Girão, Aristides de Amorim

Fataunços (Vouzela), 16 junho 1895 — Coimbra, 7 abril 1960

Palavras-chave: Coimbra, Geografia, Portugal. 

DOI: https://doi.org/10.58277/UPOQ9341

Aristides de Amorim Girão foi um dos treze filhos de Custódio Ribeiro Pereira de Amorim Girão e Luciana Augusta Lopes de Carvalho. Na medida em que seu pai exercia judicatura, eram uma família proeminente de uma aldeia do distrito de Viseu. Foi nesta cidade que se distinguiu como aluno liceal, passando depois à Universidade de Coimbra onde completou o curso de Ciências Histórico-Geográficas em 1916. 

Enquanto estudante foi colega e travou amizade com o teólogo, que seria cardeal, Manuel Gonçalves Cerejeira. Também ganhou notoriedade com a publicação de Lições do seu professor, o naturalista Anselmo Ferraz de Carvalho.

O trabalho científico de Amorim Girão ligou-se à preocupação com o reconhecimento e valorização dos recursos nacionais, com vista ao desenvolvimento do país. Em 1918 iniciou a sua carreira docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, defendendo o Doutoramento em 1922, o primeiro em Ciências Geográficas em Portugal. A Bacia do Vouga: Estudo Geográfico chamou a atenção para a potencialização dos recursos do território. Era exemplo de trabalho de Geografia naturalista na medida em que assentou no estudo na natureza. Tratou-se de uma monografia geográfica onde Amorim Girão classificou e distinguiu os terrenos com origem granítica e com origem no xisto, caraterizou a área em estudo por classes de altitude, deu conta das principais linhas de relevo e da sua formação. Destacou o rio Vouga, cujo regime irregular dificultava o aproveitamento hidroelétrico, e a Ria de Aveiro, cuja evolução reconstruiu. No “Clima” lamentou a inexistência de postos meteorológicos no interior da bacia hidrográfica, usando valores de Porto, Viseu e Coimbra. Analisou a temperatura, o vento e a chuva concluindo com a “fisionomia geral das estações”. Abordou as “Associações vegetais e animais”, e transmitiu a evolução da distribuição dos centros de população desde os tempos pré-históricos, aproximando-se dos vales e descendo ao longo dos cursos dos rios e seus afluentes. Concluiu que a “disposição atual dos diversos centros de população, permite ver agora como a sua fisionomia geográfica é poderosamente condicionada pelo influxo dos fatores naturais”. Distinguiu o povoamento aglomerado nas regiões xistosas do disseminado nas graníticas. Relativamente às aglomerações urbanas comparou Viseu (apesar de fora da bacia do Vouga) com Aveiro. Em “Ocupação do solo: evolução histórica da habitação” mostrou como a geologia determinou a natureza dos materiais de construção empregues. Seguiu-se a caraterização dos tipos de habitação. A abordagem às vias de comunicação foi também historicista, desde o tempo romano. Estabeleceu relações entre as vias de comunicação e o relevo. Abordou as culturas do solo distinguindo regiões agrícolas, estudou a criação de gado e as devastações vegetais e animais, as explorações minerais e águas. Concluiu definindo regiões – Beira central, Zona de transição e Beira litoral— e sub-regiões naturais através da sobreposição de cartas de todos os aspetos da superfície da terra estudados. Fez notar como as divisões administrativas careciam de base geográfica definida.

Em Viseu: Estudo de uma aglomeração urbana, obra publicada em 1925, adotou uma abordagem historicista dado que “O estado atual de uma cidade é sempre o resultado de uma sedimentação de elementos fragmentários provenientes de épocas anteriores”. Lamentou a falta de cartografia atualizada e de fotografias aéreas. Caraterizou o “Quadro natural de Viseu”, os “Elementos de formação do agregado citadino”, transmitindo a importância das vias romanas no crescimento da cidade, e “Viseu desde as origens até à fundação da monarquia”. Seguiam-se “Elementos de engrandecimento da cidade de Viseu”: ser cidade episcopal, residência de monarcas, sede de colónia judaica, centro artístico quinhentista, a sua riqueza agrícola, a atividade industrial e o desenvolvimento comercial; “A cidade de Viseu nos séculos XV e XVI”; “Viseu desde o século XVII até nossos dias” e “Estado atual das funções citadinas”. Concluiu com o “Futuro de Viseu” que na sua opinião passava pela construção de ligações ferroviárias e manutenção das estradas existentes. Não esqueceu modificações para modernizar a circulação urbana dentro da cidade, a necessidade de revitalizar o comércio (a feira franca) e o desenvolvimento do turismo assente em “propaganda”.

Esboço duma Carta Regional de Portugal…, publicado em 1930, discutiu a existência de regiões naturais no país, à época ainda foco de polémica, sustentando que isso se devia à falta de estudos. Fez referência aos trabalhos de Bernardino Barros Gomes, mas baseou-se no conceito de região da “escola geográfica francesa de Vidal de La Blache” para definir e caraterizar as regiões do Minho, Trás-os-Montes, Alto Douro, Douro litoral, Beira Litoral, Beira Alta, Beira Trasmontana, Beira Baixa, Ribatejo, Estremadura, Alto Alentejo, Baixo Alentejo e Algarve. Abordou depois as sub-regiões. Esta divisão esteve na base da reorganização administrativa de 1936.

Na obra de Amorim Girão, o múnus de professor foi marcante. Assim, além de métodos pedagógicos originais, centrados no aluno, procedeu à análise crítica a textos didáticos para o ensino secundário, a práticas de aprendizagem e publicou textos e cartas de geografia. Também foi este o contexto da publicação de Lições de Geografia Humana, em 1936. 

Este livro partiu de uma visão organicista da geografia, “A ideia mais fecunda para os modernos progressos da ciência geográfica é, sem dúvida alguma, a de considerar a terra como um organismo vivo, em contínuas mutações e evolução constante. (…) Descrever e explicar os traços fisionómicos da face desse grande organismo que é a Terra— eis o objeto e fim primacial da Geografia” a partir da observação. A geografia era assim a análise da paisagem, resultando de três categorias de fenómenos: os naturais de ordem física, os naturais que entram nos domínios da biologia e os devidos à presença e atividade do Homem. Era assim fundamental que a disciplina estudasse o Homem: “Estudá-lo independentemente do solo que pisa é tarefa tão absurda como pretender interpretar este sem aquele. [o solo sem o Homem]”. Terminava o livro abordando grandes temas de geografia humana: a distribuição geral da população e as condições da existência humana à superfície da Terra.

Amorim Girão participou no movimento de renovação da Geografia nacional orientando-a para o trabalho de campo (associada aos cursos de férias da Faculdade de Letras), por exemplo com Excursões no Centro de Portugal, publicação de 1939. Aí sustentou a importância da observação da paisagem para os geógrafos. Transmitiu e caraterizou, em conjunto com os historiadores Vergílio Correia e Torquato de Sousa Soares, itinerários para excursões a realizar na região Centro do país. A sua máxima “encham os olhos de paisagem” marcou os estudantes. 

As décadas de 1940 e 1950 foram o período mais trabalhoso de Amorim Girão. Foi diretor da Faculdade de Letras de Universidade de Coimbra, entre 1943 e 1955, e publicou o Atlas de Portugal em 1941, onde demonstrava “o desejo ser útil aos que estudam ou ensinam Geografia de Portugal; dando-lhes um indispensável instrumento de trabalho”. Foi durante décadas o que de mais próximo existiu de um Atlas nacional de Portugal. 

De 1941 é também, Geografia de Portugal, um livro profusamente ilustrado em que o país foi analisado sob a forma monográfica. Em 1946, ena obra, Geografia Humana transmitiu as suas reflexões sobre esta disciplina. Fundou o “seu” Centro de Estudos Geográficos em 1949, e, no ano seguinte, o Boletim do Centro de Estudos Geográficos de Coimbra. 

A bibliografia de Amorim Girão conta cerca de 90 títulos. O seu trabalho foi interrompido pela doença que o vitimou, mas o facto de ser o primeiro geógrafo português e ter um pensamento original assegurou-lhe lugar de destaque na história da geografia. 

José Braga

Obras 

Amorim Girão, Aristides. A Bacia do Vouga: Estudo Geográfico. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.

Amorim Girão, Aristides. Viseu: Estudo de uma aglomeração urbana. Coimbra: Coimbra Editora, 1925. 

Amorim Girão, Aristides. Esboço duma Carta Regional de Portugal… Coimbra: Coimbra Editora, 1930. 

Amorim Girão, Aristides. Lições de Geografia Humana. Coimbra: Coimbra Editora, 1936.

Amorim Girão, Aristides. Excursões no Centro de Portugal. Coimbra: 1939.

Amorim Girão, Aristides. Atlas de Portugal. Coimbra: 1941. 

Amorim Girão, Aristides. Geografia de Portugal. Porto: Portucalense editora, 1941.

Amorim Girão, Aristides. Geografia Humana. Porto: Portucalense editora, 1946.

Bibliografia sobre o biografado

Alegria, Maria Fernanda; Daveau, Suzanne; Dias, Maria Helena e Garcia, João Carlos. “As duas Edições do Atlas de Portugal de A. de Amorim Girão”, Biblos Vol. LXV (1989): 11-33.

Cerejeira, Manuel Gonçalves. Discurso pronunciado na sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, em o dia 28 de Maio de 1922, pelo professor da Faculdade de Letras Dr. Manuel Gonçalves Cerejeira, no ato de se conferirem as Insígnias doutorais ao novo doutor em Letras (secção de Ciências Geográficas) o senhor Aristides de Amorim Girão, Coimbra: Casa Tipográfica, 1922.

Pereira de Oliveira, José Manuel. Professor Doutor Aristides de Amorim Girão (o Homem e a Obra), Câmara Municipal de Vouzela-Instituto de Estudos Geográficos Faculdade de Letras Universidade de Coimbra, 2000.

Pereira de Oliveira, José Manuel. O Prof. Amorim Girão e a Arqueologia, Comunicação apresentada ao II Colóquio Portuense de arqueologia, 1962, Porto: 1963.

Rebelo, Fernando. A geografia física de Portugal na vida e obra de quatro professores universitários, Coimbra: Minerva Coimbra, 2008, 13-29.