Margiochi, Francisco Simões

Lisboa, 22 dezembro 1848 — Lisboa, 6 outubro 1904

Palavras-chave: Agronomia, Horticultura, Urbanismo, Casa Pia.

DOI: https://doi.org/10.58277/EGXM4747

Francisco Simões Margiochi nasceu em Lisboa em 1848 no seio de uma família de intelectuais. O seu avô, de nome igual, tinha o grau de doutor em Filosofia e fora professor na Academia da Marinha, membro da Academia Real das Ciências de Lisboa e ministro da Marinha. No campo científico distinguiu-se por ter revisto as teorias matemáticas de Uronski sobre as equações laterais e completas. O pai de Margiochi, batizado com o mesmo nome, tinha o grau de doutor em Matemática, era par do Reino e conselheiro do Tribunal de Contas. Através do casamento com Gertrudes d’Almeida, filha de José Maria Eugénio d’Almeida, conhecido milionário, político e provedor da Casa Pia, Margiochi liga-se a uma das famílias com mais poder político e económico no Portugal de Oitocentos. 

Margiochi estudou em diferentes colégios, alguns com orientação estrangeira, onde vigorava uma educação progressista e nos quais não se praticavam castigos físicos. A sua visão humanística da educação e mentalidade progressista ganha raízes nestes anos de formação. Depois de completar os estudos liceais, Margiochi ingressa no Instituto de Agronomia e Veterinária e assim que conclui o curso de Agronomia com distinção, foi eleito para vereador da Câmara Municipal de Lisboa, nos biénios de 1872–1873 e 1874–75. Enquanto responsável pelo Pelouro dos Passeios e Arvoredos, Margiochi geriu o aformoseamento dos jardins públicos, organizou uma biblioteca específica de jardinagem e foi uma das figuras, juntamente com A. Loureiro e o barão de Mendonça, que elaborou a proposta para substituir o Passeio Público por uma avenida, segundo o modelo francês do boulevard. A sua ação no melhoramento dos espaços verdes da capital foi de tal maneira significativa que, em 1873, um leitor do Jornal de Horticultura Prática, publicado no Porto, elaborou uma elogiosa carta sobre a plantação de árvores que se tinha realizado em Lisboa, na qual destacava o papel de Margiochi. A colaboração de Margiochi com a Câmara Municipal de Lisboa foi crucial na década de 70 para o desenvolvimento de uma maior consciência da necessidade e dos benefícios, ambientalistas e de saúde pública, que o arranjo da cidade com espaços verdes podia trazer para os seus habitantes.  

Na década de 80, Margiohi luta contra o maior flagelo que atacara a produção vinícola internacional, e que se tornara uma praga em algumas regiões de Portugal a partir de 1865: a filoxera. Em 1883, foi eleito presidente da comissão dos serviços filoxéricos e, nessa qualidade, organizou três congressos anti-filoxera, que se realizaram, entre 1884 e 1886, em três cidades diferentes do centro do país. O reconhecimento pelos seus serviços e dedicação valeram-lhe um lugar como vogal do Conselho Superior de Agricultura. 

Margiochi desempenhou um importante papel na promoção da agricultura e horticultura nacionais, tanto no plano teórico como prático, tendo publicado artigos em todos os jornais e revistas de agricultura do seu tempo. Em 1889, foi um dos membros fundadores da revista A Agricultura Portugueza. Era igualmente um dinâmico organizador de exposições. Esteve, por exemplo, à frente da exposição na Tapada da Ajuda que ocorreu em 1884, e também participou na organização da exposição que decorreu na Avenida da Liberdade, em 1888. A visão metódica e progressista que tinha para a agricultura e horticultura resultava em parte das experiências que fazia com várias culturas na sua quinta. Consequentemente, Margiochi era a figura habilitada a liderar o movimento de regeneração agrícola do Alentejo, e o sucesso alcançado levou o seu biógrafo, José Ernesto Dias da Silva, a afirmar que o seu ‘nome devia ficar escrito na História do progresso’. Margiochi abraçou múltiplas causas de diferente carácter que se manifestam tanto nas suas visões progressistas para a cidade, como nos maiores problemas de saúde pública do seu tempo, como a tuberculose. Foi o primeiro a escrever uma biografia sobre Louis Pasteur.

Num momento de crise política, Margiochi é nomeado administrador da comissão executiva que dirige a Câmara Municipal de Lisboa em 1890. Multifacetado e dinâmico, Margiochi acumulou esta responsabilidade com a de provedor da Casa Pia, onde deixou um legado notável. 

O ministro José Luciano de Castro nomeou Margiochi provedor da Casa Pia a 13 de agosto de 1889. Tomou posse no dia seguinte e exerceu o cargo até abril de 1897. Uma das primeiras ações de Margiochi à frente da instituição foi a abolição dos castigos corporais. Desenvolveu depois todo um programa pedagógico que incluía a promoção de exercícios militares, a reorganização dos cursos, a criação de uma biblioteca, a fundação das escolas-oficinas, a criação da Escola Prática de Agricultura, a organização em paralelo de exposições de horticultura, e ainda a criação de um museu com o espólio menosprezado por outros museus e jardins botânicos.

Com o intuito de preparar jovens para a agricultura e horticultura, a Escola Prática de Agricultura da Casa Pia de Lisboa compreendia dois cursos—um de agricultura e outro de jardinagem e horticultura—utilizando a cerca do Mosteiro dos Jerónimos para a realização das experiências necessárias ao ar livre e em estufas. Na Sociedade de Geografia, em 1899, foi votada por unanimidade uma menção de louvor a Margiochi por este ter estabelecido o primeiro curso de jardinagem e horticultura em Portugal.

O legado que Margiochi deixou na Casa Pia de Lisboa foi muito significativo em termos pedagógicos, elevando a instituição de caridade a uma instituição de ensino, que ficou na memória daqueles que desta mudança beneficiaram. 27 ex-alunos—médicos, agrónomos, professores, pintores, escultores—que se intitulavam o Grupo Margiochi, deixaram uma sentida homenagem num livro realizado entre 1902 e 1903, onde cada um escreve e/ou desenha o seu sentimento de gratidão para com Margiochi, e onde denunciam que os anteriores provedores da Casa Pia estavam mais interessados nas obras de restauro do Mosteiro dos Jerónimos, do que nos órfãos: Margiochi surge apontado como o “primeiro provedor das crianças”. Em 1897 outra administração é indicada para a Casa Pia e os cursos criados por Margiochi foram encerrados. 

No ano seguinte, em 1898, com a fundação da Sociedade Nacional de Horticultura de Portugal por ocasião das Comemorações dos 400 Anos da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, Margiochi vai de novo tentar implementar todo um programa de promoção da ciência e arte da horticultura em Portugal. Margiochi foi eleito presidente da Sociedade e um dos seus alunos do Grupo Margiochi, José Ernesto Dias da Silva, antigo professor da Escola Prática de Agricultura da Casa Pia, torna-se o secretário perpétuo da dita Sociedade. Estas duas figuras, juntamente com outros proprietários, horticultores e jardineiros conseguem finalmente fundar e dinamizar a primeira sociedade de horticultura com algum impacto em Portugal, perfazendo um total de cerca de 650 sócios em 1904. Apesar do número de sócios fundadores, sócios honorários, sócios correspondentes, sócios efetivos e damas protetoras, as cotas, pagas pela grande maioria deles, não chegavam para lhes garantir autonomia financeira e condicionou a sua dependência da Direção Geral da Agricultura.

Pouco depois da sua fundação, a sociedade recebe beneplácito régio e passa a denominar-se Real Sociedade Nacional de Horticultura de Portugal, alteração que se estendeu ao título da publicação periódica da sociedade, o Boletim. Apesar do interesse régio, as dificuldades financeiras sentidas pela sociedade eram permanentes e eram contínuos os pedidos de ajuda à Imprensa Nacional para imprimir a sua publicação periódica. 

Enquanto presidente da Sociedade, Margiochi tentou impulsionar o ramo da horticultura não só com a publicação de uma revista sobre o tema e de interesse para os seus associados, mas também através da realização de exposições gerais e temáticas e um programa de concursos para múltiplas variedades botânicas e diferentes tipos de concorrentes – profissionais e amadores. Para que a sociedade tivesse um local permanente para a realização de exposições, Margiochi conseguiu que a Câmara Municipal de Lisboa cedesse um terreno na Avenida da Liberdade e que a Direção Geral de Agricultura desse a verba necessária para a sua construção em arquitetura efémera. O projeto chegou a realizar-se em 1902, mas em 1904 o terreno foi vendido a particulares e a sociedade ficou de novo sem espaço permanente para os seus eventos. Margiochi e o secretário-perpétuo da Sociedade, José Ernesto Dias da Silva, foram demitidos da Sociedade em 1904, desconhecendo-se as razões que conduziram ao afastamento dos seus mentores, e dois anos depois a Sociedade extinguiu-se. Margiochi não viveu para assistir ao triste fim da Sociedade que tinha fundado, pois morrera em Outubro de 1904.

Margiochi foi um especialista em estudos sobre agricultura e horticultura, e utilizou esse saber para promover a existência de mais espaços verdes acessíveis aos cidadãos e o arranjo da cidade de Lisboa, preconizando o urbanismo com uma forte componente ambientalista que se iria desenvolver desde então. Neste âmbito, foi um dos primeiros a perceber a necessidade de existir formação específica na área da arte dos jardins e da ciência da horticultura. O seu largo espectro de ação nestas áreas incluiu o desenvolvimento de cursos, fundação de sociedades, publicação de revistas e organização de exposições, que lhe valeram o reconhecimento por parte dos seus alunos da Casa Pia, que lhe prestaram uma sentida homenagem registada em livro, e dos seus pares da Sociedade de Geografia de Lisboa, acima mencionadas. Para além destas honras, pela sua ação na luta contra um dos flagelos que marcaram o seu tempo—a tuberculose—Margiochi recebeu o prémio da Société d’Encouragement au Bien, de França. 

Ana Duarte Rodrigues

Arquivos

Arquivo da Casa Pia de Lisboa

Arquivo Municipal de Lisboa

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Biblioteca Nacional de Portugal

Obras 

Margiochi, Francisco Simões, Carlos Aníbal Coutinho e F. de Almeida e Brito. Commissão Central Anti-Phylloxerica do Sul do Reino: relatório do jury que visitou as propriedades. Lisboa: Imp[FMR3] rensa Nacional, 1885.

Margiochi, Francisco Simões. Duas palavras acerca da avenida da Liberdade. Lisboa: Typ. Portugueza, 1886. 

Margiochi, Francisco Simões. Assumptos agricolas: discursos Francisco Simões Margiochi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1887.

Margiochi, Francisco Simões. Exposição Industrial Portugueza com uma secção agricola: installação Margiochi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1888. 

Margiochi, Francisco Simões, ed. A Agricultura Portugueza: Jornal dedicado à defeza da agricultura tradicional. Lisboa: Borges, 1888–1892.

Margiochi, Francisco Simões. Assumptos agrícolas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891. 

Margiochi, Francisco Simões. Real Casa Pia de Lisboa: relatório: 1890-91. Lisboa: Imprensa Nacional, 1893.

Margiochi, Francisco Simões. A Real Casa Pia de Lisboa, 1780-1895: noticia da sua fundação, história, fins e organização actual. Lisboa: Typ. Portuense, 189.

Margiochi, Francisco Simões. Assumptos diversos: monumento à Rainha D. Maria I: tuberculose. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899.

Margiochi, Francisco Simões. Considerações acerca da tuberculose. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899. 

Margiochi, Francisco Simões et al., Boletim da Real Sociedade Nacional de Horticultura de Portuga.  Lisboa, 1898–1904.

Bibliografia sobre o biografado

Rodrigues, Ana Duarte. Horticultura para Todos. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2016. 

Rodrigues, Ana Duarte. “A Ciência da Horticultura: ‘Termómetro para o grau de gosto.’” in O Gosto Português na Arte, pp. . Lisboa: Scribe, 2016.

Rodrigues, Ana Duarte e Ana Simões. “Reshaping Horticultural Knowledge through the lenses of Progress, Science and Public Utility” (no prelo).

Silva, José Ernesto Dias da. Francisco Simões Margiochi, Par do Reino e Presidente da Real Sociedade Nacional de Horticultura de Portugal. Lisboa: A Liberal, 1899.