Damásio, José Vitorino

Vila da Feira, 2 novembro 1806 — Lisboa, 10 outubro 1875

Palavras-chave: Liberal, Professor-engenheiro, Conselho Geral de Obras Públicas e Minas, Associação dos Engenheiros Civis.

DOI: https://doi.org/10.58277/XGYE8388

José Vitorino Damásio foi um liberal combatente pelo progresso político e tecnológico do Portugal novecentista, no campo militar e civil. Estudante em Coimbra aderiu à causa liberal em 1828, passou pelo exílio, juntou-se ao Exército Libertador nos Açores, alinhou no Setembrismo, mas não na retórica radical. Ambicionava obra feita. Assim, aderiu à Regeneração, dando-lhe um contributo definitivo, nos domínios em que era especialista: tecnologia do vapor, obras públicas de meios de comunicação e ensino técnico. Depois de professor da Academia Politécnica do Porto (1837–1852), inventor e industrial fundador da Fundição do Bolhão, foi cofundador da Associação Industrial Portuense e reitor da primeira escola técnica do país aí estabelecida. Após o que desceu a Lisboa para integrar o Conselho Superior de Obras Públicas e Minas em 1852. Em 1864–67 foi Diretor-geral dos Telégrafos, transformando radicalmente estes serviços e a rede. Nessa qualidade, participou em 1865 na Conferência Internacional que criou a União Internacional Telegráfica. Foi cofundador da Associação dos Engenheiros Civis e o primeiro presidente da Assembleia Geral, tendo publicado artigos de referência na Revista de Obras Públicas e Minas até ao fim da vida.

Quinto filho de José António Damásio e de Maria Madalena Alves Reis, nasceu, precisamente, um ano antes do início das invasões francesas de Portugal e, assim, sob o signo da turbulência que viria a afetar o país daí em diante, designadamente a fuga da família real para o Brasil, a luta contra o invasor, as disputas entre absolutistas e liberais, nas quais José Vitorino se viria a envolver a partir da adolescência. 

De acordo com Alves e Vilela (1995), as “lacunas documentais” não nos permitem caracterizar claramente a sua ascendência, apenas que ambos os pais eram naturais de Lisboa e o pai “pessoa grada e ligada ao poder local”, provavelmente desempenhou funções político-administrativas. José António Damásio viria a morrer em 1833, na prisão de Pereiro, Buarcos, na área de Coimbra, onde tinha sido enclausurado pelos miguelistas, em consequência da sua simpatia pelo liberalismo.

Entretanto, José Vitorino Damásio tinha ingressado em 1826–27 na Universidade de Coimbra para frequentar as Faculdades de Matemática e Filosofia, após ter realizado os estudos preparatórios em Aveiro, distrito onde viveu a infância. No decurso do segundo ano letivo, juntou-se ao movimento liberal no Porto, tendo integrado o Corpo de Voluntários Académicos, como cabo da 2ª companhia, a 20 de maio de 1828, interrompendo, por isso, os estudos, no que foi acompanhado pelo seu irmão João Pedro, também ele estudante em Coimbra. 

Nesse ano, participou dos combates contra os absolutistas na Mealhada, cuja luta se saldou pela vitória dos liberais. Ainda nesse verão, sob a direção do movimento vinda de Inglaterra, os liberais não foram tão bem sucedidos, mas a debandada da elite dirigente do campo de batalha, proporcionou a oportunidade a José Vitorino Damásio para se revelar como militar, ao conseguir conduzir os voluntários académicos na travessia do Douro e levá-los a reunirem-se sãos e salvos ao seu batalhão. O avanço dos miguelistas a norte empurrou os liberais em fuga para a Galiza, através do Minho, tendo-se José Vitorino exilado em Inglaterra, Plymouth, donde seguiu para os Açores, tendo desembarcado na Ilha Terceira a 14 de fevereiro de 1829. Aí, ingressou no “Exército Libertador”, tendo sido destacado para a expedição de libertação do Faial (abril-julho de 1831) e, depois, para a de S. Miguel (julho-outubro). Ainda nos Açores, alcançou a patente de 2º Tenente de Artilharia a 11 de outubro de 1831. No ano seguinte, desembarcou nas praias em Matosinhos, integrado num exército comandado por D. Pedro que vinha a Portugal ajudar a filha, D. Maria II, a recuperar o trono usurpado pelo tio D. Miguel. Nessa ocasião, os liberais ganharam o Porto, sendo a partir daí que ação liberal foi comandada, não, porém, sem dificuldades, pois suportaram um penoso cerco de dois anos. Nesse contexto, o desempenho militar de José Vitorino Damásio valeu-lhe, em 1833, um elogio público do Duque de Saldanha, a promoção a 1º tenente e a atribuição do grau de Cavaleiro da Ordem da Torre -e-Estada do Valor, Lealdade e Mérito. Quando a libertação se concretizou, através da derrota dos miguelistas, Damásio foi promovido a capitão em julho de 1834.

Pacificado o país, retomou os estudos na Universidade de Coimbra, nas Faculdades de Filosofia e Matemática, tendo mantido, porém, o vínculo ao exército liberal, então tornado exército nacional. Três anos depois, precisamente a 15 de junho de 1837, obteve o grau de bacharel, tendo sido, quase de imediato, nomeado professor da 3ª cadeira – Geometria Descritiva e suas aplicações – da Academia Politécnica do Porto. Criada por Passos Manuel, por decreto de janeiro de 1837, com objetivo de instituir o ensino técnico superior, designadamente os cursos de engenharia civil (de minas, geógrafos, pontes e estradas), de diretores de fábricas, de comerciantes, de agricultores e artistas.

José Vitorino Damásio ensinou na Academia Politécnica do Porto entre 4 de fevereiro de 1838, data em que tomara posse, e 1851. Aí lecionou não apenas a 3ª cadeira, mas também a 6ª (Construções Públicas) entre 1840 e 1844, altura em que esta deixou de ser uma cadeira autónoma e foi incorporada na 3ª cadeira. Assim, no 1º dos três anos letivos, Damásio ensinava Mecânica e Geometria Descritiva, Resistência dos Materiais, Estabilidade de Construções e Máquinas; no 2º, Construção de Estradas e Pontes; e no 3º, Hidráulica e Construções afins, aos quais, mais tarde, viria a acrescentar os temas: construção de máquinas a vapor e locomotivas. O conjunto destes temas revelam os seus interesses técnico-científicos, isto é, as áreas a que se dedicaria quer na elaboração teórica quer na execução prática e que lhe granjearam reputação de especialista, tendo a sua colaboração vindo a ser solicitada tanto pelos serviços públicos como privados.

Assim, em 1842, tornou-se assessor do engenheiro Bigot, responsável da construção da ponte pênsil do Porto. Segundo Alves e Vilela (1995), o contributo dado por José Vitorino Damásio consistiu na fiscalização da abertura dos poços, na colocação dos cilindros de fricção e das amarras, efetuou os cálculos de resistência e de estabilidade da ponte. Esta obra era há muito necessária para a travessia do Douro, até então efetuada pela perigosa travessia das barcas. Em 1866, fui substituída pela ponte D. Luís. Damásio ajudou também a instalar a primeira máquina a vapor no Porto, a da Fundição da rua do Rosário, em 1842. Em consequência destes trabalhos, foi chamado para a Companhia de Obras Públicas, em 1845. Esta companhia tinha sido criada para a construção de estradas e, ao seu serviço, Damásio utilizou o sistema de cilindragem de Polonceau, para o que desenhou e dirigiu a construção de um grande cilindro de ferro coado, produzido na fundição do Rosário, e que foi usado durante muitos anos na construção de estradas do distrito do Porto.

Conjuntamente com alguns colegas da Academia Politécnica fundou, em 1845, um periódico mensal, O Industrial Portuense, com vista à promoção da aliança entre as ciências e as artes mecânicas, e da educação artística. Este grupo de tecnologistas estava convicto de que a instrução era o instrumento necessário para promover o desenvolvimento e a autonomia da indústria fabril. Segundo Alves e Vilela (1995), este periódico teve como modelo de referência publicações estrangeiras congéneres, como Le Technologiste e os Anais das Ciências, Artes e Letras, publicado em Paris por portugueses emigrados. O Industrial Portuense contou com a colaboração, entre outros, de Parada Leitão, Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, J. P. Baldy, Hugh Owen, que divulgavam não apenas conhecimentos extraídos de revistas estrangeiras congéneres, mas também os resultados de estudos e observações aplicadas à realidade portuguesa, como foi o caso de José Vitorino Damásio, que publicou 14 artigos, em apenas seis meses. Esses artigos versavam os mais diversos assuntos, desde a conservação das madeiras, a vantagem das correias de transmissão do movimento das engrenagens, baseada nos princípios físicos e fórmulas matemáticas, passando pelas inovações nos fornos destinados à produção de ferro coado, relacionando-as com o seu trabalho nas fundições do Porto. Abordou ainda os cuidados a ter na colocação de peças nas máquinas a vapor ou destilatórias, nomeadamente a necessidade de evitar fendas nas juntas. Descreveu processos de construção de tetos lisos de modo a evitar infiltrações. Explicou as máquinas debulhadoras, o procedimento de abertura de poços em terrenos movediços, novos materiais de construção e a fabricação de espelhos. Em todos os assuntos vertia os seus conhecimentos de física, química e matemática. Porém, a preocupação com a educação técnica dos trabalhadores, levou-o, assim como os outros colaboradores do Industrial Portuense, a adotar uma linguagem acessível aos artistas e operários, por vezes, assumidamente em detrimento do rigor matemático. Este projeto editorial teve, contudo, uma vida curta. Tendo sido publicados apenas doze números, entre 31 de março de 1845 e 28 de fevereiro de 1846.

Entretanto, José Vitorino Damásio partira para França, em outubro de 1845, em missão da Companhia de Obras Públicas, com o objetivo de comprar diligências e outros meios de transporte adequados às estradas do país, bem como de visitar estabelecimentos de referência, não só em França, mas também na Bélgica, com vista ao estabelecimento de um arsenal de obras públicas, com máquinas de serrar e aparelhar madeira, de trabalhar peças de ferro, estudar a organização e a contabilidade. No âmbito dos estudos realizados, frequentou o curso de máquinas locomotivas na escola de Pontes e Calçadas de Paris e na fábrica Resrones & Cail, que as construía segundo o sistema Crampton. Regressou desta viagem em agosto de 1846, mas não pode colocar em prática o que tinha aprendido, pois a Companhia dissolveu-se em consequência da agitação política, designadamente o levantamento popular da Maria da Fonte e a Patuleia que lhe seguiu. 

Na nova fase de guerra civil, os setembristas, centrados no Porto, confrontaram-se com os cabralistas de Lisboa, tendo-se José Vitorino Damásio envolvido no novo conflito, depois de ter integrado as forças de Artilharia 3 da Junta do Porto. Neste contexto, prestou a sua colaboração ao jornal diário O Nacional, de certa forma o órgão oficial da Junta, por publicar os seus decretos e documentos oficiais. No campo militar, levou a cabo várias tarefas, designadamente a preparação de armamentos nas oficinas do Ouro, a guarnição das linhas do Porto com artilharia; comandou o castelo da Foz, durante a prisão do duque da Terceira. No cargo de chefe do estado-maior do general Conde das Antas, evidenciou-se na campanha do Minho, tendo organizado o cerco ao castelo de Viana e ameaça a Valença. Desenvolveu outras operações militares no Minho, contra a invasão das tropas espanholas, à frente de uma coluna móvel, constituída por batalhões compostos fundamentalmente por artistas. 

Com a assinatura da convenção de Gramido, a 29 de junho de 1847, deu-se for finda a guerra civil, tendo José Vitorino Damásio pedido a demissão do exército para se dedicar de novo à vida académica e à indústria. Assim, passaria a fazer a revolução com outra estratégia, pondo a técnica ao serviço da produção fabril. 

Cerca de dois meses depois, precisamente a 23 de agosto, apresentou um requerimento ao Governo Civil do Porto para registo de uma sua invenção para a fabricação de ferro maleável ou coado, através de um novo processo químico. Por sua vez, Joaquim António da Silva Guimarães apresentou, ao mesmo tempo, idêntico pedido para um novo processo químico de esmaltar, com aplicação a diversos objetos de ferro maleável, ferro coado e cobre, outra invenção de José Vitorino Damásio. O fiador dos dois foi Joaquim Ribeiro Faria Guimarães, então dono da tipografia em que se imprimia O Nacional, atrás referido. Na verdade, os três constituíam a sociedade que viria a ser detentora da Fundição do Bolhão, pondo em prática as ideias e os inventos de José Vitorino Damásio. O objetivo do pedido de registo das invenções visava a obtenção do direito de exclusividade por 14 anos, conferido pela lei de 16 de janeiro de 1837. Assim, tendo a concessão do privilégio sido atribuída a 16 de novembro de 1847, vigorou até ao mesmo dia de 1861. O capital necessário para colocar a Fundição em atividade seria mais difícil de obter, mas o facto é que se tornou numa unidade industrial exemplar, produzindo produtos de ferro, designadamente aplicações em móveis e utensílios de cozinha, portões, varandas e outros objetos de decoração, bem como algumas máquinas, entre elas a primeira draga construída no país e a máquina da primeira cordoaria mecânica instalada no Porto.

O reconhecimento das competências de José Vitorino Damásio no campo da engenharia veio do Brasil, em carta datada de 12 de janeiro de 1849, com um convite para aí vir a trabalhar, da parte de Irineu Evangelista de Sousa, futuro barão de Mauá, que era, na época, o maior capitalista e industrial do Brasil, responsável pela introdução do caminho-de-ferro nesse país, por melhorias portuárias, pela iluminação a gás, pela navegação do Amazonas e por estabelecimentos de fundição. A este convite não terá sido alheio João Plácido Baldy, antigo colaborador de O Industrial Portuense, que trabalhava então no Rio de Janeiro para aquela personalidade brasileira, o que é referido na mesma carta. Damásio, porém, declinou o convite, invocando compromissos morais e pessoais. Mas o Barão não desistiu dos seus intentos, pelo menos até 1854, altura em que solicitou a Damásio, então a braços com o instituto industrial de Lisboa, documentação relativa à organização deste tipo de instituição escolar, para vir a fazer algo semelhante no Brasil.

Enquanto industrial da fundição do Bolhão, José Vitorino Damásio integrou o movimento que deu origem à Associação Industrial Portuense, tendo sido redator do projeto que a constituiu, por aprovação em assembleia a três de maio de 1849. Podiam ser sócios todos quantos se interessassem pela indústria, independentemente da “cor política”. A ênfase era colocada no desenvolvimento e aperfeiçoamento da indústria, particularmente através da instrução dos trabalhadores, do auxílio mútuo e do melhoramento das condições dos operários. Assumiu-se como primeiro compromisso o estabelecimento de cursos de desenho industrial e tecnologia, e uma biblioteca. Porém, a aprovação dos estatutos desta associação pelo Governo fez-se demorar, tendo sido necessário esperar pela instauração da Regeneração para que tal sucedesse.

O clima de tensão política do país, propicia uma nova rebelião desencadeada pelo Duque de Saldanha a 7 de abril de 1851, à qual José Vitorino Damásio aderiu de imediato, ajudando a sublevar muitos soldados no Porto. A sua ação foi importante para fazer valer a iniciativa do Duque que decretou a reintegração de Damásio no Exército a 29 de abril, como capitão. No dia seguinte, foi promovido a major. Acabada a revolução, o exército regressou a Lisboa, mas Damásio não o acompanhou, decidindo retomar o seu trabalho na Academia Politécnica e na Fundição do Bolhão. A estas tarefas foi, em julho seguinte, acrescentada a análise do estado da indústria no Porto, enquanto membro da comissão nomeada pelo novo governador-civil da cidade para esse efeito.

Pouco depois, face aos graves problemas de saúde, manifestados a nível respiratório, os médicos aconselharam Damásio a afastar-se do seu trabalho na fundição e a passar uma temporada na Madeira. O facto de não ter acatado os conselhos médicos, levou os amigos a intervirem. Assim, Parada Leitão terá conseguido que o Duque de Saldanha o nomeasse, em outubro de 1851, para uma missão oficial à ilha da Madeira, onde deveria elaborar trabalhos estatísticos sobre os produtos naturais a serem aí explorados convenientemente. Ao receber a comunicação desta incumbência, Damásio solicitou então licença do serviço na Academia Politécnica e partiu, apenas regressando ao continente em julho de 1852. Para manter o recuperado estado de saúde, afastou-se da Fundição do Bolhão. 

Entretanto, José Vitorino Damásio, ao passar por Lisboa, no seu regresso da Madeira, tinha tratado do processo da Associação Industrial Portuense, que aguardava aprovação superior dos seus estatutos. A esta demora, a Associação Comercial do Porto não seria alheia, na medida em que se movimentou para que aquela aprovação não fosse conseguida. Não obstante, os respetivos objetivos divergirem, a que Damásio patrocinava visava congregar “industriais, artistas e operários” e a outra apenas os proprietários, dirigentes e sócios de empresas, naturalmente que esta última não pretendia perder poder. Mas, os associados da Industrial Portuense forçaram os acontecimentos, reunindo-se para proceder à instalação da Associação no dia1de agosto de 1852, precisamente 25 dias antes chegada da aprovação oficial. Não sem antes terem anuído com as reformulações exigidas ao enunciado dos estatutos.

Terminado esse Verão, José Vitorino Damásio foi nomeado para o Conselho de Obras Públicas do recém-criado Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOP), precisamente por decreto de 14 de outubro de 1852. Porém, antes de responder à chamada do Governo, participou na organização da escola da Associação, tendo sido eleito seu reitor pela Assembleia. Nesta qualidade, a 22 de novembro, presidiu à abertura solene das aulas da primeira escola industrial do país—a Escola Industrial Portuense. No discurso que então proferiu, pronunciou a frase que lhe é apontada como lema “trabalhando muito e falando pouco” e defendeu um ensino eminentemente prático para operários, em oficinas bem apetrechadas, mas reconhecendo, também, a necessidade do ensino progressivo das letras e das línguas estrangeiras (francês e inglês). Passados poucos dias, a escola registava 367 alunos inscritos.

O reconhecimento da necessidade do ensino técnico era então partilhado pelas mais altas instâncias, pelo que a 30 de dezembro de 1852 foi emitido o decreto que criou o Instituto Industrial de Lisboa e a Escola Industrial do Porto. 

Quatro dias antes, José Vitorino Damásio tinha-se despedido da Associação Industrial Portuense, colocando-se à disposição da Associação para continuar a dar a sua colaboração a partir de Lisboa, onde ia assumir as suas funções no Conselho de Obras Públicas e Minas, que abraçou com entusiasmo, por haver coincidência entre as suas ideias as políticas do governo, designadamente o desenvolvimento rápido das comunicações e o ensino profissional e técnico. Para este Conselho, foram também nomeados José Feliciano da Silva Costa, Albino Francisco de Figueiredo e Almeida, João Crisóstomo de Abreu e Sousa e Joaquim Tomás Lobo de Ávila. Assim, Damásio esteve ao serviço do Conselho cerca dos subsequentes 20 anos, assegurando o funcionamento do Fontismo, mesmo quando Fontes Pereira de Melo não esteve no MOP, como foram as ocasiões em que Abreu e Sousa e Lobo de Ávila subiram a ministros. 

Dada a sua experiência anterior, a 4 de agosto de 1853, José Vitorino Damásio foi nomeado diretor interino do Instituto Industrial de Lisboa e professor de mecânica industrial. Segundo Alves e Vilela (1995), esta foi uma das obras de que mais se orgulhava, a ponto de dedicar a gratificação suplementar, que recebia pelas funções exercidas, à compra de livros, de instrumentos e utensílios para o Instituto. Aí colocou em prática as suas ideias sobre o ensino profissional e técnico, investindo nas oficinas de aprendizagem. Porém, não sendo suficiente o subsídio que o Estado lhes atribuía, a vendas dos produtos da laboração dos estudantes nas oficinas complementava-o, numa proporção de 8 para 28 contos respetivamente. Esta verba veio a revelar-se essencial para a manutenção das oficinas, mas deu origem aos protestos dos industriais que acusaram o Instituto de se desviar das suas funções, concorrendo com eles no mercado. Em face destas acusações, Damásio decidiu que se realizasse um inquérito oficial. A análise que a Comissão nomeada para o efeito produziu pôs a nu as divergências entre as condições de trabalho nas oficinas do Instituto e nas unidades fabris, que nas fábricas eram muito desfavoráveis para os trabalhadores. Na verdade, estava criada uma tensão que terá levado Damásio a pedir a exoneração da direção do Instituto a 6 de outubro de 1859. Logo de seguida, entre outras alterações introduzidas no funcionamento do Instituto, verificou-se uma redução das oficinas e dos trabalhos aí produzidos, apenas mantendo-se a dos instrumentos de precisão, cujos produtos não tinham concorrência no mercado. O ensino industrial só viria a ser reformado, novamente, em 1864, quando o amigo e colega de serviço de Damásio, João Crisóstomo de Abreu e Sousa assumiu o MOP. Foi através desta reforma que o polo do ensino industrial do Porto subiu a Instituto, equiparando-se ao de Lisboa, o que há muito era reivindicado pelos portuenses.

No Conselho de Obras Públicas e Minas, Damásio participou na avaliação de contratos e projetos das obras mais importantes da altura. Assim, assinou, entre outros, pareceres sobre a alteração da construção do caminho-de-ferro de Lisboa a Santarém. Debruçou-se sobre os projetos de encanamento do Mondego, sobre os trabalhos no porto e barra da Figueira, sobre a canalização de água em Lisboa. Presidiu ao júri de concurso para professores das diversas disciplinas dos estabelecimentos de ensino industrial, bem como aos júris para exame dos engenheiros civis. Foi nomeado para a Comissão Central de Pesos e Medidas (1853). Integrou a comissão encarregada de informar o governo acerca da construção, uso e colocação de máquinas a vapor (1853). Subscreveu o plano geral das comunicações do Reino (1854), visando articular as estradas e as vias fluviais com o caminho-de-ferro, propondo a criação de uma rede complementar de canais, ligando o Douro ao Tejo, pelo Coa e Zêzere, com expansão posterior ao Sabor e Guadiana. Propôs uma linha dorsal que ligasse Bragança a Vila Real de Santo António, com comunicação fluvial aos diversos portos fluviais e litorais e que possibilitasse a ligação ao Ebro, e, Espanha, permitindo a via Porto-Barcelona. Integrou a representação portuguesa na Exposição Universal de Paris (1855) com a responsabilidade de propor os dez artistas de Lisboa e Porto que deviam participar nessa representação e ele próprio um expositor, tendo exibido produtos derivados da sua experiência na Fundição do Bolhão, depois continuadas nas oficinas do Instituo Industrial. Foi encarregado de estudar as locomotivas aconselháveis a instalação do caminho-de-ferro nacional e a utilização da eletricidade como força motriz das locomotivas em 1860. Voltou a integrar a representação portuguesa na Exposição de Londres de 1862.

Entretanto, em 1857, na sequência de uma epidemia de febre amarela em Lisboa, integrou a quarta—meios preventivos e higiénicos—das quatro comissões encarregadas de estudar e encontrar meios preventivos da doença ou que atenuassem a sua intensidade. A 21 de janeiro de 1858, a comissão apresentou um relatório com uma resposta higienista, indicando os pontos de insalubridade da cidade e apontando sete problemas a ser resolvidos: novo sistema de esgotos, reforma do matadouro, polícia das margens do Tejo, polícia dos estabelecimentos fabris e comerciais, reedificação de uma parte da cidade e melhoramento do porto marítimo, melhoramento da vida material da cidade, designadamente dos operários e menos favorecidos, reforma das cadeias e presídios, melhoramentos em hospitais, teatros e edifícios onde se aglomeram indivíduos, com a criação de novos hospitais. De entre os melhoramentos mais urgentes, destacou-se o pântano marginal de Alcântara à Ribeira Nova, com zonas particularmente fétidas na zona da Boavista. Uma das obras a ser efetuada com urgência era a construção do molhe entre o Cais do Sodré e Alcântara. O Governo lançou a obra e Damásio dirigiu-a entre 1 de maio de 1858 e 5 de maio de 1859, em que se construiu, essencialmente, 700 metros de paredão, com 11 linguetas para ancoradouro e outras obras de aterro e alvenaria, após o que o resto da obra passou para a Câmara Municipal de Lisboa. Esta obra não foi pacífica, pois colidia com muitos interesses instalados na zona, nomeadamente por instalar um cais de utilização geral. A obra dependeu tanto da competência técnica de Damásio quanto da sua determinação, pelo que a Câmara atribui mais tarde o seu nome a uma rua naquele local.

Em outubro de 1859, Serpa Pimentel reorganizou o MOP, conferindo autonomia ao serviço de minas, criando o Conselho de Minas para o qual Damásio foi nomeada, passando acumular o novo cargo com o anterior no Conselho de Obras Públicas. No ano seguinte, a 5 de dezembro de 1860, foi estabelecido o regulamento do serviço de obras públicas, na sequência do qual João Crisóstomo de Abreu e Sousa, antigo engenheiro militar radicado no serviço civil, criou o Corpo de Engenharia Civil no Ministério, por decreto de 3 de outubro de 1864. José Vitorino Damásio passou a integrar por inteiro, tal como os seus colegas, o quadro do MOP, como engenheiro-chefe de 1ª classe, o mais graduado da categoria, sendo nomeado também para diretor-geral dos telégrafos. Recurso a que Abreu e Sousa, seu amigo desde as guerras liberais e companheiro no Conselho de Obras Públicas, recorreu para modernizar os serviços telegráficos.

Foi também em 1864 que José Vitorino Damásio se casou com Maria Teresa Ripamonti Carpano, nascida em Bayern, Weissenburg em 1819. O filho, nascido desta união, em 1954, José Vitorino Damásio Júnior ficaria, assim, legitimado (GENLIS).

O interesse de Damásio pelos telégrafos elétricos vinha dos seus tempos no Porto, onde António Galo e Parada Leitão, realizaram as primeiras experiências de telegrafia elétrica, ligando a Associação Industrial Portuense e o Palácio da Bolsa, a 4 de abril de 1853. Esta experiência contou com a habilidade técnica de Galo que, ajudante de laboratório na Academia Politécnica, construiu o aparelho de Bréguet, para cujo efeito Damásio forneceu instruções precisas, que teria trazido da sua viagem a França em 1845–46. Em 1854, já no desempenho de funções no Conselho Superior de Obras Públicas, Damásio teve a incumbência de estudar e elaborar parecer sobre as propostas para estabelecer o telégrafo elétrico em Portugal. No parecer que Damásio elaborou, referiu-se à experiência de Galo e Parada Leitão, sublinhando a capacidade dos portugueses, excetuando-se os fios condutores, de construir os equipamentos necessários (pilhas e aparelhos telegráficos) para o estabelecimento da rede, o que poderia ser feito no recém-criado Instituto Industrial de Lisboa. No seu relatório, apontou para a decisão que viria a ser tomada de escolher a proposta de firma Bréguet de Paris para lançar a rede portuguesa, ainda que fosse a mais onerosa, tendo Damásio opinado sobre a secundarização do preço à garantia moral e técnica. Assim, o contrato para o lançamento da rede foi assinado a 4 de abril de 1855 com a firma Bréguet, tendo a construção da rede sido iniciada em agosto seguinte. Porém, veio a provar-se que a “garantia moral e técnica” da firma francesa não se verificou na pessoa do técnico francês que começou por acompanhar a obra em Portugal, uma vez que foi substituído, passados poucos meses, por um português, comprovando a confiança que Damásio tinha depositado na competência técnica dos nacionais, ao elaborar o seu parecer.

Quando José Vitorino Damásio assumiu a direção dos telégrafos, a extensão da rede excedia largamente o que tinha sido preconizado no contrato, mas tanto a estrutura material da rede, como os serviços exigiam uma intervenção profunda (Silva, 2007). Em apenas três anos, o novo diretor-geral iria transformar radicalmente o serviço de telegrafia elétrica nacional, desmilitarizou (passando a aceitar candidatos civis) e reorganizou o quadro de pessoal, regulamentou o serviço e apetrechou a rede, socorrendo-se, para este efeito, tanto dos melhores fabricantes internacionais quanto nacionais, entre os quais Maximiliano Augusto Hermann, inspetor das linhas telegráficas do caminho-de-ferro do Norte e Leste, que tinha introduzido inovações no telégrafo Morse. Em 1865, representou Portugal na Conferência Internacional de Paris, em que se criou a União Internacional Telegráfica, e onde deu a conhecer as inovações de Hermann. Nesse ano, foi-lhe ainda atribuída a carta do Conselho de Sua Majestade, distinção inerente ao cargo de diretor geral dos Telégrafos. 

A 30 de outubro de 1868, estalou a “guerra dos engenheiros”, com a publicação, sob a égide de D. António, Bispo de Viseu, então dirigente do Governo, de um decreto que extinguia o Corpo de Engenheiros Civis do MOP, a quem se atribuía a responsabilidade do despesismo estatal e o aumento da dívida pública. Porém, logo a 2 de novembro seguinte, se despachava que os serviços se mantinham a cargo dos indivíduos aí colocados. Os engenheiros do antigo corpo civil resistem e criam a Associação dos Engenheiros Civis, cujo projeto de estatutos, datado de 17 de dezembro de 1868 contava com as assinaturas de José Vitorino Damásio, João Crisóstomo de Abreu e Sousa e de Bento de Almeida d’Eça. A 1 de janeiro seguinte cobraram-se as primeiras joias aos 107 associados e, a 12 de janeiro, foram aprovados os estatutos em assembleia, sancionados por alvará a 12 de abril seguinte. A 10 de maio de 1869 foi eleita a primeira direção, com João Crisóstomo de Abreu e Sousa, como presidente e José Vitorino Damásio como presidente da Assembleia Geral. Seguiu-se a realização da Revista de Obras Públicas e Minas que se assumiu como o órgão da recém-criada Associação, apresentando-se como continuadora do Boletim do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, cuja não publicação se lamenta no primeiro número de janeiro de 1870. No novo periódico dedicado à evolução tecnológica do país, José Vitorino Damásio publicou vários textos, designadamente uma série de artigos sobre cálculo de resistência em pontes metálicas (1870–71), sobre caminhos de ferro económicos (1871–72) e um que fez doutrina, o “Relatório acerca do estado atual das linhas férreas do sul e sueste” (nº 4, 1873).

Entretanto, os engenheiros civis fizeram sentir a sua força e, a 18 de dezembro de 1869, foi publicado o novo regulamento que reorganizava os serviços técnicos do MOP, que passavam a ser desempenhados tanto por engenheiros militares como civis, desde que devidamente habilitados. O ingresso na carreira passou a fazer-se por concurso público e José Vitorino Damásio passou a ser chamado frequentemente para integrar os júris desses concursos.

No mês seguinte à sua morte, a Associação dos Engenheiros Civis deliberou, em sessão do dia 6 de novembro de 1875, criar o prémio José Vitorino Damásio a atribuir anualmente ao melhor artigo ou memória publicado na Revista de Obras Públicas e Minas. O relatório de gerência da Associação, relativo ao ano de 1875, teceu-lhe um elogio, salientando “o homem científico e experimental (…) da engenharia portuguesa   (…) de uma dedicação excepcional pelas coisas públicas (…) tomando a palavra em todas as questões importantes, em que a sua opinião era respeitada”.

Ana Paula Silva

Arquivos

Ministério das Obras Públicas, Fundo José Vitorino Damásio

Fundação Portuguesa das Comunicações

Histórico-Militar

Obras

Damásio, José Vitorino. Relatório do Estado das Linhas, Estações e do Pessoal da Mesma Direcção, Lisboa: Imprensa Nacional, 1865.

Bibliografia sobre o biografado

Alves, J. F. e J. L. Vilela. José Vitorino Damásio e a Telegrafia Eléctrica em Portugal. Lisboa: Portugal Telecom, 1995.

Barros, Guilhermino de. Memória Histórica àcerca da Telegrafia Eléctrica em Portugal. Lisboa: CTT, 1943.

Ferreira, Godofredo. “Notas e Aditamentos.” In Memória Histórica àcerca da Telegrafia Eléctrica em Portugal, ed. Guilhermino de Barros, i–c. Lisboa: CTT, 1943.