Lisboa, João de

Lisboa, fins séc. XV-Índico, Cabo Rosalgate, 1525 

Palavras-chave: piloto, Índia, Descobertas.

DOI: https://doi.org/10.58277/HULK1788

Piloto da Carreira da Índia, nascido em Lisboa numa das últimas décadas do séc. XV. 

Embora em alguns casos as suas atividades como piloto e as suas viagens e âmbito geográfico sejam difíceis de ser cabalmente documentadas, admite-se que tenha não só feito várias viagens à Índia como também às costas do recém-descoberto Brasil e de África.

Poderá ter sido um dos pilotos de Vasco da Gama na sua viagem de 1497-99 (Brito Rebello, 1903, pp. XLI-XLV). De facto, Alonso de Santa Cruz afirma, quando esteve em Lisboa em 1545 a fim de colher informações para a resolução do problema da posse das Molucas, que se baseou para justificar as conclusões a que chegou no “derrotero de Juan de Lisboa, afamado piloto portugués en la carrera de la india, que por haber ido al descubrimiento de ella cuando no existían aquellas pretensiones y rivalidades, no habia sospecha de que en él estuviesen alteradas las situaciones geográficas de los lugares …” (Navarrete, 1848, p. 84); (Fontoura, 1983, p.303). 

Nesta mesma expedição terá seguido também Pero Anes, que mais tarde irá colaborar com João de Lisboa em observações astronómicas em Cochin, conforme narrado pelo próprio João de Lisboa num pequeno texto náutico, por si redigido, o Tratado da agulha de marear.

Podendo a viagem de Vasco da Gama ser a primeira experiência de João de Lisboa no Índico, a de Pedro Álvares Cabral em 1500 poderá ser a sua primeira experiência nas costas da futura América do Sul. De facto, o planisfério de Cantino, de 1502, já tem grafado o topónimo c. de Santa Maria, que mais tarde, em 1519 e durante a viagem de Fernão de Magalhães, é referido por um dos seus pilotos, João de Carvalho. Este ao avistá-lo, disse que o mesmo era do seu conhecimento “… por relacion de Juan de  Lisboa, piloto Portugues que avia estado en el.” (Brito Rebello 1903, pp. XLVI-XLVIII; Herrera, 1601, década II, L. 9º, p. 294). Esta informação poderá também confirmar a que foi exposta por “Alexandre de Gusmão em um Resumo Historico, Chronologico e Politico do Descobrimento da America, Ms. feito em Maio de 1751, [que] diz que em 1506 foram mandados  a este rio os pilotos João de Lisboa e Vasco Gallego de Carvalho …”(Brito Rebello, 1903, pp. XLVI, XLVII). Poderemos dizer, de acordo com a investigação levada a cabo por Brito Rebello, que “Os testemunhos de varios autores, Herrera, Gaspar Corrêa, Alexandre Gusmão, Varnahgen, etc., são suficientes para se poder asseverar que João de Lisboa foi por mais de uma vez às terras de Santa Cruz, a determinar e naturalmente arrumar nas cartas pontos descobertos por ele e outros.”(Brito Rebello, 1903, p. XLVIII). 

Quanto a viagens à Índia e ascensão hierárquica como piloto foi na armada de Tristão da Cunha como mestre da nau São Tiago, participou na armada de 1518 de Diogo Lopes de Sequeira, recebeu tença como piloto de D. Manuel em 1518 e foi nomeado seu patrão em 1519. Foi ainda nomeado por D. João III patrão da navegação da Índia e mar Oceano, do qual recebeu tença por carta de 1523 (Brito Rebello, 1903, p..308).

O seu nome está inscrito não só no mapa de Cantino, designando uma pequena angra na costa ocidental africana (ang. Juã de Lixboa), como também na carta de Lopo Homem de 1519, nomeando um rio a leste do Maranhão, o R. de Joham de Lisboa. Está ainda em muitas cartas do século XVI, registada no Índico a leste da ponta sul da ilha de S. Lourenço a ilha de João de Lisboa, sendo a mais antiga a de Jorge Reinel, c. 1519 (Fontoura, 1983, pp. 302-309). Admite-se que o topónimo inscrito no mapa de Cantino, que não se encontra em cartas posteriores, tenha sido consequência de viagens anteriores à de Vasco da Gama, indiciando uma atividade mais alargada de João de Lisboa em missões de descoberta e reconhecimento. 

Lisboa terá encontrado a morte no c. Rosalgate, visto ter participado na armada da Carreira da Índia de 1525 e o seu capitão-mor, Filipe de Castro ter narrado o seu naufrágio nesse local em carta dirigida ao rei. A sua morte poder-se-á confirmar, dado que foi substituído no cargo de piloto da carreira da Índia por outra entidade, igualmente provada por carta de 15 de Novembro do mesmo ano (Brito Rebello, 1903, pp. LI-LVV). 

O trabalho que se lhe atribui, o Livro de Marinharia de João de Lisboa, além da informação e doutrina náutica coligida ou da sua autoria e de um pequeno tratado (o Tratado da agulha de marear) que tem indiscutivelmente o seu nome, contém ainda informação náutica e roteirística que já corresponde a outros autores, visto ser de data posterior à sua morte. Contudo, a sua intensa atividade náutica, que o levou a percorrer as costas do Brasil, da África ocidental e oriental e do Índico Norte, e ainda os Oceanos Índico e Atlântico, indiciam que muitas regras de navegação que no livro estão incluídas, que foram posteriormente repetidas e desenvolvidas nos Livros de Marinharia posteriores, poderão ser de sua autoria. 

De facto, João de Lisboa não seria na época apenas um prático que utilizava as regras e conceitos de outrem. A sua curiosidade científica poderá ser demonstrada pelas experiências que indica ter levado a cabo em Cochin com Pero Anes para o aperfeiçoamento do Regimento do Cruzeiro do Sul (Brito Rebello, 1903, pp. XCI-XCIII). O conteúdo do seu Livro, que mais tarde foi enriquecido com novos roteiros e com um magnífico Atlas de ….. cartas portuguesas, foi intensamente utilizado no futuro, por outros pilotos e técnicos em terra. Embora a sua ideia de que a variação da agulha poderia ter valores proporcionais às longitudes dos lugares estivesse errada, como pouco depois D. João de Castro demonstrou, os outros conceitos expostos na sua compilação permitiram explorar todos os mares do mundo. Na realidade, antes do desenvolvimento de novos métodos e instrumentos, uma circunavegação foi efetuada com sucesso e os mares do Japão e da China foram navegados intensamente.

José Manuel Malhão Pereira

Bibliografia sobre o biografado

Navarrete, Martin Fernandez de. Coleccion de Opúsculos del Excmo. Sr. D. Martin Fernández de Navarrete, Tomo II, Madrid, Imp. de la Viuda Calero, 1848.

Rebello, Jacinto Ingnacio de Brito. Livro de Marinharia, Tratado da Agulha de Marear de João de Lisboa, Roteiros, sondas e outros conhecimentos relativos á navegação, Lisboa, Libanio da Silva, 1903.

Herrera, Antonio. Historia General de los Hechos de los Castellanos en las Islas i Tierra Firme del Mar Oceano Escrita por Antonio Herrera Coronista Mayor de su Md. de las Indias y su Coronista de Castilla, Madrid, Emplenta Real, 1601.

Varnhagen, Francisco Adolfo de. Diario de Navegação de Pero Lopes de Sousa, 1530-1532, Lisboa, Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1839. 

Costa, Abel Fontoura da. Marinharia dos Descobrimentos, 4ª ed., Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 1983.

Leite, Duarte. “O Mais Antigo Mapa do Brasil”, in História da Colonização Portuguesa do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1923, 3 vols., vol 2, pp. 225-283.

Pereira, Esteves. “O Descobrimento do Rio da Prata”, in História da Colonização Portuguesa do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1923, 3 vols., vol 2, pp. 353-360.

Albuquerque, Luís de. “João de Lisboa” in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, coord. Francisco Contente Domingues,  Lisboa, Caminho, 1994,  2 vols., vol. II.