Palacios Martínez, Julio

Paniza (Zaragoza), 12 abril 1891 – Madrid, 12 fevereiro, 1970

Palavras-chave: Investigação, Eletroquímica, Centro de Estudos de Física.

DOI: https://doi.org/10.58277/YCWB3847

Julio Palacios Martinez nasceu em Paniza (Campo de Cariñena, Zaragoza) em 12 de abril de 1891. Foi o segundo filho de Miguel Palacios Cabello, médico, e de Eusebia Martínez Lostalé. Os estudos básicos e secundários foram realizados em Huesca e Zaragoza. Licenciou-se em Ciências Exactas e Físicas em Barcelona, em 1911. 

A preparação do doutoramento foi o passo seguinte em Madrid, supervisionado por Blas Cabrera, director do Laboratorio de Investigaciones Físicas da Junta para Ampliación de Estudios (JAE), a instituição de apoio à investigação científica criada em 1907. Defendeu a tese de doutoramento em 1914 e, dois anos depois, obtinha por concurso a cátedra de Termologia da Faculdade de Ciências da Universidade Central de Madrid. Foi então aconselhado por Blas Cabrera a candidatar-se a uma bolsa da JAE para se especializar em Leiden (Holanda), no Laboratório de Baixas Temperaturas, com Heike Kerlingh Onnes), conhecido pela descoberta da supercondutividade. Dedicou-se ao estudo das isotérmicas do néon e de outros gases nobres e publicou trabalhos em holandês, inglês e espanhol. Regressou a Madrid para exercer a docência na Faculdade de Ciências da Universidade e continuar a investigação sobre isotérmicas do neón, no Laboratorio de Investigaciones Físicas da JAE. Contudo, a introdução da Física das Baixas Temperaturas em Espanha foi problemática.Assim, a partir de 1922, foi encarregado de dirigir a Secção de Raios X do Laboratorio de Investigaciones Físicas, instalando as primeiras montagens que permitiriam lançar a investigação sobre estruturas cristalinas por meio da difração de raios X. 

A ligação à comunidade científica portuguesa é desta altura. Em 1921, participou no Congresso da Associação Portuguesa para o Avanço das Ciências, que se realizou em conjunção com o Congresso da congénere espanhola, no Porto, em 1921. Enquanto este foi o primeiro congresso português, para os espanhóis foi o oitavo. Em 1925, realizou-se novo Congresso em Coimbra. Palacios apresentou o discurso inaugural da terceira secção (ciências físico-químicas) intitulado “La teoria de los quanta y la émission de energia”. A ligação a Portugal estreitou-se mais ainda com o casamento de Palacios com uma parente do físico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), Armando Gibert (1914-1985).

Em 1940, o Estado Novo comemorava os bicentenários – da nacionalidade, 1143, e da independência de Espanha em 1640. O programa incluía uma componente sobre história, o “Congresso do Mundo Português”. Foram convocadas as grandes figuras científicas para relatarem os feitos das suas disciplinas e os trabalhos de investigação relacionados com a História de Portugal. Professores de matemática, física e química da FCUL aceitaram o convite. Uma delegação espanhola, chefiada por Palacios na qualidade de vice-reitor da Universidade de Madrid, era portadora de mensagens ao Congresso.

Em junho de 1942, o Congresso Luso-Espanhol para o Avanço das Ciências realizado no Porto, criou as condições para o encontro dos investigadores do Centro de Estudos de Física (CEF), anexo à FCUL. Os Centros de Estudos tinham sido criados, em 1940, pelo Instituto para a Alta Cultura (IAC), concretizando uma nova orientação da política de investigação científica do Estado Novo. Depois do Congresso, Palacios visitou o CEF e manifestou interesse em que fosse permitido a membros da sua equipa seguir ações de formação sobre técnicas de espectrografia de raios X, em que aquele centro se havia especializado. Luis Rivoir Alvarez pôde, então, beneficiar desta oportunidade. Lídia Coelho Salgueiro (com entrada neste dicionário) investigadora do CEF, referiu-se a esta familiaridade nas suas memórias. Por outro lado, a colaboração de Palacios nas revistas portuguesas, Portugaliae Physica Gazeta de Física é mais um testemunho das relações estreitas entre o físico espanhol e os investigadores do CEF.

Após a derrota republicana na Guerra Civil Espanhola, em 1939, a JAE foi substituída pelo Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC). Palacios transitou normalmente para a nova organização e manteve a sua cadeira na universidade, contrariamente a muitos investigadores da JAE que foram obrigados a recorrer ao exílio. Apesar desta aparente estabilidade, os comportamentos sociais e políticos de Palacios conduziram a uma degradação das suas relações universitárias. Em relação ao legado da JAE não demonstrava a beligerância esperada pela direção do CSIC e, politicamente, devido às suas convicções apoiava o conde de Barcelona, no exílio em Portugal, à sucessão monárquica, entrando em conflito com a estratégia de Francisco Franco, que preconizava colocar João Carlos no trono de Espanha. Em 1947, Palacios precisava de um porto de abrigo que lhe foi concedido em Portugal, onde os seus contactos se estendiam à direção do IAC sendo, também, conhecida a sua identificação ideológica com a política do Estado Novo 

Em junho de 1947, três investigadores do CEF foram demitidos das suas funções docentes, por motivos políticos e, num gesto de solidariedade, o diretor do CEF solicitou a aposentação. Esta situação criou, fundamentalmente, dois vazios: na docência e na direção CEF. Palacios foi, então, convidado a lecionar Termodinâmica e Mecânica Racional na FCUL e a assumir o cargo de diretor do CEF. Nesta altura, Palacios vinha-se dedicando a uma nova linha de investigação, a eletroquímica, que pode ter sido inspirada no seu trabalho sobre estruturas cristalinas iónicas. Tratava-se de uma revisão da teoria clássica de Nernst, pretendendo demonstrar que esta seria um caso particular de uma teoria mais geral que ele se propunha demonstrar teórica e experimentalmente.

Esta foi a linha de investigação que pretendeu lançar no CEF, contribuindo para obliterar um passado de investigação em que predominava a espectrografia de raios X, no domínio da física atómica. A oposição de Lídia Salgueiro para impor que a investigação tradicional do CEF não desaparecesse, não impediu que Palacios formasse um grupo de jovens investigadores em eletroquímica, salientando-se entre eles António Manuel Baptista (e Fernando Carvalho Barreira. Em 1951, a nova linha de investigação em eletroquímica estava em vias de consolidação com divulgação intensa na Revista da Faculdade de Ciências.

Perante um futuro aparentemente tão promissor, inesperadamente em 1952, Palacios, aceitava o projeto oferecido pelo IAC de lançar com os seus investigadores uma nova linha em física nuclear no Instituto Português de Oncologia (IPO), nomeadamente a aplicação de radioisótopos à medicina. Palacios passou então a gozar de uma situação insólita, ser diretor de dois centros de estudos do IAC, um anexo à FCUL e o outro anexo ao IPO. Os objetivos dos dois centros eram distintos, sendo o diretor o único elo de ligação. A situação terminou em dezembro de 1956, quando foi nomeado um professor catedrático de física para dirigir o CEF. Além disso, desde 1953, que Palacios dividia o seu tempo entre Lisboa e Madrid, prestando serviço quinze dias por mês na universidade de cada cidade.

Ao mudarem-se para o IPO, os investigadores rejeitaram o investimento e o esforço aplicados à eletroquímica. Barreira foi a exceção, ao escolher a eletroquímica para tema da sua tese de doutoramento defendida em 1957. No entanto, não se deve concluir que o trabalho em eletroquímica tenha sido simplesmente desperdiçado, porque os investigadores de Palacios tinham adquirido a atitude mental, a técnica do trabalho experimental e o hábito de publicar resultados, sendo por isso fácil transitar da eletroquímica para a física nuclear. 

No IPO, o grupo de Palacios promoveu cursos de formação em física nuclear para elementos de outros centros de estudos e para médicos, sendo dada prioridade aos do IPO. Também publicou o resultado da sua investigação, fundamentalmente na Revista da Faculdade de Ciências e enviou artigos à Conferência Internacional de Aplicações Pacíficas de Energia Nuclear de 1955, participou no II Congresso de Endocrinologia realizado em Lisboa, em novembro de 1955 e no XXXIII Congresso Luso-Espanhol para o Avanço das Ciências realizado em Coimbra, em junho de 1956. O mais bem-sucedido dos discípulos de Palacios foi, sem dúvida, Baptista com uma carreira no IPO baseada na aplicação de radioisótopos à medicina, tendo contribuído para a criação da medicina nuclear em Portugal. 

Palacios desistiu da sua teoria fundamental para a eletroquímica e um fracasso semelhante ocorreu com a sua contestação da teoria da relatividade de Einstein. O contrato de professor catedrático com a FCUL, que assegurava a ligação de Palacios aos estudantes de física, terminou em novembro de 1958. Ele considerava esta ligação fundamental para o recrutamento de jovens licenciados que permitiriam rejuvenescer o quadro de pessoal do centro de estudos que supervisionava no IPO. Em 1961, a jubilação colocou um ponto final no seu trabalho em Portugal. 

Júlia Gaspar

Arquivos

Lisboa, Arquivo do Instituto Camões (AIC):

Lisboa, Centro de Estudos de Física anexo à FCUL 3249/5; 3250/3; 3251/2.

Lisboa, Laboratório de Física Nuclear do Centro de Estudos de Energia Nuclear de Lisboa, 3243/4, 3243/5, 3175/5. 

Local? Processo de Julio Palacios Martinez, 1948.

Obras

Baptista, António M. e Julio Palacios, “Analysis of uranium and thorium complex ores by measurement of their gamma activity”, Proceedings UN Geneva Conference, 9 (1955):  279.

Palacios, Julio. “De la Física a la Biologia”, Gazeta de Física, 1 (3) (1947): 78-85.

Palacios, Julio e L. Lozano Calvo. “L’aimantation du nickel par compression unilatérale”, Portugaliae Physica, 2 (1) (1943) 77-92.

Palacios, Julio e M. T. Vigon. “L’ adsorption de cations par le charbon actif. Confirmations expérimentales”, Portugaliae Physica, 3 (1) (1943) 295-316.

Palacios, Julio. Mecânica física. Madrid: Estades, 1948.

—. Termodinámica y mecánica estadística. Madrid: Espasa-Calpe, 1949.

Palacios, Julio e A. Baptista. “Demonstration by Radioactive Tracers of the Adsorption of Cations by Metals”, Nature, 170 (1952): 665.

—. “Theoretical and Experimental Study of the Dropping Electrode: I. Experiments with the galvanometer and with the cathode ray oscilloscope”, Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa, 2ª Série B, II (1952-53): 97-108.

Palacios, Julio. Análisis dimensional. Madrid: Espasa-Calpe, 1956.

Palacios, Julio. Revision de la teoria de la relatividad (Madrid: [s.n.], 1957. (Publicado na Revista de La Real Academia de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales de Madrid, tomo 51, cadernos 1º, 2º, 3º e 4º)

Bibliografia sobre o biografado

Peixoto, José Pinto. “Discurso proferido pelo Presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Prof. Doutor José Pinto Peixoto, na sessão plenária de homenagem ao académico correspondente espanhol Prof. Doutor D. Julio Palacios por ocasião do centenário do seu nascimento”, in Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. (Lisboa, Classe de Ciências, Tomo 31, 1990-1991), 603-606. 

Sánchez-Ron, José M. “International relations in Spanish physics from 1900 to the Cold War”, Historical Studies in the Physical and Biological Sciences, 33 (1) (2002): 3-31, pp. 12, 15, 19.

Herran, Néstor e Xavier Roqué. “An Autarkic science”: Physics, Culture, and Power in Franco’s Spain”, Historical Studies in the Natural Sciences, 43 (2) (2013): 202–235.

Gaspar, Júlia. “A Spanish-Portuguese Research Connection. Julio Palacios’s Supervision of two Laboratories at Lisbon University” (comunicação apresentada à 6ª Conferência Internacional da European Society for the History of Science, Sessão: Aspects of Cooperation between Portuguese and Spanish Scientists in the Mathematical and Physical Sciences, Lisboa, 4-6 setembro 2014).

Sánchez-Ron, Jose M. “The Non-introduction of Low-Temperature Physics in Spain: Julio Palacios and Heike Kamerlingh Onnes”, in Theodore Arabatzis, Jürgen Ren e Ana Simões (eds.), Relocating the History of Science, Essays in honor of Kostas Gavroglu (Cham, Heidelberg, New York, Dordrecht, London: Springer, 2015), Capítulo 10.