Simas, Manuel Soares de Melo e

Horta, 10 julho 1870 — Lisboa, 10 agosto 1934

Palavras Chave: astrónomo amador e profissional, divulgação da ciência, republicanismo, Observatório Astronómico de Lisboa.

DOI: https://doi.org/10.58277/RCRY4303

Astrónomo com um percurso invulgar, Manuel Soares de Melo e Simas foi um cidadão multifacetado que integrou a ciência, a educação e a  divulgação científica, em estreita relação com a militância republicana.

Melo e Simas estudou na Escola Secundária da Horta e matriculou-se, em 1887, na Universidade de Coimbra, onde frequentou o curso preparatório de Artilharia. Ingressou na Escola do Exército em Lisboa, em 1889, onde completou o curso de Artilharia com distinção. Viria a reformar-se no posto de coronel, em 1930. Os conhecimentos matemáticos adquiridos na sua formação militar foram essenciais para o seu futuro trabalho em astronomia, área para a qual despertou provavelmente em Coimbra, tendo feito a transição, então invulgar, tanto na Europa como nos Estados Unidos da América, de astrónomo amador para profissional. Enquanto astrónomo amador, iniciou-se com observações de fenómenos astronómicos variados, incluindo eclipses, ocultações e estrelas variáveis, mas rapidamente se interessou pelo cálculo de trajetórias de planetas e cometas, em que se tornou exímio. 

Os resultados das primeiras observações de Melo e Simas como astrónomo amador foram enviados à Société Astronomique de France, em 1895. Nesse mesmo ano, tornou-se membro desta sociedade e, dois anos depois, em 1897, da British Astronomical Association. Entretanto Melo e Simas iniciara a sua participação no projeto internacional de identificação e classificação de estrelas variáveis, liderado por Edward Pickering, diretor do Harvard College Observatory. Em 1902, a série de observações de estrelas variáveis publicada na revista Annals of the Astronomical Observatory of Harvard College incluía algumas realizadas por Melo e Simas nos Açores com um telescópio de três polegadas. Ao interesse pelas observações, Melo e Simas juntou, desde cedo, o cálculo de efemérides e trajetórias de objetos celestes. Em 1901, calculou os elementos do planeta 1901 GV baseando-se em observações realizadas em Roma e publicadas na Astronömische Nachrichten, revista prestigiada onde continuou a publicar regularmente.

A necessidade de observações precisas que sustentassem os seus cálculos levou-o, ainda nos Açores, a contactar Oom, a quem solicitou dados astronómicos variados, iniciando-se, assim, o intercâmbio com o observatório, que incluiu ocasionalmente a utilização dos seus instrumentos. O primeiro destes contactos ocorreu a propósito do cálculo da órbita definitiva do cometa 1900 II, descoberto em 23 de Julho de 1900, próximo da eclíptica. Com as informações facultadas por Oom, em Abril de 1902, Melo e Simas publicou o artigo “Definitive orbit elements of Comet 1900 II”, na revista Astronömische Nachrichten.

Com exceção do curso de astronomia que frequentou no ano lectivo 1905 − 6 na Escola Politécnica de Lisboa, a cargo do matemático Pedro José da Cunha, a sua formação em astronomia foi a de um autodidata. Entre 1904 e 1907, correspondeu-se com o  subdiretor do Observatório Astronómico de Lisboa, Frederico Oom, o que provavelmente lhe valeu a eleição para membro correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, em 1907 (tendo passado a efetivo em 1930). O reconhecimento das qualidades de Melo e Simas no domínio da astronomia matemática e da observação de estrelas variáveis valeu-lhe também a contratação como astrónomo  supranumerário de 1ª classe, em 1911 (Decreto de 8 Março de 1911). Trabalhou em astronomia observacional tal como era tradição  no Observatório Astronómico de Lisboa, tendo ascendido a subdiretor, em 1931.

A sua primeira tarefa no observatório consistiu na observação do planeta Marte com o Grande Equatorial, uma prática nova para ele, que realizou com sucesso, tendo, daí em diante, passado a usar sistematicamente este telescópio. Em 1913 e 1914, foi-lhe atribuído o serviço da hora. Contrariamente à prática normal, fê-lo com recurso ao círculo meridiano, que também usaria num projeto de revisão da determinação de ascensões retas de estrelas. A morosidade destas reduções fez com que a sua publicação só viesse a ser completada décadas depois, já postumamente.

Melo e Simas retomou também cálculos das soluções de órbitas de planetas e cometas, entre os quais a caracterização da órbita do cometa 1910a. Usou novas técnicas para a redução das observações provenientes de vários observatórios europeus e novos métodos para a análise de erros. Numa outra publicação apresentou os cálculos dos movimentos próprios de 40 estrelas circumpolares visíveis no hemisfério do sul, ainda pouco conhecido dos astrónomos. 

Melo e Simas abraçou também o ideal republicano, tendo participado desde o início nas atividades da Universidade Livre, fundada em 1912, instituição associada à Academia das Ciências de Portugal, criada em 1907, da qual foi membro fundador. Integrou o Corpo Expedicionário Português durante a Primeira Guerra Mundial, entre 21 de Fevereiro de 1917 e 23 de Julho de 1919, foi senador eleito pelo círculo da Horta, em 1915, membro da Federação Republicana Portuguesa, a partir 1919, e Ministro da Instrução Pública, por um mês, no governo meteórico de Ginestal Machado em 1923.  

Após o fim da Grande Guerra, Melo e Simas regressou ao Observatório. Na sequência da expedição realizada por Arthur Stanley Eddington à Ilha do Príncipe, para testar o encurvamento dos raios luminosos que rasavam o Sol, uma das previsões da teoria da relatividade generalizada de Albert Einstein, viria a interessar-se pelos resultados de expedições astronómicas realizadas com esse propósito. Depois do eclipse solar de 1922, e de um pedido sobre assunto desconhecido do editor da revista Astronömische Nachrichten, na noite de 7 de Maio de 1923, Melo e Simas aproveitou o Grande Equatorial para observar a ocultação da estrela Washington 5478 pelo planeta Júpiter. Em 1924, comunicou à Academia das Ciências de Lisboa o resultado inconcludente desta observação, explicando a sua importância, método utilizado, e analisando o resultado e margem de erro. Anteriormente, em Julho de 1922, na revista do observatório, Almanaque, já acentuara a importância da astronomia na comprovação de uma teoria física tão revolucionária como a teoria da relatividade. 

Melo e Simas interessou-se desde os tempos açorianos pela divulgação científica, que foi parte integrante da sua atividade enquanto cidadão-astrónomo. No contexto da agenda republicana que professou,  colaborou na imprensa diária e periódica e proferiu palestras e lições públicas, tendo algumas vindo a ser publicadas.

Nos Açores contribuiu regularmente para jornais como o Faialense, entre 1899 e 1902, e periódicos como A Folha, dirigido por Alice Moderno, entre 1902 e 1904. Em ambos, pregava o “evangelho positivista”, com o intuito de desmistificar erros comuns através de explicações científicas, por vezes apoiadas pela história, numa linguagem clara, recorrendo amplamente a analogias, e discutindo descobertas, a vida e obra de cientistas célebres, o papel das mulheres nas ciências, as relações entre as ciências, a sociedade e a religião, e, ainda, os valores da ciência, entre os quais destacava a honestidade, integridade e seriedade. 

Não admira, pois, que Melo e Simas tenha sido também figura central na apropriação da visita do cometa Halley, em 1910, para a agenda republicana. Com o objetivo de educar o cidadão comum nos caminhos da ciência, através de artigos de jornal no Diário de Notícias, comunicações e publicações, realizadas no contexto da Academia das Ciências de Portugal, Melo e Simas explicou o que era um cometa, como era composto, e discutiu as probabilidades de impacto com a Terra. Usou ainda a história das sucessivas passagens do cometa Halley para ilustrar a evolução comteana do conhecimento, da fase teológica à metafísica e à positiva, transformando este cometa, no que poderíamos designar um verdadeiro “cometa republicano”.

Logo no início das lições na Universidade Livre, em 1913, falou sobre a “Utilidade da astronomia. Grandeza e magnificência do Universo. Ideia geral da distribuição dos mundos” e outra sobre “Os eclipses do sol e da lua,” nelas procurando explicar a utilidade e funções das ciências e, cerca de dez anos depois, entre 19 de Novembro de 1922 e 27 de Maio de 1923, proferiu uma série de treze lições sobre “Relatividade − sua noção e preceitos”. 

Melo e Simas morreu em 1934. No elogio fúnebre publicado pela Academia das Ciências de Lisboa, o colega e astrónomo Manuel Peres  elogiou o facto de ter sido “estruturalmente astrónomo, astrónomo mais de alma do que de profissão”, assinalando a continuidade que parece existir entre os seus estudos sobre  as trajetórias de balas, realizados no âmbito militar, e a sua atividade de astrónomo especializado em trajetórias de astros. Definiu-o, também, como um “político matemático”, almejando conquistar adeptos através de métodos equivalentes aos das demonstrações algébricas, e não como um “político artilheiro”, que procurasse impor as suas ideias à força. A 10 de Junho de 2005, no semanário Expresso foi recordado como o único astrónomo português a realizar um teste à teoria da relatividade, o que não deixando de ser verdade obscurece a real importância de Melo e Simas para a história das ciências, que se encontra no seu papel como astrónomo, educador e divulgador das ciências, atividades integradas na agenda republicana que abraçou. 

Ana Simões

Arquivos

Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico
Academia de Ciências de Lisboa
Arquivo Histórico Militar
Arquivo Histórico do Museu de Ciências da Universidade de Lisboa

Obras

 “Elements of Planet (478) [1901 GV]”,  Astronömische Nachrichten, 158 (1902): 379−80.

Definitive orbit elements of Comet 1900 II. Kiel: Verlag der Astronömische Nachrichten, 1903.

“Sur les eléments définitifs de l’orbite de la comète 1910a”, Astronömische Nachrichten 193 (1912): 441−2.  

“Utilidade da Astronomia. Grandeza e magnificência do Universo. Ideia geral da distribuição dos Mundos”, Universidade Livre, 1ª lição (31 de Janeiro de 1913). Lisboa, Universidade de Livre, 1913.

A instrução científica e a educação positiva. Lisboa: Universidade Livre, 1913.

“Movimentos próprios de quarenta estrelas circumpolares austrais,” Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa (1ª classe, Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes) 7 p. II (1914): 1−23.

“O cometa de Halley. Sua influência sobre a Terra”, Trabalhos da Academia de Sciências de Portugal 3 (1915): 399−422.

 As classes médias e a questão económica. Lisboa, Federação Nacional Republicana, 1920.

“Ocultação de uma estrela por Júpiter”, Jornal de Sciencias Matemáticas, Físicas e Naturais da Academia de Sciencias de Lisboa 19 (1924).

“Positions d’étoiles en ascension droite”, Bulletin de l’Observatoire Astronomique de Lisbonne (Tapada) 5 (1935) : 33−39; 6 (1936): 41−46; 7 (1936): 47−53; 8 (1937): 55−61; 9 (1937): 63−69. 

Bibliografia sobre o biografado

Arruda, L. M., “Manuel Soares de Melo e Simas, militar, astrónomo e político. Abordagem à sua biografia”, in O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX. Horta: Núcleo Cultura da Horta, 2006,  477−519.

Mota, Elsa, Paulo Crawford e Ana Simões, “Einstein in Portugal. Eddington’s 1919 expedition to Principe and the reactions of Portuguese astronomers (1917−1925).” British Journal for the History of Science 42 (2009): 245−73. 

[Peres, Manuel], “A Academia das Ciências de Lisboa sofreu uma dolorosa perda”, in Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico, s/d, Manuel Soares de Melo e Simas, processo individual, texto dactilografado.

Simões, Ana, Isabel Zilhão, Maria Paula Diogo e Ana Carneiro, “Halley turns Republican. How the Portuguese press perceived the 1910 return of Halley’s comet”, History of Science 51 (2013): 199−219.

Simões, Ana e Luís Miguel Carolino, “The Portuguese astronomer Melo e Simas (1870-1934). Republican ideals and popularization of science”, Science in Context 27 (2014): 49−77.

Rodrigues, César Augusto de Campos

Lisboa, 9 agosto 1836 — Lisboa, 25 dezembro 1919 

Palavras-chave: astronomia, Observatório Astronómico de Lisboa.

DOI: https://doi.org/10.58277/POFQ1710

César Augusto de Campos Rodrigues foi o mais destacado astrónomo português na viragem do século XIX para o século XX, tendo-se distinguido na astronomia de posição ao serviço do Observatório Astronómico de Lisboa, ao qual dedicou cerca de 50 anos da sua vida. 

Campos Rodrigues começou por abraçar a  carreira militar na marinha de guerra. Depois de frequentar o Liceu de Lisboa e o Real Colégio Militar, em 1851 assentou praça na companhia dos guardas marinhas, tendo feito uma viagem de instrução ao Mediterrâneo na corveta Porto. Concluiu o curso preparatório de Marinha na Escola Politécnica em 20 de Fevereiro de 1854, ano em que foi promovido a aspirante de 1ª classe. Ingressou depois na Escola Naval, tendo concluído o respectivo curso em 3 de Julho de 1855. Foi depois nomeado para embarcar no brigue Mondego rumo aos mares da China. Com esta viagem, concluiria a sua formação de oficial de Marinha.   

A bordo do Mondego, Campos foi incumbido, juntamente com o seu companheiro de armas e amigo José Feliciano de Castilho (1838-1864), de efetuar registos meteorológicos e oceanográficos segundo as indicações do superintendente do Observatório Naval dos Estados Unidos, Matthew Fountaine Maury (1806-1873). Maury lançara uma campanha global de recolha de dados oceanográficos, distribuindo protocolos de observação e cartas náuticas atualizadas pelos navegantes que aceitassem, em troca, submeter os seus diários náuticos ao observatório norte-americano. Maury nem sempre foi bem visto no seio da comunidade científica norte-americana da época, mas este empreendimento revestiu-se  de enorme importância no desenvolvimento da oceanografia. Em 1857, Maury escreveu ao diretor do Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz,  Guilherme Dias Pegado,  informando-o de que havia recebido várias contribuições portuguesas, e referindo-se de forma elogiosa ao diário do brigue Mondego elaborado por Campos e Castilho. 

Campos Rodrigues fora entretanto promovido a guarda-marinha, em 1856,  tendo sido promovido a 2º tenente em 1858. A 20 de Janeiro de 1860, na viagem de regresso a Lisboa, o brigue Mondego naufragou no Oceano Índico. Campos Rodrigues contou-se entre os membros da tripulação que foram resgatados por uma embarcação americana e reconduzidos a Portugal. A sua atuação durante o naufrágio, visando resgatar tantos tripulantes do brigue quanto fosse possível, mereceu-lhe um louvor militar. 

Entre Maio e Setembro de 1860, prestou serviço no registo do Porto de Lisboa. Em breve regressaria à Escola Politécnica, juntamente com José Feliciano de Castilho, para se tornar engenheiro hidrógrafo. Completou o respectivo curso em 20 de Julho de 1863 e o estágio subsequente em 11 de Agosto de 1865. Em Setembro desse ano, foi admitido no Instituto Geográfico, que era dirigido por Filipe Folque (1800-1870), figura de proa do levantamento cartográfico de Portugal. Folque terá desde cedo reconhecido em  Campos Rodrigues um potencial astrónomo para o novo Observatório Astronómico de Lisboa, que estava então a ser edificado na Tapada da Ajuda.  

A fundação do OAL foi patrocinada por D. Pedro V e apoiada por Friedrich Georg Wilhelm Struve (1793-1864), diretor do Observatório de Pulkovo, que acreditava poder-se estabelecer em Lisboa um observatório capaz de liderar a área da astronomia estelar, juntamente com Pulkovo.  Lisboa proporcionava condições geográficas e climáticas especialmente favoráveis para o estudo das paralaxes estelares e das nebulosas, dois temas centrais da astronomia estelar de então. Algumas estrelas cuja paralaxe anual (e por conseguinte, cuja distância) era considerada mensurável com os instrumentos e técnicas da época, tais como 1830 Groombridge e Alpha Lyrae, passavam nas proximidades do zénite lisboeta, pelo que os efeitos da refração atmosférica seriam mínimos. Além disso, o clima ameno de Portugal, o número considerável de noites de céu limpo por ano, e a escuridão durante as noites estivais, especialmente em comparação com as “noites brancas” de S. Petersburgo,  faziam da capital lisboeta um local apetecível para estudar as nebulosas, cuja natureza era ainda desconhecida.  

No Instituto Geográfico, Campos Rodrigues foi incumbido de fazer o levantamento hidrográfico da barra e do porto de Caminha, que concluiu em 1868. Durante esse período, desenvolveu alguns procedimentos originais para lidar com problemas típicos destes trabalhos, nomeadamente a medição de distâncias horizontais com um taqueómetro, o cálculo de áreas delimitadas nas cartas topográficas por linhas curvas, e o denominado problema dos três pontos ou problema de Pothenot, relativo à projeção de um determinado ponto a partir de três pontos inacessíveis numa rede primária de triângulos.

Em Janeiro de 1869, Campos Rodrigues passou finalmente a integrar o pessoal do OAL, tornando-se o colaborador mais próximo de Frederico Augusto Oom (1830-1890), então Chefe da Secção Astronómica dos Trabalhos Geodésicos do Reino e futuro diretor do OAL. F. A. Oom passara cinco anos no Observatório de Pulkovo a estudar os instrumentos e métodos aí utilizados, de modo a preparar-se para liderar o OAL e torná-lo num observatório dedicado à astronomia estelar. F. A. Oom empenhar-se-ia na frente política para consagrar essa visão nos estatutos do OAL, tendo que lidar com a lentidão dos meandros governamentais e parlamentares, e com a oposição de alguns sectores que desejavam definir o Observatório como uma instituição de carácter generalista e facilmente permeável a sinecuras para o professorado da Universidade de Coimbra e das instituições de ensino superior da capital. 

Campos Rodrigues permaneceria na retaguarda, concentrando-se em preparar o OAL para a implementação do seu programa científico, e coadjuvando F. A. Oom na gestão diária do Observatório. Os trabalhos efectuados no OAL desde a entrada de Campos até à aprovação da Lei Orgânica do Observatório em 1878 incidiram sobretudo na finalização das estruturas de observação (salas de observação, alçapões, cúpulas), na instalação e estudo dos instrumentos, na elaboração de listas de estrelas para as observações de determinação da hora, e no desenvolvimento de processos de cálculo para tornar mais expedita a redução dos dados observacionais. Campos viria a desenvolver diversas réguas de cálculo e processos de cálculo gráfico e desde cedo se começou a debruçar sobre os instrumentos do Observatório, procurando conhecê-los a fundo e aperfeiçoá-los de modo a favorecer a precisão das observações.  Entre os instrumentos originais do OAL destacam-se um círculo meridiano Repsold-Merz, um grande telescópio refractor equatorial de sete metros de distância focal também Repsold-Merz e um instrumento de passagens no primeiro vertical Repsold- Steinheil. 

Em 1873, F. A. Oom começou a organizar uma expedição com destino a  Macau, para observar o trânsito de Vénus de 1874 e assim contribuir para a determinação do valor exato da paralaxe solar, o que por sua vez permitiria conhecer com rigor a distância média Terra-Sol, conhecida como Unidade Astronómica. Tal como no século XVIII, por ocasião dos trânsitos de 1761 e 1769, várias nações organizavam as suas próprias expedições, e F. A. Oom viu aqui uma oportunidade para afirmar o OAL como  observatório nacional de Portugal, tomando a dianteira neste grande esforço científico internacional. Os astrónomos animavam-se com o facto de pela primeira vez se poder aplicar a fotografia à observação deste fenómeno, e Campos Rodrigues desenvolveu um método próprio para fotografar o trânsito, que consistia em usar o interior de uma pequena torre de observação como câmara, ficando o obturador associado à  respectiva cúpula. Mas depois de vários trabalhos preparatórios, a expedição, que não era especialmente onerosa, foi abortada no parlamento com base em argumentos financeiros. 

Em 1876, Campos Rodrigues e  F. A. Oom participaram nos primeiros testes do telefone em Portugal, em colaboração com João Carlos de Brito Capelo (1831-1901) do Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz.  Em Dezembro de 1877, os dois astrónomos participaram numa chamada experimental que ligou o OAL à Escola Politécnica, onde o rei D. Luís presenciava a atribuição de prémios aos estudantes, e de onde pôde ouvir, através do telefone, música tocada no Observatório.

Depois de anos de debates e de manobras políticas, em 6 de Maio de 1878 foi finalmente aprovada a  Lei Orgânica do Real Observatório Astronómico de Lisboa que, em consonância com o projeto fundacional defendido por F. A. Oom,  consagrava o  OAL ao estudo das paralaxes estelares, das nebulosas e das estrelas duplas – em suma, ao desenvolvimento da astronomia estelar. Na hierarquia das funções do OAL seguiam-se as observações ocasionais de objetos e fenómenos do sistema solar, o apoio a trabalhos cartográficos e a transmissão da hora oficial. 

Este programa revelou-se, no entanto, demasiado ambicioso. As primeiras décadas de atividade do OAL depois da aprovação da Lei  Orgânica ficaram marcadas pela dificuldade em estabilizar o seu corpo de pessoal, quer na vertente científica, quer no que respeita ao pessoal administrativo e auxiliar. Por conseguinte, foi na transmissão da hora oficial que F. A. Oom, Campos Rodrigues e Augusto Alves do Rio (um oficial de Marinha que serviu como astrónomo de 2ª classe, isto é, astrónomo auxiliar, entre 1878 e 1887) concentraram os seus esforços. 

As observações regulares de tempo foram iniciadas em 1878, tendo feito parte da rotina do OAL até à década de 1980. Eram efectuadas com dois instrumentos de passagens portáteis  construídos pela firma A. & G. Repsold de acordo com indicações de Oom. Faziam-se todas as noites em que o estado do tempo o permitia, incidindo numa série de estrelas previamente selecionadas para o efeito. Ao fim da manhã do dia seguinte, depois de reduzidos os dados das observações, procedia-se à verificação e acerto dos relógios do observatório (as denominadas “pêndulas”). A partir de 1885, a hora oficial determinada pelos astrónomos do OAL passou a ser transmitida telegraficamente para uma estação horária no Arsenal da Marinha, onde um “balão horário” (mais propriamente, uma esfera metálica oca) era içado ao topo de um mastro e largado à 1:00 da tarde local, em sincronia com o sinal enviado do OAL. Assim se dava a hora oficial à navegação e à cidade. Os erros da queda do balão, que raramente iam além de escassos décimos de segundo, eram publicados quinzenalmente no Diário do Governo. Este sistema, que fora desenvolvido por Oom e Campos Rodrigues, substituiu um velho balão já bastante descredibilizado, que era operado manualmente por pessoal do Observatório da Marinha. 

Na década de 1880, Campos Rodrigues estudou detalhadamente o círculo meridiano Repsold-Merz, tendo-o usado numa série de observações da Estrela Polar que nunca chegaram a ser devidamente tratadas, e que por isso nunca foram publicadas. Em 1887, Alves do Rio deixou o OAL, o que levou Campos a ter que assegurar a maior parte das  observações de tempo.  Ao longo dos dois anos que seguiram, Campos aproveitou para levar a  cabo um estudo aprofundado de todo o equipamento empregue nesse trabalho. Antes tinha já introduzido alguns acessórios e modificações nos aparelhos electro-cronográficos do Observatório, que os tornaram mais eficazes e precisos.  Um dos seus dispositivos mais emblemáticos é um interruptor eléctrico com uma peça basculante em V, que produzia sinais através do corte de corrente. Originalmente concebido para substituir os interruptores de um aparelho de medição da equação pessoal (o erro individual de cada observador), o interruptor de Campos Rodrigues foi depois adaptado a todos os relógios de pêndulo do Observatório. Os sinais dos relógios e das observações eram registados com um cronógrafo eléctrico igualmente concebido pelo astrónomo.  Uma vez incumbido de assegurar todas as observações de tempo, Campos desenvolveu também novos métodos e acessórios para os instrumentos de passagens, que permitiam lidar mais eficazmente com os erros sistemáticos deste tipo de instrumentos e apontá-los mais facilmente para as estrelas a observar em cada sessão.  

Para além de determinar a hora oficial, Campos Rodrigues aproveitou também para aperfeiçoar os valores de ascensão recta (coordenada celeste equivalente à longitude terrestre) das estrelas de referência listadas no almanaque Berliner Astronomisches Jahrbuch. Este trabalho, que foi publicado alguns anos mais tarde, terá impressionado o astrónomo norte-americano Lewis Boss (1846-1912), que o usou no seu Preliminary General Catalogue of 6188 Stars for the Epoch 1900 (1910). Este catálogo foi depois desenvolvido pelo seu filho Benjamin Boss (1880-1970), resultando na publicação do General Catalogue of 33,342 stars (1936), uma obra de grande relevância para o estudo dos movimentos próprios das estrelas e da dinâmica da Via Láctea.

Depois do falecimento de F. A. Oom em 1890, Campos Rodrigues foi nomeado diretor do OAL. Pela mesma altura, o filho de F. A. Oom, Frederico Thomaz Oom (1864-1930) foi nomeado astrónomo de 2ª classe, e alguns anos depois, sub-director. Frederico Oom assumiu prontamente um papel central na gestão do OAL, tornando-se no porta-voz da instituição. Apesar do seu título oficial de diretor, Campos permaneceu no papel de eminência parda do Observatório, enquanto Oom se empenhou em procurar um maior reconhecimento para o OAL, quer no contexto nacional, quer no seio da comunidade científica internacional. 

Em 1892, o OAL aderiu à campanha lançada por John Eastman (1836-1913), do Observatório Naval dos Estados Unidos tendo em vista a determinação da paralaxe solar com base em observações de Marte, que estaria em oposição (isto é, alinhado com o Sol e a Terra) em Agosto desse ano. Campos Rodrigues e Frederico Oom efetuaram observações de Marte e de estrelas de referência, essenciais para determinar com rigor as sucessivas posições aparentes do planeta. Os resultados das observações foram posteriormente apresentados num volume intitulado Observations méridiennes de la planète Mars pendant l’opposition de 1892, publicado em 1895. A obra foi distribuída internacionalmente, sendo objecto de uma recensão muito positiva por parte do astrónomo francês Guillaume Bigourdan (1851-1932). Em 1903, o astrónomo norte-americano T. J. J. See (1866-1962) elaborou uma lista dos valores até então obtidos para o diâmetro de Marte, dando destaque ao valor obtido em Lisboa por ocasião da oposição de 1892 (9″.05 ± 0″.44). 

Em 1900, o OAL integrou uma campanha lançada no âmbito do projeto internacional Carte du Ciel, que teve por objectivo proceder a uma nova determinação da paralaxe solar por meio de observações do asteróide Eros. Apesar de a campanha ser eminentemente baseada na fotografia e exigir equipamento que Lisboa não dispunha, o OAL contribuiu com observações posicionais das estrelas de referência, efectuadas por Campos Rodrigues, Frederico Oom, e Artur Teixeira Bastos (?-1931), que ingressara no OAL em 1894. Os resultados das observações efectuadas pelos vários observatórios participantes foram publicados em 1904. O OAL destacou-se entre os 13 observatórios que realizaram observações de estrelas de referência, quer pelo elevado número de observações submetidas, quer pela precisão destas últimas. Este trabalho levou a que Campos Rodrigues fosse distinguido com o Prémio Valz da Academia das Ciências de Paris em 1904.  

Ainda em 1900, Campos Rodrigues e Frederico Oom integraram uma comissão dirigida por Mariano Cyrillo de Carvalho (1836-1905), professor de matemática na Escola Politécnica, que foi incumbida de coordenar o apoio logístico à observação do eclipse total do Sol de 28 de Maio daquele ano.  A faixa de totalidade do eclipse cruzou a região das beiras, à qual se deslocou um grande número de cientistas e académicos nacionais, assim como vários astrónomos estrangeiros. Um grupo liderado pelo diretor do Observatório de Greenwich, William Christie (1845-1922), observou o eclipse em Ovar, tendo aproveitado a viagem a Portugal para visitar o OAL. De volta à Inglaterra, intervindo num encontro da Royal Astronomical Society,  Christie enalteceu as modificações e acessórios que Campos Rodrigues tinha acrescentado ao equipamento original do OAL.  No que respeita ao eclipse, Campos Rodrigues e Artur Teixeira Bastos deslocaram-se à Serra da Estrela, estabelecendo uma estação de observação na zona de Manteigas. Os dois astrónomos pretendiam averiguar a possível existência de planetas interiores à órbita de Mercúrio, mas esta tarefa foi dificultada por um ténue manto de nuvens. Campos Rodrigues fotografou a coroa solar, mas as imagens resultantes eram muito pequenas, e nunca foram publicadas.  

Em 1902, Frederico Oom associou-se ao oficial de marinha e engenheiro hidrógrafo Hugo de Lacerda Castelo Branco (1860-1944) numa campanha de enaltecimento da figura de Campos Rodrigues na imprensa nacional e nos meios militares, com vista à sua promoção a Vice-Almirante.  A promoção concretizou-se nesse mesmo ano. Pela mesma altura, e por iniciativa de Frederico Oom, os resultados de observações efectuadas no OAL sob a liderança de Campos Rodrigues, assim como algumas descrições de aparelhos e técnicas concebidas pelo astrónomo, começaram a ser publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Apesar de manter uma atitude recatada e de persistir numa humildade que os seus colaboradores e admiradores amiúde denunciavam como exageradas, a figura de Campos Rodrigues foi cada vez mais exaltada nos meios militares como um exemplo de brilhantismo intelectual e de dedicação à ciência. Nesse mesmo ano, um novo observatório astronómico e meteorológico que estava ser construído em Lourenço Marques (actual Maputo, Moçambique) foi batizado Observatório Campos Rodrigues.    

Campos Rodrigues era também visto como um infalível e benévolo consultor a quem várias instituições e personalidades recorriam para resolver assuntos de instrumentação e cálculo. Uma das figuras nacionais que amiúde procuraram os conselhos do astrónomo foi Carlos Viegas de Gago Coutinho (18691-1959), tendo o OAL despenhado um papel importante no apoio às missões geodésicas em África dirigidas pelo conhecido oficial de marinha e geógrafo. 

Tendo escolhido manter-se em atividade no OAL ao atingir a idade da reforma na carreira militar em 1902, Campos permaneceu ao serviço do Observatório até ao seu falecimento, que se deu na madrugada do dia de Natal de 1919.  O OAL manteve-se fiel  à tradição da astronomia de posição em que Campos Rodrigues se destacou, tendo as técnicas e dispositivos desenvolvidos pelo astrónomo sido usados na Tapada durante décadas, já depois da sua morte. 

Pedro Raposo (entrada adaptada por Ana Simões)

Arquivos

Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico
Academia de Ciências de Lisboa 
Arquivo Histórico da Marinha
Arquivo Histórico – Museu Nacional de História Natural e da Ciência 

Obras 

«Observations d’occultations pendant l’éclipse total de la Lune, 1891, novembre 15», Astronomische Nachrichten, 138 (1895) cols. 107-110.

«Observations des Léonides 1898, 1899», Astronomische Nachrichten, 158 (1899) cols. 393-396; 151 (1899) cols. 119-122.

«Corrections aux Ascensions Droites de quelques étoiles du Berliner Jahrbuch observées à Lisbonne (Tapada)», Astronomische Nachrichten, 159 (1902) 329-360.

«Personal Equation», The Observatory, 25 (1902), 121-124.

«Einfache Einrichtung zur Beleuchtung der Fadencines Kollimators», Zeitschrift fur Instrumenenkunde, XXII (1902) 142-143.

«Kurvenlineal fur Kreisbögen», Deutsche Mechaniker-Zeitung, 17 (1902), 166-167.

«Bewegliche Leitern zur Beobachtung des Nadirs», Deutsche Mechaniker-Zeitung, 18 (1902), 178.

«Le problème de Pothenot», Revista di topografia e catasto, 16 (1903-1904), 100-102.

«Observations d’éclipses de Lune», Astronomische Nachrichten, 165 (1904), 178-184.

«Portuguese Standard Time», The Observatory, 34 (1911), 305.

Bibliografia sobre o biografado

Oliveira, João Brás d’Oliveira. Campos Rodrigues – Discurso pronunciado por ocasião da inauguração do seu retrato no Club Militar Naval em 12 de Março de 1906. Lisboa: Tipografia de J. F. Pinheiro, 1906.

Oom, Frederico. O Vice-Almirante Campos Rodrigues – O homem de Sciência (Lisboa: Tipografia Empresa do Diário de Notícias, 1920)

Raposo, Pedro M. P. ‘Time, weather and empires: the Campos Rodrigues Observatory in Mozambique (1905-1930)’, Annals of Science 72 (2015): 279-305. 

— ‘Observatories, instruments and practices in motion: an astronomical journey in the nineteenth century’, HoST – Journal of History of Science and Technology 8 (2013): 69-104.  

— ‘Charming tools of a demanding trade: the heritage of nineteenth-century astrometry at the Astronomical Observatory of Lisbon’, Rittenhouse – The Journal of the American Scientific Instrument Enterprise 22 (2008): 25-46.