Ponta Delgada, São Miguel, 15 julho 1855 — Ponta Delgada, São Miguel, 6 janeiro 1908
Palavras-chave: Astronomia Amadora, British Astronomical Association, Société Astronomique de France, Estrelas variáveis.
DOI: https://doi.org/10.58277/LUCE8787
João de Moraes Pereira nasceu no seio de uma família de classe média ilustrada que pertencia à elite intelectual da ilha de São Miguel tendo, aparentemente, vivido toda a sua vida na mesma cidade. São esparsas as informações existentes sobre os seus primeiros anos de vida. Sabemos que não frequentou nenhuma instituição de ensino superior e que, entre 1874 e 1886, trabalhou como caixeiro numa empresa de um tio. Nesse último ano aceitou o convite para lecionar a disciplina de Inglês no liceu local, atividade que viria a desempenhar até ao seu falecimento.
Desconhecem-se as motivações que o levaram a iniciar os estudos astronómicos. As suas primeiras observações conhecidas datam de 1892, ano em que se tornou sócio da Société Astronomique de France e da British Astronomical Association (BAA). Nos anos seguintes, Moraes Pereira observou as superfícies da Lua, Marte, Júpiter e Saturno, trânsitos e conjunções dos satélites de Júpiter, um eclipse do Sol, ocultações de estrelas, um trânsito de Mercúrio, etc. As suas principais contribuições foram efetuadas no estudo das manchas solares e na fotometria de estrelas variáveis tendo, durante alguns anos, sido um dos observadores mais ativos das respetivas secções da BAA. O seu espírito, que suspeitamos curioso, levou-o a realizar incursões pouco habituais num astrónomo amador da época. Em 1901 determinou, pelo método telegráfico, a longitude do castelo de Santa Cruz, na cidade da Horta, Faial, tendo o valor obtido sido utilizado como referência pelo Connaissance des Temps. Esta foi a primeira determinação de longitudes entre países diferentes realizada por um português através desse método. Dedicou-se, também, ao cálculo de órbitas de cometas.
Nas suas observações utilizou um telescópio Bardou de 108 mm de diâmetro, provavelmente sem montagem equatorial, com diferentes oculares, um binóculo de 50 mm de abertura, um sextante de 7 polegadas Hughes & Sons certificado por Kew e vários cronómetros. Possivelmente, como consequência da sua localização geográfica, no fim da vida, Moraes Pereira possuía uma excelente biblioteca astronómica focada nos seus tópicos de interesse e na qual se encontravam os mais importantes catálogos de estrelas variáveis publicados até então. Adquiriu, igualmente, placas fotográficas do céu realizadas pelo Harvard Astronomical Observatory, para melhor identificar as estrelas que estudava. Como método de registo visual escolheu o desenho para o qual era dotado.
As suas principais comunicações conhecidas ocorreram, no âmbito das sociedades a que pertencia, com o observatório de Harvard e com os leitores do jornal English Mechanic. Embora não nos seja possível avaliar a sua real rede de contactos a sua correspondência mostra que não se coibia de dialogar com outros astrónomos como, por exemplo, Edward Pickering (1846–1919) diretor do Observatório de Harvard.
Uma colaboração importante iniciou-se, em 1895, após a colocação do militar Manuel Soares de Mello e Simas (1870–1934) na cidade de Ponta Delgada. Nos nove anos seguintes os dois amigos dedicaram-se, em conjunto, à astronomia. Os primeiros artigos de Mello e Simas sobre manchas solares, a estrela variável Nova Persei e o cálculo das órbitas de planetas menores, parecem indicar a influência de Moraes Pereira.
A astronomia amadora, tal como a entendemos atualmente, teve o seu início na segunda metade do século XIX. O típico amador possuía instrumentos de dimensão modesta, dedicava-se ao estudo de nichos deixados vagos pelos profissionais e pertencia a uma ou mais sociedades astronómicas. Em Portugal, João de Moraes Pereira foi o primeiro destes ‘novos’ amadores. As suas publicações revelam um observador que deixou para outros a interpretação dos seus dados que, ainda hoje, se encontram à disposição dos investigadores.
Vítor Bonifácio
Departamento de Física, Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores, Universidade de Aveiro
Arquivos
Cambridge, MA, Harvard University Archives, Harvard College Observatory, Director’s Correspondence, E.C. Pickering, 1903-1910, File One, Mos-Pf
Obras
Pereira, João de Moraes. “The longitude of Horta, Fayal, Azores Islands.” English Mechanic 74 (1911) (1901): 275.
Cannon, Annie. “Second catalogue of variable stars.” Annals of Harvard College Observatory 55 (1907): 1–94.
Pereira, João de Moraes. “Observations of variable stars from January 1894 to January 1896.” Memoirs of the British Astronomical Association,5 (1897): 20–28; 47–48.
Brown, Elizabeth. “Section for the Observation of the Sun—Fifth Report of the Section.” Memoirs of the British Astronomical Association 5 (1897).
Brown, Elizabeth. “Section for the Observation of the Sun—Fourth Report of the Section.” Memoirs of the British Astronomical Association 4 (1896).
Pereira, João de Moraes. “Observations of variable stars from May 1892 to January 1894.” Memoirs of the British Astronomical Association 3 (1895): 37–47.
Brown, Elizabeth. “Section for the Observation of the Sun—Third Report of the Section.” Memoirs of the British Astronomical Association 3 (1895).
Pereira, João de Moraes. “Transit of Mercury across the Sun’s Disk, November 10, 1894.” The Journal of the British Astronomical Association 5 (1895): 105–106.
Pereira, João de Moraes. “Observations of Jupiter’s and Saturn’s Satellites in 1893.” The Journal of the British Astronomical Association 4 (1894): 210–214.
Pereira, João de Moraes. “Observations of Occultations of Stars during the Total Eclipse of the Moon on September 3, 1895, made at Ponta Delgada, St. Michael’s, Azores.” The Journal of the British Astronomical Association 5 (1895): 509–510.
Bibliografia sobre o biografado
Bonifácio, Vitor. “Da Astronomia à Astrofísica: A perspectiva portuguesa.” Tese de doutoramento, Universidade de Aveiro, 2009.
Bonifácio, Vitor, Isabel Malaquias e João Fernandes. “João de Moraes Pereira (1855–1908): The first Portuguese member of the British Astronomical Association.” Journal of the British Astronomical Association 120 (2) (2010): 101–106.
Bonifácio, Vitor, Isabel Malaquias e João Fernandes. “O astrónomo amador João de Moraes Pereira e a determinação telegráfica da longitude da cidade da Horta.” In O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX. Actas do V Colóquio, ed. Núcleo Cultural da Horta, 111–137. Horta: Núcleo Cultural da Horta, 2011.
Bonifácio, Vitor. “A biblioteca de um astrónomo amador açoriano na 1ª década do século XX.” Ágora. Estudos Clássicos em Debate 14 (1) (2012): 293–314.
Simas, Manoel Soares de Mello e. “João de Moraes Pereira.” In Album Açoriano, ed. Oliveira & Baptista, 241–242. Lisboa: Annuario Commercial de Portugal, s/data.