Mira, Matias Boleto Ferreira de

Canha, 21 fevereiro 1875 — Lisboa, 7 março 1953

Palavras-chave: Faculdade de Medicina de Lisboa, Fisiologia, Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral, jornalista, político, publicista.

DOI: https://doi.org/10.58277/BAPE3649

Matias Boleto Ferreira de Mira era filho único de pais lavradores alentejanos, com alguns meios de fortuna. Sofria de tuberculose vertebral (doença de Pott) desde a infância, doença que se foi agravando ao longo do tempo. 

Fez o curso liceal no Montijo e licenciou-se em Medicina na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, em 1898. Depois de terminar o curso exerceu clínica no Hospital da Misericórdia de Canha, no Montijo, e casou com Estrela Rosa da Silva Vassalo, sua conterrânea, em 1904. Deste casamento nasceu um filho único, Manuel Vassalo Ferreira de Mira, médico, que viria a falecer aos 24 anos, vítima de tuberculose, doença sobre a qual investigava, no Instituto que o pai dirigia. 

Em 1910, Ferreira de Mira veio para Lisboa, na sequência do agravamento dos sinais da sua doença e dirigiu-se à Faculdade de Medicina de Lisboa (FML). Aqui começou a trabalhar no Instituto de Fisiologia no ano seguinte, dirigido por Marck Athias, que o entusiasmou a dedicar-se à química biológica, área para a qual nem Athias nem nenhum dos seus discípulos tinha preparação laboratorial. O trabalho que aqui desenvolveu sobre a reacção de Maoiloff, que permitia determinar o sexo dos fetos ainda no ventre materno, permitiu-lhe a nomeação para o lugar de segundo assistente provisório de fisiologia, em 1912. Sete anos depois, a 11 de dezembro de 1919, mediante concurso de provas públicas, foi nomeado primeiro assistente e neste cargo ficou responsável pela regência do curso de química fisiológica, disciplina da qual foi titular até 1945, ano em que atingiu o limite de idade.

Ferreira de Mira foi eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa entre 1913 e 1915, numa lista neutra que envolvia todos os partidos, ao lado dos seus colegas médicos, Henrique de Vilhena, Salazar de Sousa e João Pais de Vasconcelos. Como edil ocupou o pelouro da instrução, para o qual contribuiu com um relatório sobre a estruturação da instrução primária que, não chegou a ser implementado pelos democráticos do movimento de 14 de maio.  

Ferreira de Mira foi vogal da Comissão Executiva da Associação Nacional de Tuberculosos em 1913, cargo que ocupou até 1915. Nunca quis apresentar a sua candidatura à Academia das Ciências de Lisboa, embora por mais de uma vez lhe tivesse sido solicitada, e não recebeu qualquer condecoração. 

Serviu o exército entre 1915 e 1916, como major miliciano, sendo nomeado membro de uma comissão que tinha por objetivo a revisão de um trabalho elaborado em 1916, sobre a mobilização dos médicos e estudantes de medicina para o serviço militar. 

Envolveu-se ativamente na vida política portuguesa a partir de 1914, ao lado de Brito Camacho, seu amigo, líder e fundador do Partido Unionista, cujos membros mais destacados se viam a si mesmos como os “aristocratas” da República. Foi deputado à Assembleia da República pelo distrito de Santarém em 1921 (por três meses) e mais tarde, entre 1923 e 1924. Na última legislatura integrou as comissões de finanças e administração. Em 1921 foi convidado para Ministro da Instrução no governo de Ginestal Machado, mas declinou o convite. A sua carreira política terminou com a ditadura militar e o Estado Novo. De facto, para um homem que rejeitava o totalitarismo e para quem o fascismo era um regime intolerante, por não consentir a crítica, e intolerável, por visar o monopólio do poder com duração ilimitada, seria impossível continuar a desempenhar funções políticas, no quadro saído do 28 de Maio. Embora admitisse a formação de governos com poderes extraordinários em situações de crise, Ferreira de Mira já não apoiara anteriormente a ditadura de de Sidónio Pais, no quadro da Iª República.

Ferreira de Mira, que escrevia desde muito jovem, iniciou-se como publicista no jornal “A Lucta”, jornal fundado pelo seu amigo Brito Camacho. Neste periódio publicou vários artigos de índole científica, pedagógica e política, entre 1912 e 1918. Em 1922 o periódico foi descontinuado e Ferreira de Mira continuou a publicar artigos do mesmo tipo, no Diário de Notícias, entre 1947 e 1953, com uma regularidade semanal. Aqui publicou cerca de 200 artigos que, na sua grande maioria eram de propaganda científica com uma clara intenção de intervenção política. Para além destes periódicos onde Ferreira de Mira manteve uma colaboração regular, outros houve onde pontualmente publicou, como sejam, o Novidades, dirigido por Emídio Navarro, a Sociedade de Estudos Pedagógicos, da qual Ferreira de Mira foi director, em 1934, o Jornal do Comércio, a Seara Nova e ainda O Diabo. Os artigos publicados na Seara Nova foram reunidos com os títulos, Palestras Científicas e Curiosidades Científicas

Nos artigos de opinião escritos em “A Lucta” — cuja direção Ferreira de Mira assumiu quando Brito Camacho foi nomeado para Alto Comissário da República, em Moçambique — reclamara publicamente, por várias vezes, as dificuldades das quais a investigação científica em Portugal sofria, admitindo que no país reinava uma mentalidade alicerçada num anti-cientismo primário. Defendeu insistentemente, a ideia do mecenato para apoiar a construção de centros de investigação privados, com poderes e recursos para gerir a sua própria investigação, a exemplo dos Institutos Rockefeller e Canergie, nos Estados Unidos. Estes apelos tiveram eco em Bento da Rocha Cabral—um multimilionário transmontano emigrado no Brasil—que assim decidiu deixar em testamento a maioria dos seus bens, para que, na sua residência de Lisboa, se construísse um centro privado de investigação em ciências biológicas, bem como a indicação de que o seu primeiro diretor fosse Ferreira de Mira. Assumiu assim o cargo em 1922, com 45 anos, em circunstâncias que denunciavam já as qualidades de um líder de investigação, no Instituto de Fisiologia da FML. 

Para dar integral cumprimento ao testamento de Rocha Cabral foi necessário proceder a uma alteração da legislação portuguesa dado que a criação de um instituto com estas características era inédita em Portugal. Na qualidade de deputado, Ferreira de Mira apresentou na Câmara, um projecto de lei que estabelecia a isenção de quaisquer contribuições ou impostos para os institutos de investigação e propaganda científica. Na sua alocução à Câmara dos Deputados, substituiu a caridade, pelos valores humanitários do mecenato científico, mais conformes ao ideário laico da República. Com ligeiras alterações, o projecto de lei de Ferreira de Mira foi aprovado por unanimidade no parlamento e a 15 de julho de 1922 foi promulgada em conformidade, a Lei nº 1:290 e o Decreto nº 8:315 de 11 de agosto, no qual se reconhecia a utilidade pública do Instituto de Investigação Scientifica de Bento da Rocha Cabral com individualidade jurídica.

Em 1925 iniciaram-se os trabalhos de investigação, após a adaptação do palacete de Rocha Cabral, em Lisboa, na calçada da Fábrica da Louça (que recebeu o seu nome a partir de 1924). O novo espaço albergava no início quatro espaços complementares de investigação: a fisiologia (com Ferreira de Mira, Joaquim Fontes e Mark Athias), Histologia (com Augusto Celestino da Costa e Luís Simões Raposo), Química Biológica (Ferreira de Mira, João Calisto, Anselmo da Cruz e depois, Kurt Jacobsohn) e Bacteriologia (primeiro com Fausto Lopo de Carvalho e Manuel Ferreira de Mira, e depois da morte deste, com Alberto de Carvalho).  

No IRC, Ferreira de Mira dirigia a publicação regular de dois periódicos, Travaux de Laboratoire e Actualidades Biológicas. Os Travaux de Laboratoire, cujo primeiro volume surgiu em 1926, eram publicados em língua francesa, com o objectivo de assegurar a internacionalização da produção científica dos investigadores do instituto. As Actualidades Biológicas, editadas a partir de 1928, consistiam numa coletânea de conferências proferidas anualmente, no instituto, pelos investigadores considerados como os mais conceituados na época, na sua área de investigação, e que, maioritariamente, trabalhavam no instituto.

Para além dos artigos publicados em jornais e das conferências que proferiu na Universidade Popular Portuguesa, Ferreira de Mira foi autor de 71 artigos científicos em revistas portuguesas e estrangeiras da especialidade, muitos deles em colaboração com Joaquim Fontes, e 21 obras de carácter didático ou histórico. Publicou uma coleção de lições de química fisiológica para os alunos da FML, e mais tarde, um manual que teve duas edições, Lições de Química Fisiológica Elementar, uma em 1925 e outra, em 1934. Editou também dois pequenos manuais de fisiologia elementar, com Joaquim Afonso de Guimarães, Alimentação, Digestão e Absorção dos Alimentos, em 1937, e Sangue, Metabolismo e Emunctórios, em 1939 e publicou também um livro de fisiologia geral, com o título, Elementos de Fisiologia: Fisiologia Geral, em 1944. Apenas neste último livro, Ferreira de Mira refere alguns dos seus trabalhos de investigação. Publicou também em colaboração com Pereira Forjaz e com Kurt Jacobsohn, dois manuais de química utilizados na Faculdade de Ciências, um de química geral, publicado em 1942, e outro de química orgânica, publicado em 1938. Além destas obras, editou também algumas de carácter histórico, a História da Medicina Portuguesa, em 1947, e a História da Fisiologia em Portugal, que foi concluída e publicada a título póstumo, pelo IRC, em 1954.

Para além das publicações científicas e didáticas e das diversas crónicas científicas, pedagógicas e de índole política, que escreveu, Ferreira de Mira editou também Cartas de Longe e Em Viagem, no género de literatura de viagem e biografou Manuel Bento de Sousa, Carlos França, Custódio Cabeça, Augusto Monjardino e Brito Camacho.

Faleceu em Lisboa, vitima de edema pulmonar, com 78 anos.

***

A obra de Ferreira de Mira é multifacetada. Não sendo dos médicos do seu tempo, o mais referido, não deixou fazer parte da “geração e 1911” ao lado de Marck Athias, Augusto Celestino da Costa, Henrique de Vilhena ou Sílvio Rebello Alves. Fez assim parte de uma escola de médicos-cientistas que marcou a diferença na formação médica da primeira metade do século XX, pela forma como, veiculados a uma ideia de modernidade assente em pressupostos humboldtianos por um lado, e, positivistas, por outro, agilizaram um conjunto de meios, atores e instituições, que fizeram de Lisboa uma capital científica, por excelência. 

Para além de médico e investigador, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Ferreira de Mira foi publicista, jornalista, político e o primeiro diretor de um instituto privado de investigação para as ciências biomédicas em Portugal, o IRC. Entusiasta do desenvolvimento experimental das ciências biológicas contribuiu para o intercâmbio científico e para a animação daquele espaço de investigação e de aprendizagem mútua e contínua, que complementava a investigação realizada em diferentes espaços públicos, dos quais se destaca o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, criado em 1892, ou mesmo outros espaços privados como o Instituto Pasteur de Lisboa, fundado por Virgínio Leitão Vieira dos santos, em 1898. 

O laboratório de química biológica foi o último a ser instalado no IRC. Os primeiros trabalhos foram realizados por Ferreira de Mira, mas as condições experimentais em que exerciam a sua atividade não eram consideradas as mais convenientes e a formação científica nesta área também era sentida como bastante precária. Por esta razão e pelo conhecimento que Ferreira de Mira tinha da hegemonia da especialização científica alemã, não hesitou em procurar no Kaiser Wilhelm-Institut für Biochemie, o melhor especialista para recrutar para a sua secção do IRC. Por indicação de Neuberg, o convite foi endereçado a Kurt P. Jacobsohn, que, a partir de 1929, ali criou um grupo de investigação em bioquímica, que esteve na origem da emergência de uma nova área de especialização biológica em Portugal, na fronteira da medicina, da fisiologia e da química, na primeira metade do século XX.

Ferreira de Mira, pelo facto de ter publicado em diferentes canais de publicitação dos ideais republicanos, o número de publicações sobre temáticas de carácter doutrinário associadas à universidade e ao ensino superior é elevado. Se com os artigos publicados no jornal de Brito Camacho, entre 1912 e 1918, Ferreira de Mira pretendeu atingir o grande público, com aqueles que publicou na Seara Nova, entre 1940 e 1943, cumpriam o objectivo de divulgar as descobertas e contribuições científicas entre a elite intelectual portuguesa. Pela sua forte componente ideológica e no período em que são publicados, os artigos de Ferreira de Mira fazem dele o principal tribuno da escola de investigação de Athias na sociedade portuguesa, uma e outra no seu sentido mais lato. As suas intervenções jornalísticas em torno destas mesmas temáticas continuariam durante a ditadura de Salazar. Desta feita, no Diário de Notícias onde, e sempre na primeira página, conseguia com extrema habilidade, elegância e, por vezes, com fina ironia, passar a sua mensagem em total coerência com as ideias anteriormente expressas.  Num estilo muito próprio terá ultrapassado deste modo os mecanismos de censura. Durante este período, é também de salientar o apoio expresso de Ferreira de Mira às tentativas de mudar o curso da política científica portuguesa, do seu condiscípulo Celestino da Costa, “um dos professores que a assuntos universitários mais se dedicam,” então presidente do Instituto para a Alta Cultura.

Não tendo sido professor catedrático na Faculdade de Medicina de Lisboa, Ferreira de Mira deixou um legado muito peculiar para as novas gerações de médicos e investigadores que se lhe seguiram. Pelo IRC, durante a sua primeira fase de existência à frente da qual ele foi o seu director, passaram vários investigadores de referência no panorama científico português, como sejam, o parasitologista Carlos França, a fitopatologista Matilde Bensaúde, o Padre Joaquim da Silva Tavares, fundador da revista Brotéria ou, ainda, Egas Moniz. 

Isabel Amaral

Arquivo

Lisboa, Actas do Conselho de Administração do Instituto Bento da Rocha Cabral.

Obras

Ferreira de Mira, Matias Boleto. “Sur l’influence exercée par les capsules surrénales sur la croissance.” Archives Internationales de Physiologie 14 (1914): 108–125.

Ferreira de Mira, Matias Boleto. “Carlos França.” Jornal da Sociedade de Ciências Médicas 91 (1927): 87–129.

Ferreira de Mira, Matias Boleto. O Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 1926.

Ferreira de Mira, Matias Boleto. Crónicas Scientíficas, prefaciadas pelo Dr. Brito Camacho. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1928.

Ferreira de Mira, Matias Boleto e Joaquim Fontes. “L’action des extraits surrénaux sur la fatigue musculaire.” Archives Portugaises des Sciences Biologiques 2 (1929) : 221–244.

Ferreira de Mira, Matias Boleto e Kurt Jacobsohn “Les extraits de córtex surrénal et leur influence sur la survie du cobaye décapsulé.” Archives Portugaises des Sciences Biologiques 3 (1931):  23–42.

Ferreira de Mira, Matias Boleto . “O Instituto Rocha Cabral e a sua obra.” Actualidades Biológicas 11 (1939): 6–29.

Ferreira de Mira, Matias Boleto e Anselmo Cruz.  “Sur quelques composéa phosphoriques du muscle du lapin prive de capsules surrénales.” Comptes Rendus de la Société de Biologie de Paris (1937): 1–3.

Ferreira de Mira, Matias Boleto . História da Medicina Portuguesa. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1947.

Ferreira de Mira, Matias Boleto . História da Fisiologia em Portugal. Lisboa: Oficinas Gráficas da Ramos, Afonso & Moita, 1954.

Bibliografia sobre o biografado

Elogio fúnebre de Ferreira de Mira. Acta nº 1001 do Conselho de Administração do IRC, 7/5/1953.

Moniz de Bettencourt, Jacinto. Miscellanea. Lisboa, 2000. 

Amaral, Isabel. A Emergência da Bioquímica em Portugal: as escolas de investigação de Marck Athias e de Kurt Jacobsoh. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian-Fundação para. a Ciência e Tecnologia, 2006.

Amaral, Isabel. “Na Vanguarda da Modernidade: o dinamismo sinergético de Marck Athias, Celestino da Costa e Ferreira de Mira na primeira metade do séc. XX”. In Estudos do Século XX, ed. Rui Pita e Ana Leonor Pereira, 263–282. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2004.

Aguiar, António Mota de. Sobre Ferreira de Mira (1875-1953). De Rerum Natura, https://dererummundi.blogspot.com/2012/03/sobre-ferreira-de-mira-1875-1953.html, aedido a 7 de Julho de 2022.

Gomes, Mário de Azevedo

Angra do Heroísmo, 22 dezembro 1885 – Lisboa, 12 dezembro 1965

Palavras-chave: agrónomo, professor universitário, político.

DOI: https://doi.org/10.58277/DCWB9977

Mário de Azevedo Gomes foi um agrónomo, professor universitário e político. 

Foi filho do comandante Manuel de Azevedo Gomes e de sua esposa Alice Hensler. Do seu pai recebeu o exemplo de adesão à causa republicana embora este, apesar do seu claro republicanismo, se encontrasse bem relacionado com alguns setores da aristocracia e até com a Corte, pois chegou a ser oficial às ordens do rei D. Carlos. Pelo lado materno era neto da condessa de Edla, segunda mulher de D. Fernando II, viúvo da rainha D. Maria II. Um irmão do seu pai foi ministro da Marinha no Governo Provisório da República (1910–1911).

Fez o curso dos Liceus em colégios particulares e no antigo Liceu do Carmo, terminando-o em junho de 1902. Seguidamente, matriculou-se no Instituto de Agronomia e Veterinária, onde se formou em Agronomia em outubro de 1907, com a nota final de 17 valores, apresentando uma tese sobre a questão do açúcar.

Casou, em Sintra, com Cristina Leopoldina Sousa de Menezes Marcellin Chambica (1891–1982), com quem teve 7 filhos.

Entrou para o serviço do Estado e para o ensino público como preparador do Instituto Superior de Agronomia e Veterinária em 18 de janeiro de 1908. Daqui, passou, por aprovação em concurso de provas públicas, a professor da Escola Nacional de Agricultura de Coimbra, mantendo-se em funções de 12 de novembro de 1909 até 12 de abril de 1914. Concorreu depois a um dos lugares de professor substituto do Instituto Superior de Agronomia, sendo dispensado pelo Conselho Escolar da prestação de provas. Foi nomeado para este novo cargo por decreto de 7 de março de 1914.

No ano letivo de 1914–1915 ingressou no ensino do Instituto, regendo primeiro o curso de Biologia Geral. Em fevereiro de 1915, foi nomeado professor catedrático de Silvicultura, cargo que ocupou, com interrupções, até a sua jubilação (de 1914 a 1946 e de 1951 a 1955).

Foi fundador e primeiro diretor da Estação Agrária Nacional (ingressou como chefe de secção em dezembro de 1917) e dirigiu os programas de extensão rural, então designados por instrução agrícola, entre 1919 e 1925. Exerceu por duas vezes as funções de chefe de repartição de instrução agrícola no Ministério da Instrução Pública. Fez parte, em representação, do Conselho Escolar e, por eleição, do Conselho de Ensino Agrícola. Foi encarregado pela Comissão Executiva da Conferência da Paz da elaboração de uma Memória acerca da situação económica da agricultura portuguesa. Foi nomeado, em 20 de outubro de 1919, diretor-geral da instrução agrícola no Ministério da Agricultura, passando, por efeitos da reforma dos serviços, a diretor-geral do ensino e fomento (cargo do qual foi exonerado, a seu pedido, em 5 de novembro de 1925). 

Foi vogal do Conselho Técnico Florestal (Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas). Entre dezembro de 1923 e fevereiro de 1924, foi ministro da Primeira República Portuguesa, integrando o executivo presidido por Álvaro de Castro. Foi responsável pelo Ministério da Agricultura. Pela primeira vez, os membros do grupo Seara Nova aceitaram participar no governo e logo com a responsabilidade de três pastas: a da Instrução Pública; a da Agricultura, oferecida num primeiro momento a Ezequiel de Campos; e a da Guerra, assumida por Ribeiro de Carvalho. Ezequiel de Campos, engenheiro com experiência de fomento nas colónias, não aceitou o convite. A pasta foi assumida por Azevedo Gomes, que trabalhou de forma muito próxima ao outro ministro seareiro, António Sérgio

Em dezembro de 1925, foi nomeado chefe da secção de estudos da Estação Agrária Nacional. Passados dois anos, em janeiro de 1928, foi nomeado diretor delegado da mesma Estação, lugar em que se manteve até extinção da instituição. Foi vogal do Conselho Superior de Agricultura, como delegado da Sociedade de Ciências Agronómicas. Fez parte da Comissão encarregada de elaborar o projeto da arborização da serra de Monsanto e regiões limítrofes. Fez parte da Comissão Portuguesa da Organização Científica do Trabalho Agrícola. Representou o país na Assembleia-Geral do Instituto Internacional de Agricultura em Roma (junho de 1926) e na Conferência Económica Luso-Espanhola, em Lisboa (1928). Representou o Instituto no Congresso Internacional de Silvicultura em Roma (junho de 1926).

Após o golpe de estado de 28 de maio de 1926, aderiu à oposição democrática, sendo uma das figuras mais ilustres da oposição antissalazarista. Foi colaborador da Seara Nova até 1940 e membro da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática (MUD), à qual presidiu. Em 1946, foi-lhe instaurado um processo disciplinar por ter redigido um manifesto crítico sobre o posicionamento de Portugal face à Organização das Nações Unidas, de que resultou a sua demissão do lugar de professor da Universidade Técnica de Lisboa, sendo readmitido em 1951.

Em 1948, já depois da extinção do MUD, presidiu à comissão central da candidatura à presidência da República do general Norton de Matos. Foi o primeiro subscritor do Programa para a Democratização da República (1961), um manifesto da oposição democrática assinado por outras figuras de grande prestígio nacional, entre as quais Jaime Cortesão. A participação no movimento oposicionista valeu-lhe a prisão em 1946, 1948 e 1958, por períodos que foram de um dia a um mês.

Foi consultor técnico da Companhia das Lezírias do Tejo e Sado. Prestou alguma assistência técnica a propriedades florestais particulares. Fez estudos para os Serviços Florestais na década de 1950 (monografia do Parque da Pena).

Colaborou na revista Lusitânia (1924-1927), no Portugal Agrícola, na Federação Agrícola, (órgão da Federação dos Sindicatos Agrícolas do Centro, de que foi diretor técnico), na Agros (desde a sua fundação em 1916–1917), na Gazeta das Aldeias (com crónicas mensais), na página agrícola d’O Século (que dirigiu), entre outros. Publicou vários artigos visando problemas de interesse nacionalno jornal República, sob o título comum de temas fundamentais. Foi colaborador da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

Ignacio García-Pereda

Obras

Gomes, Mário de Azevedo. A Utilidade das Árvores. Lisboa: Livraria Profissional, 1916.

Gomes, Mário de Azevedo. O comércio dos resinosos em Portugal. Lisboa: Seara Nova, 1934.

Gomes, Mário de Azevedo. Silvicultura. Lisboa: Sá da Costa, 1947.

Gomes, Mário de Azevedo. Monografia do Parque da Pena: Estudo Dendrológico-Florestal. . Lisboa: s. n., 1960.

Obras sobre o biografado

Baptista, Fernando de Oliveira. “Mário de Azevedo Gomes (1885-1965).” In Dicionario de História do Estado Novo, ed. Fernando Rosas, José Maria Brandão de Brito e Fernanda Rollo, vol I, 387-388. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. .

García-Pereda, Ignacio. Mário de Azevedo Gomes (1885-1965). Mestre da Silvicultura Portuguesa. Sintra: Parques de Sintra, 2011. 

Ralha, Alberto José Nunes Correia

Vila Nova de Milfontes, 18 maio 1921 — Caparica, 3 janeiro 2010

Palavras-chave: Professor de Farmácia e Investigador, Actividade na Indústria Farmacêutica e no Laboratório da Polícia Científica, Ensino Superior e Educação, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Político. 

DOI: https://doi.org/10.58277/COJT2034

Alberto José Nunes Ralha nasceu em Vila Nova de Milfontes, a 18 de Maio de 1921, sendo filho de Alberto Rodrigues Correia Ralha e Ana Assis Nunes Faísca Lamy Correia. Desde novo teve contacto com o mundo farmacêutico, pois o seu pai era dono de uma farmácia em Lisboa.  

Em 1943, terminou a licenciatura em Farmácia na Universidade de Lisboa, com as mais altas classificações, tendo no ano seguinte sido contratado como segundo assistente da mesma Faculdade. Interrompeu esta actividade para aprofundar os seus conhecimentos nas ciências farmacêuticas, nas Universidades de Madrid (1944 a 1946), de Zurique (1946 a 1947) e de Basileia (1947 a 1949), como bolseiro do Instituto de Alta Cultura. Frequentou, igualmente, o Massachussets Institute of Technology (MIT) (1953). Em 1952, desempenhou as funções de primeiro assistente, tendo posteriormente regido a cadeira de química orgânica farmacêutica desta Faculdade. 

Entretanto, Alberto Ralha casou-se com Isaura Xavier Ralha, de quem teve dois filhos: José Manuel Ralha e Maria Helena Ralha Simões.

Alberto Ralha exerceu a sua profissão de farmacêutico, tanto na área académica, como na área da indústria. Na área académica, enquanto investigador no campo da química orgânica farmacêutica, publicou diversos trabalhos científicos, sendo de destacar aqueles que desenvolveu no âmbito do “doseamento de hormonas esteróides, sobre o método calorimétrico para a dosagem da quelina” (quando em presença da visnagina ou do quelolglucósido) e, ainda, sobre as “sínteses acetilénicas”. No trabalho sobre os esteróides abordou as questões da estereoquímica e da nomenclatura, enquanto nos trabalhos sobre as sínteses acetilénicas, o investigador descreveu a “preparação do etinil-fenil-carbinol e do vinil-fenil-carbinol por hidrogenação catalítica parcial do primeiro”. É de destacar, igualmente, os trabalhos científicos que permitiram a “identificação da quelina” (furanocromona existente na planta Ammi visnaga L. (Lam.), a qual apresenta grande actividade farmacológica e terapêutica), e que serviu de base à sua candidatura ao título de professor agregado da Escola de Farmácia da Universidade de Lisboa. 

Em 1958, depois de ter pedido a dispensa do seu lugar na Universidade de Lisboa, deu uma série de lições para os alunos do Centro de Estudos Farmacológicos do Instituto de Alta Cultura. 

Na área da indústria farmacêutica, Alberto Ralha desenvolveu um trabalho significativo no Laboratório Normal (posteriormente integrado na multinacional Ciba-Geigy), entre 1949 e 1970. Teve, igualmente, um papel relevante na direcção do Laboratório da Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária, nomeadamente, como responsável pela criação e organização desse estabelecimento, entre 1957 e 1970. Durante este tempo, participou em diversas reuniões internacionais da União Internacional de Química Pura e Aplicada (como a XV realizada em Lisboa, em 1956), da Federação Internacional Farmacêutica, da Associação Internacional de Ciências Forenses e da Interpol, entre outras.

Refira-se que durante o desempenho destas actividades, na área farmacêutica, manteve um interesse profundo pelos assuntos relacionados com o ensino superior e a educação em Portugal. Assim, exerceu várias funções dentro deste âmbito, nomeadamente como membro do Conselho Consultivo de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian (1963 a 1974), e como colaborador da equipa piloto ligada ao Ministério da Educação (1965 a 1968). A este propósito, esteve no Reino Unido, onde estudou o modelo de organização das Universidades Britânicas, com a finalidade de o enquadrar na estrutura de ensino do nosso país. Foi também coordenador do Grupo Nacional de Inquérito ao Ensino Superior, em 1968. Posteriormente, Alberto Ralha dirigiu o secretariado da reforma educativa, tendo sido colaborador do Ministro da Educação Nacional, professor Veiga Simão. Em 1973, foi membro convidado do Conselho da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, tendo sido co-autor do Relatório sobre a Investigação Científica do Ensino Superior em Portugal. No período de 1973 a 1974, foi director-geral do Ensino Superior. Entre Março de 1984 e Dezembro de 1986, assume o cargo de presidente do Instituto Nacional de Investigação Científica, terminando a sua carreira no domínio da administração pública como presidente da Comissão Nacional do Programa para o Desenvolvimento Educativo, entre 1990 e 1994. Durante este tempo, participou como delegado nacional em várias reuniões da OCDE, nomeadamente em Nice (sobre desníveis tecnológicos), em Paris e Oslo (sobre preparação de gestores para a inovação em educação). 

Entre 1980 e 1983, foi bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, tendo sido responsável pela reorganização e pelo elevar do prestígio desta Ordem e do exercício da profissão de farmacêutico. Por exemplo, procedeu à valorização da profissão de farmacêutico analista clínico, com a exigência do título de especialista para a direcção técnica dos laboratórios de análises clínicas, bem como, a exigência de um acordo para a prestação de serviços para os utentes do Serviço Nacional de Saúde.

Alberto Ralha desempenhou também um papel relevante na área política, tendo sido um dos fundadores, juntamente com Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa, do Centro Democrático Social (CDS), em 1974. Na área política foi secretário de estado do Ensino Superior, no VIII Governo Constitucional, presidido por Pinto Balsemão, e Victor Crespo ministro da educação. Voltou a ocupar este cargo, no XI Governo Constitucional, com Cavaco Silva primeiro-ministro e Roberto Carneiro ministro da Educação. 

Alberto José Ralha foi agraciado com a Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, a Grã-Cruz da Ordem de Instrução Pública e a Grã-Cruz de Mérito Civil de Espanha.

Alberto Ralha faleceu na Caparica, a 3 de Janeiro de 2010.

Paulo Nuno Martins

Obras

Alberto Ralha e Isaura Ralha. 1950. “Distribuição dos princípios activos da ammi visnaga L. (LAM.) (Furanocromonas) nas diferentes partes da planta”, XIII Congresso Luso-Espanhol para o progresso das Ciências

Alberto Ralha. 1951. “Contribuição para o Estudo das Cromonas da Ammi Visnaga L.(Lam)”, Tese de Dissertação

Alberto Ralha. 1951. “Sínteses acetilénicas”, Revista Portuguesa de Farmácia, 1(2):49.

Alberto Ralha. 1951. “Método colorimétrico para a dosagem da quelina quando em presença da visnagina ou do quelolglucósido”, Revista Portuguesa de Farmácia, I:96.

Alberto Ralha. 1952. “Os progressos da química farmacêutica orgânica”, Revista Portuguesa de Farmácia, 2:180.

Alberto Ralha. 1952. “Estiril derivados da norquelina e da norvisnagina”, Revista Portuguesa de Farmácia, 2:121. 

Alberto Ralha. 1956. “A literatura da química orgânica”, Revista Portuguesa de Farmácia, 5.                  

Alberto Ralha, 1956. “XV Congresso Internacional de Química Pura e Aplicada. Lisboa-1956”, Revista Portuguesa de Farmácia, G:112.

Alberto Ralha. 1957. “Conferência”. O Farmacotécnico, 2.  

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