Vinhais, 10 março 1859 — Lisboa, 26 dezembro 1902
Palavras-chave: caminhos de ferro, cartografia, estatística, demografia
DOI: https://doi.org/10.58277/LEXF1863
José Beça foi um engenheiro multifacetado que trabalhou, entre 1880 e os primeiros anos do século XX, em diversas áreas técnicas, do estudo e construção de caminhos de ferro aos melhoramentos urbanos, passando pela demografia e pela estatística. Destacou-se no processo tecnopolítico da concessão e construção do prolongamento da linha-férrea do Tua, de Mirandela a Bragança.
Filho de José António Ferro de Madureira Beça e de Maria Augusta de Morais Beça, nasceu no seio de uma numerosa família com alguma influência social e política na região de Bragança. Foi irmão de Abílio Beça, influente local, governador do distrito de Bragança e deputado, que se destacou no processo de concessão do caminho de ferro de Mirandela a Bragança.
José Beça assentou praça como voluntário no Regimento de Caçadores 3 (Bragança) em 1876, tendo chegado à patente de segundo-sargento. Em 1877, matriculou-se no curso de Matemática da Universidade de Coimbra. Manteve a ligação ao Exército, tendo recebido em 1880 a medalha de cobre do comportamento exemplar. Concluiu o curso de Matemática em 1881, tendo obtido ainda aprovação às cadeiras de Análise Química (1879), Mineralogia e Economia Política (ambas em 1881). Neste ano, ingressou no curso de Engenharia da Escola do Exército, durante o qual projetou a praça em Torre de Moncorvo (1882).
Depois de ter concluído o curso, foi contratado como subdiretor de construção do caminho de ferro do Tua (concessionado em 1884 ao conde da Foz, que trespassou a concessão à Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, por ele fundada, no ano seguinte), tendo projetado a estação central de Mirandela. Trabalhou sob as ordens de Almeida Pinheiro e Dinis Moreira da Mota. Saiu em março 1886, possivelmente em virtude de um motim ocorrido no estaleiro da construção em Carrazeda de Ansiães.
Em outubro do mesmo ano, passou a trabalhar no Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, como engenheiro condutor adido aos condutores de primeira classe. Foi colocado na comissão de estudos no terreno dos caminhos de ferro de Arganil à Covilhã e de Mirandela a Bragança, incluídos no plano ferroviário para o norte de Mondego, gizado pelo ministro das Obras Públicas, Emídio Navarro. O projeto foi aprovado pelas comissões parlamentares de Obras Públicas e Fazenda, mas nunca foi discutido em plenário no parlamento.
Em seguida, José Beça, foi nomeado chefe da Repartição Técnica da Direção de Obras Públicas de Lisboa. Entre finais de 1886 e inícios de 1887, foi colocado no Corpo de Engenheiros de Obras Públicas, tendo feito parte do grupo técnico que estudou a rede de esgotos de Coimbra. Entre 1887 e 1893, colaborou na construção da linha da Beira Baixa (entre Abrantes e a Guarda, concessionada em 1884 à Companhia Real de Caminhos de Ferro Portugueses). Aqui conheceu o engenheiro Costa Serrão, na altura diretor de Obras Públicas do distrito da Guarda e que, mais tarde, se tornou diretor de construção do caminho de ferro entre Mirandela e Bragança.
Em 1890, José Beça foi enviado para Bragança para trabalhar nos projetos de nivelamento das ruas e de reconstrução da canalização de águas da cidade. Em Bragança, elaborou ainda o projeto da casa da Assembleia Brigantina e examinou o potencial das minas de mármore e alabastro de Santo Adrião.
Em 1893, foi integrado na comissão nomeada para organizar os regulamentos do regime das bolsas de trabalho. Aqui conheceu Ernesto Madeira Pinto, diretor-geral do Comércio e Estatística, que o convidou para integrar os quadros da Direcção-Geral de Estatística e dos Próprios Nacionais do Ministério da Fazenda. José Beça aceitou e tornou-se chefe-engenheiro da primeira secção da Repartição Central e chefe de repartição do Serviço de Recenseamento Geral da População, onde dirigiu os trabalhos do censo populacional de 1900. Nesta tarefa, contou com a ajuda de Trindade Coelho, que o auxiliou na redação das instruções e dos editais dos trabalhos de recenseamento. Foi também responsável pela aquisição de dois registadores Hollerith. Ainda no âmbito desta tarefa, representou a Direção-Geral de Estatística nos encontros internacionais de Higiene e Demografia de Paris e Bruxelas.
Nas eleições gerais de novembro de 1900, José Beça foi eleito deputado pelo círculo de Bragança para a legislatura de 1901. Em São Bento, devia pugnar pela autorização da construção da linha de Mirandela a Bragança (auxiliando o seu irmão Abílio Beça, que procurava o mesmo, mas como governador civil do distrito). A ação de José Beça no parlamento foi discreta, mas foi bem mais ativa fora de São Bento, onde iniciou uma campanha em prol do caminho de ferro na imprensa, centros de discussão e meios de negócios. Cativou para o empreendimento a casa britânica Zagury & C.ª, cujo representante apresentou ao ministro das Obras Públicas, Francisco Vargas, o qual convenceu a atribuir uma garantia de juro à exploração do caminho de ferro. José Beça contactou ainda a Companhia Nacional de Caminhos de Ferro para assumir a obra e as instituições financeiras Montepio Geral e Torlades para a financiar. Como nenhum dos anteriores se mostrou disposto a realizar a empreitada ou a assegurar o financiamento, José Beça (com o auxílio do seu irmão) colocou no negócio o empreiteiro transmontano João Lopes da Cruz, um brasileiro de torna viagem, que se dedicava às empreitadas de estradas em Trás-os-Montes. Após o concurso e a assinatura do contrato provisório com João Lopes da Cruz em 1901, José Beça pressionou no parlamento o governo para que este iniciasse a discussão do contrato. O próprio José Beça redigiu o parecer das comissões de Obras Públicas e Fazenda que o aprovava. O debate foi relativamente curto e o diploma foi rapidamente aprovado em 1902.
Em seguida, José Beça auxiliou o empreiteiro João Lopes da Cruz na gestão da concessão. Procurou investidores em Portugal, Inglaterra e França e apresentou-lhe o engenheiro Costa Serrão para dirigir a construção.
Em 1902, foi promovido a engenheiro subalterno de primeira classe. Neste ano, coordenou a elaboração do mapa corográfico de Portugal, onde conjugou os dados do censo de 1900 com as redes rodo e ferroviária e com a divisão administrativa do reino.
Em finais de 1902, começou a evidenciar graves problemas de saúde. Faleceu em dezembro em sua casa. Foi enterrado no cemitério dos Prazeres e em 1908 os seus restos mortais foram trasladados para Bragança.
José Beça foi um engenheiro que não limitou a sua ação aos gabinetes de engenharia ou ao terreno, tendo também operado junto dos círculos não-técnicos essenciais à realização de grandes obras públicas, como foi o caso da linha de Mirandela a Bragança.
Arquivos
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Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, Universidade de Coimbra, Livros de Matrículas, vol. 100, f. 130.
Lisboa, Arquivo Histórico da Economia, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, José António Ferro de Madureira Beça.
Lisboa, Arquivo Histórico Militar, Escola do Exército, processo de José António Ferro de Madureira Beça, mç. 53, proc. 3282.
Lisboa, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Ministério da Fazenda e Finanças, Direcção-geral de Estatística e Fiscalização das Sociedades Anónimas, liv. 1804 (recenseamento da população), recenseamento de 1900.
Lisboa, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês de D. Luís I, liv. 49, f. 229.
Obras
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Beça, José António Ferro de Madureira e Martins Alves e Igreja. Carta chorographica de Portugal: contendo a divisão administrativa por concelhos e o estado da rede ferroviária e das estradas ordinárias no fim do ano de 1901. Lisboa: Manuel Gomes, 1901.
Bibliografia sobre o biografado
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