Costa, João Carrington Simões da

Figueira da Foz, 21 abril 1891 – Cascais, 20 abril 1982

Palavras-chave: Universidade do Porto, Junta de Investigações do Ultramar, Junta de Energia Nuclear, Sociedade Geológica de Portugal.

DOI: https://doi.org/10.58277/PCBC6210

A importância de João Carrington Simões da Costa na geologia em Portugal decorre, fundamentalmente, dos cargos que ocupou em diversas instituições científicas.

As informações relativas à infância e juventude de Carrington da Costa são fragmentárias e elusivas. Filho de um capitão do Exército que trabalhou na Administração Militar, Joaquim Simões da Costa (?–?), e da anglo-portuguesa Eugénia Cook Carrington (?–?), nasceu na Figueira da Foz, cidade de residência da família materna. Era irmão de Ruy Carrington Simões da Costa (1894–1964), professor de Desenho e Matemática, pedagogo e investigador no domínio da psicologia, e que lecionou a maior parte da sua vida no Liceu de Braga.

Desconhecem-se pormenores sobre onde passou os primeiros anos da sua vida, mas sabe-se que os seus pais se divorciaram quando Carrington da Costa era ainda criança. Frequentou o Colégio Militar desde, pelo menos, a instrução secundária, ingressando posteriormente no Instituto Superior de Agronomia a fim de ser engenheiro agrónomo. Apesar de o seu estatuto de aluno do ensino superior o dispensar de combater na Primeira Guerra Mundial até à finalização dos estudos, deu-se como voluntário, tendo frequentado, primeiro, a Escola Preparatória para Oficiais Milicianos de Lisboa e, em seguida, a Escola de Guerra. Foi algures nestes anos que Carrington da Costa se tornou responsável pelas fábricas de produtos químicos e adubos agrícolas da Póvoa de Santa Iria, que tinham acabado de falir e de que o Estado se apossara num contexto de economia de guerra.

Seguindo para a frente em data desconhecida, Carrington da Costa combateu na Flandres, Bélgica, e foi feito prisioneiro na Batalha de La Lys. Esteve detido, juntamente com o pai, no campo de prisioneiros de Breesen, Alemanha, onde participou, juntamente com outros oficiais portugueses, na organização de cursos e conferências destinadas aos restantes portugueses detidos.

De regresso a Portugal, em 1919, Carrington da Costa combateu ao lado dos republicanos durante a revolta monárquica liderada por Paiva Couceiro. Na altura, era ajudante de campo do ministro da Guerra. No mesmo ano, regressou à vida civil, tendo ocupado diversos cargos durante o regime republicano: foi chefe de gabinete do ministro da Agricultura em 1922, governador civil de Braga em 1923 e chefe de gabinete do ministro da Instrução em 1925.

À militância republicana, Carrington da Costa juntou a pertença à Maçonaria. Com efeito, em 1913, ingressou, juntamente com o irmão e o pai, na Loja Madrugada, de Lisboa, adotando o nome de Enjolras, célebre personagem revolucionária do romance de Victor Hugo, Os Miseráveis. Os membros desta loja, entre os quais se encontravam Leonardo Coimbra (1883–1936) e António Maria da Silva (1872–1950), defendiam a educação como a sua principal forma de intervenção na sociedade portuguesa. Mais tarde, Carrington da Costa mudou-se para a Loja Renascença.

Assim, quando, com cerca de 30 anos, retomou os estudos superiores, Carrington da Costa possuía já um percurso de vida assinalável. Abandonou o Instituto Superior de Agronomia, que tinha frequentado antes da guerra, e decidiu cursar Ciências Histórico-Naturais na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). Terminada a licenciatura, em 1921, fez, de seguida, o curso de formação para professor do ensino secundário na Escola Normal Superior de Lisboa. Começou por exercer no liceu Passos Manuel, em Lisboa, a que se seguiram os liceus de Castelo Branco e Leiria, acabando por se tornar professor efetivo no Liceu Rodrigues de Freitas, no Porto, em 1923, onde ensinou durante dezanove anos. A partir de 1928, Carrington da Costa acumulou a sua posição de professor liceal com a de naturalista do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da FCUP. Doutorou-se em 1931 e, em 1936, integrou o corpo docente desta Faculdade, no grupo de Ciências Geológicas, tendo atingido a posição de professor catedrático em 1941. Jubilou-se em 1961.

Em 1946, Carrington da Costa foi nomeado vogal da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais, mais tarde Junta de Investigações do Ultramar (JIU). Quando, em 1946, esta instituição organizou a Missão de Estudos Geológicos à Guiné, Carrington da Costa foi chamado para a chefiar. No ano seguinte, chefiou igualmente o Grupo de Missões de Geologia e Geografia Física e Humana. Em 1954, foi nomeado vogal da comissão executiva da JIU e, em 1955, presidente, cargo que ocupou até 1961. Foi nesta qualidade que criou na instituição o Laboratório de Estudos Petrológicos e Paleontológicos e o Laboratório de Técnicas Físico-Químicas Aplicadas à Mineralogia e Petrologia. Durante o tempo em que Carrington da Costa presidiu à JIU, foram regulamentados os Institutos Científicos de Angola e Moçambique e estabeleceu-se uma intensa cooperação científica com as universidades portuguesas.

Carrington da Costa esteve também ligado a instituições relacionadas com a energia nuclear em Portugal. Foi o caso, a partir de 1952, da Comissão de Estudos de Energia Nuclear do Instituto para a Alta Cultura, onde dirigiu o Centro de Mineralogia e Geologia e onde se tornou vice-presidente. A ação de Carrington da Costa na Comissão foi pioneira, uma vez que, até então, não existia no país qualquer tipo de estudos geológicos relativos a minerais radioativos. Deslocou-se, por isso, várias vezes a Espanha e a França, países onde a ocorrência e exploração de minerais de urânio apresentava maiores semelhanças a situação nacional. Além disso, dirigiu a preparação de geólogos e coletores que viriam a trabalhar, primeiro na Comissão e, posteriormente, na Junta de Energia Nuclear (JEN). Eventualmente, com a criação da JEN, em 1954, Carrington da Costa passou a pertencer também à comissão executiva desta instituição, sendo o principal elo de ligação entre esta instituição e o Ministério do Ultramar, que tutelava a JIU por ele presidida.

A fim de desempenhar todas estas funções, Carrington da Costa fixou-se em Lisboa em 1954, onde passou a residir, não mais regressando à FCUP.

A atuação de Carrington da Costa em termos institucionais faz com que a sua produção científica fique um pouco esquecida, não lhe sendo dado o devido relevo na maior parte dos testemunhos e notas biográficas que lhe são dedicados. Por vezes, considera-se mesmo que a sua contribuição científica para a geologia em Portugal é menor, pouco original, pouco mais do que um trabalho de síntese. Todavia, a obra científica de Carrington da Costa merece ser analisada e discutida sob uma perspetiva diferente, tanto pela diversidade de temas que abrange como pelas características de que se reveste. Carrington da Costa dedicou a sua atenção a questões estratigráficas — caso da sua dissertação de doutoramento “O Paleozoico Português: síntese e crítica”, realizada e publicada em 1931 — avançou hipóteses sobre os processos de tectogénese na Península Ibérica e foi um dos primeiros autores a tecer considerações sobre os fenómenos do diapirismo no território continental português. A sua formação de naturalista levou-o a publicar diversos trabalhos sobre fósseis e, na esteira da missão geológica à Guiné que liderou, escreveu algumas notícias sobre a geologia das colónias. Carrington da Costa foi um adepto da teoria da deriva continental, apresentada pela primeira vez por Alfred Wegener (1880–1930) em 1912, considerando-a mesmo como a única capaz de estabelecer uma síntese geológica coerente.

Carrington da Costa foi ainda coautor da carta geológica do Porto na escala 1:50 000, publicada em 1957 pelos Serviços Geológicos, instituição da qual era oficialmente colaborador desde 1929.

Carrington da Costa foi autor de vários manuais destinados ao ensino de Ciências Geológicas nos liceus e que foram sucessivamente reeditados entre as décadas de 1930 e 1950. Alguns desses manuais foram aprovados como livro único. Tendo em conta que Carrington da Costa foi professor do ensino liceal durante quase duas dezenas de anos, esta é uma particularidade da sua atuação que não se afigura surpreendente, até por não ser caso único. Vários outros professores universitários publicaram manuais destinados ao ensino nos liceus, alguns dos quais acumulavam a docência no ensino secundário e universitário.

Carrington da Costa é, aliás, muitas vezes invocado enquanto professor e orientador de vocações. Enquanto professor na FCUP, foi um dos principais responsáveis pelas mudanças ocorridas na dinâmica de investigação durante a década de 1940, no grupo de Ciências Geológicas da mesma Faculdade e no Museu anexo. Além dos três doutoramentos sucessivos, realizados pelos elementos mais jovens que aí trabalhavam — nomeadamente, Carlos Teixeira (1910–1982), João Manuel Cotelo Neiva (1917–2015) e Judite dos Santos Pereira (?–?) — registou-se um aumento considerável no número de trabalhos dedicados à geologia portuguesa publicados em diferentes periódicos científicos, com destaque para os Anais da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, as Publicações do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico e o Boletim da Sociedade Geológica de Portugal. A um dado momento, a ação deste reduzido grupo de professores e naturalistas acabou por se revelar determinante na renovação da geologia em Portugal e na constituição de uma comunidade geológica nacional.

Efetivamente, foi esta dinâmica que permitiu a Carrington da Costa, juntamente com Carlos Teixeira e Cotelo Neiva, criar, em 1940, a Sociedade Geológica de Portugal (SGP), à qual presidiu durante vários anos. A SGP nasceu com o objetivo expresso de dar a conhecer estudos geológicos, mineralógicos, petrológicos e geofísicos relativos ao território português continental, insular e ultramarino. No entanto, é por demais evidente que a SGP também foi criada com o objetivo de promover o reconhecimento científico e social da geologia e dos geólogos, conforme se pode constatar nos Preâmbulos do Boletim da Sociedade Geológica de Portugal.

Por exemplo, no “Preâmbulo” do volume de 1949, Carrington da Costa disserta sobre a deplorável situação dos estudos geológicos em Portugal e da falta de interesse pela geologia e pelos geólogos evidenciada na sociedade portuguesa. Como exemplo disso, menciona o facto de não existir em todo o funcionalismo público a categoria profissional de geólogo.

Carrington da Costa foi membro de várias associações científicas, nacionais e estrangeiras, entre as quais a Academia das Ciências de Lisboa, a Real Academia de Ciências de Madrid e a Sociedade Geológica de França. Pertenceu ainda à Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, à Sociedade Portuguesa de Química e Física, à Real Sociedade Espanhola de História Natural e à Comissão Nacional da Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais. Em 1961, foi presidente da Comissão Nacional da União Internacional da História das Ciências.

Além das condecorações decorrentes da sua participação na Primeira Guerra Mundial, Carrington da Costa foi também agraciado com o grau de comendador da Ordem da Instrução Pública, em 1955, e com o grau de oficial da Ordem do Império, em 1961.

Em homenagem a Carrington da Costa, vários cientistas portugueses deram o seu nome a diversas formas fósseis.

Teresa Salomé Mota
Gestão e conversação do património geológico

Arquivos

Lisboa, Arquivo Histórico da Academia das Ciências de Lisboa.

Lisboa, Arquivo Histórico do Instituto de Investigação Científica e Tropical.

Porto, Fundo Antigo da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

Obras

Costa, João Carrington Simões da. “A energia nuclear e o progresso das ciências naturais.” Naturália 4 (3) (1954).

Costa João Carrington Simões da. A geologia da região portuense e os seus problemas. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1958.

Costa, João Carrington Simões da. A investigação científica e o ultramar português. Lisboa: Casa Portuguesa, 1958.

Costa, João Carrington Simões da. Ciências Geológicas para o curso geral dos liceus. Porto: Editora Marânus, 1935.

Costa, João Carrington Simões da. Evolução do meio geográfico na pré-história de Portugal. Lisboa: Bertrand, 1941.

Costa, João Carrington Simões da. Notícia sobre uma carta geológica do Buçaco, de Nery Delgado. Lisboa: Direção Geral de Minas e Serviços Geológicos, 1950.

Costa, João Carrington Simões da. O neocretácio da Beira-litoral. Porto: Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade do Porto, 1937.

Costa, João Carrington Simões da. Os movimentos caledónicos e preliminares Hercínicos na Península Ibérica. S. l.: s. n., 1952.

Costa, João Carrington Simões da. Realidades acerca do estudo geológico de Goa. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960.

Costa, João Carrington Simões da. Vales tifónicos, diapirismo e algumas considerações sobre a ocorrência dos sais de potássio. Porto: Imprensa Portuguesa, 1944.

Bibliografia sobre o biografado

“Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto João Carrington da Costa”. Online. Disponível em: sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres%20-%20jo%C3%A3o%20carrington%20da%20costa. Consultado em 4 de julho de 2022.

Bio-bibliografia do Professor Doutor J. Carrington da Costa. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1962.

“Homenagem aos fundadores e primeiros sócios da Sociedade Geológica de Portugal.” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal Nova Série 25 (2009).

Carvalho, António Herculano de. O Professor João Carrington da Costa. Lisboa: Academia das Ciências, 1972.

Estudos científicos oferecidos em homenagem ao Professor Doutor João Carrington da Costa. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1962.