Lisboa, 10 março 1650 — Lisboa, 19 abril 1719
Palavras-chave: Cosmógrafo-mor, astronomia náutica, ensino, Arte de Navegar.
DOI: https://doi.org/10.58277/ANDI7222
Manuel Pimentel, um erudito ao serviço do rei e da Corte na transição do século XVII para o século XVIII.
Manuel Pimentel (ou Manuel de Pimentel e Vilalobos, de seu nome completo) foi o segundo filho de Luís Serrão Pimentel e de D. Isabel Godines; foi baptizado na freguesia de Santa Justa, em Lisboa, a 20 de março de 1650. Casou em 1689 com sua prima, D. Clara Maria de Miranda, filha de Filipe Serrão Pimentel e de D. Brites Aires Teresa, de quem teve uma filha, D. Brites Teresa Pimentel, e um filho, que lhe sucedeu enquanto cosmógrafo-mor, Luís Francisco Pimentel.
Estudou no Colégio de Santo Antão, onde terá frequentado a Aula da Esfera, sendo que a náutica estava incluída no programa das lições desde o tempo do P. Francisco da Costa, de quem se conhece uma Arte de Navegar, tida como apostilha das suas aulas no Colégio, tal como acontecera com o P. Cristóvão Bruno, que também iniciava as suas lições pela Arte de Navegar. Esta tradição terá sido continuada por Valentim Estancel, sendo possível que, embora muito novo, Manuel Pimentel tenha sido seu discípulo (professorado entre 1660–64, havendo, porém, algumas dúvidas quanto a Estancel ter leccionado também em Lisboa ou se o fez apenas na Universidade de Évora). Também discípulo de seu pai, tal como seu irmão Francisco, Manuel Pimentel desenvolveu a sua obra no domínio da navegação, das matemáticas e da cosmografia.
Demonstrou paralelamente ao ensino uma excelente erudição, fruto de uma educação cuidada, revelando bem cedo a sua capacidade poética e o domínio do latim, ao compor, aos 14 anos a Vida de S. Francisco Xavier. Avançou nos estudos na Universidade e Coimbra, onde se graduou em 1674 em Direito e em Cânones, sendo vontade do pai que ele seguisse a jurisprudência junto da Corte ou a carreira eclesiástica, reservando para o primogénito, Francisco Pimentel, os cargos por si exercidos (cosmógrafo-mor e engenheiro-mor). Cedo, porém, revelou capacidades no domínio da Cosmografia, e, dada a inesperada morte de seu pai e o facto de o irmão não querer o exercício do lugar, foi provido do ofício a 30 de janeiro de 1680, cargo que desempenhou até 27 de fevereiro de 1707, sendo que a propriedade do ofício lhe foi concedida em 1687.
Escreveu Arte Prática de Navegar e Roteyro das Viagens, com duas edições em sua vida, em 1699 e em 1712 (além de ser o responsável pela edição, em 1681, da Arte Pratica de Navegar, trabalho de seu pai, mas em que Manuel acrescentou e atualizou dados e tabelas). Na edição de 1699 são citados Riccioli, Fournier, Pedro Nunes, D. Wright e R. Hues, além de Stevinus, Snelius e Metius. Em 1712 a lista alonga-se com os nomes de Manuel de Mesquita Perestrelo, D. João de Castro, João de Barros e Pedro Nunes; Pedro Apiano e André Cespedes; André de San Martin e os Roteiros de B. Nodal e G. Nodal; Robert Hues; Jean Richier; J. Vossio e o abade Vallemont; J. Richard e R. Norwood e G. Blaeu; E. Halley; G. Tachard, A. Metius, W. Dampier, Cassini, Gassendo, além de Regiomontano, Euclides e Ptolomeu. A edição de 1712 contém, no fim, uma Elegia de 25 dísticos dedicada à Agulha de Marear. Muito do seu trabalho se baseou na herança paterna, bem como em Fournier, especialmente no domínio da Hidrografia, em Clavius, nas questões do calendário e em Riccioli, sobre astronomia e coordenadas das estrelas para a determinação de latitudes; qualquer um destes autores era jesuíta.
Na Arte de navegar e o Roteyro das viagens, surgem, no roteiro das ilhas dos Açores, Cabo Verde, Guiné, Angola, Brasil, Índias Ocidentais e Orientais, Costa de Espanha e Mar Mediterrâneo, descrições que se referem a rotas entre o Rio de Janeiro e Santos e entre Buenos Aires e a costa do Brasil, com referências ao rio S. Francisco do Sul, Guarativa, Paranaguá, Cananea, Iguape e Itanhaem. Esta presença documental certamente tem a ver com o excelente trabalho que Manuel Pimentel realizou enquanto encarregado de estabelecer os limites da colónia do Sacramento sobre o Rio da Prata. Para Luís de Albuquerque, a edição de 1712 da Arte de Navegar, mais completa que a primeira edição do trabalho, permite entender a evolução, em termos de astronomia náutica e marinharia, em relação aos Guias Náuticos de Munique e Évora. A obra demonstra a evolução da marinharia portuguesa em termos não só de técnicas e instrumentos de origem estrangeira como também em termos de suporte teórico. No livro, Manuel Pimentel expõe o recurso à trigonometria e ao cálculo logarítmico para a resolução de problemas de marinharia, devendo tais matérias ser do domínio dos pilotos; para Luís Albuquerque, o livro de Manuel Pimentel é o trabalho mais desenvolvido até então dos publicados em Portugal sobre a prática da navegação, dado que o trabalho de Pedro Nunes apresenta características distintas. A Arte de Navegarconheceu ainda edições em 1746 e 1762, e uma no século XIX, provavelmente em 1819.
O manuscrito Compêndio da Doutrina Esférica, apesar de considerado pelos especialistas como inferior à Arte de Navegar, tornou-se uma obra muito conhecida (como provam também as cópias que subsistiram), incluindo matérias tradicionais de leccionação em Santo Antão, podendo ter sido um dos cursos que leccionou, como era sua obrigação enquanto cosmógrafo-mor, para pilotos, cartógrafos e homens do mar.
Em 1681, e já como cosmógrafo-mor (por nomeação régia em 1679, ainda interinamente, e em 1687 a título definitivo), Manuel Pimentel foi enviado a Elvas, com o P. João Duarte da Costa, matemático, e com os desembargadores Sebastião Cardozo de Sampayo, e Manoel Lopes de Oliveira para conferir, com os geógrafos enviados por Carlos II de Espanha, a fronteira do Brasil a propósito do direito de demarcação entre Portugal e Castela da nova colónia de Sacramento, criada na margem norte do Rio da Prata. O diferendo com os geógrafos espanhóis demorou três meses, com deslocações recíprocas entre Elvas e Badajoz, sendo que Manuel Pimentel produziu documentação cartográfica que estabelecia e clarificava o direito da Coroa portuguesa no território. Esta questão, que eclodiu em 1680, só terminou com a assinatura do Tratado de Madrid em 1750, preparado por Alexandre de Gusmão, e baseado na doutrina, que criou, de Utti possidetis ou uti possidetis iuris.
Em 1684, substituiu o irmão, Francisco Pimentel (que se encontrava em missão militar para servir o exército contra os turcos na Alemanha, na Polónia e na Hungria) enquanto Lente na Aula de Matemática, tal como em 1690, quando Francisco se deslocou a Mazagão para melhorar a fortaleza, situação que se manteve nas duas décadas seguintes, dadas as constantes deslocações no terreno de Francisco Pimentel. D. João V, em reconhecimento dos serviços prestados por Manuel Pimentel e dos que prestava em nome do irmão, toma-o por fidalgo-cavaleiro de sua Casa em 26 de outubro de 1709.
Em fevereiro de 1714, e considerando-se que era útil ao serviço real ter pilotos com boa formação, pois nisso assentava “ a navegação das conquistas com cujos fructos se sostenta o comercio, e augmentão os cabedais dos vassallos (…)”, foi solicitado a Manuel Pimentel, que ensinasse na Aula Pública a arte de navegação tanto para os homens do mar, para os curiosos e para os aplicados, para poderem participar da sua grande erudição, ainda que a sua carta de ofício não lhe impusesse esta obrigação; foi-lhe acrescentado ordenado, por mercê pessoal do rei, além do que já usufruía como cosmógrafo-mor. Quatro anos depois, em 1718, foi escolhido para Mestre do Príncipe D. José, com lições nos domínios da Geografia e da Náutica.
Aos profundos conhecidos de geografia juntava o domínio de diversos idiomas, nomeadamente latim, castelhano, francês e italiano, a que juntava um profundo conhecimento da literatura clássica. Socialmente, a sua casa era frequentada por alguns dos Grandes do reino, mantendo excelentes relações com os marqueses de Valença e Alegrete e com os condes de Ericeira. E, apesar do desempenho dos cargos, continuou a escrever poesia, nomeadamente Elegias, frequentando tanto a Academia dos Singulares como a Academia Generosos, onde leu especialmente sobre questões de Astronomia, como ainda a Academia de História Portuguesa, com reuniões desde 1717, instalada em casa de D. Francisco Xavier de Meneses, conde de Ericeira, onde leu lições de Filologia e Filosofia Moral; esta última esteve na origem, em 1720, da Academia Real da História Portuguesa. Morreu em abril de 1719, de uma colírica (vómito de cólera), aos 69 anos, e foi sepultado no jazigo da família no claustro do convento do Carmo, em Lisboa.
Antónia Fialho Conde
Universidade de Évora
Arquivos
Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Mercês de D. João V, Lº 3, ff.. 403-404 (microfilme 1104); Lº 15, f. 419.
Mercês de D. Pedro II, Lº 3, f. 261 v.; f. 409.
Registo Geral de Mercês – Ordens Militares, Lº 8, f. 389v.
Obras:
Manuscritas:
Opuscula Poetica. M.S. (Consta do Poema da Vida de S. Francisco Xavier)
Colleção de Cartas e Elegias Latinas. M.S.
Licoens Academicas recitadas na Academia dos Generosos, e na Academia Portugueza. M.S.
Viagem desde Lisboa até às ilhas de Timor e Solor (BMBraga, Cód. 600)
Compendio de Doutrina Esférica (BMBraga, Cód. 600; BGUC, Ms. 185: BNP, FG 1867, FG 1552, FG 4322)
Liçoens Academicas sobre a Doutrina de Aristoteles em que se trata do Ceo e Couzas Celestes (BMBraga, Ms. 600; BAj, Ms. 52.V.58))
Impressas:
Arte prática de navegar e regimento de pilotos repartido em duas partes a primeira propositiva em que se propõem alguns princípios para melhor inteligência das regras de navegação: a segunda operativa em que se ensinam as mesmas regras para a prática: juntamente os roteiros das navegações das conquistas de Portugal, e Castela. Lisboa: Antonio Craesbeeck de Melo, 1681.
Arte pratica de navegar, e Roteiro das viagens, e costas maritimas do Brasil, Guiné, Angola, Indias, e Ilhas Orientaes, e Occidentaes agora novamente emendado, e acrecentado o Roteiro da Costa da Hespanha, e Mar Mediterraneo. Lisboa: Bernardo da Costa de Carvalho, 1699.
Arte de navegar, em que se ensinão as regras praticas, e o modo de Cartear pela Carta plana, e reduzida, o modo de Graduar a Balestilha por via dos numeros, e muitos problemas uteis à navegação, e Roteiro das viagens, e costas maritimas da Guiné, Brasil e Indias Orientaes, e Occidentaes agora novamente emendadas e acrecentadas muitas derrotas novas. Lisboa: Officina Deslandiana, 1712.
Arte de navegar em que se ensinam as regras práticas, e os modos de cartear, e graduar a balestilha por via de número e muitos problemas úteis a navegação e Roteiro das viagens e costas marítimas de Guiné, Angola, Brazil, Indias, Ilhas Orientais e Ocidentais. Novamente emendado e acrescentado muitas derrotas. Lisboa: Tipografia de Antonio Rodrigues Galhardo, 1819.
Bibliografia sobre o biografado
Albuquerque, Luís de. Arte de Navegar. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1969.
Albuquerque, Luís de. “Manuel Pimentel.” In Dicionário de História de Portugal, ed. Joel Serrão, vol. V: 80. Porto: Livraria Figueirinhas.
Correia, Carlos Alberto Calinas. A arte de navegar de Manuel Pimentel (as edições de 1699 e 1712). Universidade de Lisboa, Dissertação de Mestrado, 2010.
Leitão, Henrique. “Jesuit mathematical practice in Portugal, 1540–1759.” In The New Science and Jesuit Science: Seventeenth Century Perspectives, ed. Mordechai Feingold, pp. Dordrecht: Kluwer, 2003.
Pereira, José Manuel Malhão. “A evolução técnica náutica portuguesa até ao uso do método das distâncias lunares.” In La ciencia y el mar, ed. Maria Isabel Vicente Maroto, Mariano Esteban Piñero, 125–147. Valladolid, 2006.