Brandão, Franciso Maria de Sousa

Murtosa, 11 maio 1818 – Lisboa, 26 maio 1892

Palavras-chave: caminhos-de-ferro, bitola reduzida, associativismo, socialismo.

DOI: https://doi.org/10.58277/CONX8093

Francisco Maria de Sousa Brandão foi um dos engenheiros mais intervenientes na implantação do sistema ferroviário português durante a Regeneração e também um pioneiro na introdução dos ideários republicanos, socialistas e associativistas em Portugal. 

Filho de Manuel de Sousa Ferreira Brandão, cresceu numa família de fortes convicções liberais. Fez os primeiros estudos em Humanidades no Seminário de Lamego, cidade onde foi criado pelo seu tio Pantaleão de Sousa, que o motivou para a carreira militar e para a luta pela causa liberal. Voluntariou-se em 1834, tendo-se destacado em alguns recontros no Norte do país e na batalha da Asseiceira. Nas décadas seguintes, foi promovido a alferes (1837), tenente (1843), capitão (1851), major (1868), tenente-coronel (1874), coronel (1876), general de brigada (1884) e general de divisão (1890).

Finda a Guerra Civil, ingressou na Academia Politécnica do Porto em 1836. Entre 1837 e 1840, participou nos trabalhos da reedificação da linha de defesa da Invicta. Em 1840, matriculou-se no curso de Estado-Maior da Escola do Exército, que concluiu em 1842, tendo simultaneamente obtido aprovação em Economia Política e Direito Administrativo e Comercial na Academia Politécnica de Lisboa. 

Em 1844, colocou-se entre os conjurados da revolta de Torres Novas. Falhado o golpe, fugiu para França, onde frequentou a Escola de Pontes e Calçadas até 1847. Aqui, adquiriu conhecimentos de engenharia, contactou com os princípios saint-simonianos de fomento e convenceu-se da necessidade de constituir um corpo de engenheiros portugueses e uma instituição nacional que os formasse. Em Paris, assistiu ainda à instauração da Segunda República, cujos ideais socialistas o influenciaram ao longo da sua vida. 

De regresso a Portugal, tornou-se, em 1849, diretor de Obras Públicas de Viseu, Vila Real e Bragança, mas foi exonerado, alegadamente pelas suas convicções políticas. 

Dedicou-se ao jornalismo e à difusão das ideias socialistas, tendo, em 1850, fundado com Lopes Mendonça o Ecco dos Operarios, o primeiro jornal socialista português. No mesmo ano criou a Associação dos Operários, à qual sucedeu em 1853 o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas. Em 1857, publicou Economia Social: o Trabalho, onde reuniu o essencial do seu ideário político.

A Regeneração integrou-o no escol de técnicos que deveriam aplicar os princípios saint-simonianos na modernização da nação. O próprio Sousa Brandão soube também colocar estes princípios à frente dos seus ideais mais revolucionários, sem, contudo, os esquecer por completo. 

Em 1852, foi integrado na comissão encarregada de estudar a diretriz da linha do Norte (Porto-Lisboa) e depois coadjuvou os técnicos da Companhia Central Peninsular nos trabalhos preliminares do caminho de ferro de Lisboa a Santarém. Até final da década, elaborou os projetos e fiscalizou as linhas-férreas de Porto-Coimbra (1855), Lisboa-Santarém, Barreiro-Vendas Novas (1856), Évora-Beja (1857), Coimbra-fronteira e Setúbal-Pinhal Novo (1859). Na década de 1860, já como inspetor de Obras Públicas e depois de uma curta passagem pela fiscalização das obras do porto da Figueira da Foz, em 1862, foi fiscal do governo junto da Companhia Real até 1867 e sucessivamente responsável pelos projetos dos caminhos de ferro do Porto a Braga e Barca de Alva, Coimbra-Almeida e Beira Baixa, além da tarefa de fixar com os seus congéneres espanhóis o ponto de ligação de várias linhas ibéricas (pelo Minho, Baixo Alentejo, Beiras e Douro). A sua ação foi particularmente importante no Douro ao demonstrar a exequibilidade da construção de um caminho de ferro pelo vale daquele rio. Por estes esforços foi premiado com as comendas da Ordem de Cristo (1864) e de Isabel, a Católica (1865), às quais juntou a Medalha de D. Pedro e D. Maria (1866).

O reconhecimento dos seus pares levou-o em 1861 ao Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, órgão consultivo do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, ao qual se manteve ligado até 1868 e de 1879 a 1892. 

Em 1865, estreou-se no Parlamento como deputado eleito por Santa Maria da Feira. Politicamente abraçara o golpe da Regeneração, mas, desiludido com os regeneradores, aproximou-se do Partido Histórico. Contudo, em 1865, chegou a São Bento como apoiante do governo reformista, que prometia a moralidade e as economias que haviam faltado aos executivos anteriores. Este ministério durou apenas dois meses, antes de ser substituído pelo governo da Fusão (aliança entre históricos e regeneradores), que contou quase sempre com a oposição de Sousa Brandão. Valendo-se do seu estatuto de engenheiro-chefe de primeira classe (desde 1866), demonstrou ao Parlamento a necessidade de impor boas condições de tração às linhas, que, embora onerando a construção no curto prazo, desoneravam a exploração no longo prazo. Recorrendo aos seus conhecimentos de economia política, mostrou-se contra a entrega dos caminhos de ferro a companhias privadas, sendo apologista do seu controlo público, através de engenheiros portugueses. Debateu também questões orçamentais, insurgindo-se contra o levantamento indiscriminado de impostos.

Os reformistas regressaram ao poder após a revolta da Janeirinha, em janeiro de 1868, mas, nesta altura, Sousa Brandão apoiou o novo executivo fora do parlamento, já que não foi eleito no voto de 1868. Manteve-se fiel aos reformistas até 1872, apesar de este partido ter posto em causa a política de melhoramentos materiais e de ter abolido o Corpo de Engenharia Civil. 

Com a implantação da república em Espanha em 1873, Sousa Brandão encontrou espaço para promover a formação de um partido mais progressista, com soluções fora do regime monárquico. Com os correligionários do Pátio do Salema (Elias Garcia, Oliveira Marreca, Latino Coelho, entre outros) fundou em 1876 o Partido Republicano, fazendo parte da sua direção em 1876 e 1877. Como republicano, defendeu a condição das classes operárias, a facilitação de crédito a pequenos industriais (esteve ligado ao Banco do Povo) e o desenvolvimento do movimento associativo operário e mutualista, das sociedades cooperativas (fundou duas, ligadas à metalurgia e à tecelagem) e da instrução popular.

A par da sua ação política e jornalística (colaborou com O Progresso e outros jornais), continuou com os trabalho ligados sobretudo à ferrovia: fiscalização das linhas do Norte e Leste (1869), direção dos trabalhos estatísticos ferroviários (1870), projetos das linhas da Beira Alta, Beira Baixa e ramal da Covilhã (1873-1876), vistoria à linha da Beira Alta antes da sua abertura (1882), elaboração de novos regulamentos sobre empreitadas (1883) e exame das tarifas em vigor (1883). 

Participou também no debate sobre o plano de rede ferroviária que se desenvolveu entre 1875 e 1878 na Associação de Engenheiros Civis Portugueses, fazendo parte da comissão responsável pela elaboração do projeto final. Na proposta que apresentou em nome individual, defendeu a sobreposição dos preceitos técnicos e económicos aos interesses políticos e particulares e a construção de linhas pelo Estado. Entre o seu projeto individual e o da comissão notavam-se diferenças, destacando-se a rejeição da diretriz da linha do Douro por Miranda do Douro e a do vale do Sado e a inclusão de duas ligações internacionais pelo Baixo Alentejo. 

Sousa Brandão foi ainda um dos principais teorizadores e propugnadores de soluções para a construção de caminhos de ferro em zonas montanhosas, através do uso da bitola reduzida, um tipo de ferrovia que se adaptava melhor aos caprichos do terreno, sendo, por isso, de implementação mais económica. Neste âmbito, foi enviado a Itália e à Suíça estudar este tipo de via-férrea nas montanhas daqueles países, no sentido de verificar a possibilidade de o aplicar às zonas acidentadas nacionais. Empregou estes conhecimentos nos estudos sobre caminhos de ferro a norte do Douro (1878–1880), propondo várias linhas em bitola reduzida ligando as províncias do Minho e Trás-os-Montes ao litoral e entre si.

Fora da ferrovia, a sua perícia foi também aplicada à construção de estradas (em Coimbra e Bragança em 1872), ao planeamento da rede rodoviária (1879), à formação de novos técnicos (aperfeiçoamento do Instituto Industrial em 1879 e presidência do júri dos exames de habilitação dos alunos de Engenharia da Escola do Exército em 1888–1890) e à reorganização do corpo de engenheiros (1885). Tornou-se também sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa em 1880.

Morreu em Lisboa, de febres palustres depois de se ter deslocado a Huelva em visita a uma mina. 

Sousa Brandão foi um dos mais laboriosos engenheiros da sua geração, destacando-se no planeamento e construção do sector ferroviário nacional. Apesar de muitas das suas propostas não terem sido acatadas superiormente, foi amplamente reconhecido pelos seus pares, em vida e após a sua morte. Em 1909, o engenheiro Fernando de Sousa considerou-o o “mestre dos mestres” em matéria de traçados e, com vários outros engenheiros, lamentava que muitas das suas propostas não tivessem sido seguidas em tempo útil. A sua reconhecida capacidade em fixar diretrizes tornou-se ainda mais relevante se se recordar que nessa época o levantamento corográfico do reino estava por fazer e os estudos tinham que ser feitos diretamente sobre o terreno. De facto, nestas tarefas, Sousa Brandão contribuiu para um melhor conhecimento corográfico da nação. Aplicou assim na perfeição a noção adquirida na formação francesa, segundo a qual um engenheiro não se devia limitar a aplicar os princípios técnicos que adquiria durante a sua aprendizagem, mas ter em conta o contexto mais amplo que as obras públicas se inseriam. Foi um dos maiores contribuidores para o debate sobre o progresso em Portugal e sobre o desenvolvimento da rede ferroviária nacional, juntando a esta faceta uma incisiva ação para o desenvolvimento do republicanismo, socialismo e dos movimentos associativos.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 20 Francisco Maria de Sousa Brandão, PT/AHMOP/PI/022/030.

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, cx. 988, processo individual de Francisco Maria de Sousa Brandão.

Santa Maria da Feira, Espólio de Francisco Maria de Sousa Brandão.

Obras 

Brandão, Francisco Maria de Sousa. “A rede dos caminhos de ferro em Portugal.” Revista de Obras Públicas e Minas 9 (99) (1878): 148–171.

Brandão, Francisco Maria de Sousa. “Caminho de ferro da Beira Baixa. Relatorio do projecto definitivo.” Revista de Obras Publicas e Minas 7 (93) (1878): 369–384.

Brandão, Francisco Maria de Sousa. “Caminho de ferro do Righi. Fortes rampas. Systema de cremalheira.” Revista de Obras Publicas e Minas 10 (115) (1879): 369–371.

Brandão, Francisco Maria de Sousa. “Caminhos de ferro de via reduzida. Caminho ligando os cantões de Saint Gall e Apentzel.” Revista de Obras Publicas e Minas 10 (115) (1879): 367–369.

Brandão, Francisco Maria de Sousa. Economia social: o trabalho. Lisboa: Tipografia do Progresso, 1857.

Brandão, Francisco Maria de Sousa. “Estudos de caminhos de ferro de via reduzida ao Norte do Douro.” Revista de Obras Publicas e Minas 11 (125–126) (1880): 145–183.

Brandão, Francisco Maria de Sousa. “Relatorio do fiscal do caminho de ferro de Sul, datado de 23 de Março de 1857.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 5 (1858): 571–572

Brandão, Francisco Maria de Sousa. “Relatorio sobre o reconhecimento do caminho de ferro pela Beira.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 3 (1860): 261–280.

Bibliografia sobre o biografado

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Gomes, Rui Manuel dos Santos. “Associação, município e república em Francisco Maria de Sousa Brandão.” Dissertação de mestrado. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1994.

Macedo, Marta Coelho de. Projectar e construir a nação. Engenheiros e território em Portugal (1873-1893). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845–1899)”. Dissertação de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Pereira, Hugo Silveira. “Francisco Maria de Sousa Brandão (1818–1892), ‘mestre dos mestres’ de traçados ferroviários.” TST – Transportes, Servicios y Telecomunicaciones 35 (2018): 162–194.

Pereira, Hugo Silveira e Bruno J. Navarro. “The implementation and development of narrow-gauge railways in Portugal as a case of knowledge transfer (c. 1850 – c. 1910).” The Journal of Transport History 39 (3) (2018): 355–380.  

Pinheiro, Bernardino. “Francisco Maria de Sousa Brandão.” Galeria Republicana 9 (1882): 1–3.

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Soares, Maria Isabel. “Francisco Maria de Sousa Brandão (1818–1892).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, ed. Maria Filomena Mónica, vol. 1, 454-457. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005–2006.