Lisboa, 16 abril 1884 — 27 março 1956
Palavras-chave: Faculdade de Medicina de Lisboa, Histologia e Embriologia, “Geração de 1911”, Política científica.
DOI: https://doi.org/10.58277/PHZJ6378
Augusto Pires Celestino da Costa nasceu numa família de ascendência açoriana. O pai, Pedro Celestino da Costa, filho do Visconde de Noronha, era oficial do exército e sucumbiu às lutas que levaram à implantação da República, a 4 de Outubro de 1910; sua mãe, Úrsula Cândida de Canto e Castro faleceu quando Celestino da Costa tinha apenas três anos. Celestino da Costa foi criado por Joana Figueira Magalhães, mulher do pai em segundas núpcias. A perda deste e a morte precoce da mãe marcaram-no profundamente, mas foi o médico May Figueira − irmão da madrasta, médico de D. Luís I e professor na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa− o seu verdadeiro tutor, que lhe despertou o interesse pelos estudos experimentais em medicina.
No liceu interessou-se pela investigação histórica que lhe despertaria a curiosidade pela vida científica. Concluído o ensino secundário, decidiu inscrever-se na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa. A sua atração pela medicina foi reforçada pela morte precoce de Luiz da Câmara Pestana, vítima da peste, que assim ganhou uma aura de heroicidade no combate à doença. Na Escola Médico-cirúrgica frequentou o laboratório de Marck Athias, que lhe incutiu o gosto pela medicina experimental e pela investigação, especialmente, em histologia. Foi aluno do primeiro curso de técnica histológica lecionado por Athias, sendo o seu trabalho sobre a histofisiologia das glândulas endócrinas (1904) considerado pioneiro em Portugal, por interpretar os resultados laboratoriais ao invés de fazer uso do saber livresco.
Em 1905, concluiu a licenciatura com a tese intitulada, Glândulas Supra-Renais e suas Homólogas, Estudo Citológico. Nos dois anos seguintes, apoiado financeiramente por May Figueira, partiu para a Alemanha com o objetivo de se especializar em histologia, seguindo os passos do tio, que se doutorara em Bruxelas e estagiara com o histologista Charles Robin, na Faculdade de Medicina de Paris, em 1855. Fez um estágio no laboratório de Rudolf Krause em Berlim, no Anatomisch-Biologische Institut, dirigido por Wilhelm Hertwig, citologista, embriologista e um dos pioneiros dos estudos sobre a hereditariedade. Findo o estágio fez várias viagens às principais capitais europeias, visitando vários laboratórios de investigação, o que lhe permitiu desenvolver uma visão médica, científica, cultural e artística mais universalista.
De regresso a Lisboa, ao mesmo tempo que trabalhou durante algum tempo no seu laboratório de análises clínicas na Avenida da Liberdade, deu início à investigação científica no laboratório de Marck Athias, no Instituto Real Bacteriológico Câmara Pestana, dirigido por Aníbal Bettencourt. Athias congregou a segunda geração de “médicos de laboratório”, constituída por Aníbal Bettencourt, Carlos França, Celestino da Costa, Sílvio Rebelo, Azevedo Neves e Henrique Parreira.
Casou com Emília Hermengarda Croner Celestino da Costa, descendente de uma família de músicos. Deste casamento nasceram quatro filhos: Pedro, Jaime, Elisa e Augusto. Celestino da Costa deixou-se contagiar pela cultura musical da família Croner e escreveu, entre 1930 e 1931, uma série de 18 crónicas radiofónicas e fonográficas com críticas de emissões e discos, sob o pseudónimo de Sehr Musikalisch no semanário Kino, fundado pelo cineasta António Filipe Lopes Ribeiro, em 1930.
Celestino da Costa viveu na transição da Monarquia para a República, período de transformações importantes no ensino superior e na construção do poder pela classe médica. A reforma republicana do ensino criou as Universidades de Lisboa e Porto, em 1911, tendo as escolas médico-cirúrgicas destas duas cidades sido convertidas em Faculdades de Medicina. Em 1910, com a morte de Miguel Bombarda, titular das cadeiras de Histologia e Fisiologia Geral na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa, Celestino da Costa, então com 27 anos, ocupou a cátedra de Histologia, na agora Faculdade de Medicina de Lisboa, onde criou o Instituto de Histologia e Embriologia.
Foi director técnico do Aquário Vasco da Gama (1913-1921), procurando transformá-lo num verdadeiro instituto de biologia marítima. Nos anos 30, no contexto de uma reorientação da medicina nacional para a investigação laboratorial, Celestino da Costa dedicou-se fundamentalmente à Faculdade de Medicina e à criação de uma escola de investigação que deixasse discípulos continuadores da sua obra. Em 1919, organizou o serviço de análises clínicas dos Hospitais Civis; em 1931, ocupou o cargo de secretário da Faculdade; em 1932, foi nomeado delegado dos professores catedráticos ao senado universitário e eleito vice-presidente da Junta Nacional de Educação, organismo destinado à definição de políticas científicas e ao financiamento da investigação; em 1935, foi nomeado diretor da Faculdade de Medicina. Em 1947, Celestino da Costa, como tantos outros professores universitários foi atingido pela vaga de saneamentos políticos organizada por Salazar e compulsivamente afastado da Faculdade durante alguns meses. A partir de 1950, Celestino da Costa viajou pelo Brasil e por Buenos Aires, onde realizou algumas conferências e cursos. Jubilou em 1954, ao completar 70 anos de idade.
No contexto do Estado Novo, regime que não tinha o seu apoio, Celestino da Costa empenhou-se na definição e concretização de políticas de investigação, através da Junta Nacional de Educação e do Instituto para a Alta Cultura (IAC), cujos resultados se fizeram sentir em diversas disciplinas científicas, particularmente nas áreas biomédicas. Em 1932, foi eleito vice-presidente da Junta Nacional de Educação; entre 1934 e 1936 assumiu a presidência da comissão executiva e em 1936 passou a dirigir o IAC, com três grandes linhas de ação até 1942: a organização da investigação científica e do fomento cultural, o intercâmbio cultural universitário e a expansão da língua e da história portuguesas.
Celestino da Costa desempenhou vários cargos em sociedades científicas e profissionais. Foi membro fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, em 1907, e da Socieade de Biologia, em 1920; vice-presidente da Association des Anatomistes, em 1927; presidente da secção da Société Anatomique de Paris, em 1933; sócio honorário da Société d’Endocrinologie, em 1939 e, presidente da sociedade portuguesa de endocrinologia, entre 1949 e 1955. Foi ainda presidente da Associação dos Médicos Portugueses, em 1920, presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, entre 1946 e 1949, e da secção de ciências da Academia das Ciências de Lisboa. Foi também fundador da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e co-fundador da Sociedade Luso-Espanhola de Endocrinologia com Gregorio Marañon.
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De espírito liberal, movido por um ideal de apostolado científico, influenciado pelo pensamento de Santiago Rámon y Cajal, Celestino da Costa deu início a uma carreira de professor e investigador, que ficaria para a história da medicina portuguesa como um dos representantes mais destacados da “geração de 1911,” e arauto da modernização do sistema científico português, na primeira metade do século XX.
Na tradição inaugurada pela escola de investigação de Marck Athias de quem foi discípulo, Celestino da Costa estruturou um programa de investigação em três áreas fundamentais: a citologia, a embriologia e a histologia, reunindo, ao longo dos anos, diversos discípulos e colaboradores. Entre os mais próximos estão Pedro Roberto Chaves, Alfredo Magalhães Ramalho, Luiz Simões Raposo, Luís Hernâni Dias Amado, Sérgio de Carvalho, Manuel Xavier Morato, Francisco Geraldes Barba, Vasconcelos Frazão e José David-Ferreira. Destes, os quatro primeiros estiveram no centro de decisão do programa e investigação da sua escola, mas, por razões pessoais, políticas e institucionais, nenhum deles veio a suceder a Celestino da Costa, na cátedra de histologia e embriologia. Na segunda geração, iniciada com Xavier Morato, todos se dedicaram à histofisiologia, à carreira universitária e à carreira de investigação nos laboratórios da Faculdade de Medicina. No entanto a influência do grupo de investigação de Celestino da Costa não se restringiu apenas a esta instituição nem às áreas médicas. Por exemplo, o zoólogo Germano Sacarrão, Oliveira e Silva, Tavares de Sousa, António Madeira, Fernando Frade, Diogo Furtado e Rodolfo Iriarte Peixoto, após terem passado pelos laboratórios de Celestino da Costa, expandiram o seu programa de investigação da Faculdade de Medicina de Lisboa para a de Coimbra, e ainda para a Escola Superior de Medicina Veterinária, a Faculdade de Ciências de Lisboa e os Hospitais Civis. Para além destes seguidores mais próximos, integraram também o seu grupo de investigação, os docentes da Faculdade de Medicina, Jacinto Moniz de Bettencourt, Fernando Portela Gomes, Jaime Celestino da Costa, Carlos Alberto Vidal e João Bello de Moraes.
A investigação realizada no âmbito do seu programa de trabalho foi desenvolvida, quer no Instituto de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina, onde se sediou o Centro de Estudos Histológicos e Embriológicos, financiado pelo IAC, quer na secção de embriologia do Instituto Bento da Rocha Cabral, desde 1927. Para além da componente didática, nestes laboratórios estudava-se o sistema glandular dos pontos de vista da estrutura, funcionamento e desenvolvimento, bem como o estudo embriológico do desenvolvimento do simpático, aparelho suprarrenal e para-gânglios. A difusão deste programa de investigação fez-se através de conferências temáticas e de cursos de verão frequentados por um público diversificado, mas maioritariamente médico, tendo Celestino da Costa promovido o contacto estreito com biólogos, anatomistas, histologistas e embriologistas não só plano nacional, mas também europeu.
Sendo a histofisiologia uma área recente na Europa da época e carecendo Portugal de uma tradição científica nesta área alicerçada na experimentação, o papel que a escola de Celestino da Costa teve na alteração da mentalidade científica vigente e nas práticas de investigação foi marcante. Para além de mentor, Celestino da Costa encorajou a produção científica dos discípulos e promoveu uma intervenção planeada em sociedades e atividades editoriais, fatores indispensáveis à obtenção dos recursos intelectuais, científicos e financeiros capazes de garantir a continuidade e afirmação desta escola de investigação nas primeiras décadas do século XX.
A obra de Celestino da Costa compreende 384 publicações, que incluem artigos e biografias científicas, manuais de laboratório, livros de texto, relatórios institucionais e artigos de carácter mais generalista, cuja temática dominante é o ensino médico nas universidades. Para além dos 173 artigos científicos, merecem especial destaque os livros de texto, como sejam: Elementos de Embriologia publicado em 1933, traduzido em francês em 1945, com segunda edição, também traduzida para francês, em 1948, e, o Tratado Elementar de Histologia e Anatomia Microscópica publicado em 1944, com uma segunda edição, em 1949, e tradução em espanhol em 1953.
No campo científico, Celestino da Costa voltou sempre às suas ideias iniciais para as completar e refazer: no campo da endocrinologia, começou com o estudo da glândula suprarrenal, em 1904, e com ela terminou, em 1956; no âmbito da embriologia, começou com a histogénese da suprarrenal no estudo dos para-gânglios e as suas relações com o simpático, em 1917, e fechou também o ciclo, poucas horas antes de falecer, ao apresentar no último congresso da Association des Anatomistes, realizado em Lisboa, em 1956, um trabalho de revisão sobre a embriologia do simpático. A investigação em histofisiologia das glândulas endócrinas (supra-renal, hipófise, tiroideia e pâncreas) viria a projetar-se além-fronteiras, nomeadamente no desenvolvimento da endocrinologia na Península Ibérica e em França, onde era considerado referência obrigatória.
Arquivo
David-Ferreira, José. Disponível online em http://jfdf.pt/
Coleção Celestino da Costa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa.
Obras
Celestino da Costa, Augusto. “Sobre alguns Pormenores da Estructura da Cápsula Supra-Renal dos Mamíferos.” A Medicina Contemporânea 22 (1904): 100–101, 108–109, 115–116, 160–-162, 192–193, 200–202, 214–215.
— O Ensino Médico em Lisboa – a Histologia e a Embriologia. Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, 1925.
- Elementos de Embriologia. Lisboa: J. A. Rodrigues, 1933.
- A Junta de Educação Nacional. Lisboa: Publicação da Sociedade de Estudos Pedagógicos, Série A2, 1934.
— O Problema da Investigação Científica em Portugal. Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, 1938.
— “Conception unitaire des paraganglions.” Comptes Rendus de la Société de Biologie de Paris 132 (1) (1940): 103–108.
— e Roberto Chaves, Pedro. Tratado Elementar de Histologia e Anatomia Microscópica. Lisboa: Livraria Luso-Espanhola, 1944.
—“Fomento e Organização da Investigação Científica. O Caso Português.” Ciência e Cultura, 3, nº3 (1951): 194– 207.
— “L’embryologie du sympathique et de ses dérivés. ” Bulletin de l’Association des Anatomistes 88b (1956) : 3–61.
- Historia de uma Experiência (manuscrito). s.d.
Bibliografia sobre o biografado
Flores, António. “Elogio histórico do Doutor Celestino da Costa.” Boletim da Academia das Ciências de Lisboa 29 (1957): 161–190.
Marañon, Gregorio. “Sessão de Homenagem à memória do Professor Doutor Augusto Pires Celestino da Costa.” Revista Iberica de Endocrinologia 20 (1957): 14–144.
Xavier Morato, Manuel. “O Professor Augusto Pires Celestino da Costa.” Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. 125,6 (1961): 1–39.
Celestino da Costa, Jaime. Um Certo Conceito de Medicina. Lisboa: Gradiva, 2001, 17–21; 147–176.
Amaral, Isabel et al. “A Escola de Histofisiologia de Augusto Celestino da Costa (1911-1956).” Actas do 1º Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência e da Técnica (2001): 615–629.
Celestino da Costa, Jaime. A Geração Médica de 1911 – Origem, realização e destino. Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, 2003.
“Sessões de Homenagem no Centenário do Professor Augusto Celestino da Costa na Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa,” Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa 149, nº 6, (1985).
Salazar, Abel. 96 Cartas a Celestino da Costa. Lisboa; Gradiva, 2006.
David-Ferreira, José. “Augusto Celestino da Costa (1884-1956) – Professor, Scientist and Science Promoter,” International Journal of Developmental Biology 53 (2009), 1161–1164.
Amaral, Isabel. “Augusto Pires Celestino da Costa (1884-1956): Uma vida, uma obra.” Letras convida – Literatura, Cultura e Arte 3 (2011): 44–45.