Pinto, Aires José Kopke Correia (Ayres) 

Lisboa, 14 fevereiro 1866 — 13 de março 1947

Palavras-chave: Hospital da Marinha, Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, Escola de Medicina Tropical de Lisboa, doença do sono, Atoxyl.

DOI: https://doi.org/10.58277/RYSX2424

Aires José Kopke Correia Pinto descendente de uma família de origem judaica, nasceu em Lisboa, na freguesia de Santo André. Filho de pais incógnitos, foi batizado na Igreja Paroquial de Santo André e Santa Marinha a 1 de fevereiro de 1866, tendo sido testemunhas, Maria Luísa, a sua parteira, e o seu padrinho, Alfredo Theodulo Kopke Corrêa Pinto, casado e morador na Rua da Glória, à Graça.

Com 18 anos, em 1884, ingressou como aspirante na Armada portuguesa. Casou aos 32 anos, a 1 de outubro de 1898, com Adelaide Prazeres Metello Vasques (Kopke Corrêa Pinto), de 21 anos de idade. Foi testemunha do seu casamento, Luiz da Câmara Pestana, à época, diretor do Real Instituto Bacteriológico. Deste casamento nasceram cinco filhos: os engenheiros Henrique Kopke (futuro diretor dos Caminhos de Ferro e Transportes Aéreos de Angola) e Lúcio Kopke, Maria Kopke (que casou com Fausto Salazar Leite), Maria Luísa Kopke (que casou com o arquiteto Pardal Monteiro) e Alda Kopke (casada com Fernando Belard).

Foi colega de Luís da Câmara Pestana, Moreira Junior, José de Magalhães e Brito Camacho na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, tendo concluído o curso de Medicina e Cirurgia, em 1889, com a defesa de uma dissertação intitulada “Algumas palavras sobre o tratamento dos desvios uterinos”. Foi iniciado na prática experimental por Câmara Pestana, ainda quintanista, num laboratório de reduzidas dimensões instalado junto da enfermaria de São Carlos, no Hospital de São José.

Ao serviço da Marinha, como médico, fez missões na estação naval de Macau (1890–1891), na Índia e na divisão naval do Atlântico Sul, desde a costa do Daomé até à Baía dos Tigres. Fez parte da expedição do Cunene, dirigida por Mascarenhas Gaivão, governador de Moçâmedes. Em 1887, assumiu a direção do Gabinete de Bacteriologia, do Hospital da Marinha, o primeiro em hospitais portugueses. Foi incumbido de organizar a nomenclatura das doenças, segundo os princípios nosológicos com aplicação na Marinha e de rever o formulário dos medicamentos. Dez anos depois, em 1897, publicou um trabalho sobre o paludismo no jornal dirigido por Câmara Pestana com o título “Contribuition à l’étude étiologique du Paludisme dans la côte occidentale de l’Afrique”, realizado durante a sua permanência em Angola e São Tomé e Príncipe, trabalho que foi citado por Alphonse Laveran, no Traité du Paludisme, publicado em 1907.

Em 1901, fez parte da primeira missão europeia para estudo da doença do sono, em Angola, dirigida por Anníbal de Bettencourt (1868–1930), diretor do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, ao lado de outros colegas da mesma instituição, Gomes Rezende e Correia Mendes. Os resultados inicialmente animadores para a missão portuguesa, que julgara ter descoberto o agente etiológico da doença, o hypnococco, foram contrariados pelas missões britânicas que, no Entebe, descobriam o tripanossoma como sendo o parasita causador da transmissão da doença ao Homem, mediada pela mosca tsé-tsé.

No mesmo ano, foi nomeado membro de uma comissão de estudo do saneamento da cidade de Luanda (Angola); em 1905, integrou uma comissão encarregue de estudar a remodelação do Hospital da Marinha, e, em 1910, fez parte do grupo que analisou o programa de Educação Física nas escolas, adaptado às condições da “raça portuguesa”.

Em 1902, quando o Hospital Colonial e a Escola de Medicina Tropical de Lisboa (EMT) foram fundados, foi convidado a integrar o corpo clínico e docente das duas instituições, respetivamente. Assumindo a responsabilidade da disciplina e do laboratório de Parasitologia e de Bacteriologia da EMT, desenvolveu um programa de investigação focado na doença do sono, da sua profilaxia e tratamento. Deu assim início, aos 36 anos, à carreira de investigação, tendo transitado do serviço da medicina naval, para a medicina tropical. 

Em 1904, numa missão de estudo a São Tomé, para estudo do beribéri, analisou também a doença do sono. De regresso a Lisboa fez ensaios clínicos no Hospital Colonial e estabeleceu um protocolo de doses terapêuticas para os doentes tratados com Atoxyl. O sucesso na utilização deste fármaco considerado pioneiro no tratamento da doença foi por ele apresentado no XV Congresso Internacional de Medicina, que se realizou em Lisboa, em 1906. Este foi citado por Robert Kock, Alphonse Laveran e Paul Elrich no ano seguinte, conferindo-lhe desde logo algum protagonismo no combate a esta doença tropical, que era responsável por grande número de óbitos na população nativa, comprometendo assim o projeto colonial europeu em África. 

Foi proposto como representante português na primeira reunião do Sleeping Sickness Committee, realizada em Londres, em 1907, bem como em todas as outras que se sucederam até 1928, inicialmente sob a presidência de Patrick Manson, da Escola de Medicina Tropical de Londres, e depois, pela Sociedade das Nações.

Participou sucessivamente em vários congressos como representante da escola portuguesa de medicina tropical, nomeadamente no Congresso Internacional de Higiene e Demografia (Berlim, 1907), nos Congressos Internacionais de Medicina (Budapeste, 1909; Londres, 1913), no Congresso de Agronomia Colonial e Tropical (Bruxelas, 1910), no Congresso de Medicina Tropical de África Ocidental (Luanda, 1923), nos Congressos Internacionais de Medicina Tropical (Roma, 1923; Cairo, 1928), na sessão do Instituto Colonial Internacional de Bruxelas (Roma, 1924), no Congresso do Royal Institute of Public Health of London (1925) e no Congresso Internacional de Higiene do Mediterrâneo (Marselha, 1932).

Em 1916. recebeu um prémio da Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), da qual era o sócio nº 7 739, pela melhor memória publicada sobre o tratamento dos doentes afetados pelo Tripanossoma gambiense, a doença do sono, com o título “Estudo da Doença do Sôno”, apresentada sob a divisa Therapia Sterilisans Magna. Na SGL foi vogal da Comissão de Proteção dos Indígenas das Colónias Portuguesas (1930–1932), presidente desta comissão em 1932, vogal da direção da SGL, no ano seguinte e presidente da Comissão das Calamidades em 1936. Em 1941, foi nomeado para o quadro de honra.

Liderou ainda várias missões médicas organizadas pela EMT ou em representação do Estado português, entre as quais, para além das já referidas, a missão de estudo da doença do sono a Moçambique entre 1927 e 1928, na zona oeste da Companhia do Niassa. Destaca-se ainda o seu interesse pelo estudo das tripanossomíases animais, realizado em colaboração com os Serviços Veterinários de Lourenço Marques e Inhambane.

Foi autor da primeira proposta de reforma do ensino e da investigação na EMT em 1929, bem como da sua transição para Instituto, em 1935, que contribuíram para uma articulação entre o ensino teórico na metrópole e o conhecimento prático nas províncias ultramarinas, através de missões médicas periódicas para lá enviadas. 

Foi membro da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, tendo sido seu presidente entre 1915 e 1916; foi vogal do Conselho Superior das Colónias desde 1928 e seu vice-presidente até 1941. Foi diretor da EMT entre 1928 e 1935 e do Instituto de Medicina Tropical entre 1935 e 1936. Em 1946, foi designado chefe dos Serviços Bacteriológicos de Assistência aos Tuberculosos no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, lugar que conservou até ao final da vida. Foi sócio do Clube Naval Militar e da Sociedade Portuguesa de Biologia, sócio honorário da Société de Pathologie Exotique de Paris desde 1908, membro nomeado da Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene of London desde 1904, membro nomeado do Royal Institute of Public Health of London desde 1925. 

Depois de ter atingido a idade da reforma, em 1936, terminou a carreira militar, no posto de Capitão de Mar e Guerra. Foi agraciado com a Ordem de Avis e com a Ordem de Cristo. 

Faleceu em Lisboa, na residência onde vivia, na Rua António Enes, n.º 16, com 81 anos de idade. Tem o seu nome associado à toponímia de Lisboa, a Travessa Aires Kopke, situada na urbanização do Neudel na Reboleira (Amadora). 

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Aires Kopke ilustra um percurso híbrido de expertise fruto do interesse que desde muito cedo cultivou pela medicina experimental. A experiência militar em África aliada à experiência adquirida junto de Câmara Pestana, enquanto pioneiro da microbiologia em Portugal, permitiram-lhe adquirir uma posição de relevo na história da medicina tropical durante os anos de ouro da Escola de Medicina Tropical de Lisboa, entre 1902 e 1935.

Terá sido determinante para a sua carreira de médico investigador a sua ligação permanente ao Instituto Bacteriológico de Lisboa/Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, mesmo depois de ter deixado a docência na EMT. 

Aires Kopke foi sem dúvida uma figura emblemática da medicina tropical portuguesa na primeira metade do século XX. Estabeleceu um programa de investigação inovador para a medicina portuguesa no domínio da parasitologia; detinha um treino experimental de excelência; estabeleceu uma rede de contactos cruciais para que Portugal acompanhasse os progressos da medicina tropical, uma área de especialização médica que estava a dar os primeiros passos para a sua consolidação na Europa; e colocou Portugal entre os países mais bem sucedidos no combate à doença do sono, uma das poucas doenças verdadeiramente tropicais, que comprometiam o ideário do império europeu. 

Nos vários curricula que publicou, Aires Kopke sempre se referiu ao pioneirismo que lhe era atribuído pelo sucesso que obteve na utilização do Atoxyl no controlo da doença do sono, tanto na escola alemã, como francesa. No entanto, com rigor, dever-se-ia associar a Kopke o nome de Harold Thomas, da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, que, em 1905, testou a eficácia desta droga, na eliminação dos tripanossomas em humanos e em animais, ainda antes de Kopke.

Não obstante ter sido o representante da escola portuguesa de medicina tropical e, em alguns momentos, do Ministério das Colónias, pela autoridade científica que detinha na rede internacional de médicos tropicalistas, e pela forma como conduziu o programa de parasitologia da sua escola, não conseguiu deixar seguidores. Ao atingir o limite de idade, a escola viveu alguns constrangimentos na transição para Instituto de Medicina Tropical em 1935. 

Isabel Amaral

Arquivos 

Lisboa, Igreja Paroquial de Santo André e Santa Marinha, Registo nº 9/1866.

Lisboa, Igreja Paroquial dos Anjos, Registo nº 89/1990.

Lisboa, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Coleção Aires Kopke.

Obras

Kopke, Aires. Os recentes progressos da medicina tropical. Lisboa: A. de Mendonça, 1915. 

Kopke, Aires. “Tratamento da Doença do Sôno.” Revista Médica de Angola n4 (número especial – Primeiro Congresso de Medicina Tropical de África) (1923): 51-112.

Kopke, Aires. A Conferência Internacional sobre a doença do sono. Lisboa: Casa Portuguesa, 1926. 

Kopke, Aires. “Relatório sobre a doença do sono em Moçambique.” Boletim Geral das Colónias 4 (37) (1928): 79-110.

Kopke, Aires. Estudos Executados na missão médica de Moçambique. Lisboa: Tipografia do Comércio, 1928.

Kopke, Aires. Investigations on Human Trypanosomiasis in Mozambique – report submitted to the 2nd International Conference on Sleeping Sickness (Paris, November 5th to 7th) 1928. Genebra: League of Nations, 1930.

Kopke, Aires. Investigations on human Trypanossomiasis in Mozambique. Genéve: World Health Organization, 1930.

Kopke, Aires. O ensino da medicina tropical na metrópole iniciado em 1902. Lisboa: Ministério das Colónias, 1934.

Kopke, Aires. Política Sanitária do Império. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1936.

Kopke, Aires. A medicina portuguesa e a doença do sono. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1946.

Bibliografia sobre o biografado

Abranches, Pedro. O Instituto de Higiene e Medicina Tropical: cem anos de história. Lisboa: Celom, 2002.

Amaral, Isabel. “Colonial Hospital of Lisbon: a new space of medicalisation in the scope of Portuguese tropical medicine (1902-1942).” Dynamis 28 (8) (2008): 301-328.

Azevedo, João Fraga de. “Professor Aires Kopke.” Anais do Instituto de Medicina Tropical, 4 (1947): 855-864.

Costa, Manuel Freitas e. Personalidades e grandes vultos da medicina portuguesa através dos séculos. Lisboa: Lidel, 2010.

“O Dr. Aires Kopke, homem de ciência, o bacteriólogo insigne faleceu a noite passada.” O Século 13 de Março de 1947.

Ribeiro, Pedro. “A emergência da medicina tropical em Portugal (1887-1902).” Dissertação de Mestrado. Lisboa: Universidade NOVA de Lisboa, 2002.