Carvalho, Augusto Luciano Simões de

Porto, 7 junho 1838 — m. 15 junho 1912

Palavras-chave: caminhos de ferro, saint-simonismo, Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, Minho e Douro.

DOI: https://doi.org/10.58277/DJEX5656

Augusto Luciano Simões de Carvalho foi um engenheiro português, formado em França, que se destacou no desenvolvimento da rede nacional ferroviária, nomeadamente nas linhas do Minho e do Douro.

Nasceu na Rua de Santa Catarina, n.º 888 (freguesia de Santo Ildefonso, concelho do Porto), filho de Luciano Simões de Carvalho, setembrista, antigo presidente da câmara do Porto, e de Maria Emília Gonçalves de Carvalho. 

Completou os primeiros estudos de Humanidades, Retórica, Literatura, História Natural, Física e Química no Colégio da Lapa (Porto) e em 1857 ingressou na Universidade de Coimbra. Aqui fez parte do Instituto de Coimbra (1860–1862), onde colaborou com o quinzenário Preludios Litterarios dirigido por Antero de Quental. Em 1863, obteve o grau de bacharel em Matemática e Filosofia. Inscreveu-se em seguida no curso de Engenharia da Escola do Exército, mas não o concluiu, uma vez que em 1864 foi escolhido para continuar os estudos na Escola de Pontes e Calçadas de Paris juntamente com os seus camaradas Cândido Celestino Xavier Cordeiro e Joaquim Veríssimo Mendes Guerreiro. Em Paris, estudou construção de caminhos de ferro, estradas, canais e portos, canalização de rios, arquitetura, mecânica aplicada à resistência de materiais, hidráulica e hidráulica agrícola e contatou de perto com o ideário saint-simoniano. O curso tinha um forte componente prática e Luciano de Carvalho participou em duas missões de obras públicas em Grenoble e Bordéus (com os professores Bertier e Gérier, respetivamente). Terminou o seu programa de estudos em 1867, sem grande brilhantismo (na avaliação final, somou 633 pontos em 975 possíveis). Antes de regressar a Portugal, foi incumbido pelo governo de visitar, com Xavier Cordeiro, a Exposição Universal de Paris e as regiões litorais do sul e sudoeste de França, de Espanha e de Itália, onde se focou na construção de faróis e material ferroviário fixo e circulante. 

Chegou a Portugal em 1868, no ano em que o governo extinguiu o corpo de engenharia civil. Luciano de Carvalho ficou assim numa situação precária, uma vez que, sem o curso da Escola do Exército, não tinha qualquer patente militar. Assim, enquanto a maioria dos seus camaradas foi reintegrado no ministério da Guerra, Luciano de Carvalho ficou temporariamente sem ocupação, até que em 1869 foi colocado nas direções reunidas de Obras Públicas de Beja e Portalegre. 

Em 1872, iniciou a sua longa carreira ferroviária. Por pedido João Joaquim de Matos, diretor da construção das linhas do Minho e Douro, foi contratado para dirigir o assentamento nas secções do primeiro daqueles caminhos de ferro entre a estação de Campanhã e o rio Ave e entre Nine e Tamel. A operação iniciou-se em 1875 até Braga e Luciano de Carvalho acumulou esta tarefa com a continuação da construção. Promovido a chefe de via e obras em 1877, foi encarregue do estudo da travessia do rio Minho em direção a Espanha. Depois de um curto interregno durante o qual visitou a Exposição Internacional de Paris de 1878, foi sucessivamente promovido a chefe de tração e conservação, diretor interino e diretor efetivo das linhas do Minho e do Douro (1879–1880). Em 1881, dirigiu o assentamento dos carris entre Valença e Espanha, incluindo a travessia internacional do rio Minho, e delineou uma variante da linha da Alfândega do Porto.

A partir de 1883, passou a trabalhar na linha do Douro. A sua experiência no terreno levou-o a acumular outras tarefas de obras públicas realizadas nas imediações: direção da construção da ponte Hintze Ribeiro em Entre-os-Rios (1884), fiscalização da construção e operação da linha do Tua (1884–1885), organização da brigada de estudos das diretrizes das linhas de Mirandela a Bragança e Viseu ao Pocinho e Miranda do Douro (1886–1890) e, coadjuvado pelos seus colegas Justino Teixeira, Afonso de Espregueira e Lobo Poppe, exame técnico e financeiro das ligações das linhas do Douro e Beira Alta a Salamanca, construídas pelo Sindicato Portuense (1888). Na linha do Douro propriamente dita, dirigiu a empreitada até 1889, destacando-se na construção da ponte internacional sobre o rio Águeda (1886–1887). Por esta tarefa e pela realizada anteriormente na ponte sobre o Minho foi agraciado pelo governo de Espanha. Terminada a construção das linhas do Minho e Douro, foi transferido para a sua exploração.

A sua experiência acumulada no setor valeu-lhe a promoção a engenheiro de primeira classe e a participação na comissão encarregada de organizar o serviço de construção, exploração e fiscalização dos caminhos de ferro nacionais (1886) e na gestão da exploração da linha do Minho (1889).

Em 1888 e 1889, acumulou os seus afazeres ferroviários com uma curta passagem pela questão hidráulica nacional no porto de Aveiro (com Joaquim Pires de Sousa Gomes e Adolfo Loureiro), e nos rios Mondego, Vouga e Liz. 

Depois de mais uma missão à Exposição Universal de Paris (1889), foi contratado, por sugestão do seu camarada Pedro Inácio Lopes, pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, primeiro como engenheiro-chefe de exploração (via e obras, tração e movimento) e depois como engenheiro-adjunto da direção. Durante este período, foi promovido a engenheiro-chefe de segunda classe (1892). Em 1893, fez parte da organização da participação nacional na Exposição Universal de Chicago. Voltou à Companhia Real, entre 1903 e 1906, como subdiretor da empresa. 

Regressou ao ministério das Obras Públicas em 1897, onde permaneceu até se reformar em 1911, como engenheiro-chefe de primeira classe (desde 1898), inspetor de obras públicas (desde 1905) e inspetor-geral (1911). Durante este período, integrou diversas comissões, ligadas ao caminho de ferro: para complementar a rede férrea a norte do Mondego, para defender o Estado no pleito que opunha aos empreiteiros da linha do Douro e para rebater a pretensão da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta contra a concessão da linha do Vouga; foi ainda delegado ao congresso internacional de caminhos de ferro de Berna. Fora do sector ferroviário, fez parte dos conselhos superiores dos Monumentos Nacionais, de Comércio e Indústria, de Arte e Arqueologia e de Obras Públicas e Minas; das comissões da Segurança dos Operários de Construção Civil, de verificar os estragos provocados pelo terramoto de 1909, de melhorar a acústica da câmara dos deputados e de extinguir a formiga branca. Internacionalmente, foi admitido na Academia Físico-Química Italiana.

Foi também um cronista da engenharia em Portugal, redigindo três súmulas biográficas dos seus camaradas Pedro Inácio Lopes, Xavier Cordeiro, João Evangelista Abreu e José Diogo Mascarenhas Mouzinho de Albuquerque.

Faleceu em 15 de julho de 1912. 

Augusto Luciano Simões de Carvalho foi um dos engenheiros portugueses que atuaram como agentes de modernidade no Portugal da segunda metade do século XIX. Formado em França, na prestigiada Escola de Pontes e Calçadas de Paris, trouxe para Portugal não só os mais modernos conhecimentos técnicos, como a promessa saint-simoniana de progresso baseado na tecnologia, os quais aplicou sobretudo no sector ferroviário. Fez parte do grupo de engenheiros que afirmou a classe na sociedade portuguesa, graças aos seus conhecimentos técnicos, desempenhando funções de relevo não só no serviço público, mas também no sector privado, contribuindo em ambos para a colocação da nação na senda do progresso. 

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, Instituto de Coimbra, correspondência recebida 1884.

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 32, Augusto Luciano Simões de Carvalho, PT/AHMOP/PI/032/041.

Obras 

Carvalho, A. Luciano de. “Caminhos de ferro do Minho e Douro. Linha Urbana do Porto.” Revista de Obras Publicas e Minas, 28 (327–328) (1897): 128–151. 

Carvalho, A. Luciano de. “Caminhos de ferro do Minho e Douro. Ramal da estação á alfandega do Porto.” Revista de Obras Publicas e Minas, 18 (215–216) (1887): 356–378. 

Carvalho, A. Luciano de. Catalogo descriptivo da coleccção de albuns, memorias e desenhos expostos na Exposição Universal de Chicago. Lisboa: Imprensa Nacional, 1896.

Carvalho, A. Luciano de. “De como foi iniciada a campanha da construção.” Gazeta dos Caminhos de Ferro de Portugal e Hespanha, 9 (213) (1896): 324–325. 

Carvalho, A. Luciano de e Alfredo Soares. “Ponte internacional sobre o rio Agueda.” Revista de Obras Publicas e Minas, 20 (233–238) (1889): 121–152, 165–229 e 273–293. 

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Caminhos de Ferro do Minho e Douro: ponte internacional sobre o rio Águeda: Memória. Lisboa: Imprensa Nacional, 1890.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Caminhos de Ferro do Minho e Douro: ponte internacional sobre o rio Minho: Memória. Lisboa: Imprensa Nacional, 1886.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Cândido Xavier Cordeiro: elogio histórico. Lisboa: Imprensa Nacional, 1907.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. João Evangelista de Abreu: elogio histórico. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Portugal: catálogo descriptivo da collecção de albuns, memorias e desenhos expostos da Associação de Engenheiros Civis Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional, 1895.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Portugal. Continjente da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses: exposição universal de Chicago, 1893. Lisboa: Imprensa Nacional, 1893.

Espregueira, Manuel Afonso de, Augusto César Justino Teixeira e Augusto Luciano S. de Carvalho. Caminhos de ferro de Salamanca á fronteira de Portugal. Relatorio ácerca do custo da sua construcção. Porto: Tipografia de Alexandre da Fonseca Vasconcelos, 1899.

Bibliografia sobre o biografado

Macedo, Marta Coelho de. Projectar e construir a nação. Engenheiros e território em Portugal (1873-1893). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chausées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos, Maria Paula Diogo, Irina Gouzévitch e André Grelon, 177–208. Lisboa: Colibri, 2009.

Matos, Ana Cardoso de. “World Exhibitions of the Second Half of the 19th Century: A Means of Updating Engineering and Highlighting its Importance.” Quaderns d’Història de l’Enginyeria 6 (2004): 225–235.

Matos, Ana Cardoso de e Maria Paula Diogo. “Bringing It All Back Home: Portuguese Engineers and Their Travels of Learning (1850-1900).” HoST  Journal of History of Science and Technology 1 (2009): 155–182.

Matos, Ana Cardoso de e Maria Paula Diogo. “Le Rôle des Ingénieurs dans l’Administration Portugaise, 1852-1900.” Quaderns d’Història de l’Enginyeria 10 (2009): 351–365.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899).” Tese de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.