Garrett, António de Almeida

Porto, 22 setembro 1884 – 19 novembro 1961 

Palavras-chave: Faculdade de Medicina, Porto, pediatria, epidemias.

DOI: https://doi.org/10.58277/JNLI6969

António de Almeida Garrett foi filho de Francisco Xavier de Almeida Garrett e de Maria Margarida da Costa Maia e sobrinho-bisneto de João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, o primeiro visconde de Almeida Garrett, figura fundamental da literatura portuguesa, político, par do reino e grande impulsionador do teatro em Portugal. 

Casou no Porto em 8 de julho de 1915 com Maria Luísa Ruiz Hernandez, nascida em 22 de junho de 1884. O casal teve três filhos: António Ruiz, José Ruiz e João Ruiz de Almeida Garrett, nascidos em 1917, 1919 e 1923, respetivamente. 

Licenciado em Medicina na Escola Médico-Cirúrgica do Porto em 1906, especializou-se em Pediatria, desenvolvendo uma carreira médica e docente de destaque, para além do desempenho de importantes cargos públicos. A partir de 1912, foi professor de Pediatria e de Higiene na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, criada em 1911. Entre 1931 e 1954 exerceu o cargo de diretor desta faculdade. 

Teve longa carreira como funcionário na área da saúde pública. Foi subdelegado, delegado e, em 1934, inspetor dos serviços de saúde do Porto. Em simultâneo com a sua carreira docente, durante a qual participou em vários em júris de licenciatura e de doutoramento nas áreas da pediatria, higiene e termalismo, o seu interesse na vida política levou-o a candidatar-se ao Parlamento. De ideologia conservadora e católico convicto, foi eleito deputado em 1915 pelo círculo eleitoral de Vila Nova de Gaia, pelas listas da União Republicana. No início de 1918, desempenhou o cargo de vereador da Câmara Municipal do Porto, com o pelouro da Higiene, tendo participado ativamente na organização dos serviços de saúde da câmara para o combate à epidemia de tifo exantemático, especialmente no que dizia respeito aos balneários públicos e à lavagem das ruas e ilhas, onde a doença grassava com maior intensidade. Foi apoiante de Sidónio Pais e foi eleito deputado em 1918 pelo círculo do Porto. Na sua carreira política, destacam-se ainda os cargos de presidente da Junta Geral do Distrito do Porto entre 1926 e 1936 e de presidente da Junta da Província do Douro Litoral em 1940.

O seu reconhecido trabalho na área da saúde pública e a sua filiação aos conceitos higienistas e ao trabalho de Ricardo Jorge, assim como a atividade política e o apoio a Sidónio Pais, mereceram-lhe a nomeação, em 18 de maio de 1918, para o cargo de comissário do governo na cidade do Porto para combate à epidemia de tifo exantemático que grassava nesta cidade desde dezembro do ano anterior e se prolongou até março do ano seguinte. Sucedeu ao professor Augusto de Almeida Monjardino, que tinha sido nomeado em 23 de fevereiro de 1918. Manteve-se no cargo durante todo o resto do ano, acompanhando igualmente a epidemia de gripe pneumónica que, desde agosto desse ano, e com maior intensidade em outubro, provocou em Portugal um número de mortos estimado em mais de 135 000, apesar de as estatísticas oficiais apontarem para 59 000.

Neste ano dramático para o Porto, o comissário do governo colocou em prática fortes medidas higiénicas e de isolamento dos doentes, com a participação ativa das forças policiais, nem sempre bem recebidas pela população do Porto. Aliás, dadas as semelhanças das epidemias, muitas das medidas sanitárias foram herdadas daquelas postas em prática por Ricardo Jorge na epidemia de peste bubónica de 1899. Usaram-se os mesmos balneários públicos, os banhos obrigatórios, e ainda se construiram mais. Igualmente foram realizadas visitas domiciliárias por parte dos subdelegados de saúde, acompanhados pelas autoridades policiais, que resultavam, em grande parte das vezes, na queima das roupas e das próprias casas dos doentes e de todos os seus familiares e vizinhos, para eliminação do agente de transmissão da doença, na altura já perfeitamente identificado: o piolho. As escolas fecharam e foram obrigatórias guias sanitárias para apresentação nas estações de caminhos de ferro. 

No que diz respeito à epidemia de gripe, a sua transmissão pelo ar tornou desnecessárias as guias sanitárias, mas foram tomadas medidas preventivas de isolamento dos doentes, fecho das escolas, proibição de feiras e mercados, assim como foram amplamente divulgadas recomendações higiénicas e fornecidos serviços médicos e farmacêuticos gratuitos para os pobres, criando-se toda uma rede de assistência domiciliária a famílias inteiras atacadas e de transporte para os hospitais.

O trabalho de combate às epidemias realizado por este clínico foi reconhecido nos jornais pela sua competência, tendo sido descrito como incansável na adopção de todas as medidas tendentes a terminar de vez com a temerosa epidemia.

De facto, a sua obra publicada revela atualidade a nível das mais recentes descobertas científicas internacionais. Por exemplo, quando publicou o seu artigo sobre “Epidemiologia e profilaxia do tabardilho” (tifo exantemático), António de Almeida Garrett citou os trabalhos de Henrique da Rocha Lima, um bacteriologista brasileiro que, em 1916, tinha isolado a bactéria causadora da doença. 

Em 1927, colaborou com Ricardo Jorge na reforma dos serviços sanitários e organizou o II Congresso Nacional de Medicina. Em 1932, criou o Instituto de Puericultura do Porto, do qual foi diretor. Foi ainda vogal do Conselho Superior de Higiene, presidente da Associação dos Médicos do Norte de Portugal e presidente do Centro Nacional de Estudos Demográficos.

António de Almeida Garrett foi também um nome de relevo do Estado Novo, não só pelos cargos que ocupou, mas também por pertencer a um dos poderosos grupos familiares, figuras de proa da banca nas décadas de 1930 e 1940. 

A sua vasta obra soma quase três dezenas de livros e debruça-se sobre temática variada, incidindo maioritariamente sobre as especialidades médicas da Pediatria, Higiene, Alimentação e Demografia. Destaca-se ainda a atenção dada às áreas da Epidemiologia, da Medicina Geral e ainda à Literatura e à cidade do Porto. 

Foi o fundador e diretor da revista mensal Portugal Médico: arquivos portugueses de medicina, publicada em Lisboa entre 1915 e 1966. Publicou diversos artigos em revistas científicas, incluindo a revista Clínica, higiene e hidrologia, editada entre 1935 e 1957 por Armando Narciso e especializada em higiene e termalismo.

Maria Antónia Pires de Almeida
CIES, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa

Obras

Garrett, António de Almeida. Sobre a mortalidade infantil (até aos 5 anos) na cidade do Porto e os meios de a evitar. Porto: Tip. Emp. Guedes, 1909.

Garrett, António de Almeida. “Epidemiologia e profilaxia do tabardilho.” Portugal Médico 2 (1918): 105–106.

Garrett, António de Almeida. “Contra a epidemia de gripe pneumónica, em 1918, no Norte do País (Relatório).” Portugal Médico 11 (1919): 653–673.

Garrett, António de Almeida. Como organisar a luta contra a mortalidade infantil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1928.

Garrett, António de Almeida. Costumes alimentares dos portugueses. Porto: Imprensa Portuguesa, 1940.

Garrett, António de Almeida. Tendências demográficas de Portugal Metropolitano. Porto: Imprensa Portuguesa, 1940.

Garrett, António de Almeida. Estatística demográfica e luta contra a mortalidade infantil. Porto: Tip. Imprensa Portuguesa, 1952.

Garrett, António de Almeida. Dos erros de interpretação de sombras radiológicas-pulmonares. Porto: s. n., 1953.

Garrett, António de Almeida. Relatório do delegado português à Conferência europeia de estudo sobre o ensino post-universitário da higiene, da medicina preventiva e da medicina social. Lisboa: Oficinas Gráficas da Casa Portuguesa, 1953.

Garrett, António de Almeida. Aspectos gerais da evolução demográfica no Portugal metropolitano. Porto: Imprensa Portuguesa, 1954.

Bibliografia sobre o biografado

Almeida, Maria Antónia Pires de. Saúde pública e higiene na imprensa diária em anos de epidemias, 1854-1918. Lisboa: Colibri, 2013.

Marques, A. H. de Oliveira, ed. Parlamentares e ministros da 1ª República (1910-1926). Lisboa: Edições Afrontamento e Assembleia da República, 2000.

Rosas, Fernando. “O Estado Novo (1926-1974).” In História de Portugal, ed. José Mattoso, vol. 7. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993.

Sobral, José Manuel, Maria Luísa Lima, Paula Castro e Paulo Silveira e Sousa, ed. A Pandemia Esquecida. Olhares comparados sobre a Pneumónica 1918-1919. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2009.