Gomes, Bernardino Barros

Lisboa, 30 setembro 1839 — Lisboa 5 outubro 1910

Palavras-chave: ordenamento florestal, geografia, cartografia, Administração-Geral das Matas.

DOI: https://doi.org/10.58277/YFRA4028

Bernardino Barros Gomes foi um engenheiro silvicultor que introduziu em Portugal os métodos científicos do ordenamento florestal. Para sustentar o fomento deste ordenamento, lançou-se em estudos sobre flora, relevo, clima e agricultura, com trabalhos de campo e levantamentos cartográficos até chegar à uma visão integradora do país que esteve na base da construção da geografia científica em Portugal. 

Bernardino Barros Gomes nasceu e cresceu no seio de uma família com longa tradição ligada à Medicina e à Ciência: bisneto do médico José Manuel Gomes (1733–?), neto de Bernardino António Gomes (1768–1823), médico e botânico que isolou o antipirético cinchonina na casca da quina, e filho de Bernardino António Gomes (1806–1877) e Maria Leocádia Fernanda Tavares de Barros. O pai foi lente de Medicina e médico do Paço, colaborando em vários jornais científicos. O ambiente familiar foi propício ao estudo assíduo e à curiosidade científica, sobretudo no domínio das ciências naturais. Em 1843, nasceu o seu irmão Henrique, que fez carreira como economista e na política. Barros Gomes frequentou um colégio de Lisboa, continuando os seus estudos em Coimbra após a morte da sua mãe em 1853. Nesta cidade, então a única no país com universidade, matriculou-se nas Faculdades de Matemática e de Filosofia. Na primeira, obteve o bacharelato em 1859. Na segunda, ficou particularmente atraído pelo ensino da química e das ciências naturais, acabando a licenciatura em 1860. O jovem Barros Gomes apaixonou-se pela botânica, que o levou a passar férias e tempos livres estudando e classificando as plantas com Carlos Maria Gomes Machado (1828–1901), que recolhia espécies para os herbários da Universidade. Em 1860, partiu para a Universidade de Leipzig, onde se inscreveu num curso de aperfeiçoamento em química. Encontrou em Leipzig um estudante polaco, J. Rivoli, com quem travou uma longa amizade e partilhou uma expedição científica na serra da Estrela. Em 1861, matriculou-se num curso para alunos estrangeiros na Real Academia Florestal e Agrícola da Saxônia, em Tharandt, fundada em 1811 pelo pioneiro da ciência florestal alemã, Heinrich Cotta. Em 1862, a Real Academia conferiu-lhe o diploma final de especialização, com ótimos resultados e a confirmação do seu futuro desempenho profissional. Também foi em Tharand que o jovem estudante conheceu Elisa de Wilcke, com quem se casou em 1866. A ligação com a escola de Tharandt e seus professores permaneceu forte e Barros Gomes continuou a visitá-la na procura dos últimos progressos da ciência florestal. Divulgou em Portugal as inovações técnicas relevantes de Max Robert Pressler, inventor de uma sonda e das tabelas florestais para cálculo dos volumes dos arvoredos. O botânico Heinrich Moritz Willkomm, que talvez fosse o seu professor, estudou as coleções de plantas de Barros Gomes ao escrever Prodromus Florae hispanicae. Nunca deixou de aproveitar viagens no estrangeiro para tratar de assuntos científicos, privando, entre outros, com Frederich Welwitsch acerca do regresso dos herbários de Angola a Lisboa e outros botânicos em Londres. Encontrou-se com colegas espanhóis na Escuela de Ingenieros de Montes de Villaviciosa; por outro lado, outros nunca faltaram em recensear algumas das suas obras na Revista de Montes.Regressado da Academia de Tharandt em 1863, Barros Gomes iniciou logo a atividade profissional na Repartição de Agricultura do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOPCI), que integrava a Administração-Geral das Matas. Foi encarregue de estudar os pinhais de Vale de Zebro e da Machada, perto do Barreiro, na ausência completa de informação prévia. Em 1864, apresentou um notável relatório, com estudo do meio natural e medições do arvoredo. Foi o primeiro trabalho sobre ordenamento florestal realizado no país, tendo o próprio autor procedido ao levantamento topográfico. Entretanto, em 1863, tinha publicado os seus primeiros artigos no Arquivo Rural, onde desenvolveu a prática do ordenamento florestal na Alemanha. Finalizado outro estudo sobre os efeitos da resinagem na produção lenhosa dos pinhais de Leiria, o reconhecimento da sua competência valeu-lhe ser nomeado, ainda em 1864, engenheiro do corpo civil na mesma Repartição da Agricultura do MOPCI. Em 1865, fez parte de uma comissão de estudo sobre Cabo Verde, produzindo um relatório sobre a arborização desta província portuguesa. A consagração destas atividades não se fez esperar: com apenas 25 anos, foi nomeado sócio correspondente da Academia Real das Ciências. A par das atividades e relatórios profissionais, Barros Gomes escreveu numerosos artigos até ao fim da sua carreira sobre assuntos diversificados da botânica, floresta e agricultura. Alguns foram a base para estudos de maior relevo, outros resultaram de conferências proferidas em diferentes locais. Prosseguiu os trabalhos em prol do ordenamento florestal nos pinhais de Vale de Zebro e da Machada e Leiria, até que, desiludido pelos rumos da política florestal, pediu a demissão em 1868. Foi-lhe concedida uma licença renovada até 1872. Durante estes anos, continuou os seus estudos, trabalhos de campo e divulgação técnica.Em 1872, após uma reforma da orgânica dos serviços florestais, voltou ao serviço, iniciando-se então o período mais fecundo da obra de Barros Gomes como engenheiro florestal e cientista. Foi sucessivamente nomeado diretor das Divisões Florestais Norte (1872), Sul (1874) e Centro (1879). As suas deslocações profissionais no país e os respetivos trabalhos de campo deram-lhe um conhecimento ímpar do ambiente natural e da vegetação. Elaborou trabalhos de síntese onde reuniu as suas observações e outras informações disponíveis de carácter orográfico, climático, botânico e florestal, acompanhadas por uma cartografia inovadora. Com o colega silvicultor Pedro Roberto da Cunha e Silva, preparou uma carta orográfica e regional de Portugal (1875), tendo por base a carta geográfica dirigida por Filipe Folque (1865), que representou o relevo com a nova técnica das curvas de nível. Elaborou também uma série de nove mapas com a distribuição das principais espécies florestais que permitiram a preparação da carta xilográfica ou dos arvoredos; esta série na escala 1:1 000 000 foi publicada no último Relatório da Administração Geral das Matas de 1879–1880. As duas cartas do relevo e dos arvoredos (escala 1:2 300 000) foram premiadas na Exposição de Filadélfia de 1876, para a qual Barros Gomes preparou todo o material, e integraram o primeiro trabalho do núcleo da obra científica de Barros Gomes, as Condições Florestaes de Portugal. Nesta obra, o cientista debruçou-se particularmente sobre a base naturalista — relevo, exposição, clima, geologia — e desenvolveu o comentário sobre a divisão regional do país, para apresentar a repartição das espécies florestais, utilizando fontes bibliográficas atualizadas em todas os domínios de conhecimento. Na “Notice sur les arbres forestiers du Portugal”, escrita em francês para a Exposição de Paris (1878), Barros Gomes apresentou uma reflexão sobre os processos de desarborização/florestação, procurando uma explicação ligada às mutações socioeconómicas que o país estava a atravessar. Finalmente, em 1878, publicou as Cartas Elementares de Portugal para uso das escolas. No prolongamento da preocupação da época, a última obra de fôlego de Barros Gomes foi concebida no intuito de contribuir à melhoria do ensino pela difusão dos conhecimentos. O autor reuniu cinco mapas, dois dos quais já estavam publicados (cartas dos concelhos, do relevo e regional, dos arvoredos, agronómica e da povoação concelhia) larga e devidamente comentados. Barros Gomes desenvolveu uma análise inovadora e integradora das “condições physicas e sociaes” do país e da divisão regional com base natural que já tinha esboçado nas Condições Florestaes. A influência direta das Cartas Elementares prolongou-se até meados do século XX nas propostas de divisão regional dos geógrafos Aristides de Amorim Girão, Hermann Lautensach e Orlando Ribeiro. Na sua correspondência, o próprio cientista reconheceu durante a elaboração desta última obra que, pondo os seus conhecimentos ao serviço da sociedade, cumpria uma forma mais plena de apostolado cristão. Desde meados dos anos 1870, Barros Gomes vivia mais intensamente a sua fé e trabalhava na Conferência Vicentina de Lisboa. No ano seguinte à publicação das Cartas Elementares, mudou o rumo da sua vida com o súbito falecimento da mulher, dois meses antes de tomar posse como diretor da Divisão Florestal do Centro. Consagrou-se ao Pinhal de Leiria, com uma nova planta e um plano decenal de ordenamento, colaborando também com João Inácio Ferreira Lapa e Jaime Batalha Reis num estudo sobre a resinagem. Em 1882, pediu a exoneração do cargo. Assegurou o futuro das três filhas e ingressou em 1883 na Congregação da Missão (Padres Lazaristas), tendo sido ordenado presbítero em 1888. Desde 1903,  o padre Barros Gomes passou a ensinar Ciências Naturais e Físico-Químicas no colégio de Arroios da Congregação, quando foi assassinado no dia 5 de outubro de 1910 nesta casa, durante os distúrbios que acompanharam a instauração da República.

Nicole Devy-Vareta
CEGOT, Universidade do Porto

Arquivos

Lisboa, Arquivo da Biblioteca do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas

Lisboa, Arquivo da Congregação da Missão, Padres Vicentinos.

Obras

Gomes, Bernardino Barros. “Estudos florestaes.” Archivo Rural 5(17, 19, 20, 21, 22) (1863):  462–465, 513–516, 541–545, 570–577, 599–605; 6 (2) (1863): 35–41.

Gomes, Bernardino Barros. Cultura das plantas que dão a quina, com cinco estampas lithografadas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1864.

Gomes, Bernardino Barros. Relatorio florestal sobre as matas da Machada e Valle de Zebro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1865. 

Gomes, Bernardino Barros. Novas taboas florestaes de Pressler reduzidas ao systema metrico e accommodadas ao uso portuguez. Lisboa: Lallemant Frères, 1875. 

Gomes, Bernardino Barros. Condições florestaes de Portugal, illustradas com as cartas orographica, xylographica e regional, os perfis transversaes e as curvas meteorologicas mais caracteristicas. Lisboa: Lallemant Frères, 1876. 

Gomes, Bernardino Barros. Exposição de Philadelphia. Administração Geral das Matas do Reino. Portugal. Lisboa: Lallemant Frères, 1876.

Gomes, Bernardino Barros. “Étude sur les espèces de chênes forestiers du Portugal.” Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes 5 (20) (1876): 235–241.

Gomes, Bernardino Barros. “Notice sur les arbres forestiers du Portugal.” Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes 6 (22) (1877): 110–129.

Gomes, Bernardino Barros. Cartas elementares de Portugal para uso das escolas approvadas para as escolas primarias pela Junta Consultiva de Instrucção Publica, e duas d’ellas duas vezes premiadas na exposição de Philadelphia de 1876. Lisboa: Lallemant Frères, 1878. 

Gomes, Bernardino Barros. “Observações florestaes de uma jornada pela Beira feita em Agosto de 1876.” Boletim da Sociedade Broteriana 27 (1917): 198–211.

Bibliografia

Almeida, Antonio Mendes de. “Elogio historico do silvicultor Bernardino Barros Gomes.” Revista Agronómica 15 (1920): 1–21.

Devy-Vareta, Nicole e João Carlos Garcia. “Bernardino Barros Gomes e a silvicultura no desenvolvimento da geografia portuguesa oitocentista.” Revista da Faculdade de Letras 12(5) (1989): 139–148.

Devy-Vareta, Nicole, José Resina Rodrigues e João Carlos Garcia. “Introdução”. In Cartas elementares de Portugal para uso das escolas, III-XVI. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1990.

Guimarães, P. Bráulio. Padre Barros Gomes, vítima da República. Lisboa: Alêtheia Editores, 2006

Ribeiro, Orlando. “Barros Gomes, geógrafo.” Revista da Faculdade de Letras de Lisboa 2(1) (1934): 104–112.