Lisboa, 05 setembro 1838 — Lisboa, 04 setembro 1887
Palavras-chave: química orgânica, Escola Politécnica de Lisboa, Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, conferências sobre vinhos, corantes sintéticos.
DOI: https://doi.org/10.58277/MNMQ6211
António Augusto de Aguiar estudou Ciências Naturais na Escola Politécnica de Lisboa. Em 1861, ocupou o lugar de lente substituto e, em 1865, o de lente-proprietário de Química Mineral nesta mesma escola. Aguiar era 16 anos mais novo do que o seu colega Agostinho Vicente de Lourenço, mas quase contemporâneo no ingresso nos quadros da Escola Politécnica. Como não dispunha de meios financeiros, não teve oportunidade, contrariamente a Lourenço, de adquirir formação no estrangeiro. Em 1864, foi nomeado lente de Química Aplicada no Instituto Industrial de Lisboa, uma escola profissional onde eram ensinados assuntos técnicos, sendo conferidos graus de diferentes níveis, os quais não eram, todavia, equivalentes aos da Universidade de Coimbra ou da Escola Politécnica.
Apesar das numerosas tarefas de que foi incumbido por sucessivos governos, e, mais tarde, da sua atividade como deputado e como ministro no governo de Fontes Pereira de Melo, continuou a docência nas duas escolas, apenas com pequenas interrupções. Aguiar era um pedagogo dotado. As suas aulas eram, frequentemente, aplaudidas pelos estudantes, algo que não era nem é hábito em Portugal. O entusiasmo dos estudantes tornou-o famoso, o que terá contribuído para o seu lançamento numa carreira pública. Durante a sua visita a Portugal, o imperador do Brasil, D. Pedro II, mostrou desejo de assistir às aulas de Aguiar. Uma das principais avenidas de Lisboa tem o seu nome, justificando-se assim a razão de ainda hoje ser conhecido. Apesar da fama, são poucos os que sabem que Aguiar foi um cientista consumado com trabalhos publicados em revistas francesas e alemãs. A longa lista de cargos, que desempenhou de 1862 a 1879, revela a crescente influência que teve na vida pública portuguesa: membro da Comissão dos Trabalhos Geológicos (1862); membro da Comissão Encarregada do Estudo dos Vinhos Portugueses (1866); diretor do Instituto Industrial de Lisboa (1870); Comissário Régio da representação portuguesa na Exposição Vinícola de Londres (1874); membro da Comissão Geral das Alfândegas (1874); presidente da comissão que organizou a representação portuguesa à Exposição Industrial de Filadélfia (1876); Comissário Régio na Índia para a negociação do Tratado do Sal entre Portugal e a Grã-Bretanha (1878); Comissário Técnico da representação portuguesa à Exposição Universal de Paris (1878); membro da Comissão para a Reforma Fiscal da Índia portuguesa (1879); e deputado às Cortes (1879).
A sua última publicação científica data de 1878. A partir daí, a lista de cargos públicos ampliou-se incessantemente até à sua morte, ocorrida em 1887. Dela fazem parte: par do reino (1881); organização e acompanhamento do príncipe D. Carlos na sua visita às principais cortes europeias (1882); ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria no governo de Fontes Pereira de Melo (1883–1885). Demitiu-se depois de ver gorados os seus planos para o alargamento do porto de Lisboa, devido à falta de adesão dos seus colegas no governo. Enquanto ministro, foi responsável por uma importante reforma do ensino industrial e comercial, outorgando, em 1884, ao Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, a capacidade de conferir diplomas de ensino superior aos estudantes do então chamado Curso Superior de Comércio.
Em 1887, pouco antes de falecer, participou na reunião do Bureau International des Poids et Mesures, em Sèvres, na qualidade de delegado do governo português. Como um aspeto importante do papel social e político de Aguiar refira-se que, em 1862, aderiu à Maçonaria, e, em 1886, atingiu a posição de Grão-Mestre.
Aguiar é habitualmente lembrado pelas suas contribuições para as reformas do ensino industrial e profissional, pelas campanhas públicas em prol do melhoramento da qualidade dos vinhos portugueses com vista à exportação e pela ampliação do porto de Lisboa, que só viria a concretizar-se após a sua morte. Poucos são os que estão a par da sua importância como químico orgânico de prestígio internacional. Aguiar foi membro, não só de sociedades científicas nacionais como a Academia das Ciências de Lisboa e a Sociedade de Geografia de Lisboa, mas também de inúmeras agremiações científicas estrangeiras como a Deutsche Chemische Gesellschaft (desde 1870). Os seus trabalhos mais significativos, no domínio da química orgânica, foram publicados em revistas estrangeiras, nomeadamente no periódico Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft (Relatórios da Sociedade Alemã de Química).
Além do conjunto bastante substancial das publicações no âmbito da química orgânica, existem artigos, embora em número mais limitado e de importância mais marginal, frequentemente associadas aos múltiplos interesses e cargos públicos que Aguiar desempenhou, abrangendo áreas como a fotografia, enologia e farmacologia. Além disso, publicou diversos documentos com relevância para a Enologia, tais como relatórios, recomendações, conferências, discursos, etc.
Na realização das suas investigações em química orgânica, colaborou com Agostinho Vicente Lourenço e com preparadores (assistentes de laboratório) formados na Alemanha. Lourenço, em 1861, estando ainda a trabalhar no laboratório de Charles Adolphe Wurtz, em Paris, fez saber a Emil Erlenmeyer, em Heidelberg, que estava à procura de um químico que o acompanhasse até Lisboa para o auxiliar na modernização do laboratório químico da Escola Politécnica e na introdução de métodos experimentais atualizados, a serem utilizados no ensino e na investigação. Foi-lhe recomendado Eduard Lautemann, que se doutorara com Hermann Kolbe e fora seu assistente em Marburgo.
Aguiar e Lautemann estudaram a nitração do naftaleno. Um dos compostos nitrados novos foi o tetranitronaftaleno, que ainda hoje é utilizado como componente de explosivos de alta potência. A partir das misturas de dinitronaftalenos isoméricos, isolaram dois que designaram como isómeros α e β que reduziram separadamente aos respetivos diaminonaftalenos, cujas estruturas foram mais tarde determinadas como sendo da naftaleno-1,5-diamina e naftaleno-1,8-diamina. Nestas reduções usaram o método desenvolvido por Lautemann, em Marburg, em que se usava di-iodeto de fósforo. Estes trabalhos foram publicados em francês no Bulletin de la Societé Chimique em 1865 e, mais tarde, em 1868 e 1870, em português no Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturais, editado pela Academia Real das Ciências de Lisboa.
Após a partida de Lautemann, Aguiar continuou a trabalhar neste campo. Entre 1870 e 1873, publicou individualmente, em Portugal, diversas comunicações sobre a mesma temática. A parte mais importante destes trabalhos foi publicada em três artigos, na revista Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft, em 1869, 1870 e 1872, o segundo dos quais apareceu traduzido para francês no Bulletin de la Societé Chimique em 1870, seguido de um quarto no Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft em 1874. Neste último, descreve a reação da naftaleno-1,8-diamina com ácido nitroso, em que, em vez de se formar o sal expectável de bis-diazónio, se observou a formação de um composto em cuja estrutura uma cadeia de três átomos de nitrogénio está ligada a dois átomos da estrutura bicíclica do naftaleno. Na representação dessa estrutura é de notar que já fez pleno uso da teoria estrutural desenvolvida por August Kekulé, não conseguindo, porém, especificar quais os átomos de carbono do naftaleno aos quais as duas pontas da cadeia de três átomos de nitrogénio estão ligadas. Os trabalhos de Aguiar sobre os nitronaftalenos e as respetivas aminas foram citados por diversos autores alemães, entre os quais se sobressai Wilhelm Will que, sendo dirigente do laboratório central de explosivos do Ministério da Guerra prussiano, confirmou os resultados relatados por Aguiar sobre os derivados nitrados do naftaleno, vários dos quais têm propriedades detonantes.
Depois da partida de Lautemann, entre 1868 e 1872, Aguiar teve por colaborador o jovem químico austríaco Alexander Bayer (1849–1928), formado pelo laboratório de Carl Remigius Fresenius, em Wiesbaden, e por Hermann Kolbe, em Leipzig, de 1867 a 1868. Os trabalhos de Aguiar e Bayer versaram vários tópicos, resultando na publicação de uma série de trabalhos em português, no Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturais, e em alemão no Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft e nos Annalen der Chemie und Pharmacie. Nesta última revista, publicaram um artigo sobre um novo solvente da indigotina. Este demonstra o interesse de Aguiar pelo corante índigo (anil) de grande importância para a indústria têxtil. Nessa altura, considerava-se a possibilidade de cultivar plantas indigóferas em Angola. Em dois artigos publicados no Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft, em 1871, relataram uma síntese da naftazarina (um corante negro, constituído por uma hidroxiquinona derivada do naftaleno) a partir do 1,5-dinitronaftaleno. O segundo desses artigos foi apresentado oralmente numa sessão da sociedade alemã de química por Carl Liebermann, célebre por ter determinado, com Carl Graebe, a estrutura do corante natural alizarina, cuja síntese industrial patenteou em 1869, paralelamente e independentemente do inglês William Henry Perkin. O interesse de Liebermann na naftazarina compreende-se pela semelhança da sua estrutura e propriedades com as da alizarina, o primeiro corante sintético produzido em larga escala para a indústria têxtil, provocando a ruína dos agricultores da ruiva-dos-tintureiros e iniciando uma nova época da indústria química.
Os trabalhos publicados por Aguiar no estrangeiro granjearam-lhe uma sólida reputação internacional, sobretudo na Alemanha, no domínio da química orgânica. Lidos hoje, pode surgir a dúvida sobre a razão de Aguiar, tendo separado em elevado grau de pureza e caracterizado vários dinitronaftalenos e naftalenodiaminas, não ter sido capaz de determinar, nas estruturas dos isómeros, quais os átomos de carbono da estrutura bicíclica do naftaleno a que os grupos funcionais se encontram ligados. Convém lembrar a esse respeito que, no caso muito mais simples dos derivados isodissubstituídos do benzeno, a determinação rigorosa das posições relativas dos substituintes nos vértices do hexágono do benzeno, nos três isómeros (posições 1,2-, 1,3-, e 1,4-) só foi conseguida entre 1869 e 1874, através de um conjunto de trabalhos clássicos do germano-italiano Guglielmo Körner. No naftaleno, tendo este a estrutura de dois hexágonos de átomos de carbono com um lado comum, em vez de três isómeros isodissubstituídos como no benzeno, prever-se-iam dez isómeros, o que tornava a tarefa da determinação das estruturas muito mais complicada. Por isso, essa determinação só foi conseguida através de trabalhos de Hugo Erdmann, publicados na Alemanha, em 1888, e de Karl Wilhelm Will, em 1895. Os resultados destes trabalhos tiveram aplicações na indústria de corantes sintéticos e de explosivos. Como em Portugal não havia possibilidade de instalar tais indústrias, esses resultados não puderam ser aplicados localmente. Depois do desaparecimento de Aguiar, foi necessário passarem-se muitas décadas para que se voltassem a fazer investigações sobre química orgânica de síntese em Portugal.
Um feito extraordinariamente meritório foi a introdução no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa de um curso de Química prática laboratorial. Tal não lhe tinha sido possível na Escola Politécnica por se ter considerado que a sua função era a de ministrar um ensino propedêutico aos estudantes que iam seguir para as Escolas Militar, Naval ou Médica e não a de preparar químicos profissionais. No Instituto Industrial e Comercial, muitos alunos destinavam-se a carreiras nos serviços de alfândega. A esses serviços era exigido serem capazes de identificarem a natureza química dos mais variados produtos que atravessavam a fronteira. Aguiar, como vogal do Conselho Geral das Alfândegas desde 1875, esteve ligado à criação de um laboratório dos serviços alfandegários. Daí ter reconhecido a necessidade de o Instituto formar químicos práticos. Soube vencer as consideráveis dificuldades, sobretudo em termos de custos de instalação e funcionamento de um laboratório em que o Instituto pudesse ministrar um tal curso. Para tal apoiou-se nos preparadores de química orgânica da Escola Politécnica, o austríaco Alexander Bayer e o alemão Carl von Bonhorst, que se tinham formado no laboratório de Carl Remigius Fresenius em Wiesbaden, na Alemanha, na altura o mais importante centro de química analítica da Europa.
Há trabalhos que, embora pouco tenham contribuído para a notoriedade científica de Aguiar, testemunham a gama variada de assuntos que despertavam a sua curiosidade. Um destes trabalhos relata uma análise de uns “granulos chineses anti-cholericos” que um médico amigo lhe trouxera de Macau. Esses grânulos continham pequenas percentagens de ácido arsenioso e cinábrio (modificação vermelha do minério sulfureto de mercúrio), sendo receitados por médicos chineses a doentes com cólera. Um outro trabalho mostra o seu interesse pela fotografia, em que os próprios fotógrafos preparavam as camadas fotossensíveis que depositavam na superfície de um material. Aguiar foi um praticante dessa arte e escreveu um artigo em francês que refletiu a sua experiência pessoal, relatando uma simplificação do método na altura apelidado de “collodion sec au tannin”.
Um aspeto da obra científica de Aguiar que não pode ser descurado diz respeito à enologia. O seu papel no estudo da vitivinicultura portuguesa e a sua militância nas chamadas conferências sobre vinhos foi inestimável para a promoção da qualidade e a expansão da exportação dos vinhos portugueses. Nomeado em 1866 pelo ministro João de Andrade Corvo, juntamente com Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (segundo visconde de Vila Maior) e João Inácio Ferreira Lapa, para estudar os processos de “fabricação do vinho” usados em Portugal, foi coautor de duas extensas memórias “sôbre os processos de vinificação empregados nos principais centros vinhateiros do Continente do reino” publicadas em 1867 e 1868. Esses relatórios revelaram o grande atraso técnico da maioria dos processos usados pelos produtores de vinho, devidos à estagnação económica causada pelas invasões francesas, a Guerra Civil e outras causas da instabilidade política durante a primeira metade do século XIX. Ao mesmo tempo, noutros países produtores de vinhos como a França e a Alemanha houve grandes progressos técnicos em relação às várias fases da sua produção. Desenvolveram-se processos de prevenção das doenças da vinha, e as técnicas das operações de adega. Muitos produtores portugueses ainda usavam lagares de pedra onde as uvas eram pisadas, se dava a fermentação e, no caso dos vinhos tintos, a curtimenta, quando noutros países vinhateiros a fermentação dos mostos já não se executava nos lagares. Nesses países, eram usadas dornas depois de se trasfegar para as mesmas o mosto e, no caso dos vinhos tintos, a balsa, isto é, os sólidos constituídos pelo folhelho (películas dos bagos), grainha e eventualmente o cangaço, que ficavam a nadar à superfície do mosto. A fermentação e curtimenta nos lagares tinha o inconveniente de permitir o contacto com o ar, o que podia dar origem a processos de oxidação indesejáveis, como o da acetificação. A curtimenta costumava ser muito prolongada, resultando vinhos tintos demasiado encorpados, de cor intensa e muito travo. Estes vinhos eram apreciados pelos negociantes portugueses, porque suportavam bem todo o género de falsificações e eram apetecidos pelos bebedores comuns. No entanto, não era possível colocá-los em mercados como o da Inglaterra, onde tinham de enfrentar a concorrência sobretudo dos vinhos de mesa franceses, mais leves e menos encorpados. Acresciam as dificuldades aduaneiras, uma vez que a Inglaterra penalizava os vinhos de grau alcoólico mais elevado, como medida de combate ao alcoolismo das suas elites. Os vinhos do Porto, da Madeira e de Carcavelos, embora tenham ficado abrangidos pelos direitos alfandegários mais elevados, conseguiam, ainda assim, afirmar-se em Inglaterra devido à tradição centenária existente. O problema principal eram os vinhos de mesa, em que a persistência nos métodos tradicionais e a ignorância de processos modernos como o tratamento das videiras com fungicidas e a sulfuração, só para citar dois exemplos, impediam o melhoramento da qualidade dos vinhos portugueses. Os métodos de análise química do conteúdo em açúcares do mosto e do grau alcoólico dos vinhos, durante e após a fermentação, também só raramente eram aplicados para orientar o processo de fermentação. O reconhecimento por Louis Pasteur do papel de micro-organismos na fermentação alcoólica também não se tinha ainda refletido nos procedimentos praticados nas adegas portuguesas.
Quando Aguiar foi nomeado comissário régio da representação portuguesa na exposição de vinhos de Londres em 1874, ficou muito desiludido com o resultado. As recomendações das memórias de que foi coautor em 1867 e 1868 não tinham dado os resultados esperados por falta de adesão da maioria dos produtores. Isso teve como resultado não encontrar compradores para grande parte dos vinhos de mesa exibidos na exposição. A seguir ao fracasso na exposição, Aguiar viajou a mando do governo durante oito meses pelos vários países vinhateiros europeus, para estudar os progressos mais recentes na cultura da vinha e da produção de vinhos.
Em face dos míseros resultados da exposição em Londres, resolveu o governo encarregar Aguiar da realização das chamadas conferências sobre vinhos. Estas realizaram-se em Lisboa primeiro no teatro D. Maria II e depois no teatro da Trindade, que se encheram de ouvintes. Aguiar utilizou os seus dotes oratórios para desafiar os produtores de vinhos a se atualizarem, apontando más práticas, erros grosseiros e fraudes que tinha observado, e divulgando os métodos que considerava alternativas aconselháveis. A sua retórica tribunícia surtiu o seu efeito, mas ao mesmo tempo criou-lhe inimizades, incluindo as de poderosos proprietários que se devem ter sentido ameaçados nos seus interesses.
Além desta intervenção política, também se dedicou a desenvolver aspetos técnicos particulares da vinificação. Propôs em 1868 um tipo novo de dornas, a que chamou das balsas dançantes. Nessa altura, estavam a ser introduzidas as chamadas dornas de Mimard, um invento de um vinicultor francês, patenteado em 1866, que eram dornas em madeira cobertas com uma tampa e um aparelho condensador. Este desempenhava o papel de recuperar os componentes voláteis, arrastados pela corrente de dióxido de carbono que se libertava durante a fermentação alcoólica. A libertação de calor no processo de fermentação fazia com que a perda de componentes voláteis, como seja o álcool e substâncias com aroma, era muito grande, resultando num abaixamento do grau alcoólico e na eliminação de aromas, ambos prejudiciais à qualidade do vinho. Aguiar, aproveitando a ideia do condensador, introduziu na dorna um sistema que evitava que a balsa formasse um chapéu em cima do mosto. Este isolava o mosto tanto termicamente como do ar, verificando-se uma distribuição muito desigual da temperatura, que era muito alta junto ao chapéu onde a fermentação era muito viva e demasiado baixa no fundo da dorna para que aí o mosto também fermentasse. Para atenuar esta diferença punha o emaranhado da balsa nuns cestos cilíndricos alongados de eixo vertical que mergulhavam no mosto presos com cordas, mas com tolerâncias que permitiam pequenos movimentos desses cestos, impulsionados pelas bolhas do dióxido de carbono que se libertavam. Daí um camponês, que assistia ao ensaio, ter sugerido a Aguiar o termo balsas dançantes. O invento foi publicado por Aguiar em 1868 numa comunicação à Academia das Ciências. O processo que Aguiar tinha ensaiado em ponto pequeno na adega de um amigo foi desvalorizado por Ferreira Lapa, o que levou Aguiar a publicar uma réplica em 1871. Não se sabe se o processo das balsas dançantes foi alguma vez adotado por algum vinicultor. Sobre as dornas de Mimard, a documentação é também muito escassa. Pode supor-se que a ideia comum aos dois tipos de dornas de recuperar as perdas de álcool e outras matérias voláteis através de um condensador tenha sido abandonada passado algum tempo. Hoje as mesmas perdas são antes evitadas pelo controlo da temperatura de fermentação, de forma a não a deixar subi-la ao ponto de estas se tornarem significativas.
A questão dos vinhos não foi a única ocasião em que Aguiar demonstrou o seu elevado sentido de responsabilidade social e política. Além da sua presença nas cortes e num governo de Fontes Pereira de Melo, notabilizou-se por ter sido um dos sócios fundadores e presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Associação Industrial Portuguesa, instituições privadas que ainda hoje manifestam uma grande vitalidade. No seu curto mandato de Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, promoveu a reorganização de alguns projetos filantrópicos.
O seu empenho nas múltiplas causas a que se dedicou caracterizava-se sempre por um grande entusiasmo, enquadrando-se o seu perfil numa sociedade caracterizada pelos ideais liberais e pelo romantismo.
Bernardo J. Herold
Centro de Química Estrutural do Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa e Academia das Ciências de Lisboa
Arquivos
Lisboa, Universidade de Lisboa, Arquivo Histórico dos Museus da Universidade de Lisboa – MUHNAC, Escola Politécnica de Lisboa (fundo), Actas do Conselho Escolar da Eschola Polytechnica, Livro 6.º, 1862-‒1865 e Conta Documentada 1863‒-1872.
Obras
Aguiar, António Augusto de e Alexander Bayer. “Neues Auflösungsmittel des Indigotins.” Justus Liebigs Annalen der Chemie 157 (1871): 366–368.
Aguiar, António Augusto de e Alexander-Georg Bayer. “Zur Geschichte des Naphthazarins.” Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft 4 (1871): 251–253 e 438–441.
Aguiar, António Augusto de e Edouard Lautemann. “Investigações sobre as naphtalinas nitradas e bases polyatomicas derivadas – Primeira Parte.” Jornal de Sciencias Mathematicas Physicas e Naturaes 1 (1870): 106–112 e 198–208.
Aguiar, António Augusto de e Edouard Lautemann. “Investigações sobre as naphtalinas nitradas e bases polyatomicas derivadas – Segunda Parte.” Jornal de Sciencias Mathematicas Physicas e Naturaes 2 (1870): 98–100.
Aguiar, António Augusto de. “As balsas dansantes (considerações sobre os processos de vinificação).” Jornal de Sciencias Mathematicas Physicas e Naturaes 1 (1868): 283–291.
Aguiar, António Augusto de. “Ueber Dinitronaphtalin.” Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft 2 (1869): 220–221.
Aguiar, António Augusto de. “Ueber die von Dinitronaphtalinen α und β derivirenden Diaminen.” Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft 3 (1870): 27–34.
Aguiar, António Augusto de. “Ueber Nitronaphtaline.” Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft 5 (1872): 370–375 e 897–906.
Aguiar, António Augusto de. “Ueber einige Abkömmlinge des α und β-Diamidonaphtalins.”Berichte der deutschen chemischen Gesellschaft 7 (1874): 306–319.
Aguiar, António Augusto de. Conferências sobre Vinhos. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1876.
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Bibliografia sobre o biografado
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Brito, Gomes de. Elogio Histórico de António Augusto de Aguiar. Lisboa: Typographia e Stereotypia Moderna, 1887.
Cruz, Isabel Maria Neves da. “Da prática da química à química prática”. Dissertação de doutoramento. Évora Universidade de Évora, 2015.
Herold, Bernardo J. e Ana Carneiro. “Portuguese Organic Chemists in the 19th Century. The Failure to Develop a School in Portugal in spite of International Links.” In 4th International Conference on History of Chemistry. Communication in Chemistry in Europe across Borders and across Generations – Proceedings, vol. 1, xx-xx. Budapest: Hungarian Chemical Society, 2003.
Herold, Bernardo J. e Wolfram Bayer. “A transnational network of chemical knowledge: The preparadores at the Lisbon Polytechnic School in the 1860s and 1870s.” Bulletin for the History of Chemistry of the American Chemical Society, 1 (39) (2014): 26–42.
Martins, Conceição Andrade. “Aguiar, António Augusto de (1838-1887).” In Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910), ed. Maria Filomena Mónica, vol. 1, 59–64. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005-2006.
Santiago, Mário Jorge. António Augusto de Aguiar, As Conferências sobre Vinhos e a sua época. Anadia: Academia do Vinho da Bairrada e País Vinhateiro da Bairrada, 2000.