Azeredo, José Pinto de

Rio de Janeiro, 5 maio 1764 – Lisboa, 15 abril 1810

Palavras-chave: medicina, Geração de 90, Ordem de Cristo, Hospital Real Militar de Lisboa.

DOI: https://doi.org/10.58277/GTWS1803

José Pinto de Azeredo nasceu na freguesia da Candelária no centro da cidade do Rio de Janeiro, então sede da colónia portuguesa do Brasil. Foi filho de Francisco Ferreira de Sousa e de Ângela Maria de Morais. O pai foi cirurgião do Primeiro Regimento Militar do Rio de Janeiro, com Carta de Cirurgião passada em Lisboa a 7 de dezembro de 1754 e fora sócio da Academia Fluviense Médica, Cirúrgica, Botânica, Farmacêutica, também designada Sociedade de História Natural do Rio de Janeiro ou Academia Científica do Rio, inspirada por José Henriques de Paiva e erigida pelo marquês do Lavradio em 1772.

No Rio de Janeiro, José Pinto de Azeredo estudou, depois de 1782, Latim, Filosofia Racional e Moral e Retórica com Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749–1814).Aos 22 anos (1786) partiu, com o irmão Francisco Joaquim de Azeredo (nascido em 1768), para Edimburgo com o propósito de frequentar o curso de Medicina. Aí teve por mestres, por dois anos académicos completos (outubro de 1786–maio de 1787 e outubro de 1787–maio 1788), Alexander Monro II na chair de Anatomy and Surgery, Joseph Black na de Chemistry, William Cullen na de Practice of MedicineJames Gregory nas de Institutes of Medicine (Theoretical Medicine) e de Clinical MedicineDaniel Rutherford na de Botany e, porventura, Francis Home, na de Materia Medica. Em Londres, de passagem, assistiu a algumas lições de John Hunter (em 1787 ou já em 1788). 

Foi membro da Royal Medical Society e, a 12 de abril de 1788, recebeu o prémio anual da Harveian Society relativo a 1787 pelo ensaio subordinado ao tema “An experimental enquiry concerning the chemical and medical properties of those substances called Lithontriptics, and particularly their effects on the human calculus”, do qual apenas se conhece um elogioso e extenso resumo de Andrew Duncan (1744–1828) nos Medical Commentaries publicados em 1789.

Depois de Londres, José Pinto de Azeredo e seu irmão Francisco dirigiram-se a Leiden, em cuja Universidade prestaram provas e obtiveram o desejado diploma (a 12 e 11 de junho de 1788, respetivamente), tendo regressado a Portugal pelo final daquele ano ou no início de 1789. Por decreto de 26 de fevereiro deste ano (1789), José Pinto de Azeredo foi nomeado físico-mor de Angola (com carta patente passada a 24 de abril). Aí exerceu aquele cargo e lecionou Medicina, entre 1791 e 1797. Gravemente doente, regressou a Portugal (depois de passar no Rio de Janeiro para convalescença junto dos seus) e, por meados de 1799, submeteu à Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros o único livro que publicou em vida: os Ensaios sobre Algumas Enfermidades de Angola.

José Pinto de Azeredo pertenceu à chamada Geração de 90 (com, entre muitos outros, Baltasar e José da Silva Lisboa, Bernardino António Gomes, Francisco de Melo Franco, João da Silva Feijó, Joaquim José da Silva, José Bonifácio Andrade e Silva, José de Rezende Costa, José Elói Ottoni, Manuel Ferreira da Câmara, Vicente Coelho Seabra, etc.), que soube perscrutar, entre os diferentes espasmos da estenia finissecular de setecentos, a direção dos ventos da História, os das revoluções americana e francesa, das independências, dos novíssimos Impérios e também das revoluções química, anátomo-patológica e terapêutica. 

O pensamento médico de José Pinto de Azeredo acha-se claramente expresso nos Ensaios sobre Algumas Enfermidades de Angola, mais tarde desenvolvido em dois escritos que não chegou a dar ao prelo: a Isagoge pathologica do corpo humano (1803) e a Collecção de observaçoens clinicas (c. 1804). Dois outros textos anteriores permitem augurar o melhor da literatura médico-científica luso-brasileira de então: o Exame Quimico da Atmosphera do Rio de Janeiro (1790, o ano seguinte à publicação do Traité élémentaire de chimie de Lavoisier), um estudo pioneiro de análise ambiental, como hoje se diria, realizado na América austral; e o Tratado Anatómico dos Ossos, Vasos Linfáticos, e Glândulas (datado dos primeiros anos da estadia de Azeredo em Angola, 1791–1793), o qual foi antecedido por Oração de Sapiência feita e recitada no dia 11 de Setembro de 1791, decerto o primeiro manual de ensino médico expressamente dirigido aos “Estudantes de medicina do Reino de Angola” para acompanhamento das aulas teórica e práticas ministradas no Hospital da Misericórdia de São Paulo da Assunção de Luanda e singular exemplo de literatura médica didática. 

Fiel aos ensinamentos da ilustração médica escocesa, em particular de William Cullen, Joseph Black, James Gregory e Erasmo Darwin, sem esquecer a “devoção experimental” dos irmãos Hunter, de William Hewson, de William Cruikshank, de Thomas Beddoes ou de Bichat e Pinel, na medicina, e de Black, Priestley, Laplace e Lavoisier na química, José Pinto de Azeredo adotou um modelo solidista do corpo (o dos “sólidos simples e vitais” de Cullen), ilustrado pela anatomia animada do tempo (de Haller e sequazes) e ancorado na suposta sede “nervosa” das enfermidades (dos “espasmos” de Cullen, na esteira de Hoffmann, com passagem pela “incitabilidade de Brown” e o “poder sensorial” de Darwin). Defendeu com convicção e desvelo o primado da observação clínica e da moderação terapêutica, com deflação dos regimes antiflogísticos, e a prática pioneira em terras lusas do uso interno do fósforo e do tratamento clínico com ares artificiais.

José Pinto de Azeredo foi agraciado com o hábito da Ordem de Cristo em 1799, exerceu no Hospital Real Militar de Lisboa (Xabregas) entre 1801 e 1810 e foi médico da Real Câmara depois de 1806. Faleceu a 15 de abril de 1810, com apenas 46 anos, em sua casa, na rua Larga de São Roque ao Bairro Alto em Lisboa. Instituiu o irmão Francisco seu herdeiro universal, incluindo na herança a sua preciosa biblioteca e os escritos inéditos que só recentemente foi possível trazer a lume.

António Brás de Oliveira

Arquivos

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, Consulta da Real Junta da Fazenda dos Arsenaes do Exercito… (e outros documentos), PT/AHM/134/16/1/2/83

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, Processo individual de José Pinto de Azeredo, caixa 389. 

Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Angola, caixa 74, documento 9; caixa 75, documento 56; caixa 79, documento 19; caixa 86, documento 30

Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Rio de Janeiro, caixa 223,documento 71.

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Ministério do Reino, livro 356, f. 3, Aprovação do curso pela Junta do Protomedicato).

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Maria I, livro 32, f. 323 e 323v, Carta de Médico.

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Inventário post mortem, Letra I, J, maço 194, n.º 7, Testamento e inventário de bens).

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Azeredo, José Pinto de. 1791. Oração de Sapiência feita e recitada no dia 11 de Setembro de 1791. [Ms.]. BNP: COD. 8486//1, f. 1-7v.

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Azeredo, José Pinto de. 1802. Isagoge pathologica do corpo humano dedicada a Sua Alteza Real o Principe Regente Nosso Senhor [Ms.], 1802. BNP: COD. 8482.

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Azeredo, José Pinto de. 1804. Collecção de observaçoens clinicas [Ms], s.d. [c.1804]. BNP: COD. 8483.Edimburgo, University of Edinburgh, Historical Alumni Collection, Students of Medicine, 1762-1826,collections.ed.ac.uk/alumni/record/84661?highlight=*:*, Individual record.

Porto, Biblioteca Pública Municipal do Porto, Azeredo, José Pinto de. post. 1791. Tratado Anatómico Dos Ossos, Vasos Linfáticos, e Glândulas, [Ms], s.d [post.1791], COD. 1126.

Obras

Azeredo, José Pinto de. Dissertatio medica inauguralis de Podagra…, Progradu Doctoratus… Ad Diem XI. Junii MDCCLXXXVIII. H. L. Q. S. Leiden: Fratres Murray. 1788

Azeredo, José Pinto de. “Exame Quimico da Atmosphera do Rio de Janeiro.” Jornal Encyclopédico dedicado á Rainha N. Senhora… março (1790);, 259–288.

Azeredo, José Pinto de. Ensaios sobre Algumas Enfermidades de Angola. Lisboa: Regia Officina Typografica. 1799.

Azeredo, José Pinto de. reimp. Ensaios sobre algumas enfermidades de Angola. Lisboa: Edições Colibri, reimp. 2013

Azeredo, José Pinto de. Tratado Anatómico dos Ossos, Vasos linfáticos e Glândulas. Lisboa: Edições Colibri, reimp., 2014

Azeredo, José Pinto de. Isagoge Patológica do Corpo Humano. Lisboa: Edições Colibri, reimp. 2014

Bibliografia sobre o biografado

Maia, Emílio Joaquim da Silva. Elogio Histórico do Dr. José Pinto de Azeredo.” Revista trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 2 (1858): 615–621.

Marques, Manuel Silvério. “Malhas que o corpo tece: excurso da medicina de José Pinto de Azeredo.” In Ensaios sobre algumas enfermidades de Angola, ed. José Pinto de Azeredo, 213-261. Lisboa: Edições Colibri, 2013.

Marques, Manuel Silvério e António Braz Oliveira. “José Pinto de Azeredo: a cosmopolitan physician from Rio. Revisiting his Ensaios Sobre Algumas Enfermidades de Angola.” In Percursos da História do Livro (1450-1800), ed. Palmira Fontes da Costa e Adelino Cardoso, 231-254. Lisboa: Colibri, 2011..

 Marques, Manuel Silvério e António Braz Oliveira. “Shadows in the Enlightenment of Imperial Tropics: José Pinto de Azeredo’s Enfermidades de Angola, Part I and II.” In Essays on Some Maladies of Angola (1799), ed.  Timothy D. Walker, 31-59. Dartmouth, MA: Tagus Press, Center for Portuguese Studies and Culture e University of Massachusetts Dartmouth, 2016..

Oliveira, António Braz de. “Do Rio a Lisboa, passando a Luanda: achegas para uma biografia de José Pinto de Azeredo.” In Ensaios sobre algumas enfermidades de Angola, ed. José Pinto de Azeredo, 135-187. Lisboa: Edições Colibri, 2013..

Pinto, Manuel Serrano, Marco Antonio G. Cecchini, Isabel Maria Malaquias, Lycia Maria Moreira-Nordemann e João Rui Pitta. 2005. “O médico brasileiro José Pinto de Azeredo (1766?–1810) e o exame químico da atmosfera do Rio de Janeiro.” História, Ciências, Saúde – Manguinhos 12(3) (2005): 617–73.