Campos, João Ferreira

Lisboa, 15 dezembro 1799 – ?,  9 Fevereiro 1869

Palavras-chave: Escola Politécnica, matemática, Instrução pública.

DOI: https://doi.org/10.58277/XZMW7469

João Ferreira Campos, bacharel em matemática pela Universidade de Coimbra, a sua vida profissional foi marcada pela docência em matemática e ciências navais. Revelando grande preocupação com a qualidade da instrução pública, participou na elaboração de propostas alternativas à Universidade de Coimbra.

De 1830 a 1837 assumiu o cargo de lente substituto da Academia Real de Marinha, sendo apenas possível precisar que, no ano letivo de 1836-1837, coadjuvou António Aloísio Jervis de Atouguia, lente proprietário do 1.º ano do Curso Mathematico. Nesse ano ensinavam-se aritmética, geometria, trigonometria plana e o seu uso prático e os princípios elementares da álgebra até às equações do segundo grau, inclusivamente. 

Em novembro de 1835 foi nomeado lente do recém-criado Instituto das Ciências Físicas e Matemáticas, uma escola central criada em Lisboa com o objectivo de providenciar instrução em ciências físicas e matemáticas, que se considerava ser deficiente por todo o país. Esse instituto compreendia cinco escolas especiais (Engenharia civil, Engenharia militar, Marinha, Pilotagem e Comércio) e o seu ensino distribuía-se por 24 cadeiras. Campos foi indicado para o lugar de lente substituto das 1.ª e 2.ª cadeiras (Aritmética universal e Geometria), da 3.ª (Mecânica dos sólidos e dos fluídos), da 4.ª (Astronomia esférica), da 5.ª (Mecânica Celeste) e da 16.ª (Navegação). Rodrigo da Fonseca Magalhães ocupava a pasta do Ministério do Reino. Polémicas levantadas pela Universidade de Coimbra, que pretendia conservar o monopólio do ensino superior no país, levaram à extinção desse estabelecimento em apenas um mês, sendo então ministro do Reino Mousinho de Albuquerque. Curiosamente, o mesmo homem que, na década de 1820, defendera a implantação do regime politécnico em Portugal – enviou de Paris para ser apreciado nas Cortes liberais portuguesas um projecto de instrução pública da sua autoria, Ideas sobre o estabelecimento da instrucção pública dedicadas á Nação portugueza e offerecidas a seus representantes (1823).

Tornou-se lente da Escola Politécnica aquando da sua fundação, em 1837, sendo nomeado lente substituto das cadeiras de matemática, as 1.ª (Aritmética, Álgebra elementar, Geometria sintética elementar, plana sólida e descritiva, introdução à Geometria algébrica e Trigonometria rectilínea e esférica), 2.ª (Álgebra transcendente, Geometria Analítica plana e a três dimensões; Cálculo Diferencial e Integral, e princípios dos cálculos das diferenças, variações e probabilidades), 3.ª (Mecânica e suas principais aplicações às máquinas, com especialidade às de vapor) e 4.ª (Astronomia e Geodesia). Em 1842 tornou-se lente proprietário da 1.ª cadeira, sucedendo a José Cordeiro Feio e em 1855 foi jubilado.

Enquanto lente da Escola Politécnica, e para uso dos seus alunos, compôs um compêndio de álgebra elementar, (Campos, 1848), seguindo-se duas edições, (Campos, 1855) e (Campos, 1864). A última é uma edição aumentada de dois capítulos.

Dos seus escritos destaca-se uma monografia sobre a instrução pública em Portugal, (Campos, 1859), onde comenta as tentativas de renovação pedagógica desde a revolução de 1820 até à implantação do regime liberal em 1834. Crítico do estado do ensino em Portugal, defende que a reputação de que gozava o país, em matéria de instrução, devia-se não tanto a um eficaz funcionamento das instituições de ensino, mas antes aos esforços isolados de alguns homens importantes. Denuncia a calamidade pública que representou a anulação da criação do Instituto das Ciências Físicas e Matemáticas e, fazendo parte da Sociedade dos Amigos das Letras, encetou um conjunto de iniciativas que culminaram na criação de uma escola de ensino superior alternativa à Universidade de Coimbra, a Escola Politécnica, em Lisboa.

Tornou-se sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa em novembro de 1850. A proposta para tal cargo foi apresentada pelo director da lasse de Ciências Exactas, Miguel Franzini, invocando como mérito do candidato apenas o cargo que ocupava, lente da 1.ª cadeira da Escola Politécnica, e a obra que havia composto. 

Casou com Emília de Roure Auffdiener e tiveram uma filha, Sophia de Roure Auffdiener de Oliveira Pimentel, 2.ª Viscondessa de Vila Maior, por casamento com Júlio Máximo de Oliveira Pimentel.

Ana Patrícia Martins

Obras 

Campos, João Ferreira. Apontamentos relativos à instrucção pública. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1859.

Campos, João Ferreira.  Lições de álgebra elementarPrincipios. Equações do 1º e 2º grau. Para instrucção dos alumnos da primeira cadeira da Escóla Polytechnica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1848.

Campos, João Ferreira. Lições de álgebra elementar para instrucção dos alumnos da primeira cadeira da Escóla Polytechnica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855.

Campos, João Ferreira. Lições de álgebra elementar aprovadas pelo Conselho Geral de Instrucção Publica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1864.

Margiochi, Francisco Simões

Lisboa, 5 outubro 1774 — Lisboa, 6 junho 1838

Palavras-chave: Matemático, Academia Real de Marinha.

DOI: https://doi.org/10.58277/MRWY3986

Francisco Simões Margiochi foi o fundador de uma família de distintos Pares do Reino—pai, filho, neto e bisneto. De convicções políticas liberais, foi obrigado ao exílio em duas ocasiões, durante o regime absolutista de D. Miguel. Na carreira política, distinguiu-se enquanto deputado, Par do Reino, Conselheiro de Estado e Ministro da Marinha e Ultramar. Os seus escritos distinguem-se na área das matemáticas.

Francisco Simões Margiochi nasceu em Caselas, freguesia da Ajuda, no seio de uma família de lavradores—seu pai, Manoel Simões; sua mãe, Josefa da Luz. Com nove anos ficou órfão de pai e ganhou o apelido do padrinho de batismo, Octávio Margiochi. Era o mais novo de três irmãos. Manuel Simões da Rosa Moreira, bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra (UC), foi corregedor da comarca de Évora e Estremoz entre 1798 e 1802. Sobre o outro irmão, apenas se conhece o nome, Joaquim Simões Ramos. Casou com Ana Ludovina da Silva Torres, em 1811, e tiveram dois filhos, Francisco Simões Margiochi (1812–1879) e Augusto Simões Margiochi. Ambos concluíram em 1832 o Curso Mathematico da Academia Real de Marinha (ARM). Francisco Simões Margiochi (filho) completou, tal como o pai, o grau de bacharel em Matemática na UC e sucedeu-lhe no pariato. Seu neto e bisneto, Francisco Simões Margiochi (1848–1904) e Francisco Simões de Almeida Margiochi (1876–1948), foram também Pares do Reino, distinguindo-se enquanto engenheiros agrónomos.  

Iniciou a instrução no Colégio das Necessidades, dos oratorianos, e ingressou na própria Congregação do Oratório com quinze anos, a qual abandonou antes de tomar ordens. Ingressou na UC com a intenção de seguir Medicina, segundo (Biografia, 1838), mas formou-se em Matemática e em Filosofia, obtendo o grau de bacharel em 1798, em ambos os cursos.

Os seus ideais do liberalismo levaram-no à prisão ainda estudante, entre Junho de 1797 a Abril de 1798, sob acusação da autoria de um panfleto que incitava o povo à revolta. Com a Revolução de 1820 iniciou a carreira política, sendo eleito em 1821 deputado às Cortes Constituintes pela província da Estremadura. Em consequência do movimento absolutista da Vilafrancada, exilou-se em Inglaterra, entre 1823 e 1826, tendo colaborado na redação de O Popular, um jornal dirigido aos emigrados liberais. Outorgada a Carta Constitucional, em 1826, regressou a Portugal mas, restaurado o regime absolutista dois anos depois, viu-se obrigado a voltar para Londres. Viveu ainda em França e em 1833 regressou em definitivo ao seu país, por ocasião do cerco do Porto. Com a vitória dos liberais, foi nomeado Conselheiro de Estado, Par do Reino e tomou a pasta do Ministério da Marinha e Ultramar de 1833 a 1834.

A sua ligação à Marinha Portuguesa remonta a 1798. No posto de 2.º tenente da Armada Real, e até 1802, fez serviço de guarda costas na Europa e no Brasil. Foi transferido para o exército de terra em 1803, ocupando o posto de capitão do Real Corpo de Engenheiros. Em 1801 foi nomeado lente substituto da ARM. Ocupou-se do 2.º ano do Curso Mathematico ministrado nessa escola, onde se ensinavam as disciplinas de Álgebra, na sua aplicação à Geometria, Cálculo Diferencial e Integral e Princípios fundamentais da Estática, da Dinâmica, da Hidrostática, da Hidráulica e da Óptica. Serviu também como lente extraordinário na Academia Real dos Guardas Marinhas, em 1803. Em 1809 ausentou-se do exercício do magistério, por quatro meses, estando empregado como engenheiro nas obras de fortificação das Linhas de Torres Vedras. Passou a lente proprietário da ARM em 1817, sendo demitido em 1823, em consequência do panorama político. Em 1833 recebeu a jubilação. Fez parte de uma geração de lentes que se distinguiu no desempenho das suas funções de magistério e notabilizou no meio científico – Francisco da Paula Travassos (1765–1833), Mateus Valente do Couto (1770–1848), Francisco Vilela Barbosa (1769–1846), João Evangelista Torriani (?–1821), José Joaquim Pereira Martim e Rodrigo Ferreira da Costa (1776–1825).

Foi membro da Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica e da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), sendo eleito sócio da última corporação, na Classe de Ciências Exactas, em Dezembro de 1812. 

Os seus escritos são em temas de ciências matemáticas. Cinco deles foram publicados em vida, inseridos na colecção de Memórias da ACL. Encontramos referências a outros cinco, manuscritos, cuja existência não está confirmada. Elementos de Mathematicas Puras Ilustrações da Mechanica Celeste de Laplace são mencionados em documentação da ARM (Lisboa, Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico, cx. 3, “Noticia particular de cada hum dos lentes” [s.d., anexo a documento de 03–10–1813]); os restantes três em (Biographia, 1838). Instituições mathematicas, um tratado de Aritmética e Geometria elementares, foi publicado postumamente e revisto pelo matemático e académico Daniel Augusto da Silva (1814–1878), amigo e colega de Margiochi (filho) na ARM e na UC. No prefácio dessa obra, Margiochi esclarece que o pai compôs grande parte da obra no último ano de vida, incorporando resultados de outros escritos já publicados mas deixando incompletos alguns temas, como a geometria de três coordenadas.

Cálculo das notações é uma memória composta de duas partes, sendo a primeira da autoria de Margiochi e a segunda escrita por Valente do Couto, igualmente matemático, académico e professor da ARM. Introduzindo notações próprias, os autores procuraram estabelecer regras para o cálculo integral que fossem tão fáceis de aplicar como as dos cálculos das diferenças finitas e não finitas. O académico e matemático Paula Travassos escreve sobre o merecimento desses textos, traçando um panorama do estado de desenvolvimento da questão na época e comentando a inspiração que os consócios tiveram em trabalhos de Leibniz, Lagrange e Laplace.

Em “Fundamentos de Algorithmia elementar” apresenta resultados sobre as operações aritméticas elementares e suas propriedades e, relativamente a somas infinitas, define séries e a sua convergência, repetindo, segundo (Saraiva,2008), as definições que José Anastácio da Cunha (1744–1787) apresentou em Principios Mathematicos. A relevância desta obra de Anastácio da Cunha, publicada postumamente, reside no facto de conter resultados originais, em particular uma definição de convergência de séries que antecipa a definição de Cauchy.

Na “Memoria com o fim de provar que não podem ter forma de raízes as equações litteraes e completas dos graus superiores ao quatro”, Margiochi apresenta um método geral para resolução de equações dos 2.º, 3.º e 4.º graus muito embora, segundo (Saraiva, 2008), nem todos os resultados que afirma ter demonstrado possam ser deduzidos da sua exposição. Tal método foi redescoberto mais tarde pelo matemático francês Louis Olivier e publicado em 1826 no Journal für die Reine und Angewandte Mathematik, vulgarmente conhecido por Journal de Crelle.

A memória Theorica sobre composição de forças, segundo (Biographia, 1838), foi aperfeiçoada por Margiochi, alguns meses antes de falecer.  

Em 1834 foi nomeado Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.

Ana Patrícia Martins

Arquivos

Margiochi, Francisco Simões. Elementos de Mathematicas Puras.

Margiochi, Francisco Simões. Ilustrações da Mechanica Celeste de Laplace do 1.º volume ou do 1.º e 2.º livros.

Margiochi, Francisco Simões. Princípios de Mathematica.

Margiochi, Francisco Simões. Memoria sobre os factoriaes.

Margiochi, Francisco Simões. Reflexões sobre o methodo inverso dos limites no desenvolvimento geral das funções algorithmicas do Snr. Francisco de Borja Garção Stockler.

Obras

Margiochi, Francisco Simões. “Calculo das notações. I.ª Parte.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. III, parte II (1814): 48–56.

Margiochi, Francisco Simões. “Theorica da composição das Forças.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. III, parte II (1814), 21–26.

Margiochi, Francisco Simões. “Fundamentos de Algorithmia elementar.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. III, parte II (1814): 27–60.

Margiochi, Francisco Simões. “Memoria com o fim de provar que não podem ter forma de raízes as equações litteraes e completas dos graus superiores ao quatro.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa t. VII (1821): 317–349. 

Margiochi, Francisco Simões. Instituições mathematicas. Primeira Parte. Arithmetica Universal. Obra pósthuma. Lisboa: Imprensa Nacional, 1869.

Margiochi, Francisco Simões. Instituições mathematicas. Segunda Parte. Elementos de geometria. Obra pósthuma.Lisboa: Imprensa Nacional, 1869.

Bibliografia sobre o biografado

Biographia do Ill.mo e Ex.mo Senhor Francisco Simões Margiochi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1838.

Travassos, Francisco da Paula. “Reflexões tendentes a esclarecer o calculo das notações sobre que versa a Memoria dos sócios Francisco Simões Margiochi, e Matheus Valente do Couto.” Memorias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias de Lisboa, t. III, parte II (1814): 65–72.

Brigola, João. “Ciência e Política. Do pombalismo ao liberalismo. Francisco Simões Margiochi.” Dissertação de mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1990.

Saraiva, Luís Manuel Ribeiro. “Mathematics in the Memoirs of the Lisbon Academy of Sciences in the 19th century.” Historia Mathematica 35 (2008): 302–326.

Woodhouse, Luís. Contribuição portuguesa para um célebre problema de álgebra: comunicação e conferência realizada no Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Sciências. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1924.

M.A.M., “Francisco Simões Margiochi (1774–1838).” In Dicionário biográfico parlamentar: 1834–1910, ed. Maria Filomena Mónica, vol. II:745–748. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2004–2006.

Silva, Daniel Augusto da

Lisboa, 16 abril 1814 — Oeiras, 6 abril 1878

Palavras-chave: astática, matemática actuarial, Escola Naval, Montepio Geral.

DOI: https://doi.org/10.58277/QOFN2413

Daniel Augusto da Silva é reconhecido como um dos mais importantes matemáticos portugueses do século XIX. Lente da Escola Naval (EN) e académico, da sua obra científica destacam-se, pela sua originalidade, contributos nas áreas da mecânica e da teoria dos números. Com formação científica vasta, usou as suas aptidões para resolver problemas de sociedades a que se afiliou, o que determinou os seus estudos em matemática actuarial e física. Numa época em que os planos de pensões dos montepios de sobrevivência portugueses não obedeciam aos princípios da ciência actuarial, as iniciativas de Daniel da Silva constituem novidade. A importância social dessas associações, de estava bem consciente, reforça a mais-valia do seu contributo.

Pouco se sabe das origens de Daniel da Silva. O seu pai, Roberto José da Silva (?-1866), foi negociante na praça de Lisboa, desconhecendo-se o ramo de actividade. De sua mãe, apenas se sabe o nome, Maria do Patrocínio. Teve um irmão, mais velho, Carlos Bento da Silva (1812-1891), que foi ministro de diversas pastas (de 1857 a 1877). Casou com Zeferina d’Aguiar (1825-1913), natural da cidade do Funchal, em 1859, e tiveram um filho, Júlio Daniel da Silva (1866-1891).

Iniciou a formação na Academia Real da Marinha (1829), frequentando o Curso Mathematico, trienal. Mostrou aptidão para as ciências matemáticas, obtendo prémios nos 1.º e 2.º anos. Em Outubro de 1833 apresentou-se ao Real Corpo dos Guardas Marinhas com a indicação de que servia o Batalhão Móvel do Comércio, corpo este que integrou por um período de dois meses. Ingressou na Academia Real dos Guardas Marinhas no posto de Guarda Marinha, completando a sua formação em ciências navais e instrução militar. Pediu licença para cursar na Faculdade Matemática da Universidade de Coimbra em 1835 e, a expensas da Marinha, concluiu o grau de bacharel em matemática (1839).

Retornou a Lisboa, à Companhia dos Guardas Marinhas, e em 1845 iniciou a carreira de docente na EN. Ensinou assuntos diversos, enquanto lente substituto das 1.ª cadeira (Elementos de Mecânica. Astronomia esférica e náutica) e 2.ª cadeira (Princípios de óptica, construção e uso dos instrumentos de reflexão. Prática das observações astronómicas e dos cálculos mais úteis na Navegação. Factura de uma derrota completa, princípios de Táctica Naval) (no período 1845-1848) e enquanto lente proprietário da 3.ª cadeira (Artilharia prática e teórica) (de 1848 a 1852). Em 1852 deu parte de doente, ausentando-se por sete anos. Em 1859 foi considerado incapaz de serviço activo, sendo promovido a Capitão-tenente adido ao Corpo de Veteranos da Marinha. Como causa possível da sua debilidade geral, apontou-se o excesso de trabalhos intelectuais. Foi jubilado em 1865 e em 1868 reformou-se no posto de Capitão-de-fragata. Destaca-se o seu envolvimento na contestação à reforma de estudos proposta logo em 1847. Críticas à formação apresentada e o afastamento de professores nomeados conduziram à sua anulação em menos de um mês. A frequência de um curso preparatório na Escola Politécnica (EP) pelos futuros oficiais da Armada mereceu constantes críticas desde a fundação da EN e a reforma de 1847 pretendia terminar com essa situação. Daniel da Silva contribuiu para outras propostas de reforma, quer no seio do Conselho da EN, quer em comissões nomeadas pelo Governo, mas nenhuma foi atendida, protelando-se uma primeira reforma até 1864. 

A sua produção científica abrange várias áreas – mecânica (astática), teoria dos números (congruências binómias), geometria analítica, matemática actuarial (planos de pensões de montepios de sobrevivência e estudos da população portuguesa) e física (experiências com a chama) –, distinguindo-se duas fases, separadas pelo período de doença prolongada. Estreou-se no meio científico com trinta e cinco anos, oferecendo à Academia das Ciência de Lisboa (ACL) uma das suas obras mais significativas, a Memória sobre a rotação das forças em torno dos pontos de applicação, valendo-lhe a nomeação como sócio correspondente. O período de 1850 a 1852 foi o mais produtivo pelo valor científico dos seus textos, sobre astática e congruências binómias. Após 1859 investigou temáticas menos exigentes do ponto de vista científico, podendo estabelecer-se uma relação com as sociedades a que se ligou.

Memória sobre a rotação das forças em torno dos pontos de applicação constitui uma referência na teoria do equilíbrio astático e rotação das forças, acrescentando novos resultados à teoria de Ernst Ferdinand Adolf Minding (1806-1885) e August Ferdinand Möbius (1790-1868). Existe uma questão de prioridade sobre certos resultados que Jean-Gaston Darboux (1842-1917) incluiu na memória Étude sur la reduction d’un système de forces, apresentada cerca de um quarto de século depois à Académie des Sciences (1876). Daniel da Silva não fez reclamação de prioridade à corporação francesa; apenas ao director da revista científica Les Mondes, onde lera notícia sobre esse trabalho. Francisco Gomes Teixeira preocupou-se com a devida reclamação de prioridade, após Daniel da Silva falecer, divulgando a sua obra além-fronteiras e incentivando o estudo dessa questão. Inicialmente, ao filho do matemático, Júlio, como candidatura a um lugar de lente na EP, no início da década de 1890; depois a Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcelos (1874-1944), assistente na secção de matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Do primeiro, não se conhecem resultados; o outro publicou alguns estudos. De qualquer modo, o papel de Daniel da Silva na fundação da astática está ainda por fundamentar devidamente.

A única obra que compôs em teoria dos números contém, também, uma questão de prioridade sobre John Stephen Smith (1826-1883), o qual publicou, perto de uma década depois, alguns resultados sobre congruências binómias nas Philosophical Transactions (1861). Christophoro Alasia de Quesada (1869-1900) destacou essa questão num periódico italiano, em 1903. Também neste caso Teixeira se preocupou com a devida reclamação, correspondendo-se com Quesada, resultando daí a publicação de dois estudos pelo matemático italiano.

A afiliação de Daniel da Silva a certas sociedades determinou a sua investigação em temáticas de matemáticas aplicadas. A associação a montepios de sobrevivência – Montepio Geral de Marinha (c. 1843), Montepio Geral (MG) (1863) e Montepio Oficial dos Servidores do Estado (1867) – motivou-o para o estudo dos seus planos de pensões, entre 1863 e 1870. Durante o século XIX os planos de pensões dos montepios de sobrevivência portugueses não estavam cientificamente organizados e, por conseguinte, a prosperidade dessas associações, maioritariamente fundadas a partir da década de 1840, era efémera. A inexistência de estatísticas fiáveis da população portuguesa, e de grupos mais específicos como os dessas sociedades, impossibilitavam o cálculo correto de tabelas de contribuições e de pensões. Em finais da década de 1860, e seguindo as orientações do Congresso Internacional de Estatística, realizou-se, em Portugal, um inquérito oficial às associações de socorros mútuos, com vista à verificação do seu estado de desenvolvimento e aconselhamento sobre a mais adequada organização a adoptar. Daniel da Silva integrou o grupo de trabalho que estudou, em particular, os montepios de sobrevivência, sendo os seus estudos indicados como uma referência. O Governo não atendeu aos trabalhos que daí resultaram e, mais genericamente, não exerceu eficazmente o seu papel enquanto entidade reguladora e fiscalizadora dessas sociedades durante todo o século XIX. A relevância dos seus escritos reside na introdução de métodos aconselhados pela ciência na organização dos fundos de pensões dos montepios portugueses, minimizando a sua organização deficiente. 

A ligação à Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás esteve na base das experiências que levou a cabo sobre o poder calorífico da chama, na década de 1870. À data, assistia-se a mudanças na iluminação urbana das grandes cidades europeias e, para essa empresa, pioneira no ramo, era imprescindível avaliar opções de investimento. Também neste campo, antecipou resultados de outros cientistas. Em Novembro de 1878, o químico Karl Heumann (1850-1894) reconheceu a sua primazia sobre resultados que publicara nesse ano num artigo incluído nos Annalen de Chemie. Daniel da Silva já havia falecido.

No estrangeiro, a obra de Daniel da Silva foi desconhecida durante a sua vida. Em Portugal, o seu mérito científico foi, de uma forma geral, reconhecido pelos seus pares, se bem que seja de assinalar não se estudarem com a mesma profundidade os assuntos que investigou.  

Tornou-se sócio de três sociedades científicas – o Grémio Literário (1846), de que foi sócio fundador, a ACL (1850), sendo elevado a sócio de mérito em 1859, e o Instituto de Coimbra (1855), de que foi sócio correspondente. 

As suas aptidões notavam-se para além do domínio de assuntos científicos. Na década de 1840 traduziu, do alemão, as memórias de viagem do príncipe Felix von Lichnowsky (1814-1848), relativas à sua estadia em Portugal entre Junho e Agosto de 1842. 

Escreveu também na imprensa lisboeta, sobre assuntos diversos, mostrando-se preocupado em repor a verdade dos factos. Notamo-lo na iniciativa de publicar na Revista Universal Lisbonense a proposta de reforma dos estudos navais composta pelo Conselho da EN em 1847. Também na defesa do prestígio da ACL contra os ataques de José Maria Latino Coelho, no semanário O Atheneu, em 1850. Ainda, reagindo a notícias sobre os estudos que compôs acerca da estabilidade financeira do MG, no Jornal do Commercio. Por fim, também sobre decisões governamentais envolvendo o Observatório Astronómico de Lisboa. Na base da organização definitiva desse estabelecimento estiveram não só questões políticas mas também rivalidades da Universidade de Coimbra em assuntos relacionados com a instrução superior e com instituições científicas. Daniel da Silva escreveu sobre isso no Jornal do Commercio e o título de um dos seus artigos, “A astronomia vencida pela política”, faz antever tais críticas.

Recusou a comenda da Ordem de S. Tiago da Espada (1869), condecoração que foi iniciativa de Latino Coelho. Agradeceu essa demonstração particular de afeição ao amigo, e secretário-geral da ACL, mas recusou-a enquanto acto público, por considerar repugnante assinalar de tal forma o seu pretenso merecimento.

Ana Patrícia Martins

Arquivos

Academia das Ciências de Lisboa, Série Azul de manuscritos, 1211 [Cartas para José Maria Latino Coelho – conjunto de 9 cartas de Daniel Augusto da Silva]

Arquivo da Universidade de Coimbra, Espólio de Francisco Gomes Teixeira – Correspondência recebida [conjunto de 22 cartas de Daniel Augusto da Silva]

Arquivo da Universidade de Coimbra, Espólio de Francisco Gomes Teixeira – Correspondência recebida [conjunto de 18 cartas sobre obras de Daniel Augusto da Silva, maioritariamente de correspondentes estrangeiros]

Obras 

Daniel Augusto da Silva, Da transformação e reducção dos binários (Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1851) [(Silva,1851a)]

Daniel Augusto da Silva, Memória sobre a rotação das forças em torno dos pontos de applicação (Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1851) [(Silva,1851a)]

Daniel Augusto da Silva, Propriedades geraes e resolução directa das congruências binómias: introducção ao estudo da theoria dos numeros (Lisboa: Imprensa Nacional, 1854)

Daniel Augusto da Silva, “Amortização anual média das pensões nos principais montepios de sobrevivência portugueses”, Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, t. I, III (Agosto 1867) 175-187

Daniel Augusto da Silva, O presente e o futuro do Monte Pio Geral (Lisboa: Imprensa Nacional, 1868)

Daniel Augusto da Silva, “Contribuições para o estudo comparativo do movimento da população em Portugal”, Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, t. II, VIII (Dezembro 1869) 255-306

Daniel Augusto da Silva, Das condições económicas indispensáveis á existência do Monte Pio Geral (Lisboa: Imprensa Nacional, 1870)

Daniel Augusto da Silva, De varias formulas novas de geometria analytica relativa aos eixos coordenados oblíquos(Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1872)  

Daniel Augusto da Silva, Considerações e experiencias acerca da chamma (Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1873)

Daniel Augusto da Silva, Luz do gaz de pinheiro e luz do gaz e petróleo (Lisboa: Imprensa Nacional, 1874)

Bibliografia sobre o biografado

Ana Patrícia Martins, Daniel Augusto da Silva e o Cálculo Actuarial, Tese de doutoramento em História e Filosofia das Ciências, Universidade de Lisboa, 2013

Christoforo Alasia de Quesada, “Daniel Augusto da Silva e la teoria delle congruenze binomie”,  Annaes Scientificos da Academia Polytechnica do Porto, IV (1909) 166-192

Christoforo Alasia de Quesada, Esposizione di una teoria dei radicali modulari secondo Daniel Augusto da Silva(Coimbra: Imprensa da Universidade, 1914)

Fernando de Almeida e Vasconcelos, Sobre a rotação das fôrças à roda dos pontos de aplicação e O Equilíbrio Astático (Coimbra: Imprensa da Universidade, 1912) 

Francisco Gomes Teixeira, “Elogio historico de Daniel Augusto da Silva”, in: Panegíricos e Conferências (Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925), pp. 155-19