Lisboa, 25 dezembro 1884 — m. 1973
Palavras-chave: engenharia mecânica, Automóvel Club de Portugal, Estado Novo, coordenação dos transportes terrestres.
DOI: https://doi.org/10.58277/PUEY6228
Carlos do Nascimento Ferreira dos Santos foi um engenheiro que se destacou pela defesa do desenvolvimento do automobilismo em Portugal e de uma agenda de modernização do país, através das suas atividades empresarial, associativa, de ensino e política, às quais imprimiu uma significativa componente prática.
Carlos dos Santos, filho de Pedro e Maria do Rosário Santos, nasceu em Lisboa. Tirou o curso de Mecânica enquanto era empregado na Empreza Industrial Portuguesa (empresa do ramo da metalurgia, para a qual entrou com 17 anos), estudando à noite na Escola Industrial Marquez de Pombal. Cursou Engenharia na Alemanha com uma bolsa do Estado português.
Em outubro de 1911, foi admitido como professor auxiliar no Instituto Superior Técnico para primeiro assistente da disciplina de Resistência de Materiais, Termodinâmica e Elementos de Máquinas, no âmbito da qual coligiu apontamentos para experiências de laboratório, de cariz eminentemente prático e que foram publicados em 1914, 1917 e 1920. Simultaneamente, desenvolveu uma atividade empresarial. Foi um dos fundadores da empresa C. Santos, Lda. (1912) juntamente com o conde de Caria (Bernardo Homem Machado de Figueiredo de Abreu Castelo Branco) e o seu genro Boaventura Mendes de Almeida, tornando-se um conhecido comerciante de automóveis em Portugal.
Apoiante da Ditadura Militar e do Estado Novo, fez parte da primeira Junta Consultiva da União Nacional em 1932 e participou ativamente no I Congresso da União Nacional em 1934, no qual foi vogal da Quarta Secção (Exposição Documentária) e presidente da 21.ª Subsecção (A Obra Realizada pelos Governos da Ditadura Nacional), tendo ainda apresentado duas comunicações. Ambas refletiam o seu interesse na modernização do país, que defendeu através do desenvolvimento do turismo e da eletrificação. Foi ainda presidente da Junta Geral do Distrito de Lisboa e, em 1934, pertenceu, como vice-presidente, à Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa. Foi deputado da Assembleia Nacional, na I Legislatura, por um breve período, invocando, em dezembro de 1935, motivos pessoais para se afastar. Enquanto deputado participou na discussão da proposta de lei sobre a urbanização da Costa do Sol e fez requerimentos nos quais pediu informações a diversos ministérios (do Interior, de Obras Públicas e Comunicações, da Agricultura e da Guerra) sobre assuntos como o turismo (quais as verbas arrecadadas pelas comissões de iniciativa), sobre a assistência pública (a questão da habitação social), sobre o Código da Estrada (um decreto-lei que promulgou uma nova forma de julgamento das transgressões ao Código da Estrada), sobre os preços dos géneros alimentícios, sobre o recenseamento militar, tendo-se queixado ao presidente da Assembleia da falta de consideração que representava a não-resposta por parte de alguns desses ministérios.
Para além do comércio de automóveis, a sua ação neste sector manifestou-se também no associativismo. Foi enquanto membro da direção do Automóvel Club de Portugal (ACP) que a sua ação mais se notabilizou. Entrou para esta direção substituindo o seu sócio Boaventura Mendes de Almeida no lugar de vice-presidente, que ocupou de 1928 a 1932, ocupando depois o cargo de presidente até 1937. Entre 1928 e 1933, foi também delegado do ACP na Junta Autónoma de Estradas (JAE), órgão que apoiou desde a sua fundação (1927), apresentando reclamações recolhidas pelo ACP sobre o estado das estradas ou traduzindo artigos escritos em revistas estrangeiras sobre os seus aspetos técnicos. Neste período, assistiu-se à institucionalização do sistema sociotécnico da automobilidade em Portugal,por um lado, na parte da regulação, com a aprovação do primeiro Código da Estrada e do decreto do imposto único (1928 e 1929) e com a criação dos serviços de viação do Estado (Conselho Superior de Viação, em 1928 e Direção dos Serviços de Viação em 1933); por outro lado, na parte das infraestruturas, com a adaptação da rede viária existente e com a consolidação de um órgão autónomo de administração rodoviária e especialização dos seus engenheiros, de que se destaca a criação da JAE.
Carlos dos Santos foi um importante defensor do ACP e um produtor do discurso sobre a sua obra, nomeadamente nos artigos que publicou na revista do clube (órgão de propaganda das suas posições em defesa da mobilidade automóvel), que ajudou a criar, e na comunicação que apresentou no I Congresso Nacional de Turismo em 1936, do qual foi também vice-presidente da Comissão Organizadora. O clube retribuiu com homenagens e o título de sócio honorário. Teve também um papel importante na formalização do ACP como órgão representante do turismo em Portugal (particularmente do turismo automóvel), contribuindo para a sua filiação na Alliance Internationale du Tourisme (1932). Esteve também envolvido na organização, apoiada pelo regime, da reunião, em Lisboa, em abril de 1936, da assembleia-geral da Associação Internacional dos Clubes Automóveis Reconhecidos, da qual o ACP era membro e que teve um importante papel na promoção de convenções internacionais para a circulação automóvel no início do século XX.
Carlos dos Santos teve também um papel na definição de quais as funções e enquadramento legislativo dos transportes terrestres (caminhos de ferro e camionagem), tendo feito parte, como delegado do ACP na JAE, da comissão nomeada em 1932 para escrever o primeiro regulamento de transportes em automóveis (publicado em 1933). Nesse período, exerceu ainda funções de engenheiro-chefe dos serviços de camionagem da CP. Nos anos trinta, foi um dos interlocutores do presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, para a discussão da política de coordenação dos transportes terrestres, tendo defendido a associação dos caminhos de ferro à camionagem e fornecido elementos sobre esse debate noutros países.
Arquivo
Lisboa, Centro de Documentação do Automóvel Club de Portugal, Actas da Direcção e da Assembleia Geral do Automóvel Club de Portugal (1928-1937).
Lisboa, Arquivo do Instituto Superior Técnico, 1.º Livro de Actas do Conselho Escolar de 1911-1918, “Acta nº 5, Sessão de 30 de Outubro de 1911”.
Lisboa, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Arquivo Salazar, “Estudo da Coordenação dos Transportes Automóveis e Ferroviários”, OP-2A cx. 467, pt. 15 e 18, 1937/38.
Lisboa, Arquivo do Instituto Superior Técnico, Livro I de Registo de Diplomas do Pessoal.
Lisboa, Arquivo Histórico Parlamentar, Secção XXVI, cx. 1A, nº 31, “Processo Individual de Carlos do Nascimento Ferreira dos Santos”, PT-AHP/SGANCC/SLAN/S10/DC582].
Obras
Santos, Carlos dos. 1929. “Estradas. Metodos gerais de conservação das estradas, por M. Jeannin, engenheiro em Chefe de Pontes e Calçadas.” Boletim Oficial do Automóvel Club de Portugal 9: 5-7.
Santos, Carlos dos. 1930. “O imposto único sobre viaturas automóveis.” Boletim Oficial do Automóvel Club de Portugal13: 1-2.
Santos, Carlos dos. 1930. “Estradas. O VI Congresso – Washington 1930.” ACP – Órgão Oficial do Automóvel Club de Portugal 2: 23-24.
Santos, Carlos dos. 1934. “Turismo.” In I Congresso da União Nacional, vol. 5, 379-394. Lisboa: Edição da União Nacional.
Santos, Carlos dos. 1934. “Alguns Elementos Para o Estudo da Electrificação do País.” In I Congresso da União Nacional, vol. 5, 303-309. Lisboa: Edição da União Nacional.
Santos, Carlos dos. 1934. “O ACP em face do Decreto que alterou o regimen das transgressões.” ACP – Órgão Oficial do Automóvel Club de Portugal 46: 9- 10.
Santos, Carlos dos. 1936. “A legislação portuguesa sobre o automobilismo particular e a colaboração que nela tem tido o Automóvel Club de Portugal.” In I Congresso Nacional de Turismo, 12-16. Lisboa: s. n.
Santos, Carlos dos. 1937. “O automóvel como elemento activo na vida das nações.” In II Congresso Nacional de Automobilismo e Aviação Civil, 8-10. Porto: s. n.
Santos, Carlos dos. 1917. Laboratório. Experiências de Compressão. Resistência de Materiais do Instituto Superior Técnico, 13ª Cadeira. Lisboa: Typographia «A Editora Lda.».
Bravo, Henrique e Carlos dos Santos. “A coordenação dos transportes em Portugal.” In I Congresso Nacional de Transportes, 23-26. Porto: s. n.
Bibliografia sobre o biografado
“Sobre a técnica de automoveis. O espírito e a índole das conferências a realisar na Escola Industrial Marquez de Pombal, da iniciativa dos profissionais do Volante, com a colaboração da propaganda do jornal.” O Volante. Jornal Português de Automobilismo 18 (28 março 1927): 1–2.
“Faleceu o Eng. Carlos Santos.” ACP – Órgão Oficial do Automóvel Club de Portugal 43(3-4) (1973): 11.
Caldeira, Arlindo Manuel. “Carlos do Nascimento Ferreira dos Santos.” In Dicionário Biográfico Parlamentar: 1935-1974, ed. Manuel Braga da Cruz, António Costa Pinto e Nuno Estêvão Ferreira, 524–525. Lisboa: Assembleia da República e Imprensa de Ciências Sociais, 2005-2006.
Calixto, Vasco. “Engº Carlos Santos.” In Fala a Velha Guarda. Subsídios Para a História do Automobilismo em Portugal, ed. Vasco Calixto, vol. 1, 171–175. Lisboa: Edição do autor, 1962.