Santucci, Bernardo

Cortona, Grão-ducado da Toscana, ca. 1701 — 1764

Palavras-chave: anatomia, medicina, Hospital Real de Todos os Santos, médico, anatomista.

DOI: https://doi.org/10.58277/EQSZ4658

Bernardo Santucci notabilizou-se pela sua atividade de médico e anatomista em Itália e em Portugal no reinado de D. João V. Foi também o autor da obra A anatomia do corpo humano (1739) dedicada aos cirurgiões aprendizes que frequentavam o Hospital Real de Todos os Santos.

Embora sejam relativamente escassas as informações biográficas sobre Bernardo Santucci, sabe-se que os seus pais foram Carlos Santucci e Maria Galeazze, tendo nascido por volta de 1701 em Cortona, no grão-ducado da Toscana. Obteve o título de doutor em Medicina na Universidade de Bolonha, indo depois para Florença onde cultivou o estudo da anatomia no Hospital de Santa Maria Nuova. O seu desempenho como médico e anatomista motivou a sua nomeação como médico da princesa Violante Beatriz da Baviera. Munido de cartas de recomendação da princesa, veio para Lisboa em 1730. Neste mesmo ano o rei D. João V nomeou-o seu anatómico e dois anos mais tarde lente de anatomia no Hospital Real de Todos os Santos. Concomitantemente decretou a aposentação de Monravá e Roca, seu antecessor no cargo desde 1721. O estudo e a prática regular da anatomia passou a ser obrigatória na formação dos cirurgiões.

A permanência de Bernardo Santucci em Portugal não foi destituída de controvérsia. A sua obra A anatomia do corpo humano dada a lume em 1739 foi prontamente atacada por Monravá e Roca no manuscrito Desterro crítico das falsas anatomias que hum anatómico novo deu à luz em Lisboa, neste presente anno de 1739. Neste mesmo ano o exercício de dissecação de cadáveres humanos no Hospital Real de Todos os Santos viria a ser suspenso por decreto real. Desconhecem-se as razões precisas que motivaram esta alteração, tendo sido apontada a influência  junto ao trono das críticas de Monravá e Roca a Santucci e o apoio com que contou por parte de um grande número de médicos cirurgiões que desconheciam os fundamentos e a utilidade da anatomia e que persuadiram o rei de que as dissecações anatómicas determinavam a morte daqueles que a ela se entregavam. Foi também conjecturada a influência dos jesuítas no processo. Apesar do desagrado causado pela proibição das dissecações anatómicas, Santucci continuou a reger Anatomia durante uns sete ou oito anos, voltando a Itália só em 1747. Regressaria a Portugal em 1751, altura em que D. José o contemplou com uma tensa de 30$000 reis anuais e com o grau de cavaleiro da Ordem de São Tiago. Pouco tempo depois, retorna definitivamente a Itália onde irá falecer no ano de 1764. 

A anatomia do corpo humano de Santucci constitui uma obra ímpar na história editorial portuguesa já que, até finais do século XVIII, foi o único compêndio de anatomia publicado com estampas ilustrativas. No entanto, um estudo de Hermano Neves revelaria que as gravuras anatómicas executadas pelo artista francês Michel le Bouteaux eram na sua maioria cópias adaptadas da obra Corporis humani anatomia (1707) do autor flamengo Philip Verheyen. Identificou ainda algumas cópias de outras obras anatómicas. Deve, no entanto, salientar-se que o processo de apropriação de imagens era uma prática comum ainda no século XVIII. A mesma permitia reduzir os custos associados à produção de obras com imagens e colmatar as lacunas de dissecações necessárias à visualização das várias formas e órgãos do corpo humano. Embora no Hospital de Todos os Santos se procedesse a dissecações até à publicação da obra de Santucci, estas seriam muito provavelmente executadas num número limitado de cadáveres. No entanto, é no texto da obra de Santucci que se encontra a sua maior debilidade uma vez ser muito próximo, para não dizermos no seguimento da análise de Hermano Neves, praticamente uma cópia não reconhecida da Anatomia corporis humani de Verheyen. Contudo, este aspecto não diminui o valor pedagógico da obra de Santucci no Portugal de setecentos. É ainda de assinalar que entre os alunos de Santucci contam-se dois que foram lentes de anatomia na Universidade de Coimbra, Caetano Alberto e Santos Gato e outros dois alunos que foram professores de cirurgia no Hospital Real de Todos os Santos, António Gomes Lourenço e Pedro de Arvellos Espinola.

Palmira Fontes da Costa

Obras

Bernardo Santucci. Anatomia do Corpo Humano. Lisboa: Oficina de António Pedroso Galran, 1739.

Bibliografia sobre o biografado

Lemos, Maximiano. História da Medicina em Portugal. Doutrinas e Instituições, vol. II: 68–72. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1991 [1889].

Neves, Hermano. “O livro de Bernardo Santucci e a ‘Anatomia Corporis Humani’ de Verheyen. Contribuição para o estudo da obra do anatómico cortonense.” Arquivo de anatomia e antropologia 10 (1926): 315–346.

Serrano. Tratado de osteologia humana, Tomo II: vii–lxxxix. Lisboa: Typografia da Academia Real das Sciencias, 1897.

Santos, Sebastião Costa. A escola de cirurgia do Hospital Real de Todos os Santos, 93–143. Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, 1925.