Reis, António Batalha

Lisboa, 7 dezembro 1838 – 13 novembro 1917)

Palavras-chave: divulgação, vitivinicultura, filoxera, RACAP

António Batalha Reis nasceu a 7 de dezembro de 1838 em Lisboa. Irmão do meio de Adelina e Jaime, António nasceu no seio de uma família burguesa liberal. Filho de Maria Romana Batalha e de António Nunes dos Reis, velho amigo de Almeida Garrett e afamado vitivinicultor do Turcifal (Torres Novas), António entrou aos onze anos para o colégio do doutor Cicouro (padre da Ordem de Avis e lente de Coimbra até 1834) por onde passaram muitos alunos que vieram a ocupar elevada posição social. De lá saiu em 1855 para fazer os preparatórios em Coimbra ingressando, em 1856, no curso de Filosofia da Universidade. Em 1859, regressou a Lisboa para se matricular diretamente no 2º ano do Instituto Geral de Agricultura. Terminou os estudos em 1861 com especialização em enologia e iniciou a sua vida profissional como amanuense da Repartição Taquigráfica da Câmara dos Deputados (o seu pai também tinha sido taquígrafo nas Cortes). Em 1865 foi equiparado a 2º oficial e em 1882 foi colocado no lugar de 2º oficial da Direção Geral das Repartições da mesma Câmara.

Já casado com Amélia Leopoldina de Mendonça e Silva, António publica o seu primeiro livro, Enxofre e vinho, em 1871. Este livro resultou da necessidade de fazer acompanhar os três modelos de sulfurador de sua invenção, o ‘theinoxyphero,’ de um manual explicativo. Publicitado na imprensa da especialidade, o sulfurador chegou a ser anunciado em Espanha. O livro e o invento foram acompanhados de palestras e demonstrações pelos principais centros produtores do país. Profícuo divulgador da enologia e das boas práticas vitivinícolas ao longo de toda a sua vida, António fez parte de uma geração de agrónomos discípula de João Inácio Ferreira Lapa, Professor do Instituto Geral de Agricultura apostado em divulgar a ciência agronómica por todos os produtores do país.

A sua vida profissional e de divulgador esteve também intimamente associada à Real Associação Central da Agricultura de Portugal (RACAP), associação fundada em 1860 por um grupo de latifundiários, capitalistas e agricultores, alguns deles com intervenção política, e apadrinhada pela família real. O peso político desta associação variou ao longo de oitocentos o que também se refletiu no seu número de sócios que nunca chegou ao milhar no seu máximo ficando-se em média pelas três centenas. Entre alguns dos seus sócios, encontram-se muitos engenheiros agrónomos e lentes do Instituto Agrícola de Lisboa, que viam nesta associação uma forma de pugnar pelo desenvolvimento da ciência agronómica em Portugal. É assim que em 1872, por iniciativa da RACAP, da qual seu pai fora secretário da primeira Assembleia Geral, e espelhando a importância do sector vitivinícola na balança comercial do país, António foi à exposição Internacional de Lyon como delegado de Portugal para se inteirar da maquinaria mais moderna e estudar a vitivinicultura da região. Daqui resultou, em 1873, a publicação de A vinha e o vinho. No ano seguinte, António integra a primeira comissão (cuja delegação era presidida pelo seu irmão mais novo, Jaime) designada pelo governo para o estudo da recém-chegada filoxera ao Douro. Esta praga, causada por um inseto, a filoxera, foi acidentalmente importada da América do Norte para a Europa, escondida nas raízes da vinha americana, e teve efeitos devastadores em todos os países europeus produtores de vinho. O impacto da doença era já bem visível em 1872 como se pode ler no relatório da delegação, A nova moléstia das vinhas no Douro, publicado em 1873. Em 1874, António foi nomeado comissário técnico à Exposição Vinícola de Londres, acompanhando o químico António Augusto de Aguiar. Em 1875, organizou a exposição de conhaques e vinhos especiais para exportação para o Brasil. Na qualidade de membro da Comissão Central de Estudos da Filoxera, rumou a França em 1876 a fim de estudar a praga e representar Portugal no Congresso Vitícola de Paris. No relatório publicado em 1877, fez várias recomendações quanto à forma de eliminar a praga e evitar o seu alastramento, e aconselhou a utilização de castas de videira americana resistentes como porta-enxertos como única forma de salvar as castas nacionais e a economia do país. Esta solução, que acabou por ser a adotada no Douro, não foi implementada de imediato, tendo sido alvo de controvérsia entre os agrónomos. Por um lado, por se acreditar que o porta-enxertos tirava personalidade aos vinhos, e por outro, por se julgar, numa primeira aproximação, que a utilização de inseticidas bastaria (e seria economicamente viável) para debelar a praga. Em 1882, António foi ainda incumbido de secretariar a comissão de combate à filoxera no Sul do país.

Entre 1879 e 1883, António esteve diretamente envolvido na redação e administração da Gazeta dos Lavradores, órgão da RACAP neste período, onde ele e Jaime, e por vezes o pai e um tio, publicaram artigos. Mais tarde, fundou e/ou dirigiu também o Arquivo Rural e A Cartilha Rural cuja única aspiração seria ’educar os operários agrícolas.’ Colaborou ainda com outras revistas agrícolas e com a imprensa diária, onde publicou largas dezenas de artigos. Publicou no Jornal Oficial de Agricultura, no Agricultor do Norte, no Aurora do Lima, no Jornal de Horticultura do Norte, em A vinha Portuguesa, no Portugal Agrícola, no Portugal vinícola, no Boletim da Real Associação Central de Agricultura de Portugal, na Gazeta dos Lavradores (a fundada em 1903) e em O Século Agrícola. Foi ainda correspondente em Portugal do Moniteur Vinicole. Em 1882, inaugura no Comercio do Porto uma série de artigos sobre a regeneração da vinha. A partir de 1892 manteve regularmente a crónica ‘Revista agrícola’ no Comércio do Porto a que se juntará mais tarde João Coelho da Motta Prego. Manteve também colaboração com diários lisboetas de grande tiragem como O Século, o Diário de Notícias, a Pátria e o Novidades e diários regionais como o Diário do Comércio do Funchal. Toda esta atividade editorial reflete também a preocupação das elites portuguesas, maioritariamente latifundiárias, com a modernização da agricultura, sector que dominava a economia do país e que se via ameaçado por outros mercados exportadores.

Ainda em 1880, António representou Portugal no Congresso Internacional de Saragoça e foi secretário do Congresso Vitícola realizado no Porto. Em 1881 foi nomeado sócio de mérito da RACAP. Bastante desfalcada de sócios, a RACAP passava por uma crise que António, em 1881, tentou revitalizar através da redação dos seus Fastos. Por essa altura, ficou também incumbido de proceder à classificação geral dos vinhos de Portugal e D. Luís encarregou-o pessoalmente do estabelecimento dos viveiros de cepas americanas nas propriedades da casa de Bragança e da casa Real, viveiros criados com o intuito de distribuir gratuitamente cepas aos viticultores. Na qualidade de Procurador-Geral à Junta Geral do Distrito de Lisboa, António impulsionou em 1882 aquela que foi a III exposição agrícola em Lisboa, e que se realizou na Tapada da Ajuda em 1884 (em 1883, por iniciativa da Junta, a RACAP foi chamada a organizar o evento e Jaime nomeado para o dirigir). António acompanhou este certame como membro da comissão executiva. Dois anos depois, em 1886, é nomeado agrónomo ao serviço do Ministério das Obras Públicas. 

Após dois anos de inatividade profissional resultantes de uma queda em 1885 que o deixou cego do olho direito, António foi nomeado diretor da recém-criada Escola Prática de Viticultura e Enologia de Torres Vedras. Em 1890, deixou a escola e o ensino e partiu em comissão de serviço para a França e a Itália para estudar os híbridos americanos e as Escolas Agrícolas. De regresso, proferiu uma série de conferências em Lisboa, Porto e Viseu sobre a filoxera e sobre a utilização de leveduras selecionadas na vinificação. Um conflito em 1891 com o então diretor geral da agricultura, Elvino de Brito, levou-o a abandonar o serviço oficial até 1894. Neste período, escreveu três livros o primeiro dos quais recebeu crítica positiva na imprensa especializada francesa: Memoria sobre vides americanas e suas híbridas, Mildiú e Vinho de Pasto. Este último, prefaciado por Emídio Navarro, foi a base da tese apresentada por António ao Congresso Vinícola de Lisboa, organizado pela RACAP em 1895. Um ano depois, e a pedido do dono de uma pedreira publicou O gesso onde dava instruções sobre a sua utilização como adubo. Durante 1896 dirigiu ainda os trabalhos de vinificação do Sindicato Agrícola de Guimarães e, em 1897, passou a diretor técnico da Adega Social de Viana do Alentejo.

Entre 1902 e 1913, António foi diretor das missões enotécnicas e lecionou nas Escolas Móveis Maria Cristina em Rio Tinto, Vila Nova de Famalicão, Mirandela, Guimarães, Torres Vedras, Lagoa e Régua. Produziu manuais para estas escolas e foi articulista da revista das escolas, O Lavrador. De 1904 a 1906 dirigiu a adega social de Carcavelos; em 1905 foi à ilha da Madeira estudar as causas da decadência do seu comércio e em 1906 fez conferências no Porto e na Figueira da Foz. Extintas as missões enotécnicas em 1913, retirou-se para o seu gabinete de trabalho.

Recebeu medalhas de ouro na exposição internacional de Lyon em 1872 e na de Paris de 1887. Em 1890, integrou a Comissão Internacional de Agricultura a convite do ministro da agricultura francês. Foi sócio honorário da Sociedade dos Agricultores de França, dos Agricultores de Itália e de Espanha, cavaleiro de Cristo e de Carlos III de Espanha.

Faleceu em novembro de 1917 de uma angina no quarto de sua casa na Avenida da Liberdade, 117, acompanhado de seu filho, Alberto Batalha Reis, também ele enólogo, e familiares. Pouco antes mandara abrir uma garrafa de Porto de 1793 para que bebessem à sua saúde.

Isabel Zilhão

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