Faleiro, Rui (Ruy Falero, Rui Falero, Rodrigo Faleyro)

n. Covilhã?  — 1544                                                       

Palavras-chave: Expansão marítima, navegação, cosmografia, Sevilha. 

DOI: https://doi.org/10.58277/LHYY8202

Rui Faleiro foi um cosmógrafo português do século XVI que, como o seu irmão Francisco Faleiro, trabalhou para a Coroa espanhola desde 1517, ou 1518, até ficar doente, facto que aconteceria pouco tempo depois. Rui partiu para Espanha com o grupo de portugueses, liderado por Fernão de Magalhães, que apresentou ao rei espanhol Carlos I (também conhecido como Carlos V do Sacro Imperio Romano Germânico) o projeto de circum-navegação do globo que acabaria por se materializar entre 1519 e 1522. Os irmãos Faleiro, e especialmente Rui, ocuparam um papel fulcral na preparação científica desta viagem. 

Rui Faleiro teve uma considerável reputação como perito em temas técnicos relacionados com a cosmografia e a navegação, assim como com a construção de instrumentos náuticos, tais como astrolábios e quadrantes. Escreveu ainda alguns documentos sobre O Regimento da Altura de Leste-Oeste para a expedição de Magalhães. Embora existam poucos dados sobre a sua vida, sabemos que pertenceu à Ordem de Santiago, que foi casado com a portuguesa Eva Alonso e que sofreu, ao pouco de chegar a Sevilha, duma aguda doença mental. Segundo as crónicas da altura, e outra documentação de arquivo, Rui tornou-se mentalmente insano pois “tinha perturbadas as suas faculdades mentais” e andava “fora do seu juízo natural” pouco tempo antes da partida da viagem, motivo pelo qual acabou por ficar em Sevilha com o seu irmão, que passaria a tomar conta dele. Argensola escreveu que, uma vez perdido seu o juízo, Rui ficou na casa dos loucos de Sevilha. No seu lugar embarcou o piloto Andrés de San Martín.

A doença de Rui propiciou um amargo confronto entre a sua mulher, Eva Alonso, e o seu irmão Francisco. Os dois mantiveram um litígio que demorou vários anos no qual ambos lutaram para cuidarem do doente, assim como para disporem da sua pensão anual, que atingia os 50.000 maravedís (antiga moeda espanhola) pelos serviços prestados à Casa de la Contratación, e outros direitos económicos derivados, por exemplo, da Ordem de Santiago. Se desconhece o facto pelo qual o cartógrafo da Casa e compatriota dos Faleiro, Diogo Ribeiro, testemunhou neste conflito em favor de Eva Alonso. A discórdia esteve aberta grande parte da década dos anos vinte do século XVI. 

Os diversos documentos que hoje se podem consultar sobre a primeira volta ao mundo capitaneada por Magalhães colocam Rui Faleiro como um dos principais capatazes técnicos da preparação da viagem. Esta ideia fica confirmada quando lemos, nos papéis relativos às despesas que a Coroa gastou em cartas náuticas e em outros instrumentos náuticos, que Rui ordenou a Nuño García de Toreno a construção de sete cartas de marear para a viagem. García de Toreno foi uns dos primeiros cartógrafos da Casa de la Contratación de Sevilha e, sem dúvida, o principal fabricante de cartas para a expedição de 1519. Além deste dado, vários cronistas espanhóis da altura como Bartolomé de las Casas, Antonio de Herrera ou Bartolomé Leonardo de Argensola se referiram à autoridade científica de Rui nas suas obras quando escreveram sobre o material científico que Magalhães levava consigo para persuadir a Carlos V dos efeitos positivos da sua viagem. Segundo as palavras de Argensola no seu livro Conquista de las islas Malucas (1609), Magalhães tentou convencer o rei espanhol apoiando-se “nos escritos e autoridade de Ruy Faleiro português, astrólogo judiciário”. 

No que respeita aos “escritos,” Argensola talvez se referisse aos trabalhos de Faleiro sobre o regimento da altura de leste-oeste. Além de encarregar, e ele próprio construir, instrumentos para a viagem, Rui trabalhou também na composição de um regimento onde propunha diferentes procedimentos para a determinação da longitude, um dos problemas que, juntamente com o problema da declinação magnética, mais preocupavam a expedição e ao próprio Faleiro. Nos documentos pertencentes a Rui Faleiro, conservados no Archivo General de Indias, e que o historiador Avelino Teixeira da Mota estudou, o cosmógrafo português ofereceu três métodos diferentes para o cálculo da longitude, isto é, através da declinação da agulha, por meio da latitude da Lua, e pelas conjunções e oposições da Lua com o Sol e com outros astros.

A documentação existente revela ainda um outro problema pessoal de Rui Faleiro, desta vez com a justiça portuguesa. Numa viagem ao seu país para visitar os seus pais Rui foi preso por ordem do rei de Portugal. O facto de ter abandonado o seu país para prestar serviço a outra nação sobre assuntos tão politicamente sensíveis como expedições marítimas relacionadas com a expansão era considerado, segundo o regime monárquico da altura, alta traição. Rui dirigiu pessoalmente um pedido, numa carta em latim datada de 1520, ao Cardeal de Tortosa para que o rei de Espanha intercedesse por si. Finalmente, foi posto em liberdade, voltando depois a Sevilha, onde terá falecido em meados dos anos quarenta.   

Antonio Sánchez
Universidad Autónoma de Madrid

Arquivos

Sevilha, Archivo General de Indias

Indiferente, 737, N.15.; Indiferente, 415, L.1, f. 18v-20r; Indiferente, 421, L.12, f. 110r-110v; Indiferente, 421, L.11, f. 166v; Indiferente, 421, L.12, f. 156r-156v; Indiferente, 421, L.12, f. 18v-20r; Indiferente, 419, L.7, f. 797v-798r; Indiferente, 420, L.8, f. 127v-128r; Indiferente, 421, L.12, f. 311r; Indiferente, 1963, L.7, f. 191r-191v; Indiferente, 421, L.11, f. 296r-296v; Indiferente, 421, L.12, f. 132r-132v; Indiferente, 421, L.12, f. 70v (2); Indiferente, 1961, L.2, f. 7-8; Indiferente, 1952, L.1, f. 48v-49; Indiferente, 421, L.13, f. 279v-280r; Indiferente, 419, L.7, f. 741r-742r; Indiferente, 419, L.7, f. 779r-779v; Indiferente, 419, L.7, f. 709v; Indiferente, 420, L.9, f. 73r (1); Indiferente, 420, L.8, f. 38r-38v; Indiferente, 419, L.7, f. 710v; Indiferente, 420, L.8, f. 101v (2); Indiferente, 420, L.9, f. 73r (2).

Justicia, 1161, N.2; Justicia, 704, N.2.

Patronato, 34, R.3; Patronato, 34, R.12; Patronato, 34, R.22; Patronato, 251, R.11;Patronato, 34; Patronato, 276, N.3, R.69; Patronato, 34, R.19; Patronato, 34, R.8;Patronato, 34, R.7; Patronato, 34, R.1.

Contratación, 5784, L.1, F.29V; Contratación, 5090, L.4; Contratación, 5784, L.1, F.29.

Panamá, 233, L.1, f. 203r-203v; Panamá, 233, L.1, f. 249r.

Obras

Faleiro, Rui. O Regimento da Altura de Leste-Oeste de Rui Faleiro: Subsídios para o Estudo Náutico e Geográfico da Viagem de Fernão de Magahlães, d.- por Avelino Teixeira da Mota. Lisboa: Edições Culturais de Marinha, 1986.

Fernández de Navarrete, Martín. Colección de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV, Tomo IV: 179–180. Madrid: Imprenta Real, 1825–37.

Bibliografia sobre o biografado

Argensola, Bartolomé Leonardo de. Conquista de las islas Molucas. Madrid: Alonso Martin, 1609. 

Laguarda Trias, Rolando A. “Las longitudes geográficas de la membranza de Magallanes y del primer viaje de circunnavegación.” In A viagem de Fernão de Magalhães e a questão das Molucas, ed. Avelino Teixeira da Mota, 135–178. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975.

Teixeira da Mota, Avelino. “O Regimento da altura de Leste-Oeste de Rui Faleiro.” Boletim Geral do Ultramar 28 (1953): 163–171. 

Teixeira da Mota, Avelino. “Contribuição dos irmãos Rui e Francisco Faleiro no campo da náutica em Espanha.” In A viagem de Fernão de Magalhães e a questão das Molucas, ed. Avelino Teixeira da Mota, 315–341. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975.

Toribio Medina, José. El descubrimiento del Océano Pacifico. Hernando de Magallanes y sus compañeros. Santiago de Chile: Imprenta Elzeviriana, 1920.