Santucci, Bernardo

Cortona, Grão-ducado da Toscana, ca. 1701 — 1764

Palavras-chave: anatomia, medicina, Hospital Real de Todos os Santos, médico, anatomista.

DOI: https://doi.org/10.58277/EQSZ4658

Bernardo Santucci notabilizou-se pela sua atividade de médico e anatomista em Itália e em Portugal no reinado de D. João V. Foi também o autor da obra A anatomia do corpo humano (1739) dedicada aos cirurgiões aprendizes que frequentavam o Hospital Real de Todos os Santos.

Embora sejam relativamente escassas as informações biográficas sobre Bernardo Santucci, sabe-se que os seus pais foram Carlos Santucci e Maria Galeazze, tendo nascido por volta de 1701 em Cortona, no grão-ducado da Toscana. Obteve o título de doutor em Medicina na Universidade de Bolonha, indo depois para Florença onde cultivou o estudo da anatomia no Hospital de Santa Maria Nuova. O seu desempenho como médico e anatomista motivou a sua nomeação como médico da princesa Violante Beatriz da Baviera. Munido de cartas de recomendação da princesa, veio para Lisboa em 1730. Neste mesmo ano o rei D. João V nomeou-o seu anatómico e dois anos mais tarde lente de anatomia no Hospital Real de Todos os Santos. Concomitantemente decretou a aposentação de Monravá e Roca, seu antecessor no cargo desde 1721. O estudo e a prática regular da anatomia passou a ser obrigatória na formação dos cirurgiões.

A permanência de Bernardo Santucci em Portugal não foi destituída de controvérsia. A sua obra A anatomia do corpo humano dada a lume em 1739 foi prontamente atacada por Monravá e Roca no manuscrito Desterro crítico das falsas anatomias que hum anatómico novo deu à luz em Lisboa, neste presente anno de 1739. Neste mesmo ano o exercício de dissecação de cadáveres humanos no Hospital Real de Todos os Santos viria a ser suspenso por decreto real. Desconhecem-se as razões precisas que motivaram esta alteração, tendo sido apontada a influência  junto ao trono das críticas de Monravá e Roca a Santucci e o apoio com que contou por parte de um grande número de médicos cirurgiões que desconheciam os fundamentos e a utilidade da anatomia e que persuadiram o rei de que as dissecações anatómicas determinavam a morte daqueles que a ela se entregavam. Foi também conjecturada a influência dos jesuítas no processo. Apesar do desagrado causado pela proibição das dissecações anatómicas, Santucci continuou a reger Anatomia durante uns sete ou oito anos, voltando a Itália só em 1747. Regressaria a Portugal em 1751, altura em que D. José o contemplou com uma tensa de 30$000 reis anuais e com o grau de cavaleiro da Ordem de São Tiago. Pouco tempo depois, retorna definitivamente a Itália onde irá falecer no ano de 1764. 

A anatomia do corpo humano de Santucci constitui uma obra ímpar na história editorial portuguesa já que, até finais do século XVIII, foi o único compêndio de anatomia publicado com estampas ilustrativas. No entanto, um estudo de Hermano Neves revelaria que as gravuras anatómicas executadas pelo artista francês Michel le Bouteaux eram na sua maioria cópias adaptadas da obra Corporis humani anatomia (1707) do autor flamengo Philip Verheyen. Identificou ainda algumas cópias de outras obras anatómicas. Deve, no entanto, salientar-se que o processo de apropriação de imagens era uma prática comum ainda no século XVIII. A mesma permitia reduzir os custos associados à produção de obras com imagens e colmatar as lacunas de dissecações necessárias à visualização das várias formas e órgãos do corpo humano. Embora no Hospital de Todos os Santos se procedesse a dissecações até à publicação da obra de Santucci, estas seriam muito provavelmente executadas num número limitado de cadáveres. No entanto, é no texto da obra de Santucci que se encontra a sua maior debilidade uma vez ser muito próximo, para não dizermos no seguimento da análise de Hermano Neves, praticamente uma cópia não reconhecida da Anatomia corporis humani de Verheyen. Contudo, este aspecto não diminui o valor pedagógico da obra de Santucci no Portugal de setecentos. É ainda de assinalar que entre os alunos de Santucci contam-se dois que foram lentes de anatomia na Universidade de Coimbra, Caetano Alberto e Santos Gato e outros dois alunos que foram professores de cirurgia no Hospital Real de Todos os Santos, António Gomes Lourenço e Pedro de Arvellos Espinola.

Palmira Fontes da Costa

Obras

Bernardo Santucci. Anatomia do Corpo Humano. Lisboa: Oficina de António Pedroso Galran, 1739.

Bibliografia sobre o biografado

Lemos, Maximiano. História da Medicina em Portugal. Doutrinas e Instituições, vol. II: 68–72. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1991 [1889].

Neves, Hermano. “O livro de Bernardo Santucci e a ‘Anatomia Corporis Humani’ de Verheyen. Contribuição para o estudo da obra do anatómico cortonense.” Arquivo de anatomia e antropologia 10 (1926): 315–346.

Serrano. Tratado de osteologia humana, Tomo II: vii–lxxxix. Lisboa: Typografia da Academia Real das Sciencias, 1897.

Santos, Sebastião Costa. A escola de cirurgia do Hospital Real de Todos os Santos, 93–143. Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, 1925.

Sanches, António Nunes Ribeiro

Penamacor, 7 março 1699 — Paris, 14 outubro 1784

Palavras-chave: Iluminismo, República das Letras, medicina, pedagogia.

DOI: https://doi.org/10.58277/MHXG2355

António Nunes Ribeiro Sanches foi uma das figuras portuguesas que maior projeção adquiriu na cultura da Europa ilustrada. Os seus pais, Simão Nunes e Ana Nunes Ribeiro, eram cristãos-novos. Teve sete irmãos, Maria, Isabel, Guiomar, Diogo, Manuel, José e Theodosia. 

Com treze anos, após ter frequentado a escola latina, Sanches foi enviado pelo pai para a casa de uns familiares na Guarda. Aqui aprende a tocar cítara e convive com o erudito Martinho de Mendonça de Pina e Proença. Em 1716, matriculou-se no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Frequenta depois o curso de Direito Civil. Contudo, em 1720, acabou por abandonar esta instituição, devido à sua insatisfação com o ensino aí ministrado e o ambiente estudantil tumultuoso. Decidiu então cursar Medicina na Universidade de Salamanca onde, a 5 Abril de 1724, obteve o título de licenciado.

Regressou a Portugal e passou a exercer medicina em Benavente. Em 1726, o seu primo Manuel Nunes Sanches denunciou-o à Inquisição por práticas judaicas. O seu grande receio de ser alvo de perseguições religiosas, à semelhança do que já tinha acontecido com muitos dos seus familiares, levou-o a abandonar prontamente a pátria.

Dados os seus contactos familiares em Londres e a tolerância religiosa aí vivida, Sanches decidiu estabelecer-se nesta cidade. Foi acolhido pelo seu tio Diogo Nunes Ribeiro, médico e membro da comunidade sefardita de Bevis Marks. No âmbito deste círculo social e religioso, abraçou o culto do judaísmo e submeteu-se à circuncisão. Conheceu também o naturalista Emanuel Mendes da Costa (1717–1791) e o médico Jacob de Castro Sarmento (1691–1762), ambos membros da Royal Society of London. Nos dois anos que permaneceu na capital inglesa, alargou os seus horizontes intelectuais e aprofundou a sua formação médica e científica. Frequentou com entusiasmo as aulas do médico James Douglas (1675–1742) e do matemático Jacob Stirling (1688–1766). Visitou hospitais, a coleção de história natural de Hans Sloane (1660–1753) e tomou contacto com a literatura médica então publicada em Inglaterra que, mais tarde, referenciará em algumas das suas obras. 

Em 1728, Sanches regressou ao continente europeu. Nesta sua nova etapa, começou por visitar a Universidade de Montpellier, passando por Paris e Marselha onde conheceu o médico João Baptista Bertrand (1670—1752), que o aconselhou a frequentar as lições de Herman  Boerhaave (1668—1738) na Universidade de Leiden. Seguidamente, o médico português partiu para Pisa, onde, por um breve período, frequentou a universidade. No Inverno de 1729, encontra-se em Bordeaux. Foi aqui que uma família judia o convidou para acompanhar e orientar os estudos médicos  do seu filho em Leiden, oferta que aceitou sem qualquer hesitação. Chegou a esta cidade no início de 1730 e, a 12 de abril, matriculou-se, também ele, na Faculdade de Medicina da Universidade. A sua passagem por este afamado centro universitário, onde permaneceu durante quase dois anos, e a possibilidade que teve de ser discípulo de Boerhaave marcaram de forma indelével a sua formação e o seu futuro profissional. Foi o eminente médico que recomendou o nome de Sanches à imperatriz Ana Ivanova (1693–1740) para médico ao serviço da Corte Russa.

O período em Leiden foi também determinante para o desenvolvimento da rede de contactos que Sanches tinha iniciado em Inglaterra. Ao longo da sua vida, o médico português manteria correspondência com Hieronym David Gaubius (1705–1780), Gerard Van Swieten (1700–1772) e Albrecht von Haller (1708–1777), também eles discípulos de Boerhaave. Já na Rússia, e depois em França, estabeleceu trocas epistolares com Herman Kauu e Abraham Kauu, sobrinhos e testamentários do seu mestre, o que lhe permitiu ter acesso a alguns dos seus manuscritos.

Sanches chegou à Rússia em Outubro de 1731, sendo nomeado médico do Senado e da Cidade de Moscovo. Passados dois anos, foi chamado para exercer medicina junto da Corte Russa em São Petersburgo. Passados quatro anos, foi nomeado Primeiro Médico da Armada Imperial, lugar que lhe permitiu estudar doenças que eram comuns nos campos militares e conduzir observações em hospitais de campanha. Após as expedições militares, regressou à capital russa e foi nomeado médico do Corpo Imperial de Cadetes, instituição dedicada à educação de membros da alta aristocracia russa. Em 1740, passou a ocupar o lugar de médico da Corte e a assistir de perto vários membros da família imperial, tendo desempenhado um papel crucial na cura da princesa Sophia Augusta e da futura imperatriz Catarina II (1729–1796), na altura com 15 anos. Esta aludiria ao facto com gratidão nas suas Memórias. Os sucessos do médico português na Corte Russa motivaram a sua designação como Conselheiro de Estado em 1744. Contudo, devido a intrigas políticas e a alegações de judaísmo, Sanches foi forçado a deixar a Rússia em 1747. Antes de partir, a Imperatriz Isabel Petrovna (1709–1762) honrou-o com um certificado de bons serviços e a Academia Imperial das Ciências nomeou-o membro estrangeiro, atribuindo-lhe uma tença anual de 200 rublos. Sanches decidiu estabelecer-se em Paris, cidade onde permanecerá até ao final dos seus dias. No seu trajeto, passou por Berlim e foi recebido por Frederico II da Prússia. Na capital francesa, tomou conhecimento de que foi excluído como membro da Academia russa após uma denuncia à Imperatriz, a qual era anti-semita militante, de que Sanches era judeu de nascimento e praticante. Após a  ubida ao trono de Catarina II em 1762, foi-lhe estabelecida uma pensão anual e vitalícia de mil rublos. Contudo, não lhe foi restituído o título de membro da Academia.

Os cerca de dezasseis anos passados na Rússia desempenharam um papel crucial na vida e na obra de António Nunes Ribeiro Sanches. Aqui enriqueceu a sua experiência médica e esboçou algumas das obras que, mais tarde, viria a publicar. Este período foi ainda determinante na extensão da sua rede de contactos e correspondentes, para a qual a frequência da Academia Imperial das Ciências em São Petersburgo desempenhou um papel central. Foi através desta instituição que conhece o matemático Leohnard Euler (1707–1783), o naturalista Johann Georg Gmelin (1709–1755), o estudioso de música e Director da Academia Jacob von Stahlin (1709–1785) e o matemático e Secretário da Academia Christian Goldbach (1690–1764). Tem também a oportunidade de conviver com o estudioso de línguas e história oriental Gottlieb Siegfried Bayer (1694–1738) e o astrónomo Nicholas Delisle (1688–1768), através dos quais iniciou correspondência com jesuítas portugueses a residir na cidade de Pequim, que lhe enviavam notícias sobre plantas do oriente e sobre práticas médicas chinesas. Por sua vez, o médico português enviava-lhes várias obras e instrumentos científicos, tendo, provavelmente, recorrido a Jacob de Castro Sarmento. Em várias ocasiões, Sanches atuaria como intermediário entre várias instituições, com vista ao envio de informações, bibliografia e objetos científicos. Ainda na Rússia, manteve com este propósito contactos com Academia Real da História Portuguesa. 

Em Paris, Sanches consolidou e ampliou a sua rede de amigos e correspondentes. Passou a conviver de perto com Charles Andry (1741–1829) e Félix Vicq d´Azir (1748–1794), ambos professores da Faculdade de Medicina da Universidade  de Paris e membros fundadores da Société Royale de Médecine, à qual irá pertencer. Estabeleceu também contacto com os astrónomos Jean Jacques Mairan (1678–1791) e Charles Messier (1730–1817), o Conde de Buffon (1707–1788) e o seu colaborador Louis D´Aubenton (1716–1800). Foi para o célebre naturalista que, ainda na Rússia, compilou observações sobre história natural que mais tarde figurariam no terceiro volume da História Natural (1769) deste autor. O médico português travou ainda conhecimento com o matemático e co-editor da Encyclopédie Jean le Rond D´Alembert (1717–1783) e o filósofo e co-editor da Encyclopédie Denis Diderot (1713–1784). 

Foi na capital francesa que Sanches redigiu a maioria das suas obras e manuscritos, tendo sido os estudos sobre a sífilis os que mais marcaram a sua contribuição para a medicina da época e a obra Dissertation sur l’origine de la maladie vénérienne a que alcançou mais sucesso editoral. Foi publicada pela primeira vez em Paris em 1750, vindo a ter duas re-edições (1756, 1765) e traduções em inglês (1751), alemão (1775) e holandês (1792). Mais tarde, veio a lume o Examen historique sur l’apparition de la maladie vénérienne en Europe, supostamente editado em Lisboa em 1774. Estas duas obras foram depois reunidas num só volume, preparado e dado à estampa por Hieronym David Gaubius, em Leyden, em 1778. Ainda em vida, redigiu, a convite de Diderot, uma pequena síntese sobre o diagnóstico e tratamento da doença venérea crónica, destinada à segunda edição da Encyclopédie num volume publicado em 1771. Postumamente virão a lume, com a chancela da Sociedade Real de Medicina de Paris, as Observations sur les maladies vénériennes (1785), uma edição organizada e revista por Charles Andry.

O médico português iniciou o seu interesse pelas doenças venéreas quando ainda se encontrava na Rússia. Aqui, conduziu estudos sobre as virtudes terapêuticas  os banhos de vapor preparados neste país e assinalou os seus efeitos benéficos no tratamento de várias doenças e, em particular, da sífilis. Registou também a manifestação clínica da doença e indicou métodos para o seu tratamento. A sua preferência recaiu sobre a administração oral de um preparado de bicloreto de mercúrio, também conhecido por sublimato corrosivo. O autor demonstrou ainda, em oposição ao que no seu tempo se admitia, que a sífilis já era conhecida na Europa alguns anos antes do regresso de Colombo da sua segunda viagem.

Sanches nunca regressou ao seu país natal mas, durante toda a sua vida, manteve um interesse vivo por aquilo que estava a acontecer em Portugal. Evidenciam-no a sua correspondência e algumas das obras que escreveu especificamente destinadas a uma audiência portuguesa. O seu objetivo era o de contribuir para a circulação de novas ideias e para alterações sobre os modos de pensar, particularmente no domínio da educação. O seu pensamento pedagógico esteve em inteira consonância com o papel primordial que era atribuído à instrução no século XVIII. O ideal de progresso da Europa ilustrada encontrava-se intimamente ligado a um sistema eficiente de ensino e destacava o papel fulcral da circulação de conhecimento entre os vários países e centros de aprendizagem. 

Em Paris, Sanches manteve contacto com diplomatas, sábios, médicos e estudantes portugueses a viver nesta cidade, alguns deles no exílio. Entre eles, encontrava-se José Joaquim Soares de Barros (1721–1792) que, depois de cursar matemática em Inglaterra e na Holanda, foi aluno de Alexis Clairaut (1713–1765) e Joseph Nicholas Delisle (1688–1768). Entre 1767 e 1787, conviveu com o padre oratoriano Teodoro de Almeida (1722–1804) exilado em Paris. Foi também nesta cidade que conheceu João Jacinto de Magalhães (172–1790) residente em Londres, mas que, devido à sua actividade de intermediário na troca e venda de obras e instrumentos científicos, se deslocava com frequência ao continente. Um dos seus correspondentes, a partir de Roma, foi Luís António Verney (1713–1792) com quem partilhou ideais e princípios pedagógicos.

Das obras que Sanches destinou a um público português, o Tratado sobre a Conservação da Saúde dos Povos (1756), publicado um ano após o Terramoto de 1755, foi a que alcançou maior reconhecimento ao longo da história. Tendo como audiência privilegiada os encarregados dos povos, o volume versa uma espécie de “medicina política” cuja finalidade é a de transformar a própria medicina num dos alicerces da racionalização da vida política e social. Tornava-se assim necessária a implementação de leis e de regulamentos que promovessem a conservação da saúde dos povos, sendo imprescindível que o médico, como legislador do corpo humano, indicasse os meios mais eficazes para estabelecer a saúde do corpo coletivo, quer em tempo de paz ou em tempo de guerra. É com base em noções da medicina hipocrática e nas novas descobertas da química pneumática, que o autor preconiza uma conceção higienista baseada na qualidade do ar dos espaços públicos incluindo as igrejas, os hospitais civis e militares, as prisões, os conventos e, igualmente, os navios. Sanches reclama a responsabilidade do Estado e dos seus dirigentes na higiene do corpo coletivo, defende que a prevenção deve ser considerada como o primeiro degrau da terapêutica e que o Estado deve ter um papel central na profilaxia, nomeadamente no que respeita à prevenção de doenças contagiosas. A principal estratégia de conservação da saúde pública é efetivada através da implementação de procedimentos elementares na purificação do ambiente e, em especial, dos espaços públicos e promíscuos. O Tratado revela o conhecimento do autor em relação às mais recentes autoridades na matéria. Contudo, não obstante os conhecimentos teóricos e práticos que demonstra, bem como a antecipação nas medidas preventivas que preconiza, o Tratado da Conservação da Saúde dos Povos não parece ter tido uma repercussão significativa na medicina e sociedade portuguesa da época. Na verdade, o Marquês de Pombal (1699–1782), Primeiro Ministro de D. José I (1714–1777), ignorou em grande parte a moderna e pioneira topografia sanitária contida na proposta higiénico-urbanística de Ribeiro Sanches. A obra foi, no entanto, objeto de uma edição revista em 1757. Viria ainda a ser traduzida em castelhano em 1781 e a secção sobre terramotos apresentada no seu final traduzida em italiano em 1783.

Após a expulsão dos jesuítas em 1759, tornava-se urgente uma reforma do sistema educacional português, tendo Sanches sido convidado a contribuir para a reestruturação dos estudos médicos da universidade de Coimbra. O seu interesse por questões pedagógicas já vinha de longa data. Em 1731 tinha delineado um plano sobre esta matéria quando residia em Leiden e, mais tarde, foi consultado pela Universidade de Estrasburgo em relação a um projecto sobre o ensino da cirurgia. Para além disso, as suas Cartas sobre a educação da mocidade vieram a lume em 1760. Nas mesmas, apresentava uma história do ensino e da pedagogia na Europa e uma defesa da laicização da educação e da sociedade em geral. Os princípios pedagógico protagonizados na obra influenciaram os moldes em que viria a funcionar o Real Colégio dos Nobres fundado em 1761.

Por volta de 1760, Sanches debatia os seus planos para a reorganização da educação médica em Portugal com o seu amigo Soares de Barros e o médico Joaquim Pedro de Abreu. Numa carta enviada para o Marquês de Pombal em 1763, anunciava que o Método para aprender e estudar a Medicina estava impresso e tinha sido enviado para Lisboa. Nesta obra, o médico e pedagogo defende a secularização da educação e a sua estruturação tendo como principal objetivo a utilidade pública. Realça a importância cimeira da observação e da experiência no novo sistema educacional médico e que da Faculdade de Medicina passem a fazer parte integrante um hospital, um teatro anatómico, um jardim botânico e um laboratório químico e farmacêutico. Atribui também relevância à inclusão da História da Medicina no curriculum já que a considera fundamental ao desenvolvimento do conhecimento científico e humanitário, ambos necessários à formação dos futuros médicos. Encoraja ainda o estágio dos estudantes portugueses em centros de excelência no estrangeiro, assim como a troca de experiências entre estudiosos de diferentes países europeus. No entanto, o projeto de Sanches foi apenas parcialmente adotado pela Comissão responsável pelos novos estatutos da Universidade de Coimbra e, em todo o caso, não lhe foi atribuído qualquer reconhecimento.

Os interesses de António Nunes Ribeiro Sanches não se restringiram à medicina e à pedagogia, tendo também abrangido a religião, a economia e a política e até as obra de Luís de Camões para as quais redigiu um ensaio introdutório em 1760. A grande riqueza do seu percurso vivencial e profissional contribuiu decisivamente para o ecletismo dos seus estudos e a repercussão que alcançaram na Europa Ilustrada e, embora em menor grau, em Portugal. Esta riqueza contribuiu ainda para que estabelecesse uma vasta rede de contactos com médicos, estudiosos de várias áreas, diplomatas e altas figuras de vários países e instituições. Foi essencialmente no âmbito de trocas de conhecimento e de influências, nomeadamente por via epistolar, que Sanches conseguiu conquistar para si um lugar de destaque na República das Letras do seu tempo.

Palmira Fontes da Costa

Obras

Sanches, António Ribeiro. “Affections de l’ame.” In Encyclopedie methodique — médecinepar une société de médecins, vol. I A-ALI: 247–277. Paris: Panckoucke, 1787. 

Sanches, António Ribeiro. Observations sur les maladies vénériennes, ed. Charles Andry. Paris: Théophile Barrois le Jeune, 1785.

Sanches, António Ribeiro. “Mémoire sur les bains de vapeur de Russie, consideres pour la conservation de la santé et pour la guérison de plusieurs maladies.” Histoire de la Société Royale de Médecine (1779): 223–280. Paris: Théophile Barrois le Jeune, 1782. 

Sanches, António Ribeiro. Dissertation sur l’origine de la maladie vénérienne, pour prouver que le mal n’est pas venu d’Ameriquem mais qu’il a commencé en Europe, par une epidemie: suive de l’examen historique sur l’apparition de la maladie véneérienne en Europe et la nature de cette epidémieNouvelle edition revue et corrigée. Leiden: Henri Hoogenstraaten, 1778).

Sanches, António Ribeiro. Examen historique sur l’apparition de la maladie vénérienne en Europe, et sur la nature de cette épidémie. Lisbonne, 1774).

Sanches, António Ribeiro. “Maladie vénérienne chronique.” In Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, ed. Diderot e D’Alembert, vol. XVI: 83–84. Neuchatêl: Samuel Faulche, 1771. 

Sanches, António Ribeiro. Método para aprender e estudar a Medicina, illustrado com apontamentos para estabelecerse huma Universidade Real na qual deviam aprender-se as Sciencias humanas de que necessita o Estado Civil e Politico. Paris, 1763.

Sanches, António Ribeiro. Cartas sobre a educação da mocidade. Colónia, 1760. 

Sanches, António Ribeiro. “Ao leitor sobre esta edição.” Obras de Luis de Camões. Paris: Pedro Gendron, 1759).

Sanches, António Ribeiro. Tratado da Conservação da Saúde dos Povos: Obra útil e, igualmente, necessária aos Magistrados, Capitães Generais, Capitães de Mar e Guerra, Prelados, Abadessas, Médicos e Pais de Famílias: Com um Apêndice: Considerações sobre os Terramotos, com a notícia dos mais consideráveis, de que faz menção a História, e dos últimos que se sentiram na Europa desde o I de Novembro 1755. Paris, 1756.

Sanches, António Ribeiro. Dissertation sur l’origine de la maladie vénérienne, dans laquelle on prouve qu’elle n’a point été apportée de l’Amérique, et qu’elle a commencé en Europe, par une épidémie. Paris: Durand et Pinot, 1750.

Bibliografi  sobre o biografado 

Costa, Palmira Fontes da e António Jesus. “António Ribeiro Sanches and the circulation of medical knowledge in eighteenth-century Europe.” Archives Internationales d’Histoire des Sciences 56 (2006): 185–197.

Dulac, Georges. “Science et Politique: les réseaux du Dr António Ribeiro Sanches (1699-1783).” Cahiers du Monde Russe 43 (2002): 251–274.

Lemos, Maximiano. Ribeiro Sanches, a sua vida e a sua obra. Porto: Eduardo Tavares Martins, 1911.

Machado, Fernando Augusto. Educação e Cidadania na Ilustração Portuguesa: Ribeiro Sanches. Porto: Campo de Letras, 2001.

WillenseDavid. António Nunes Ribeiro Sanches, élève de Boerhaave et son importance pour la Russie. Leiden: E. J. Brill, 1966.