Ramalho, Alfredo Magalhães 

Lamego, 26 Abril 1894 – Lisboa, 6 Novembro 1959 

Palavras-chave: Biologia marinha, oceanografia biológica, ecologia, Aquário Vasco da Gama, atividades pesqueiras.

DOI: https://doi.org/10.58277/AVCQ2922

A biografia de Alfredo Ramalho mostra uma profunda e ampla atividade científica, tanto em termos de produção como em termos de networking e comunicação. Durante a sua carreira, foi membro de importantes sociedades científicas internacionais, onde cultivou relações apesar de não ter deixado Portugal. O país onde nasceu e que o acompanhou durante as fases mais importantes da sua vida foi onde se dedicou intensamente ao desenvolvimento de disciplinas científicas como a oceanografia e a biologia marinha. Estas são as duas áreas de investigação que mais marcaram a sua atividade profissional. 

Ramalho iniciou os seus estudos em 1911 em Lisboa, na Faculdade de Medicina, que completou em 1917. Três anos mais tarde, concluiu o seu doutoramento. Apesar de Ramalho ter concluído os seus estudos, a sua paixão pela medicina no sentido restrito nunca lhe pareceu suficiente (o ambiente familiar teve uma influência decisiva na sua escolha do curso universitário). O período a partir de 1915 foi essencial para a carreira de Ramalho, durante o qual trabalhou como assistente do Professor Augusto Celestino da Costa no ensino de Histologia. Começou então a trabalhar de um ponto de vista histológico-embriológico com órgãos de peixes e, em paralelo, como voluntário no Aquário Vasco da Gama. Juntamente com Celestino da Costa, Ramalho trabalhou para fazer do Aquário um local de investigação em biologia marinha e, a partir de 1919, foi nomeado naturalista assistente. A sua atividade científica está intimamente ligada ao Aquário Vasco da Gama, de tal forma que cinco anos mais tarde se tornou diretor do Instituto (em 1924), substituindo Celestino da Costa.

No ano seguinte, em 1920, Ramalho esteve em França, para participar na investigação científica no Bureau Scientifique des Pêches, e adquirir experiência em oceanografia. Durante este período, visitou vários centros de investigação e institutos de biologia marinha, e frequentou cursos de oceanografia no Instituto Oceanográfico de Paris. Como se afirma na biografia editada por A. Candeias (1960), Ramalho colaborou com investigadores franceses numa ligação entre Lisboa-Paris, trabalhando e participando em projetos de investigação para a Secção Oceanográfica Física e Biológica do Conselho Internacional de Investigações, realizados no mesmo Instituto Oceanográfico. Em 1923, graças aos seus contactos com o Professor Louis Joubin (1861-1935) em Paris, participou noutra expedição oceanográfica francesa chamada Tanche. Agora ativo a nível de investigação científica, foi no início dos anos 20 que Ramalho começou a estudar a sardinha do ponto de vista biológico, um assunto que pode ser definido como o foco da sua obra científica ao longo da sua vida, o projeto ao qual se tornou mais apegado. Uma das suas primeiras obras neste campo, de relevância, foi publicada em 1927 sob o título A Sardinha em Portugal, Notas biológicas, um compêndio científico abrangente, que resume o assunto em pormenor. 

No que diz respeito ao contexto internacional no início dos anos 20, e às relações com outros centros de investigação, a Dinamarca desempenhou uma função importante. A sua capital, Copenhaga, era a sede do Conselho Internacional para o Estudo do Mar (CIEM), ao qual Portugal pertenceu, com Ramalho na qualidade de delegado. 

Como naturalista do Aquário Vasco da Gama e determinado a fazer avançar a investigação nas ciências naturais, Ramalho trabalhou no sentido de obter um navio de expedição. Nisto, a Noruega representa mais um eixo internacional, essencial para o desenvolvimento do perfil académico-científico de Ramalho. Através do Ministério da Marinha, que geriu o Aquário nos anos 20, foi estabelecido contacto com o Instituto Geofísico do Museu Bergen, tendo-se iniciado os trabalhos de construção de uma réplica do navio Armauer Hansen, mais tarde adotada pelo Aquário e posteriormente nomeado o navio oceanográfico Albacora. Os trabalhos começaram em 1924, sob a coordenação do Professor Helland Hansen (1877-1957). Ramalho foi enviado para a Noruega no final do verão desse mesmo ano para discutir o equipamento científico do navio, permanecendo por três meses. Este período norueguês ajudou a desenvolver em Ramalho uma propensão para a oceanografia física, uma tendência que também se refletiu na sua abordagem aos estudos de biologia. 

Em Maio de 1925, as primeiras expedições começaram com a Albacora, com o objetivo de estudar as condições físico-químicas da água na zona portuguesa e para ligar estas investigações à biologia de espécies como a sardinha e o atum (que do ponto de vista económico, ou seja, a pesca, representam uma riqueza para o país). Estas viagens científicas com a Albacora, de 1924 a 1931, foram realizadas sob o comando do Tenente Luciano Sena Dentinho (1898-1973), o colaborador próximo de Ramalho que, em vez disso, foi encarregue dos assuntos científicos das expedições.

As expedições realizadas entre 1927 e 1929 representam uma contribuição científica significativa, especialmente para a oceanografia física e a questão das correntes no Estreito de Gibraltar (como o trabalho publicado em 1931 intitulado Contribution à l’étude océanographique du Golfe de Gibraltar). Uma importância confirmada pelo reconhecimento e apreciação internacional, por exemplo por Otto Petersen de Gotemburgo (1848-1941) e H. B. Bigelow (1879-1967) do Museu de Zoologia Comparativa de Harvard.

Outras expedições com a Albacora foram realizadas em 1930 e continuaram durante dez anos, até 1940, explorando a costa portuguesa. O carácter destes estudos científicos é digno de nota. O que deve ser realçado é a abordagem com que os ambientes naturais (neste caso, oceânicos) foram estudados. De facto, o objetivo científico residia num encontro entre os domínios físico-químico e biológico, através de uma abordagem multidisciplinar capaz de proporcionar uma complexidade e completude adequadas aos mecanismos naturais. Ao cruzar a biologia com as ciências químicas e físicas, foi inaugurada uma abordagem ecológica, um avanço em termos naturalistas. Com a Albacora tanto as correntes oceânicas em vários locais estratégicos (como o já mencionado Gibraltar), como a composição química das águas foram estudadas, e a investigação de natureza mais marcadamente biológica-marinha não foi subestimada, tendo sido recolhido muito material importante. Contudo, a biologia não estava no centro da investigação. Ramalho estava ciente disto, mas reconheceu a importância da disciplina e o surgimento de um grande interesse nela por parte de vários estudiosos é também mérito seu.  

O trabalho sobre a sardinha enquadra-se neste esquema que cruza aspetos biológicos com questões químico-físicas. A década de 1930 foi particularmente intensa em termos de produção científica. O assunto não foi tratado apenas no sentido de pesquisa biológica, mas também em termos económicos, dado que a sardinha foi e é de importância crucial na indústria piscatória. Portanto, com seu tomo de 1944, intitulado Crise da pesca da sardinha, Ramalho tentou lançar luz sobre o assunto, mostrando também como o bom conhecimento científico pode ser útil na área da economia. Desenvolveu também a consciência de que a ciência precisa de se abrir a um diálogo político.

No final da década de 1930 e início dos anos 40, o trabalho de Ramalho começou a ser reconhecido, oficialmente, a nível internacional. As suas atividades em Portugal e sua gestão das expedições de Albacora, com os resultados científicos que daí vieram, não passaram despercebidas. Já em 1933, Ramalho tornou-se membro da Zoological Society of London e, cinco anos mais tarde, foi nomeado membro correspondente da Academia de Ciências de Lisboa e, em 1943, membro da Linnean Society of London.

Também no início dos anos 40, a Estação de Biologia Marítima iniciou uma nova fase de intenso trabalho científico, após um momento anterior que viu a saída de Portugal do CIEM e o desmantelamento do Albacora. Nesta nova fase, foram produzidos artigos científicos, catálogos de coleções oceanográficas nacionais e o estudo de plâncton, sardinha e atum. Ramalho, além de sua preocupação com a investigação no sentido estrito, também se dedicou ao trabalho de tradução, especificamente com um volume intitulado O problema da sobrepesca (1943), para português. Um trabalho originalmente elaborado pelo britânico E. S. Russell que introduziu um tópico novo e interessante na época, sobre a importância da gestão e racionalização da atividade pesqueira (Fishery Biology). Uma obra de tradução que se junta a outra, produzida algum tempo antes, intitulado Os primeiros tempos da ideia evolucionista: Lamarck, Geoffrey Saint- Hilaire e Cuvier (1922). Um trabalho que demonstra a sua consciência no que toca ao panorama científico internacional e da importância da ciência.

Em 1946 Ramalho participou na Conferência Internacional de Pesca. Em 1950, perto do final de sua carreira, estava nos Estados Unidos da América para a Operation Sardine, através da qual quis determinar a causa da escassez de sardinha nos mares da Califórnia. 

Em 1951, após sua experiência na América, Ramalho foi nomeado o primeiro diretor do Instituto de Biologia Marinha, que havia se separado do Aquário Vasco da Gama, chegando ainda a vice-presidente do ICES. Por razões de saúde, terminou a sua carreira em 1957. Uma carreira que demonstra a paixão pelo mar em todas as suas facetas, juntamente com um foco rigoroso nas questões portuguesas.

Morreu dois anos depois, em 1959, em sua casa em Lisboa, de um acidente cardíaco.

Pier Luigi Pireddu

Arquivos

  • Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal
  • Lisboa, Sociedade de Geografia
  • Lisboa, Biblioteca Central da Marinha

Obras 

Ramalho, Alfredo Magalhães. A Sardinha em Portugal: Notas biológicas. Lisboa: Imprensa da Armada 1927.

Ramalho, Alfredo Magalhães, Dentinho, Luciano. Notas sobre as condições oceanográficas ao Largo da Costa de Portugal em 1927. Lisboa: Imprensa da Armada, 1928.

Ramalho, Alfredo Magalhães. Contribution à l’étude des races de la Sardine (Sardinia pilchardus Walb.) au Portugal, à Madeira et aux Açores. Copenhague: Tip. Blanco Luno, 1929. 

Ramalho, Alfredo Magalhães. Étude biométrique (moyenne Vertébrale) de la Sardine au Portugal, Lisboa: Estação Biologia Marítima 1932. 

Ramalho, Alfredo Magalhães. Notice sur la pêche et la biologie de la Sardini eau Portugal. Copenhague: Tip. Blanco Luno, 1933. 

Ramalho, Alfredo Magalhães. Observações oceanográficas: 1934-1937. Lisboa: Imprensa da Armada, 1935-1938. 

Ramalho, Alfredo Magalhães. Crise da pesca da sardinha. Lisboa: Soc. Ind. de Tipografia 1945.

 Ramalho, Alfredo Magalhães, Dentinho, Luciano Sena. Contribution a l’étude océanographique du Golfe de Gibraltar. Conseil Permanent International pour l’Exploration de la Mer (ICES), Rapports et procès-verbaux des reunions, 70 (1931) 82–115.

Obras traduzidas

Ramalho, Alfredo Magalhães. Os primeiros tempos da ideia evolucionista: Lamarck, Geoffrey Saint- Hilaire e Cuvier, Paul Pelseneer. Lisboa: Biblioteca Nacional 1922.   

Ramalho, Alfredo Magalhães. O problema da sobrepesca, E. R. Russell. Lisboa: Estação de Biologia Marítima 1943.  

Bibliografia sobre o biografado

Candeias, Alberto. Doutor Alfredo Ramalho: Esboço biográfico. Lisboa: Instituto de Biologia Marítima 1960. 

Candeias, Alberto. Alfredo de M. Ramalho 1894–1959. ICES Journal of marine science, 26 (1961) 235-237

Costa, Celestino da. O Aquário Vasco da Gama: Estação de Biologia Marítima. Relatorio apresentado à Comissão Oceanográfica na sessão de 1 de dezembro de 1921 e referente aos anos de 1917 a 1921. Lisboa: Oficinas Graficas Biblioteca Nacional, 1922. 17 pp.

Pinto, Bruno. Historical connections between early marine science research Historical connections between early marine science research and dissemination: the case study of aquarium Vasco Da GamaICES Journal of Marine Science, 74 (6) (2017): 1522–1530.

Rollo, Maria Fernanda, Queiroz, Maria Inês, Brandão, Tiago. O mar como ciência: instituições e estratégias da investigação sobre o mar em Portugal no século XX (da Primeira República à democracia)História, Ciências, Saúde, 21 (3) (2014): 1–19.