Felgueiras, Torre de Moncorvo, 21 dezembro 1759 — Coimbra, 20 setembro 1829
Palavras-chave: Reforma Pombalina, Universidade Coimbra, Laboratório Químico.
DOI: https://doi.org/10.58277/EHSH3302
Filho de João Rodrigues e de Isabel Pires, Thomé Rodrigues Sobral nasceu em Felgueiras, Torre de Moncorvo, a 21 de dezembro de 1759, e morreu a 20 de setembro de 1829, em Coimbra. Matriculou-se nas Faculdades de Matemática e de Filosofia da Universidade de Coimbra, em outubro de 1779. Em 1782, foi ordenado presbítero em Braga, e, em 1783, formou-se em matemática e filosofia. Em 1786, foi nomeado demonstrador de história natural; e lente-substituto de física, em 1786-1788; de história natural, em 1787: e de química, em 1789.
Em 1791, Rodrigues Sobral foi nomeado professor da cadeira de Química e Metalurgia, sucedendo a Domingos Vandelli. Nesta data, assumiu também o cargo de director do Laboratório Químico da Universidade de Coimbra.
Como refere Joaquim Augusto Simões de Carvalho (1822-1902) na sua Memória Histórica da Faculdade de Filosofia(Imprensa da Universidade, Coimbra,1882), “no tempo da direcção deste Professor, os trabalhos práticos do Laboratório não cessavam, não só em delicadas investigações de química, mas ainda nas mais importantes aplicações industrais” .
Foi sócio da Academia das Ciências de Lisboa e cavaleiro professo da Ordem de Cristo.
Em julho de 1791, a congregação da Faculdade de Filosofia atribuiu a Rodrigues Sobral a tarefa de escrever um compêndio de química, decidindo também que o artigo Affinité da autoria de Guyton de Morveau, publicado na Encyclopédie Méthodique, deveria ser traduzido para português. O reitor incumbiu o demonstrador da cadeira de química,Vicente de Seabra , de o fazer, mas, inesperadamente, Rodrigues Sobral viria a fazer a tradução, apresentando-a, em 1793, com o título Tractado das Affinidades Chimicas, artigo que no Diccionario de Chimica, fazendo parte da Encyclopedia por ordem de materias, deu Mr. De Morveau, com um longo prefácio de sua autoria, com considerações sobre a necessidade do estudo da química para o avanço dos países e também sobre as novas orientações desta disciplina.
Quanto ao compêndio de química, em 25 de Abril de 1792, Rodrigues Sobral submeteu à congregação a primeira parte do plano do mesmo e, em Julho desse mesmo ano, as restantes partes. Em meados de 1798, como o compêndio ainda não estivesse pronto, Rodrigues Sobral foi libertado da docência no ano lectivo de 1798/1799 de modo a facilitar-lhe otrabalho. Entretanto, a Universidade adoptou o compêndio baseado na teoria do flogisto da autoria de Scopoli, intitulado Fundamenta Chemiae-Praelectionibus Publicis Accomodata. (Praga, Wolfgangum Gerlb, 1777).
Aparentemente, Rodrigues Sobral não era um adepto do flogisto. O naturalista alemão Heinrich F. Link, que visitou Portugal nessa altura, refere que ele estava a par dos desenvolvimentos recentes da química francesa, nomeadamente, da teoria do oxigénio da Lavoisier, e ele próprio o deixou claro no referido prefácio que fez para o Tractado das Affinidades Chimicas. A redacção final e completa do compêndio de química de que fora incumbido é desconhecida e, se alguma vezfoi concluída, não há notícia de que tenha sido publicado. Entretanto, o ensino da química, em Coimbra, mudou em 1801, com a divisão da cadeira de Química e Metalurgia em duas disciplinas distintas, o que poderá ter levado Rodrigues Sobral a considerar que o seu conteúdo já não corresponderia cabalmente às necessidades da cadeira para que o elaborara, evitando publicá-lo. Na sua falta e após longa discussão sobre o assunto, em 1807, a congregação decidiu adoptar os Elementa Chemiae Universae et Medicae-Praelectionibus suis Accomodata (Coimbra, Typis academicis, 1807) de J. F. AJacquin.
Em 1807, os exércitos de Napoleão sob o comando do general J. A. Junot atacaram Coimbra. Rodrigues Sobral tornou-se então responsável pela produção de pólvora em larga escala, no laboratório químico da Universidade. A sua acção foi elogiada pelos oficiais britânicos, aliados dos portugueses contra os invasores, que lhe deram o título de «mestre da pólvora». As tropas francesas retaliaram, incendiando a casa em que Rodrigues Sobral vivia, nos arredores da cidade. No incêndio, o «mestre da pólvora», perdeu a sua biblioteca, e com ela, as suas notas de investigações e o manuscrito do seu compêndio de química.
Nos anos que se seguiram à passagem das tropas de Napoleão por Coimbra, Rodrigues Sobral empenhou-se completamente em tornar o laboratório químico de grande utilidade para a Nação; de interesse para a Universidade; de crédito e consideração para as outras Nações.
Logo em 1809, com a região de Coimbra devastada pela peste, Rodrigues Sobral ocupou-se por completo na orientação e execução de várias medidas de desinfeção, nomeadamente, as fumigações com ácido muriático, em aquartelamentos, hospitais e outros locais e edifícios públicos, servindo-lhe de mestre, nos procedimentos adotados, como ele próprio oreconheceu, o químico francês Guyton de Morveau. Depois ocupou-se da análise química de exemplares de quinas recebidas do Brasil, assim como de variadas minas metálicas que lhe chegavam, para o efeito, de diversos pontos do país, e também de várias águas minerais. Escreveu sobre diversos assuntos de química, nomeadamente sobre análise química, granjeando a consideração geral dos seus pares a ponto de ser considerado «o melhor e mais autorizado químico portuguêsda altura».
Em 1816, Sobral anunciou que estava a preparar uma memória sobre nomenclatura química portuguesa, a qual também nunca viria a ser publicada, apesar de ter recebido o estímulo e a aprovação da Congregação da Faculdade de Filosofia, em 24 de julho de 1824. Por volta de 1820, Sobral iniciou a sua atividade política, no quadro da Revolução Liberal de 1820, tendo entrado no circuito de cargos e mordomias que não lhe deixavam muito tempo para a investigação química. Foi eleito deputado em 1821.
Afastado de Coimbra entre 1821 e 1822, Sobral interrompeu a atividade docente, participou numa comissão encarregada da reforma da Faculdade de Filosofia, e, em 1825, foi nomeado para uma comissão destinada a avaliar as reformas da agricultura portuguesa, proposta pela Academia das Ciências, a mando do governo. Em 24 de Maio de 1828, Rodrigues Sobral foi nomeado vice-reitor da Universidade de Coimbra, mas devido a problemas de saúde, teve dedeclinar o cargo.
António M. Amorim da Costa
Departamento de Química, Universidade de Coimbra
Arquivo
Coimbra, Arquivo da Biblioteca Geral da Universidade
Obras
Sobral, Tomé Rodrigues (trad.), “Tractado das Affinidades Chimicas, artigo que no Diccionario de Chimica, fazendo parte da Encyclopedia por ordem de materias, deu Mr. de Morveau” Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1793.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Diário das operações, que se fizerão em Coimbra, a fim de se atalharem os progressos do contágio em Agosto de 1809” J. de Coimbra, 5 (1813): 103-138.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Ensaio Chimico da planta chamada no Brasil ‘mil homens’, Aristolochia Grandiflora, segundo o Dr. Bernardino António Gomes “ J. de Coimbra, 7 (1814): 149-198.
Sobral, Tomé Rodrigues , “Carta ao Doutor José Feliciano de Castilho em resposta a outras, em que se tratava de huma nova applicação do Gaz Muriático oxigenado (Gaz oximuriatico)” J. de Coimbra, 7 (1814): 101-136.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Oratio Pro Solemni Studiorum Annuaque de More Instauratione Habui” J. de Coimbra, 7 (1814): 67-85.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Reflexões geraes sobre as difficuldades de uma boa analyse principalmente vegetal” J. de Coimbra, 7 (1814): 251-266.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Sobre os trabalhos em grande que no laboratório chimico da Universidade poderão praticar-se com mais utilidade do Público, e com maiores vantagens do mesmo Estabelecimento” J. de Coimbra, 9 (1816): 293-312.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Notícia de differentes Minas Metallicas e Salinas” J. de Coimbra, 9 (1816): 221-240.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Observações sobre um Escrito, intitulado Methodo prático de purificar as cartas e papéis procedentes de paizes contagiados ou suspeitosos”J. de Coimbra, 11 (1817): 101-130.
Sobral, Tomé Rodrigues, “Memória sôbre o Principio Febrifugo das Quinas” J. de Coimbra, 15 (1819): 126-153.
Bibliografia sobre o biografado
Amorim da Costa, António. “Thomé Rodrigues Sobral (1759-1829). A Química ao serviço da Comunidade” Publicações do II Centenário da Academia das Ciências de Lisboa, 2 (1986), 373-401
Amorim da Costa, António “A Universidade de Coimbra na Vanguarda da Química do Oxigénio” Publicações do II Centenário da Academia das Ciências de Lisboa, 2 (1986), 403-416
Amorim da Costa, António. Primórdios da Ciência Química em Portugal. (Instituto Camões, Biblioteca Breve, Lisboa, 1984).