Monteiro, António Aniceto Ribeiro

Mossâmedes (Angola), 31 maio 1907 – Bahía Blanca (Argentina), 29 outubro 1980.

Palavras-chave: “movimento matemático”, Portugaliae Mathematica, resistente antifascista, exílios.

DOI: https://doi.org/10.58277/FFEH6560

António Aniceto Ribeiro Monteiro foi um matemático português, doutorado pela Sorbonne em 1936. Foi o maior dinamizador do “movimento matemático” dos anos 1930 e 1940. Foi obrigado a exilar-se (primeiro, no Brasil e, depois, na Argentina) em 1945.

Foi filho de António Ribeiro Monteiro e de Maria Joana Lino Figueiredo da Silva Monteiro. O pai, tenente de infantaria, que se encontrava em comissão extraordinária no sul de Angola, faleceu no dia 7 de julho de 1915, de doença.

Entre 1917 e 1925, Monteiro fez os estudos secundários no Colégio Militar, em Lisboa, onde foi o aluno n.º 78.

Estudou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, de 20 de outubro de 1925 a 17 de julho de 1930, data em que obteve a licenciatura em Ciências Matemáticas. Na faculdade, encontrou a sua vocação e o seu primeiro mestre – Pedro José da Cunha.

Casou-se em 29 de julho de 1929 com Lídia Marina de Faria Torres. Do casamento nasceram dois filhos – António (1934) e Luiz (1936).

Em 1931, Monteiro prosseguiu os estudos em Paris com o apoio de Pedro José da Cunha e uma bolsa concedida pela Junta de Educação Nacional. Aí, trabalhou no Instituto Henri Poincaré, sob a orientação de Maurice Fréchet. 

Em junho de 1936, concluiu o doutoramento de Estado, na Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, em Ciências Matemáticas, com a menção “Très Honorable”, com a tese “Sur l’additivité des noyaux de Fredholm”. 

De volta a Lisboa, Monteiro foi um dos mais ativos impulsionadores (a par com António da Silveira e Manuel Valadares) do Núcleo de Matemática, Física e Química, cujas atividades se iniciaram em 16 de novembro de 1936, com uma conferência de Bento de Jesus Caraça, sobre Cálculo Vetorial. Embora a ideia inicial fosse muito mais ambiciosa, o Núcleo acabou apenas por promover a realização de ciclos de conferências de alto valor científico, bem como a sua publicação em livros de elevada qualidade. Às conferências de Caraça sucederam as de Ruy Luís Gomes, sobre Teoria da Relatividade Restrita, iniciadas a 19 de abril de 1937. Ambos os cursos deram origem aos dois primeiros volumes, de um total de três, da coleção do Núcleo. Estes livros são ainda hoje bastante conhecidos, particularmente o de Caraça que já teve várias edições. O Núcleo acabou por se extinguir em 6 de novembro de 1939, sobretudo devido a divergências internas. Pode dizer-se que o Núcleo iniciou uma década prodigiosa na ciência em Portugal que só terminou com a vaga de expulsões políticas de 1947.

Em 1937, Monteiro fundou a revista Portugaliae Mathematica onde se explicitava que era “editada por António Monteiro, com a cooperação de Hugo Ribeiro, J. Paulo, M. Zaluar Nunes”.

Em 1938, Monteiro recebeu o Prémio Artur Malheiros da Academia de Ciências de Lisboa (Matemática) conferido pelo seu trabalho “Ensaio sobre os fundamentos da análise geral”.

Em 1939, começou a funcionar o Seminário de Análise Geral, em Lisboa, impulsionado por António Aniceto Monteiro, primeiro na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e depois, a partir de fevereiro de 1940, no Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa do Instituto de Alta Cultura (IAC), no qual com a realização de cursos e seminários começou a iniciar um grupo de jovens no estudo da matemática moderna. Entre os seus discípulos deste período podem destacar-se José Sebastião e Silva e Hugo Baptista Ribeiro.

Em 1939, Bento de Jesus Caraça, António Monteiro, Hugo Ribeiro, José da Silva Paulo e Manuel Zaluar fundaram a Gazeta de Matemática, cujo primeiro número saiu em janeiro de 1940.

A Sociedade Portuguesa de Matemática foi fundada em 12 de dezembro de 1940. António Aniceto Monteiro foi um dos seus principais impulsionadores e foi escolhido para seu Secretário-geral por unanimidade. Pedro José da Cunha foi eleito presidente.

Depois de ter regressado de Paris, em 1936, Monteiro e a família viveram com muitas dificuldades económicas por o matemático se ter sempre recusado a assinar a declaração prevista no Decreto-lei n.º 27 003, de 1936, obrigatória para quem quisesse trabalhar na função pública: “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”. De julho a setembro de 1936 ainda foi bolseiro do IAC no país, mas, nesta data, saiu o Decreto-lei n.º 27 003 e, por não querer assinar a declaração, não pode continuar. Ainda assim, o IAC, cujo presidente era Celestino da Costa, arranjou-lhe um trabalho, pago, de colaborador no serviço de Inventariação da Bibliografia Científica existente em Portugal. A par com lições particulares, foi esse o seu meio de subsistência de junho de 1937 a dezembro de 1942. Entretanto, entre o fim de 1941 e o início de 1942, Celestino da Costa foi demitido e tomou posse uma nova direção do IAC. No final de 1942, os serviços de Monteiro foram dispensados. Ambas as ações punitivas foram ordenadas pelo ministro da Educação Nacional, Mário de Figueiredo. Monteiro ficou sem meios suficientes de subsistência o que o levou a tomar a decisão de emigrar, algo que só se realizou em 1945 por o processo se ter arrastado.

Em 4 de outubro de 1943, foi fundada a Junta de Investigação Matemática (JIM) por Ruy Luís Gomes, Mira Fernandes e António Monteiro. Os fundos para a JIM foram angariados numa campanha promovida por António Luiz Gomes, irmão de Ruy Luís Gomes.

Em dezembro de 1943, António Aniceto Monteiro foi para o Porto, a convite da JIM, com a família, onde ficou cerca de um ano. No Centro de Estudos Matemáticos do Porto, Monteiro dirigiu o Seminário de Topologia Geral. A JIM iniciou a coleção Cadernos de Análise Geral nos quais se publicaram os cursos e seminários ministrados na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto sobre Álgebra Moderna, Topologia Geral, Teoria da Medida e Integração, etc., temas com pouca difusão nessa época nas universidades portuguesas.

Dessa época, 1944 e 1945, ficaram célebres as palestras da JIM lidas ao microfone da Rádio Club Lusitânia, corajosamente cedido pelo proprietário, em que foram oradores: Ruy Luís Gomes, António Monteiro, Corino de Andrade, Branquinho de Oliveira, Fernando Pinto Loureiro, José Antunes Serra, António Júdice, Armando de Castro, Carlos Teixeira e Flávio Martins. A palestra de Monteiro incidiu sobre “Os objetivos da Junta de Investigação Matemática”.

No Porto, Monteiro orientou ainda Alfredo Pereira Gomes que se doutorou em julho de 1946, já com o orientador no exílio.

Em setembro de 1943, com recomendações de Albert Einstein, J. von Neumann e Guido Beck, Monteiro foi convidado a reger uma cátedra de Análise Superior no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia. Em 28 de fevereiro de 1945, embarcou para o Rio de Janeiro onde chegou com um contrato por quatro anos.

Nesse mesmo ano, Monteiro foi nomeado membro de comité de redação da revista Summa Brasiliensis Mathematicae. Nesse ano e no seguinte, foi investigador do Núcleo Técnico Científico da Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro), dirigido por Lélio Gama.

Em 1948, Monteiro iniciou a série de publicações intituladas Notas de Matemática. Nos anos de 1948–1949, foram editados seis fascículos. Mais tarde, depois de sua ida para a Argentina, esta coleção foi publicada sob a direção de Leopoldo Nachbin, alcançando uma grande difusão na América Latina. 

Em 1949, Monteiro participou ativamente na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, do qual foi membro fundador. Nesse ano, lecionou um curso de “Introdução à Matemática” para os investigadores de Instituto de Biofísica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro por convite do seu diretor Carlos Chagas.

Monteiro desenvolveu significativa atividade política no Brasil contra o regime fascista português. Participou em comícios e confraternizações políticas, juntou-se aos protestos contra a “farsa eleitoral” de 18 de novembro de 1945, deu entrevistas, etc. Segundo Leopoldo Nachbin, “em razão de sua atitude abertamente anti-Salazar, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro (então a capital do Brasil) conseguiu convencer o Reitor da Universidade do Brasil a não renovar seu contrato em 1949”. Assim, Monteiro teve que procurar emprego para o que contou, mais uma vez, com a ajuda do seu amigo Guido Beck que, nessa época, estava na Argentina.

No início de dezembro de 1949, Monteiro chegou a Buenos Aires, contratado pela Universidade Nacional de Cuyo (sediada na cidade de San Juan, província de San Juan). No final desse mês, a Secretaria de Estado das Relações Exteriores do Brasil recomendou aos seus consulados não lhe conceder “visto de qualquer espécie para o Brasil”, dadas as “informações prestadas pela Divisão de Polícia Política e Social”.

De 1950 até 1956, Monteiro foi docente de Análise Matemática na Faculdade de Engenharia, Ciências Exatas, Físicas e Naturais da Universidade Nacional de Cuyo e professor de Matemáticas Superiores na Faculdade de Ciências da Educação da mesma universidade, na cidade de San Luis.

Em janeiro e fevereiro de 1950, ao chegar à Argentina, redigiu o trabalho “La Aritmética de los filtros en la Teoría de los Espacios Topológicos”, no qual expôs resultados que obteve sobre o assunto, os quais enviou anonimamente e com o título “Arithmétique des espaces topologiques” ao concurso internacional organizado pela Sociedade Matemática de França em comemoração do jubileu do seu mestre Maurice Fréchet. Este trabalho foi eleito entre os quatro melhores apresentados. A parte I de “L’Arithmétique des Filtres et les espaces topologiques I–II”, reproduz o trabalho enviado ao concurso.

Em 1951, Monteiro foi um dos fundadores do Departamento de Investigações Científicas da Universidade Nacional de Cuyo, em Mendoza.

Em 1953, Monteiro foi nomeado professor a tempo integral no Instituto de Matemática do Departamento de Investigações Científicas da Universidade Nacional de Cuyo, desempenhando as suas atividades como docente na Faculdade de Engenharia de San Juan.

Em 1954, Monteiro participou no II Congresso Latino-Americano de Matemática, em Villavicencio, no Instituto de Matemática de Mendoza, organizado pela UNESCO, de 21 a 25 de julho, em que apresentou uma exposição do conjunto dos resultados obtidos no seu trabalho “La Aritmética de los filtros en la Teoría de los Espacios Topológicos”.

Nos anos 1954 a 1956, Monteiro foi professor de Matemática na Escola de Arquitetura da Faculdade de Engenharia de San Juan, da Universidade Nacional de Cuyo.

Em fevereiro de 1955, Monteiro lecionou um dos primeiros Cursos Latino-Americanos de Matemática patrocinados pela UNESCO, que se realizaram no Instituto de Matemática de Mendoza, destinados ao aperfeiçoamento de professores universitários, ao qual assistiram professores do Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, Chile e Argentina.

Ainda nesse ano, Monteiro foi um dos fundadores da Revista Matemática Cuyana, tendo sido nomeado membro do seu comité de redação.

No ano 1956–1957, Monteiro foi professor contratado da Faculdade de Engenharia de San Juan da Universidade Nacional de Cuyo.

Em 1956, foi eleito pelos seus colegas do Instituto de Matemática de Mendoza, para realizar uma viagem ao Paraguai, Bolívia, Peru e Chile com o objetivo de estudar o aproveitamento dos bolseiros que tinham assistido aos cursos de 1955 e ajudá-los no seu trabalho. Realizou esta viagem nesse ano, patrocinado pela UNESCO, tendo logo apresentado a esta instituição um pormenorizado relatório sobre a situação nos diversos países.

Em 23 de agosto de 1956, foi designado professor titular, por concurso, da cátedra de Análise da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires, por decisão de um júri integrado por Beppo Levi, Mischa Cotlar e Rodolfo Ricabarra. Recusou essa posição. Também nesse ano, foi convidado a organizar o Instituto de Matemática da Universidade de Santiago do Chile, mas recusou, também, esse convite.

Em 6 de janeiro de 1956, foi criada a Universidad Nacional del Sur (UNS), em Bahía Blanca, na Argentina. Monteiro foi convidado e aceitou fazer parte da nova instituição, razão pela qual recusou os outros dois convites.

Ainda nesse ano de 1956, Monteiro foi nomeado membro correspondente da Academia Brasileira de Ciências.

Em julho de 1957, Monteiro foi viver para Bahía Blanca, com a posição de professor contratado da UNS. Foi incorporado nesta universidade para proceder à organização de Instituto de Matemática e da Licenciatura em Matemática. A partir desse momento, desenvolveu uma intensa atividade com o intuito de organizar os estudos de Matemática na UNS. Começou por organizar os planos de estudo da licenciatura em Matemática com a colaboração de Oscar Varsavsky. Ao longo de vários anos, ocupou-se de todos os problemas relativos à organização de uma biblioteca de matemática adequada à realização de trabalhos de investigação. Esta foi considerada uma das melhores da América Latina. A biblioteca do Instituto de Matemática tem atualmente o seu nome, Biblioteca Dr. António A. R. Monteiro.

Nessa época, Monteiro conseguiu a contratação, temporária ou permanente, de eminentes matemáticos argentinos e estrangeiros para a UNS, em cujo seio se desenvolveu paulatinamente um ambiente matemático juvenil.

Em 1958, Monteiro deu início à série Monografias de Matemática. Nesse ano, Ruy Luís Gomes, que estava desempregado depois de ter sido expulso em 1947 por ter reclamado contra a prisão de uma aluna, foi contratado pela UNS, onde lecionou no Instituto de Matemática, a convite de Monteiro. O matemático portuense permaneceu na instituição até 1961. 

Em 1959, através de um diploma específico, Monteiro foi designado “Organizador do Instituto de Matemática da Universidad Nacional del Sur”.

Ainda nesse ano, foi convidado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, na sua qualidade de membro fundador, para assistir à comemoração do décimo aniversário da sua fundação, permanecendo no Rio de Janeiro de julho a novembro. Em julho, participou como convidado no II Colóquio Brasileiro de Matemática, que se realizou em Poços de Caldas, Brasil, tendo dado conferências nas quais expôs as suas pesquisas sobre Álgebras Monádicas.

Em 1960, Monteiro começou a lecionar uma série de cursos e seminários de Lógica Algébrica destinados a formar um ambiente adequado para a investigação neste ramo da Matemática, continuando os cursos que Helena Rasiowa e Roman Sikorski lecionaram na UNS em 1958.

No início de 1961, lecionou um curso sobre Espaços de Hilbert no Instituto de Física de Bariloche e nessa ocasião iniciou no estudo de Lógica Algébrica licenciados em Matemática da Universidade de Buenos Aires, entre os quais se destacou, pelos resultados obtidos sobre problemas propostos, o licenciado Horacio Porta. No mesmo período (1960–1961), dirigiu os estudos de Mário Tourasse Teixeira, de nacionalidade brasileira, primeiro diretamente em Bahía Blanca e Bariloche, e posteriormente por correspondência, sobre um tema que foi posteriormente objeto da sua tese de doutoramento na Universidade de São Paulo.

Monteiro permaneceu na Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires, de julho a dezembro de 1961 como professor visitante. Nessa oportunidade, realizou um trabalho sobre as álgebras de De Morgan com a colaboração de um estudante brasileiro da dita faculdade, Oswaldo Chateaubriand.

Em 1964, Monteiro fundou a coleção intitulada Notas de Lógica Matemática, editada pelo Instituto de Matemática da UNS, na qual começou a publicar os trabalhos de investigação realizados em Bahía Blanca. Com as publicações do Instituto, iniciou um amplo serviço de troca que se manteve e desenvolveu graças à relevante colaboração de Edgardo Fernández Stacco. O Instituto chegou a receber, por troca, cerca de 200 publicações periódicas.

No fim de 1964 trabalhou como assessor da Fundação Bariloche, com o objetivo de organizar um Instituto de Matemática dedicado essencialmente à investigação ao nível latino-americano tendo, a propósito, redigido um relatório.

Em dezembro de 1965, Monteiro abandonou a direção do Instituto de Matemática de Bahía Blanca, passando a dedicar-se exclusivamente à realização de trabalhos de investigação e à formação de discípulos, que sempre foi a sua atividade central neste instituto. Prosseguiu com a docência na UNS.

Em 1966, Monteiro iniciou a coleção intitulada Notas de Algebra y Análisis, editada pelo Instituto de Matemática da UNS.

Em 1968, participou no Primeiro Simpósio Pan-americano de Matemática Aplicada em Buenos Aires, onde o seu trabalho sobre “Generadores de reticulados distributivos” foi elogiado por Garret Birkhoff.

De setembro de 1969 a agosto de 1970, com licença sabática, Monteiro foi bolseiro do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) e viajou pela Europa, realizando a sua primeira viagem de estudo depois de 25 anos de trabalho na América Latina (vinte dos quais na Argentina). Recebeu um convite para fazer uma conferência plenária no IV Congresso de Matemática de Expressão Latina que se realizou em setembro de 1969 em Bucareste, na qual faz uma exposição do conjunto dos trabalhos realizados em Bahía Blanca sobre Lógica Algébrica. Durante a sua estadia na Europa, fez conferências a convite da Universidade de Bucareste, do Instituto de Matemática da Academia de Ciências da Roménia, da Universidade de Cluj (Roménia) e das Universidades de Paris, Clermont Ferrand, Lyon, Montepellier, Bruxelas e Roma.

Em 31 de maio de 1972, ao fazer 65 anos, de acordo com a legislação, renunciou ao seu cargo. No entanto, em virtude dessa mesma lei, manteve-o até se completarem todos os trâmites jubilatórios, que nessa época demoravam bastante tempo. Só em setembro de 1975 é que recebeu os primeiros vencimentos como jubilado, referentes ao período de 1 de abril a 31 de outubro desse ano.

Em 30 de maio de 1972, Monteiro foi designado professor emérito da UNS, o único durante mais de 25 anos. No dia 1 de outubro de 1974, foi nomeado Membro Honorário da União Matemática Argentina.

Em março de 1975, invocando a legislação antiterrorista, o reitor da UNS proibiu a sua entrada na universidade.

Em 1977, o Instituto Nacional de Investigação Científica, de Portugal, criou um lugar de investigador para Monteiro no Centro de Matemática e Aplicações Fundamentais. Permaneceu em Portugal cerca de dois anos. Em 1978, foi distinguido com o Prémio Gulbenkian de Ciência e Tecnologia pelo seu trabalho “Sur les Algèbres de Heyting Symétriques”, escrito durante a sua estadia em Lisboa.

Em 1989, a UNS deliberou a realização de um Congresso de Matemática, com ênfase na alternância de diversos ramos da matemática, e que tem a designação de Congresso Dr. António Monteiro. 

No ano 2000, o Instituto de Matemática de Bahía Blanca publicou, em sua homenagem, o Informe Técnico Interno 70, “Recordando al Dr. Antonio Monteiro”, cujos editores foram Edgardo L. Fernández Stacco, Diana M. Brignole, Luiz F. Monteiro e Aurora V. Germani.

Em 2 de outubro de 2000, no âmbito das comemorações do Ano Internacional da Matemática, o Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, em ato solene, concedeu-lhe, a título póstumo, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

Em 28 de agosto de 2006, no Congresso Internacional de Matemática, em Madrid, realizou-se a “António A. Monteiro’s Centenary Session”, onde foi apresentada a compilação em oito volumes da obra The Works of António A. Monteiro, editada por Eduardo L. Ortiz e Alfredo Pereira Gomes.

Em 2007, realizaram-se as comemorações do centenário de António Aniceto Monteiro na Argentina e em Portugal.

Jorge Rezende
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Obras:

Monteiro, António Aniceto (redação de Luiz Monteiro). “Algebras de Łukasiewicz trivalentes con un número finito de generadores libres. Algebras de Moisil trivalentes con un número finito de generadores libres.” Informes Técnicos Internos 61 (1998): 1–22.

Monteiro, António Aniceto. “Construction des algèbres de Łukasiewcz trivalentes dans les algèbres de Boole monadiques I.” Mathematica Japonicae 12 (1) (1967): 1–23.

Monteiro, António Aniceto. “Construction des algèbres de Nelson finies.” Bulletin de l’Academie Polonaise des Sciences11 (6) (1964): 359–362.

Monteiro, António Aniceto. “Généralisation d’un théorème de R. Sikorski sur les algèbres de Boole.” Bulletin des Sciences Mathématiques 2 (89) (1965): 65–74. 

Monteiro, António Aniceto. “L’Arithmétique des Filtres et les espaces topologiques I–II.” Notas de Lógica Matemática29 (1974): 1–162.

Monteiro, António Aniceto (redação de Luiz Monteiro). “Sobre el número minimal de generadores de reticulados distributivos finitos y álgebras de Boole.” Informes Técnicos Internos 65 (1998): 1–20.

Monteiro, António Aniceto. “Sur l’additivité des noyaux de Fredholm.” Portugaliae Mathematica 1 (1) (1937): 1–174.

Monteiro, António Aniceto. “Sur les algèbres de Heyting symétriques.” Portugaliae Mathematica 39 (1980): 1–237.

Bibliografia sobre o biografado:

Gomes, Alfredo Pereira, ed. Portugaliae mathematica 39 (1-4) (1980).

Rezende, Jorge, Luiz Monteiro e Elza Amaral. António Aniceto Monteiro: Uma fotobiografia a várias vozes. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Matemática, 2007.

Rezende, Jorge. Blogue António Aniceto Monteiro. Disponível em: antonioanicetomonteiro.blogspot.pt. Consultado em 3 agosto 2022.

Saraiva, Luís, ed. “Atas do colóquio António Aniceto Monteiro.” Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, número especial (2007).

Gomes, Ruy Luís

Porto, 5 dezembro 1905 – 27 outubro 1984

Palavras-chave: “movimento matemático”, resistente antifascista, exílio, reitor da Universidade do Porto.

DOI: https://doi.org/10.58277/WBJM6291

Ruy Luís Gomes foi um matemático, professor catedrático da Universidade do Porto, um dos grandes dinamizadores do “movimento matemático” dos anos 1930 e 1940. Resistente antifascista, foi demitido pelo regime em 1947. Candidatou-se à presidência da república em 1951. Partiu para o exílio (na Argentina e no Brasil) em 1958. Regressado a Portugal, após o 25 de abril de 1974, foi reitor da Universidade do Porto.

Ruy Luís Gomes era filho de António Luiz Gomes e Maria José Medeiros (por esclarecer se este nome se completa com “de Oliveira” ou “Alves”). O pai, formado em Direito e professor universitário, foi um político que pertenceu ao diretório do Partido Republicano, foi embaixador de Portugal no Brasil, Ministro do Fomento de um dos governos provisórios, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto e reitor da Universidade de Coimbra.

O irmão, que tinha o mesmo nome do pai, António Luiz Gomes, nasceu em 1998 e faleceu em 1981. Durante o governo de Salazar, foi secretário-geral do Ministério das Finanças e diretor-geral da Fazenda Pública. Ruy Luís Gomes teve ainda três irmãs: Hermengarda, Alda e Irene. Casou com Maria Margarida Gonçalves Costa em 19 de julho de 1940. Não tiveram filhos.

Ruy Luís Gomes completou o liceu em Coimbra em 1922, no liceu José Falcão, depois de ter frequentado o liceu Rodrigues de Freitas, no Porto. Licenciou-se em Ciências Matemáticas na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra (FCUC) em 6 de dezembro de 1926 com a classificação de 20 valores. Doutorou-se em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra em 28 de dezembro de 1928, com a tese “Desvio das trajetórias de um sistema holónomo”. Sofreu influências de Vicente Gonçalves e de Mira Fernandes.

Foi assistente das cadeiras de Álgebra Superior e Geometria Projetiva na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), de 1929 a 1933.

Em 1933, após concurso de provas públicas e com a dissertação “Sobre a estabilidade dos movimentos de um sistema holónomo”, subiu a professor catedrático da FCUP, cadeira de Física-Matemática, lugar que ocupou de 1933 a 1947, ano em que foi afastado do ensino oficial por motivos políticos. Para a referida dissertação, Ruy Luís Gomes inspirou-se no “notável artigo do Prof. Levi-Civita”, “Sur l’écart géodésique”, que o motivou a “tratar o problema da estabilidade dos movimentos holónomos pelos métodos do cálculo diferencial absoluto”.

Com o apoio de Levi-Civita, Ruy Luís Gomes publicou doze trabalhos na revista Rendiconti della Reale Accademia Nazionale dei Lincei, no período 1930-1937. Nesta época, os dois cientistas trocaram correspondência e tornaram-se amigos. A amizade entre ambos fortaleceu-se com a ascensão do fascismo e a perseguição ao sábio italiano, e só terminou com a sua morte em 29 de dezembro de 1941. Dois dos trabalhos publicados nos “Rendiconti” faziam referência a conceitos introduzidos por Louis de Broglie o que levou o físico francês a mencioná-los nas suas aulas.

O relacionamento de Ruy Luís Gomes com Levi-Civita foi acompanhado, naturalmente, pelo seu progressivo interesse pela Teoria da Relatividade. De 19 a 28 de abril de 1937, realizou, nas instalações do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, e a convite do Núcleo de Matemática, Física e Química, um curso sobre Teoria da Relatividade Restrita, que foi publicado pelo “Núcleo” no ano seguinte. 

O Núcleo de Matemática, Física e Química tinha sido fundado, em 1936, por iniciativa de Arnaldo Peres de Carvalho, Herculano Amorim Ferreira, Manuel Valadares, António da Silveira e Bento de Jesus Caraça. Todos eles, exceto Bento Caraça, tinham feito a sua formação no estrangeiro. A fundação do “Núcleo” assinalou uma rutura com o passado científico português de isolamento interno e internacional e foi a primeira tentativa de criar uma Escola de Ciência em moldes modernos no nosso país, embora nunca tivesse chegado a dedicar-se verdadeiramente à promoção da investigação científica. 

Os cursos realizados no IST marcaram o primeiro encontro entre três homens que viriam a ser os pilares do desenvolvimento do “movimento matemático” dos anos 1930 e 1940 – António Aniceto Monteiro, Bento de Jesus Caraça e Ruy Luís Gomes. O matemático António Aniceto Monteiro tinha-se doutorado em Paris em 1936. Regressado a Portugal, imediatamente integrou as atividades do “Núcleo” de que passou a ser um dos elementos mais ativos, conjuntamente com António da Silveira e Manuel Valadares. 

O “Núcleo” limitou-se essencialmente a ministrar cursos de elevado nível, o primeiro dos quais foi iniciado em 16 de novembro de 1936 por Bento de Jesus Caraça, sobre “Cálculo Vetorial”. A ideia era a de publicar os cursos, o que só acabou por ser feito com os de Bento de Jesus Caraça, Ruy Luís Gomes e Amorim Ferreira, em edições de muito boa qualidade. Embora tivesse sofrido perseguições diversas, o “Núcleo” acabou por se dissolver por divergências internas em 1939.

O contacto de Ruy Luís Gomes com Monteiro, um entusiasta incansável do desenvolvimento da matemática em Portugal nomeadamente no que à investigação diz respeito, deu-lhe o estímulo necessário para a criação de uma Escola de Matemática no Porto. Na verdade, António Aniceto Monteiro foi o primeiro investigador português em matemática nos moldes em que atualmente se considera a investigação científica e foi determinante a sua influência sobre Ruy Luís Gomes, que, na altura, já era um investigador credenciado internacionalmente.

Tudo isto é referido pelo próprio Ruy Luís Gomes ao enumerar iniciativas em que António Monteiro teve um papel determinante – além do “Núcleo”, há ainda a fundação da revista Portugaliae Mathematica (1937), o Seminário de Análise Geral e a Gazeta de Matemática (1939), o Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa e a Sociedade Portuguesa de Matemática (1940). Foi neste contexto que Ruy Luís Gomes foi um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Matemática e foi membro do corpo diretivo da Portugaliae Mathematica. “Estas realizações e os contactos diretos” que já tinha tido com António Monteiro “traduziram-se em novos estímulos” para a sua própria atividade, “sempre dominada pelo desejo de criar no Porto uma Escola de Matemática”.

Antes de 1940, havia no Porto, na Secção de Matemática, dois centros de interesse polarizados um na Álgebra Moderna (em torno de António Almeida Costa) e outro na Análise Real (em torno de Ruy Luís Gomes). A este propósito, disse Ruy Luís Gomes:

“Era, porém, necessário avançar para a integração daqueles dois centros de interesse num projeto de Escola de Matemática e, para um tal objetivo foi decisiva a colaboração e a extraordinária capacidade de formar discípulos do matemático António Aniceto Monteiro”.

Inspirado pelo exemplo que vinha do grupo de Monteiro, em 11 de outubro de 1941, Ruy Luís Gomes formulou a Celestino da Costa, presidente do Instituto para a Alta Cultura (IAC), o pedido para a criação do Centro de Estudos Matemáticos do Porto (CEMP). Em 18 de fevereiro de 1942 o IAC solicitou ao diretor (Ruy Luís Gomes) do CEMP um plano de trabalhos, podendo, assim considerar-se esta a data da sua fundação. Ruy Luís Gomes, além de ter sido fundador do CEMP, foi seu diretor até 1947, altura em que foi demitido pelo fascismo.

Em 1942, Ruy Luís Gomes participou no Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências que se realizou no Porto, onde apresentou uma comunicação.

Em 4 de outubro de 1943, Aureliano de Mira Fernandes, António Monteiro e Ruy Luís Gomes fundaram a Junta de Investigação Matemática (JIM), tendo os fundos para a JIM sido angariados numa campanha promovida por António Luíz Gomes, irmão de Ruy Luís Gomes. Em dezembro de 1943, António Aniceto Monteiro foi para o Porto, com a família, onde ficou cerca um ano. Foi no Porto que António Monteiro teve a sua única retribuição em Portugal, através da JIM, como investigador em matemática antes de 25 de abril de 1974. Nunca chegou a ser professor de uma universidade portuguesa.

Uma das iniciativas da JIM foi a organização nos anos de 1944 e 1945 de palestras científicas lidas ao microfone da Rádio Club Lusitânia, cedido pelo proprietário, tendo sido oradores: Ruy Luís Gomes, António Monteiro, Corino de Andrade, Branquinho de Oliveira, Fernando Pinto Loureiro, José Antunes Serra, António Júdice, Armando de Castro, Carlos Teixeira, Flávio Martins. Nada disto agradou ao regime. Uma das consequências foi o encerramento, a seguir à sua palestra, de todos os clubes de matemática que Monteiro tinha fundado em Lisboa. Em 1945, António Aniceto Monteiro viu-se obrigado a exilar-se no Brasil.

Em 1944, Ruy Luís Gomes participou no Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências que se realizou em Córdova, onde apresentou a comunicação “Sobre uma construção algébrica da noção de integral”, publicado pelo CEMP.

Em julho de 1946, realizou-se o doutoramento de Alfredo Pereira Gomes – o primeiro do CEMP – na Universidade do Porto, depois de ter sido orientado por António Aniceto Monteiro, estando este já ausente. Em outubro desse ano, Alfredo Pereira Gomes foi afastado da Universidade, por decisão do Governo, alegadamente por “estar incurso no disposto do decreto-lei nº 25317”. 

Em 1946, Ruy Luís Gomes foi cofundador da Tipografia Matemática, Lisboa, e da Casa Museu Abel Salazar, de Artes Plásticas, Porto. Foi ainda cofundador do Observatório Astronómico da Universidade do Porto, em 1948. Como diretor do Gabinete de Astronomia tinha-lhe cabido a escolha da sua localização, a Alameda do Monte da Virgem, em Vila Nova de Gaia.

De 1947 a 1948, foi delegado da Sociedade Portuguesa de Matemática à Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências.

Sobretudo após meados dos anos 1940, Ruy Luís Gomes desenvolveu também uma empenhada actividade política e sofreu a consequente repressão.

Apoiou o Movimento de Unidade Democrática (MUD) desde o seu início, tendo assistido à sessão histórica da sua fundação no Centro Republicano Almirante Reis, em outubro de 1945.

Foi presidente da Comissão Distrital do Porto do MUD. Foi preso pela PIDE em 9 de novembro de 1945, juntamente com outros elementos desta Comissão Distrital, por se terem recusado a entregar às autoridades do “Estado Novo” as listas de subscritores das reivindicações do MUD. Mandado para a Cadeia do Aljube, foi libertado em 15 de novembro de 1945. Anos mais tarde, foi, por esse motivo, julgado e absolvido.

Em 12 de setembro de 1946 foi preso pela Sub-Directoria do Porto da PIDE, durante 30 dias, por motivo das suas actividades no Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e, apesar de ter sido entregue, em 19 de outubro de 1946, aos Tribunais Criminais do Porto, não chegou a ser pronunciado.

Foi preso em 1 de janeiro de 1947, na sequência dos acontecimentos ligados ao funeral de Abel Salazar. Foi levado a tribunal de polícia, no dia seguinte, mas o julgamento não chegou a realizar-se e foi posto em liberdade.

Em 1947, foi demitido do seu lugar de professor catedrático da Universidade do Porto. Foi afastado do serviço por telegrama do Ministro da Educação Pires de Lima, por ter reclamado contra a prisão de uma aluna, Nazaré Patacão, em 13 de maio de 1947. Foi-lhe instaurado processo disciplinar, tendo o juiz instrutor proposto a aplicação de uma pena de seis meses de suspensão de exercício e vencimento. O chamado Conselho Permanente de Acção Educativa, presidido por Mário de Figueiredo, da Junta de Educação Nacional, agravou essa pena transformando-a em demissão. Recorreu, então, para o Supremo Tribunal Administrativo, mas foi-lhe negado provimento.

Foi vice-presidente da Comissão Distrital do Porto da candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República em 1949 e sempre defendeu a necessidade de, após a candidatura, se prosseguir com um movimento unitário de democratas para reivindicação das liberdades fundamentais.

Foi presidente da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático (MND) até à sua extinção em fins de 1956.

Foi preso, juntamente com os restantes membros da Comissão Central do MND, em 17 de dezembro de 1949, por protestar contra a prisão de um outro membro desta comissão, José Morgado, ocorrida em novembro do mesmo ano. Foi enviado para o Aljube em 18 de dezembro, sendo libertado em 24 de dezembro, sob caução de 100 contos (uma fortuna, para a época) ficando a aguardar julgamento. Levados ao Tribunal Plenário de Lisboa em abril de 1950, o julgamento foi interrompido em consequência da promulgação de uma lei de amnistia.

Foi preso, juntamente com Virgínia Moura, em 19 de junho de 1950, acusado de dar cobertura legal a uma tipografia que a PIDE considerava clandestina. Foi libertado em 31 de agosto. No julgamento, o juiz entendeu que não havia matéria para incriminação e foi posto em liberdade em 14 de janeiro de 1951.

Na sequência de acontecimentos ocasionados pelo falecimento de Carmona, em 1951, o MND apresentou-o como candidato à Presidência da República. Embora tivesse sido esta a única candidatura apresentada nos termos da legislação em vigor, alterações de última hora introduzidas na legislação, conferiram ao Conselho de Estado poderes retroativos para rejeitar candidaturas à Presidência da República e, assim, a sua candidatura acabou por não ser aceite.

Na noite de 3 para 4 de julho de 1951, no final de uma sessão da campanha eleitoral para a presidência da república,  realizada no Cine Victória em Rio Tinto, foi violentamente agredido por uma força policial comandada pelo capitão Nazaré, sob as ordens do major Santos Júnior (comandante da Polícia de Segurança Pública no Porto). Juntamente com Virgínia Moura, Lobão Vital e José Morgado, teve de ser socorrido nos serviços de urgência do Hospital Geral de Santo António.

Foi preso pela PIDE em 5 de fevereiro de 1952 por ter, juntamente com Virgínia Moura, Albertino de Macedo, Lobão Vital e José Morgado, elaborado um documento “PACTO da PAZ E NÃO PACTO do ATLÂNTICO”, motivado pelo anúncio da primeira reunião do Pacto do Atlântico em Portugal. Foi julgado no Tribunal Plenário de Lisboa em 14 de junho de 1952, foi condenado em três meses de prisão e multa.

Foi preso pela PIDE em 19 de agosto de 1954 por ter, juntamente com os restantes elementos da Comissão Central do MND, elaborado um documento condenando a política colonial do “Estado Novo” e defendendo a autodeterminação dos povos, por ocasião de incidentes ocorridos em Goa, Damão e Diu. Foi então acusado de traição à Pátria e julgado em junho de 1955 no Tribunal Plenário do Porto. Foi condenado em 18 meses de prisão. Recorreram da sentença, aguardando em liberdade o resultado do recurso. Anulado o julgamento, recolheu de novo à cadeia em meados de 1956. Novamente julgado em meados de 1957 foi condenado em dois anos de prisão. Mais de metade deste tempo foi passado na Colónia Penal de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, prisão especialmente destinada a presos comuns de difícil correcção; muitos destes presos eram dementes.

Em junho-julho de 1956, sendo testemunha de defesa de Salomão Figueiredo e David de Carvalho, por ter referido expressamente um discurso de Salazar em que ele se afirmava “antidemocrata, antiliberal, autoritário e intervencionista”, foi mandado, pelo presidente do Tribunal Plenário de Lisboa, Cardoso de Menezes, três dias para a Cadeia do Limoeiro. A acusação estava então a cargo de Furtado dos Santos.

Ruy Luís Gomes continuou a sua atividade científica mesmo depois de expulso da universidade em 1947. Depois desta data escreveu para a Gazeta de Matemática cerca de 15 artigos que se somam a outros dois de 1945 e 1946. Publicou um artigo na Gazeta de Física em 1956. Dedicou-se à teoria da medida e da integração e publicou dois livros editados pela JIM: “Integral de Riemann” (1949) e “Integral de Lebesgue-Stieltjes” (1952).

Em 1953, foi-lhe atribuído o Prémio Artur Malheiros, pela Academia das Ciências de Lisboa, pelo seu trabalho “Sobre as relações de integral de Riemann e integral de Lebesgue”.

Em 1954, participou no Congresso Internacional de Matemática de Amsterdão onde apresentou a comunicação “Espace de Lebesgue – un exemple d’espace régulier”, publicado nos seus “Proceedings”.

Em outubro de 1955, Ruy Luís Gomes publicou o artigo “Albert Einstein – E=mc²: o mais urgente problema do nosso tempo”, onde reafirma a sua admiração pelo físico e a sua luta pela liberdade e pela paz.

Participou no Congresso Internacional de Filosofia que se realizou em Braga, em 1955, onde apresentou, em colaboração com Luís Neves Real, a comunicação “O intuicionismo de Poincaré a Sampaio Bruno”. 

Em 1958, aceitou um convite para ir trabalhar para Bahía Blanca, Argentina, contratado em regime de dedicação exclusiva pela Universidad Nacional del Sur (UNS). Entre 1958 e 1961, regeu os cursos de Funções Reais, Espaços de Hilbert e Análise Funcional, no Instituto de Matemática.

Em 1959, participou no II Colóquio Brasileiro de Matemática que se realizou em Poços de Caldas, Brasil, onde apresentou a comunicação “Estrutura algébrica das distribuições”.

Em 1962 aceitou o convite da Universidade Federal de Pernambuco, no Recife, e lá trabalhou até à revolução de 25 de abril de 1974, contratado em regime de dedicação exclusiva para ensinar no Curso de Matemática, preparar pessoal docente e fazer investigação científica no Instituto de Matemática. A partir de 1962, orientou seminários de Análise para bolseiros e pessoal docente de matemática. Em 1963 começou a reger o curso de Análise Superior e em 1966 o Curso de Tópicos de Análise para o Bacharelato em Matemática. Fez cursos de Funções Especiais para bolseiros de Física. Foi professor de Mestrado em Matemática a partir de 1967. 

Ruy Luís Gomes foi codiretor da coleção Textos de Matemática, cofundador e codirector das coleções Notas e Comunicações de Matemática e Notas de Curso do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Pernambuco. Foi ainda chefe da divisão de matemática do Instituto de Física e Matemática da mesma universidade.

Participou nos IV e V Colóquios Brasileiros de Matemática que se realizaram em Poços de Caldas (Brasil) em 1963 e 1965, onde apresentou as comunicação “Sobre as medidas vetoriais positivas – uma desigualdade” e “Uma de representação para funções contínuas de n variáveis. Aplicação à demonstração do teorema de representação de Weierstrass”, respetivamente.

Em 1965, orientou as lições de Análise, do Curso de Treinamento em Matemática, promovido pela SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, Brasil).

Em março de 1967, foi professor visitante em Rosário, Argentina, onde realizou uma série de conferências sobre Teoria da Medida.

Participou no Congresso Internacional de Matemática de Edimburgo, em 1968, onde apresentou uma comunicação.

Em dezembro de 1972, tentou vir a Portugal visitar sua família e o arquiteto Lobão Vital que se encontrava gravemente doente. Já no aeroporto de Lisboa, foi-lhe negada autorização para permanecer em território nacional.

No exílio, participou em vários movimentos a favor da amnistia aos presos políticos e contra as guerras coloniais.

Após a revolução de 25 de abril de 1974, Ruy Luís Gomes foi reintegrado como professor catedrático da FCUP. Foi reitor da Universidade do Porto desde maio de 1974 até 5 de dezembro de 1975, data em que se aposentou por limite de idade, sendo então nomeado “Reitor Vitalício” da mesma Universidade.

Em 1975, foi um dos fundadores do Instituto Abel Salazar de Ciências Biomédicas, tendo sido presidente da sua Comissão Instaladora.

Em 1976-1977 e em 1977-1978 orientou seminários sobre Funções de Variável Complexa e Superfícies de Ríemann.

Em 1981, por ocasião do trigésimo aniversário da Fundação do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas), Brasil, foi-lhe concedida a medalha de “Serviços Científicos Prestados no Nordeste”, Brasil.

Jorge Rezende
Universidade de Lisboa

Obras

Gomes, Ruy Luís. “Desvio das trajetórias de um sistema holónomo”, tese de doutoramento, Coimbra, 1928.

Gomes, Ruy Luís. “Sobre a estabilidade dos movimentos de um sistema holónomo”, dissertação para concurso a professor catedrático, Porto, 1933.

Gomes, Ruy Luís. “Quelques considérations sur l’équation fondamentale de la nouvelle conception de la – lumière de Louis de Broglie”, Rendicontl della Academia Nazionale dei Lincei 21 (1935), 358-364.

Gomes, Ruy Luís. “Sur la propriété de l’opérateur H de Louis de Broglie”, Rendicontl della Academia Nazionale dei Lincei (1935), 499-501.

Gomes, Ruy Luís. “A relatividade: origem, evolução e tendências atuais”, Seara Nova, Lisboa, 1938.

Gomes, Ruy Luís. “Teoria da relatividade restrita”, Núcleo de Matemática, Física e Química, Lisboa, 1938.

Gomes, Ruy Luís. “Integral de Riemann”, Junta de Investigação Matemática, 1949.

Gomes, Ruy Luís. “Integral de Lebesgue-Stieltjes”, Junta de Investigação Matemática, Porto, 1952.

Gomes, Ruy Luís. “Sobre as relações de integral de Riemann e integral de Lebesgue”, Prémio Artur Malheiros, Academia das Ciências de Lisboa, 1953.

Gomes, Ruy Luís. “Espace de Lebesgue – un exemple d’espace régulier”, Proceedings of the International Congress of Mathematicians, Amsterdam, 1954. 

Bibliografia sobre o biografado

Morgado, José. “Ruy Luís Gomes, Professor e Companheiro”, Boletim da SPM 8, 1985, 5-31.

Providência, Natália Bebiano da (coordenação), “Ruy Luís Gomes: Uma Fotobiografia”, Gradiva, Lisboa, 2005.

Ruy Luís Gomes: “Tentativas feitas na anos 40 para criar no Porto uma Escola de Matemática”, Boletim da SPM 6, 1983, 29-48.

Rezende, Jorge. Blogue “RUY LUÍS GOMES”: http://ruyluisgomes.blogspot.pt/