Margiochi, Francisco Simões

Lisboa, 5 outubro 1774 — Lisboa, 6 junho 1838

Palavras-chave: Matemático, Academia Real de Marinha.

DOI: https://doi.org/10.58277/MRWY3986

Francisco Simões Margiochi foi o fundador de uma família de distintos Pares do Reino—pai, filho, neto e bisneto. De convicções políticas liberais, foi obrigado ao exílio em duas ocasiões, durante o regime absolutista de D. Miguel. Na carreira política, distinguiu-se enquanto deputado, Par do Reino, Conselheiro de Estado e Ministro da Marinha e Ultramar. Os seus escritos distinguem-se na área das matemáticas.

Francisco Simões Margiochi nasceu em Caselas, freguesia da Ajuda, no seio de uma família de lavradores—seu pai, Manoel Simões; sua mãe, Josefa da Luz. Com nove anos ficou órfão de pai e ganhou o apelido do padrinho de batismo, Octávio Margiochi. Era o mais novo de três irmãos. Manuel Simões da Rosa Moreira, bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra (UC), foi corregedor da comarca de Évora e Estremoz entre 1798 e 1802. Sobre o outro irmão, apenas se conhece o nome, Joaquim Simões Ramos. Casou com Ana Ludovina da Silva Torres, em 1811, e tiveram dois filhos, Francisco Simões Margiochi (1812–1879) e Augusto Simões Margiochi. Ambos concluíram em 1832 o Curso Mathematico da Academia Real de Marinha (ARM). Francisco Simões Margiochi (filho) completou, tal como o pai, o grau de bacharel em Matemática na UC e sucedeu-lhe no pariato. Seu neto e bisneto, Francisco Simões Margiochi (1848–1904) e Francisco Simões de Almeida Margiochi (1876–1948), foram também Pares do Reino, distinguindo-se enquanto engenheiros agrónomos.  

Iniciou a instrução no Colégio das Necessidades, dos oratorianos, e ingressou na própria Congregação do Oratório com quinze anos, a qual abandonou antes de tomar ordens. Ingressou na UC com a intenção de seguir Medicina, segundo (Biografia, 1838), mas formou-se em Matemática e em Filosofia, obtendo o grau de bacharel em 1798, em ambos os cursos.

Os seus ideais do liberalismo levaram-no à prisão ainda estudante, entre Junho de 1797 a Abril de 1798, sob acusação da autoria de um panfleto que incitava o povo à revolta. Com a Revolução de 1820 iniciou a carreira política, sendo eleito em 1821 deputado às Cortes Constituintes pela província da Estremadura. Em consequência do movimento absolutista da Vilafrancada, exilou-se em Inglaterra, entre 1823 e 1826, tendo colaborado na redação de O Popular, um jornal dirigido aos emigrados liberais. Outorgada a Carta Constitucional, em 1826, regressou a Portugal mas, restaurado o regime absolutista dois anos depois, viu-se obrigado a voltar para Londres. Viveu ainda em França e em 1833 regressou em definitivo ao seu país, por ocasião do cerco do Porto. Com a vitória dos liberais, foi nomeado Conselheiro de Estado, Par do Reino e tomou a pasta do Ministério da Marinha e Ultramar de 1833 a 1834.

A sua ligação à Marinha Portuguesa remonta a 1798. No posto de 2.º tenente da Armada Real, e até 1802, fez serviço de guarda costas na Europa e no Brasil. Foi transferido para o exército de terra em 1803, ocupando o posto de capitão do Real Corpo de Engenheiros. Em 1801 foi nomeado lente substituto da ARM. Ocupou-se do 2.º ano do Curso Mathematico ministrado nessa escola, onde se ensinavam as disciplinas de Álgebra, na sua aplicação à Geometria, Cálculo Diferencial e Integral e Princípios fundamentais da Estática, da Dinâmica, da Hidrostática, da Hidráulica e da Óptica. Serviu também como lente extraordinário na Academia Real dos Guardas Marinhas, em 1803. Em 1809 ausentou-se do exercício do magistério, por quatro meses, estando empregado como engenheiro nas obras de fortificação das Linhas de Torres Vedras. Passou a lente proprietário da ARM em 1817, sendo demitido em 1823, em consequência do panorama político. Em 1833 recebeu a jubilação. Fez parte de uma geração de lentes que se distinguiu no desempenho das suas funções de magistério e notabilizou no meio científico – Francisco da Paula Travassos (1765–1833), Mateus Valente do Couto (1770–1848), Francisco Vilela Barbosa (1769–1846), João Evangelista Torriani (?–1821), José Joaquim Pereira Martim e Rodrigo Ferreira da Costa (1776–1825).

Foi membro da Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica e da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), sendo eleito sócio da última corporação, na Classe de Ciências Exactas, em Dezembro de 1812. 

Os seus escritos são em temas de ciências matemáticas. Cinco deles foram publicados em vida, inseridos na colecção de Memórias da ACL. Encontramos referências a outros cinco, manuscritos, cuja existência não está confirmada. Elementos de Mathematicas Puras Ilustrações da Mechanica Celeste de Laplace são mencionados em documentação da ARM (Lisboa, Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico, cx. 3, “Noticia particular de cada hum dos lentes” [s.d., anexo a documento de 03–10–1813]); os restantes três em (Biographia, 1838). Instituições mathematicas, um tratado de Aritmética e Geometria elementares, foi publicado postumamente e revisto pelo matemático e académico Daniel Augusto da Silva (1814–1878), amigo e colega de Margiochi (filho) na ARM e na UC. No prefácio dessa obra, Margiochi esclarece que o pai compôs grande parte da obra no último ano de vida, incorporando resultados de outros escritos já publicados mas deixando incompletos alguns temas, como a geometria de três coordenadas.

Cálculo das notações é uma memória composta de duas partes, sendo a primeira da autoria de Margiochi e a segunda escrita por Valente do Couto, igualmente matemático, académico e professor da ARM. Introduzindo notações próprias, os autores procuraram estabelecer regras para o cálculo integral que fossem tão fáceis de aplicar como as dos cálculos das diferenças finitas e não finitas. O académico e matemático Paula Travassos escreve sobre o merecimento desses textos, traçando um panorama do estado de desenvolvimento da questão na época e comentando a inspiração que os consócios tiveram em trabalhos de Leibniz, Lagrange e Laplace.

Em “Fundamentos de Algorithmia elementar” apresenta resultados sobre as operações aritméticas elementares e suas propriedades e, relativamente a somas infinitas, define séries e a sua convergência, repetindo, segundo (Saraiva,2008), as definições que José Anastácio da Cunha (1744–1787) apresentou em Principios Mathematicos. A relevância desta obra de Anastácio da Cunha, publicada postumamente, reside no facto de conter resultados originais, em particular uma definição de convergência de séries que antecipa a definição de Cauchy.

Na “Memoria com o fim de provar que não podem ter forma de raízes as equações litteraes e completas dos graus superiores ao quatro”, Margiochi apresenta um método geral para resolução de equações dos 2.º, 3.º e 4.º graus muito embora, segundo (Saraiva, 2008), nem todos os resultados que afirma ter demonstrado possam ser deduzidos da sua exposição. Tal método foi redescoberto mais tarde pelo matemático francês Louis Olivier e publicado em 1826 no Journal für die Reine und Angewandte Mathematik, vulgarmente conhecido por Journal de Crelle.

A memória Theorica sobre composição de forças, segundo (Biographia, 1838), foi aperfeiçoada por Margiochi, alguns meses antes de falecer.  

Em 1834 foi nomeado Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.

Ana Patrícia Martins

Arquivos

Margiochi, Francisco Simões. Elementos de Mathematicas Puras.

Margiochi, Francisco Simões. Ilustrações da Mechanica Celeste de Laplace do 1.º volume ou do 1.º e 2.º livros.

Margiochi, Francisco Simões. Princípios de Mathematica.

Margiochi, Francisco Simões. Memoria sobre os factoriaes.

Margiochi, Francisco Simões. Reflexões sobre o methodo inverso dos limites no desenvolvimento geral das funções algorithmicas do Snr. Francisco de Borja Garção Stockler.

Obras

Margiochi, Francisco Simões. “Calculo das notações. I.ª Parte.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. III, parte II (1814): 48–56.

Margiochi, Francisco Simões. “Theorica da composição das Forças.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. III, parte II (1814), 21–26.

Margiochi, Francisco Simões. “Fundamentos de Algorithmia elementar.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. III, parte II (1814): 27–60.

Margiochi, Francisco Simões. “Memoria com o fim de provar que não podem ter forma de raízes as equações litteraes e completas dos graus superiores ao quatro.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. VII (1821): 317–349. 

Margiochi, Francisco Simões. Instituições mathematicas. Primeira Parte. Arithmetica Universal. Obra pósthuma. Lisboa: Imprensa Nacional, 1869.

Margiochi, Francisco Simões. Instituições mathematicas. Segunda Parte. Elementos de geometria. Obra pósthuma.Lisboa: Imprensa Nacional, 1869.

Bibliografia sobre o biografado

Biographia do Ill.mo e Ex.mo Senhor Francisco Simões Margiochi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1838.

Travassos, Francisco da Paula. “Reflexões tendentes a esclarecer o calculo das notações sobre que versa a Memoria dos sócios Francisco Simões Margiochi, e Matheus Valente do Couto.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa, t. III, parte II (1814): 65–72.

Brigola, João. “Ciência e Política. Do pombalismo ao liberalismo. Francisco Simões Margiochi.” Dissertação de mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1990.

Saraiva, Luís Manuel Ribeiro. “Mathematics in the Memoirs of the Lisbon Academy of Sciences in the 19th century.” Historia Mathematica 35 (2008): 302–326.

Woodhouse, Luís. Contribuição portuguesa para um célebre problema de álgebra: comunicação e conferência realizada no Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Sciências. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1924.

M.A.M., “Francisco Simões Margiochi (1774–1838).” In Dicionário biográfico parlamentar: 1834–1910, ed. Maria Filomena Mónica, vol. II:745–748. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2004–2006.