Loureiro, José Marques

Amares, 5 dezembro 1830 – Porto, 14 junho 1898

Palavras-chave: horticultura, botânica, aclimatização, jardins botânicos.

DOI: https://doi.org/10.58277/GQGT6037

José Marques Loureiro foi filho de José Marques e Ana Maria, moradores no lugar do Batôco, na freguesia de Santa Eulália do concelho de Arouca, que o batizaram a 13 de dezembro de 1830. As origens humildes de Loureiro condicionaram a literacia que recebeu em estabelecimentos de ensino. Com apenas catorze anos abandonou a escola da aldeia e foi para o Porto trabalhar com o horticultor Pedro Marques Rodrigues na quinta das Virtudes, onde já se encontrava o seu irmão, que, entretanto, partiu para o Brasil. José Marques Loureiro manteve-se a trabalhar na quinta das Virtudes sob a alçada de Pedro Marques Rodrigues até ao ano da morte deste, em 1863. A partir desta data, ganhou autonomia. Este facto da sua vida pessoal coincidiu com a abertura do Palácio de Cristal no Porto como espaço para exposições, o que lhe proporcionou um novo leque de oportunidades. Em 1865, Loureiro distinguiu-se na Exposição Internacional organizada no Palácio de Cristal, ganhando vários prémios na secção de horticultura. Por esta ocasião, travou conhecimento com o arquiteto paisagista alemão Émile David (1839–1873), que tinha desenhado os jardins do Palácio de Cristal, com quem estabelecu uma sociedade em 1869. Contudo, a parceria não perdurou, acabando por se dissolver em 1874, depois de Loureiro pagar uma elevada indemnização ao seu sócio. Nestes anos iniciais, como proprietário horticultor, foram igualmente importantes outros dois estrangeiros que trabalharam para si: o horticultor inglês Thomas Staley, vindo da Casa James Fraser, e o floricultor suíço Edmond Knott. Estes contactos com colegas internacionais facilitaram a aprendizagem de outras técnicas, nomeadamente a divulgação da propagação das videiras através de olhos e também métodos para a aclimatização de exóticas, muito procuradas para fazer face às últimas tendências da arte dos jardins e modas em horticultura.

Em resultado da sua expertise como horticultor, o seu sucesso profissional foi acompanhado por uma significativa ascensão social. Loureiro apresentava-se com ares de grande senhor. Bem constituído e de estatura média, moreno, de olhos negros, deixou crescer longas barbas esbranquiçadas que lhe conferiam a dignidade de um vice-rei, segundo a opinião de contemporâneos, que viam no conjunto dos seus traços fisionómicos a sua força física, força de vontade e força de carácter.

Na Quinta das Virtudes, Loureiro criou o maior e mais importante estabelecimento hortícola de Portugal – também conhecido como Horto Loureiro ou Horto das Virtudes –no qual conciliou propósitos comerciais com objetivos científicos. A partir dali, desenvolveu um programa de investigação, divulgação e partilha de conhecimentos científicos. O Horto das Virtudes foi um verdadeiro laboratório de aclimatação de plantas. Pelas suas estufas aquecidas e frias, entraram pela primeira vez em Portugal muitas variedades ornamentais. No Horto, levavam-se igualmente a cabo experiências para melhoramento das espécies autóctones, rivalizando com qualquer jardim botânico pela riqueza das coleções. Todos os anos Loureiro publicava um catálogo com mais de 200 páginas, onde se indicavam todas as espécies de flores, arbustos e árvores decorativas e frutíferas, as plantas exóticas, assim como sementes e pastos que se encontravam para venda no seu estabelecimento hortícola. Os seus catálogos mostraram que o cultivo de múltiplas variedades de rosas, camélias e palmeiras predominava e crescia de ano para ano. A necessidade de mais espaço levou Loureiro a arrendar terrenos para viveiros na quinta das Águas Férreas e na quinta da Pena, em Vilar, pois não conseguiu ficar com o último talhão da quinta das Virtudes.

Os clientes que não viviam no Porto ou em Lisboa podiam encomendar por catálogo o que desejavam, indicando o nome do género, o número no catálogo e a quantidade que queriam de cada espécie e, de seguida, os produtos eram despachados para a estação de caminho de ferro mais próxima da sua morada, permitindo que os destinatários aí levantassem os produtos expedidos. O sucesso do Horto Loureiro deveu-se principalmente à exportação de plantas, cujas remessas eram sempre feitas por via ferroviária em grande velocidade para qualquer ponto do país. O seu mercado foi alargado para níveis que seriam impensáveis em tempos anteriores à existência da rede de linhas-férreas em Portugal.

Loureiro tornou-se um homem de negócios de sucesso. Em 1870, abriu um estabelecimento para venda de flores de jardim e de sala na rua Formosa, no Porto, e, em 1874, abriu outro em Lisboa, na calçada do Salitre, n.º 190, o que mostra o sucesso e a tendência de crescimento em que se encontrava a sua empresa naquela década. Na inauguração da loja de Lisboa, estiveram presentes D. Fernando II (1816–1885), viúvo da rainha D. Maria II, e o seu camarista, vários colegas dos jardins botânicos, como o alemão Edmond Goeze (1838–1929) do Jardim Botânico da Escola Politécnica de Lisboa, e D. Luís de Mello Breyner (1807–1876), diretor do Jardim Botânico da Ajuda, amadores como Anselmo José Braamcamp (1819–1885), líder do Partido Histórico, e ainda algumas senhoras da sociedade. Mais tarde, recebeu beneplácito régio e o estabelecimento passou a chamar-se Real Estabelecimento Hortícola de José Marques Loureiro & C.ª, como patente no catálogo de 1881. Por volta de 1888, o seu estabelecimento hortícola faturava seis milhões de réis (o equivalente atualmente a pouco mais de 150 mil[1]  euros). 

A sua visão e ambição foram muito além do desenvolvimento da ciência aplicada da horticultura aos seus interesses comerciais. Marques Loureiro desenvolveu paralelamente um programa editorial para promoção da ciência da horticultura, com a publicação mensal do Jornal de Horticultura Prática entre 1870 e 1892 e a publicação anual do Almanaque do Horticultor entre 1871 e 1882, que possibilitaram a partilha e a troca de conhecimentos e informações entre os leitores e praticantes de horticultura. Para ambos os projetos editoriais contou com José Duarte Oliveira Júnior como o seu braço direito. Adicionalmente, criou e desenvolveu uma importante rede de contactos com os maiores especialistas de botânica, horticultura e jardinagem no país – encontrando-se especialmente ligado aos colegas do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, do Jardim Botânico da Escola Politécnica e ao Jardim Botânico da Ajuda – assim como com horticultores, membros das mais respeitadas sociedades de horticultura internacionais e editores de revistas da especialidade, como o francês A. Dumas, jardineiro-chefe da escola-quinta de Bazin, membro da Sociedade Imperial e Central de Horticultura de França, e editor do Calendrier Horticole; o belga Jean Verschaffelt, um dos mais reputados horticultores de então; o russo Wolkenstein e o egípcio G. Delchevalerie.

Sempre ávido de conhecimento, manteve uma política de permuta de revistas com editoras internacionais, recebeu livros no seu estabelecimento, enviados pelos sócios correspondentes da revista. Paralelamente, fez viagens internacionais para comprar sementes aprender as melhoras práticas em estabelecimentos hortícolas mais avançados, (como os de Linden, Auguste van Geert, Ed. Pynaert, van Houtte e de Smet, na Bélgica, e o de B. S. Williams, no Reino Unido) e assistir à inauguração de estufas, como a do rei Leopoldo da Bélgica. Da mesma maneira, José Marques Loureiro recebeu colegas internacionais que visitavam o seu estabelecimento hortícola, como R. P. Murray, do Reino Unido. Ao longo da sua vida, granjeou reputação internacional e foi visto[2]  como o melhor horticultor de Portugal.

Quando morreu, em 14 de junho de 1898, os seus contemporâneos não deixaram de lhe prestar homenagem e a Câmara Municipal do Porto encomendou ao escultor Teixeira Lopes uma estátua em bronze da deusa Flora (inaugurada a 20 de agosto de 1904), que ainda hoje se encontra no jardim da Cordoaria. Em Lisboa, a recém-inaugurada Sociedade Nacional de Horticultura de Portugal deixou claro num artigo publicado no primeiro número do seu Boletim, que tinha falecido o “primeiro horticultor de Portugal”. 

Ana Duarte Rodrigues

Arquivos

Lisboa, Arquivo Nacional Torre do Tombo.

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal.

Obras

Loureiro, José Marques, ed. Almanach do Horticultor […] illustrado: guia indispensável a todo o agricultor e horticultor. Porto: Typ. da Livraria Nacional,  1872.

Loureiro, José Marques. Catalogo do estabelecimento de horticultura de José Marques Loureiro fornecedor da Casa de Sua Magestade a Rainha e seu sócio Emilio David. Porto: Typ. do Jornal do Porto, 1869.

Loureiro, José Marques. Catalogo das arvores fructiferas e plantas d’estufa cultivadas na Quinta das Virtudes (Estabelecimento Horticola de José Marques Loureiro). Porto: Typ. Lusitana, 1871.

Loureiro, José Marques. Catalogo geral e descriptivo das plantas cultivadas no Real Esatbelecimento Horticola de José Marques Loureiro & Ca. Porto: Typ. Lusitana, 1881.

Loureiro, José Marques, ed. Jornal de Horticultura Pratica. Porto: Typ. Lusitana, 1870-1892.

Bibliografia sobre o biografado

Rodrigues, Ana Duarte. Horticultura para Todos. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2016.

Rodrigues, Ana Duarte. “A Ciência da Horticultura: ‘Termómetro para o grau de gosto’.” In O Gosto Português na Arte, ed. Ana Duarte Rodrigues, 102-119. Lisboa: Scribe, 2016.

Rodrigues, Ana Duarte e Ana Simões. “Reshaping Horticultural Knowledge through the lenses of Progress, Science and Public Utility.”

Marques, Teresa Dulce Portela. “Dos jardineiros paisagistas e horticultores do Porto de oitocentos ao modernismo na arquitectura paisagista em Portugal.” Dissertação de doutoramento. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 2009..

Viterbo, Sousa Viterbo, A jardinagem em Portugal: apontamentos para a sua história. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1908.