Lisboa, ca. 1618 — 1632
Palavras-chave: navegação; século XVII.
DOI: https://doi.org/10.58277/OPEZ6270
A maior parte das informações biográficas sobre António de Naiera chegam a partir da leitura da sua obra maior: Navegacion Especulativa y pratica (1628). O próprio autor forneceu preciosos dados no frontispício e «Prologo» da obraao indicar que terá nascido em Lisboa (o mesmo se repetiu no frontispício da Suma Astrológica que mandou publicar em 1632). Os primeiros e precoces estudos em matemáticas terão sido realizados ainda em Portugal, onde viviam seus pais, mas logo que teve oportunidade ausentou-se da pátria, “(…) solicitando por toda España hombres doctos en esta faculdade; assi en Vniversidades, como fuera dellas (…)” de maneira a completar a sua formação em assuntos mais avançados nas ciências astrológicas, cosmográficas e de navegação. Em relação à sua esfera privada, tudo leva a crer que atingira já uma idade “madura”, que seria casado e que teria tido filhos. Nada se sabe de concreto sobre o ano em que nasceu mas duas indicações – idade madura e a referência à pátria – permitem especular que seria um homem com não menos que 40-50 anos, nascido ainda num Portugal independente, ou seja, na década de 1570.
Na época em que se editou a sua obra principal, Naiera seria possivelmente uma figura extrínseca aos principais organismos e instituições dedicados à gestão e instrução dos homens do mar. Não se encontraram, até à data, referências a cargos ocupados por si na Casa de la Contratación de Sevilha ou noutros organismos estatais em Espanha. Em Portugal, o cenário é idêntico. Aliás, é possível que nessa altura vivesse em Portugal, país onde de resto fez imprimir os seus principais trabalhos. Especulando um pouco mais, é de supor que tenha frequentado e colaborado com alguma das instituições de ensino peninsulares e aí adquirido conhecimentos mais específicos sobre os assuntos que agora se dedicava a publicar. A evidente filiação da Navegacion no trabalho de autores como os cosmógrafos Andrés García de Céspedes e Manuel de Figueiredo ou mesmo do padre Francisco da Costa (ainda que por via indirecta), poderá ser indicador de uma formação na Academia de Matemáticas de Madrid ou até em colégios jesuítas.
A primeira edição da Navegacion Especulativa y pratica não tem qualquer dedicatória (o mesmo já não iria suceder na segunda edição, publicada depois da sua morte), detalhe que pode justificar uma certa independência de instituições e mecenas. Não obstante, a leitura das «Licenças» de impressão deste livro permite saber um pouco mais. Aí, Dom Jorge d’Almeida certifica que viu “este liuro (…) por mandado de V.M. Composto por Antonio de Naiera, e por ella me acabei de inteirar das nouas que tinha deste Autor a que naõ daua inteira Fé, duuidando auer em Portugues tanta curiosidade, que chegasse a compor com eloquencia facil, e vtil, materia de tanta erudição. (…) pareceme que V.M. deue fazerlhe a merce que pede, no que mostra bẽ claro o rreceo que se tem da falta de curiosidade dos portugueses”. Esta licença indica um relativo desconhecimento da sua pessoa por parte das autoridades e também sugere que a composição do livro deste “matemático lusitano” foi provavelmente independente da corte, muito possivelmente também do ambiente universitário e dos organismos dedicados ao ensino da navegação. Apesar de tudo, o seu nome parecer ter tido alguma repercussão na Península Ibérica dominada pelos Habsburgo, principalmente devido à sua reputação como astrólogo, ocupação de onde retiraria os dividendos financeiros necessários à sua manutenção.
A Navegacion Especulativa y pratica é uma obra geral sobre assuntos de navegação, escrita em castelhano, e que apresenta características literárias próprias da sua época, bem como algumas que lhe conferem um particular interesse. O livro está na linha de composições anteriores por parte de alguns praticantes de matemáticas que usavam conhecimentos e procedimentos matemáticos nas suas práticas diárias (aplicadas ou teóricas), neste caso em assuntos de navegação, cartografia e construção de instrumentos.
Um dos objectivos desta edição era o de actualizar a informação disponível sobre o assunto. Ao longo da obra constata-se que o autor foi muito influenciado pelo trabalho do cosmógrafo e matemático Pedro Nunes e de Andrés García de Céspedes, e que procurou actualizar algumas informações presentes em trabalhos dos cosmógrafos Rodrigo Zamorano e Manuel de Figueiredo. Num plano mais geral, há referências a Regiomontano, Euclides, Magini e Clávio o que indica uma formação científica avançada do autor. Naiera apresenta também um bom conhecimento geral da astronomia da sua época. Destaca-se o facto de ter referido as observações e usado tabelas compostas por Tycho Brahe e a referência a dados astronómicos obtidos por Copérnico. Mesmo não sendo original na literatura científica ibérica, este facto revela António de Naiera como um homem informado e atento aos dados astronómicos mais precisos e avançados da sua época. O historiador Luís de Albuquerque sublinhou que Naiera foi “o primeiro português a usar sistematicamente a trigonometria esférica na resolução de problemas astronómicos de que trata”. Também Fontoura da Costa o listou, entre outros manuais de auxílio à pilotagem, como “excelente livro para a época”. Com efeito, o interesse à volta deste trabalho também se fez notar no seu tempo, já que teve uma segunda edição espanhola em 1669 e registam-se, pelo menos, duas traduções para português (Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Cod. 11063 e Cod. A.T./L. 15), o que aponta para alguma procura por parte de um público que se estendia a toda a península. Terá sido uma obra de referência e conhecida na Península Ibérica tendo servido de manual de navegação no século XVII. As outras obras que deixou impressas (além da Navegacion) indicam ligações à prática astrológica. Em 1619, mandou editar o folheto Discursos Astrológicos sobre o Cometa Que Apareceu em 25 de Novembro. Em 1632, fez sair do prelo uma Suma astrológica y arte de enseñar hazer prognosticos (…). Este último é um texto em que o autor procura tratar das influências dos astros em aspectos da vida comum como a navegação. No prólogo desta última obra revela a possibilidade de fazer editar uma Suma de observaçoes e experiencias metheorologicas feitas acerca dos tempos, e mutações para cada dia do anno.
Obras
Naiera, António de. Discursos Astrológicos sobre o Cometa Que Apareceu em 25 de Novembro. Lisboa, Pedro Craesbeck, 1619.
Naiera, António de. Navegacion especulativa y pratica, reformadas sus reglas por las observaciones de Tycho Brahe, com emienda de algunos yerros essenciales. Todo provado con nuevas supposiciones Mathematicas, y demonstraciones Geometricas; especialmente para saber el altura del polo Austral por las estrellas del Crucero, com tanta certeza como se haze tomando el Sol al medio dia, lo que hasta agora por los regimientos passados se hazia sin fundamento, y con muchos yerros. Assi mas trata la Navegación que se haze por el globo, y la diferencia que tienen carteando por el sus puntos a los que se toman en la Carta plana, que los navegantes usan. Con otras muchas curiosidades a proposito, assi para los doctos Navegantes, como para los puramente práticos. Lisboa: Pedro Craesbeck, 1628; Madrid: Imprenta Real, 1669, 2ª edição.
Naiera, António de. Suma astrológica y arte de enseñar hazer prognosticos (…). Lisboa, António Alvarez, 1632.
Bibliografia sobre o biografado
Albuquerque, Luís de. “Uma tradução portuguesa da «Navegacion Especulativa» de António de Naiera”, A Náutica e a Ciência em Portugal. Notas sobre as navegações, 25-41. Lisboa: Gradiva, 1989.
Almeida, Bruno. “A influência da obra de Pedro Nunes na náutica dos séculos XVI e XVII: um estudo de transmissão de conhecimento.” Dissertação de doutoramento, Universidade de Lisboa, 2011.
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Cortesão, Armando e Fernanda Aleixo e Luís de Albuquerque, comentários e anotações. A Arte de Navegar de Manuel Pimentel. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1969.
Cunha, Pedro José da. Bosquejo histórico das matemáticas em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1929, p. 31.
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