e da abolição gradual da escravatura, bem como da integração dos índios.
Obras
Bonifácio, José e Martim Andrada. “Voyage minéralogique dans les provinces de Saint-Paul au Brésil.” Journal des Voyages 36 (1827): 216–227.
Bonifácio, José, João Croft, Sebastião de Mendo Trigoso e Bernardino António Gomes. “Experiências Químicas sobre a Quina do Rio de Janeiro, Comparada com Outras.” Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa 3 (1814): 96–118.
Bonifácio, José. “Kurze Angabe der Eigennschaften und Kennzeichen einiger neuen Fossilien aus Schweden und Norwegen, nebst einigen chemischen Bemerkungen über dieselben.” Allgemeines Journal der Chemie 4 (1800): 29–39.
Bonifácio, José. “Mémoire sur les Diamants du Brésil.” Annales de Chimie 15 (1792): 82–88.
Bonifácio, José. “Memória sobre a Pesca das Baleias e Extracção de Seu Azeite; com Algumas Reflexões a respeito das Nossas Pescarias.” Memórias da Academia Real das Ciências e Lisboa 2 (1790): 388–412.
Bonifácio, José. “Memória sobre as Pesquisas e Lavras dos Veios de Chumbo de Chacim, Souto, Ventozelo e Vila de Rei, na Província de Trás-os-Montes.” História e Memória da Academia Real das Ciências de Lisboa 5 (1818): 77–91.
Bonifácio, José. Apontamentos para a Civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823.
Bonifácio, José. Representação à Assembleia Geral e Constituinte e Legislativa do Império do Brasil Sobre a Escravatura. Paris: Firmin Didot, 1825.
Bibliografia sobre o biografado
Bruhns, Karl. Alexander von Humboldt. Eine wissenschaftliche Biographie. Leipzig: F. A. Brockhaus, 1872.
Coelho, José Maria Latino. Elogio Historico de José Bonifácio de Andrada e Silva, lido na Sessão Pública da Academia Real das Sciencias de Lisboa em 15 de Maio de 1877. Lisboa: Typographia da Academia, 1877.
Cruz, Guilherme Braga da. “Coimbra e José Bonifácio de Andrada e Silva.” Memórias da Academia das Ciências de Lisboa – Classe de Letras 20 (1979): 216–276.
Falcão, Edgard de Cerqueira. Obras Científicas, Políticas e Sociais de José Bonifácio de Andrada e Silva. Santos: Câmara Municipal de Santos, 1963. 3 vols.
Filgueiras, Carlos. “A Química de José Bonifácio.” Química Nova 9 (1986): 263–268.
Haüy, René Juste. Traité de Minéralogie. Paris: Imprimerie de Delance, 1801. 4 vols.
Lima, Oliveira. O Movimento de Independência:1821–1822. São Paulo: Companhia de Melhoramentos de São Paulo, 1922.
Sousa, Octávio Tarquínio de. O Pensamento Vivo de José Bonifácio. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1961.