Albuquerque, Luís da Silva Mouzinho de (Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de)

Lisboa, 16 junho 1792 – Torres Vedras, 24 dezembro 1846

Palavras-chave: agronomia, química, reforma do ensino, engenharia, restauro.

DOI: https://doi.org/10.58277/NLHO8492

Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, mediador de conhecimentos científicos entre a Europa e Portugal na primeira metade do século XIX, distinguiu-se nas áreas da Agronomia, da Química, dos projetos de reforma do ensino e na Engenharia (Obras Públicas), tendo ainda sido percursor no restauro de monumentos históricos.

Quinto filho de um desembargador foi apadrinhado por D. Tomás Xavier de Lima, fundador da Real Biblioteca Pública. Aos cinco anos coube-lhe a carreira eclesiástica na Ordem de Jerusalém ou de Malta em que seu tio, frei José da Silva Ataíde, foi o último balio residente em Malta. 

As guerras napoleónicas deram-lhe, porém, um rumo diferente, não só pela conotação pró-francesa da família, como pela crise da Ordem de Malta após a tomada da ilha pelos franceses. Assim entrou para a Brigada Real de Marinha, frequentou a Real Academia de Marinha e, em 1812, já tinha completado o curso de Matemática, pedindo então para entrar como partidista do Observatório. 

Uma breve passagem pela agricultura no Fundão deu-lhe ensejo de escrever alguns artigos sobre temas agrícolas para a revista Anais das Ciências e das Artes que seu tio e sogro, Mascarenhas Neto, publicava em Paris. Publicou também em Paris o poema Geórgicas Portuguesas. Deslocou-se para junto do sogro em 1820. Aí completou a sua formação frequentando os laboratórios do Jardin des Plantes e assistindo aos cursos de Vauclin. 

Nos Anais publicou múltiplos estudos sobre técnicas e instrumentos entre os quais se destacam a técnica litográfica e a régua de cálculo e os seus usos. Os seus artigos sobre adubos foram, segundo Maria Carlos Radich, elementos fundamentais na ciência agronómica portuguesa, mostrando nele um sólido partidário da teoria orgânica e do método experimental. Publicou ainda um artigo sobre eletricidade em que defendeu a conjugação das experiências com a análise matemática que afirmou permitir confirmar as hipóteses. 

Em 1823 ofereceu às Cortes uma Memória sobre o estabelecimento da Instrução Pública em Portugal. A educação que propunha era influenciada pelas reformas revolucionárias francesas. Para além de um ensino primário (centrado no ensino das primeiras letras e destinado a todos os cidadãos) e de ensinos secundário e liceal (que visavam a especialização e o ensino profissional), criava três Academias que substituíam a Universidade. Nestas, as escolas viradas para o ensino das Ciências Naturais, da Matemática da Física e da Química representavam um esforço de compreensão da natureza e das suas leis. De salientar o carácter colegial da administração do ensino que voltará a propor em 1836, enquanto ministro do Reino. Com efeito, a 25 de janeiro de 1836 apresentou na Câmara dos Deputados um regulamento do ensino primário no reino e um regulamento provisório dos estudos maiores na cidade de Lisboa, que criava faculdades de Medicina, de Matemática, de Engenharia Civil e escolas Militar, de Marinha, de Comércio e Administração Pública. O projeto estendia-se ao Porto e de forma mais restrita aos Açores e à Madeira.

Desde 27 de abril de 1823 foi sócio correspondente da Academia de Ciências e em novembro de 1824 tornou-se sócio efetivo na classe de Ciências Naturais.

Em setembro de 1823 apresentou os seus quadros de química à Academia das Ciências de Lisboa, que os aprovou. No seu regresso a Lisboa, foi nomeado provedor da Casa da Moeda. Escreveu então um compêndio de físico-química, oferecendo-o aos alunos que frequentavam a sua aula na casa da Moeda. Apesar de pareceres positivos, a Academia não recomendou a sua publicação, mas esta foi autorizada pelo governo do duque de Palmela em 16 de setembro de 1824. Apesar do uso do método experimental, não existe neste compêndio referência à notação simbólica proposta por Berzelius em 1820.

Entre setembro e outubro de 1825 viajou até aos Açores para analisar as águas das Furnas. Nesta viagem estudou e descreveu vários aspetos da ilha cujo atraso agrícola salientou. Em 1826 publicou as suas Observações debruçando-se sobre a constituição geológica, a flora e origem histórica da paisagem agrária de São Miguel, que atribuiu à má distribuição da propriedade. Enquanto Governador da Madeira, em 1835, redigiu um relatório semelhante sobre as ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas.

A sua carreira de cientista foi abruptamente interrompida pela Guerra Civil em que assumiu um papel de relevo. Não foi chamado a participar no ensino de Físico-Química nas escolas criadas depois deste conflito militar.

 A breve tutela das Obras Públicas, enquanto ministro do Reino em 1836, fê-lo dedicar-se a este sector sendo nomeado inspetor das Obras Públicas da Região Centro a 22 de junho de 1836. Apresentou o seu primeiro relatório sobre a barra de Aveiro, o encanamento do Mondego e a estrada de Lisboa ao Porto a 3 de maio de 1837, defendendo a criação de um canal entre Aveiro e as proximidades de Leiria. A adesão à Revolta dos Marechais voltou a cortar a sua carreira, mas a 7 de março de 1840 foi nomeado Inspetor Geral-interino das Obras Públicas do Reino.

O estado calamitoso das comunicações do país tornou-se desde 1836 a sua maior preocupação, tendo feito aprovar contratos referentes a obras de necessidade indiscutível, como os referentes à estrada de Lisboa ao Porto e às pontes de Sacavém e pênsil do Porto. Entre 1840 e 1842 estudou a situação geral do país e participou na constituição da Sociedade Promotora da Construção, Conservação e Aperfeiçoamento das Comunicações do Reino. Concebeu e redigiu o projeto de financiamento da construção de estradas no reino com um plano apenso das estradas a construir. Este plano, apesar das dificuldades financeiras e da nova guerra civil, durante a qual perdeu a vida, constituiu, conforme escreveu Fernando Eduardo de Serpa Pimentel em finais do século, a estrutura de referência da rede de estradas construída em Portugal no século XIX.

 Para financiar o projeto, propunha a criação de um imposto destinado a subsidiar as construções, que teria o seu uso fiscalizado por comissões eleitas nas cabeças de distrito. Em dez anos, o plano de estradas deveria estar terminado. Para tal esforço ser possível, recomendava que alguns engenheiros deviam vir de fora do país e os melhores jovens engenheiros portugueses deviam ser enviados a escolas estrangeiras. Como deputado, defendeu o projeto que foi aprovado com ligeiras modificações 

Opositor a Costa Cabral, foi exonerado do seu cargo em 1843, mas continuou a defender o seu projeto no parlamento, para onde foi sucessivamente reeleito deputado. Opôs-se à lei de 3 de março de 1845 que constituía a Companhia das Obras Públicas como empreiteiro geral das estradas a construir e rendeiro do imposto. Previu que levantaria oposições, como veio a acontecer na primavera de 1846.

Entretanto, em 1844, escreveu e enviou à Academia das Ciências o Guia do Engenheiro na Construção das Pontes de Pedra, destinado a apoiar os engenheiros na construção de pontes. Para além da apresentação do projeto, em que a memória descritiva era considerada uma peça fundamental, guiava-os na procura de rochas capazes de ser utilizadas na fabricação de cimentos e nos princípios construtivos. 

Apesar de centrar então a sua ação na rede de estradas, não abandonou a ideia de que alguns canais seriam de grande utilidade e fácil construção. Neste sentido, empregou-se na direção dos trabalhos de construção da vala da Azambuja.

Para além de publicar o poema de ambiente medieval Ruy, o Escudeiro, cuja escrita terá iniciado durante a Guerra Civil, teve um papel relevante no início de uma política de conservação e restauro de monumentos históricos. Desde 1836, ordenou à Academia de Ciências que determinasse quais os Monumentos a preservar. Em 1836/1837, enquanto Inspetor das Obras Públicas da Região Centro, começou a estudar o mosteiro da Batalha e iniciou a sua reconstrução. Após a sua morte, foi publicada a memória em que descreveu os trabalhos que realizou e que exprimiram o seu amor eminentemente romântico pelo estilo gótico.

Faleceu de ferimentos sofridos na batalha de Torres Vedras às 7 horas do dia 24 de dezembro de 1846.

Magda Pinheiro
ISCTE-IUL

Obras

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. As Geórgicas Portuguesas, dedicadas a D. Anna Mascarenhas de Athayde. Paris: A. Bobée, 1820.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Ideias sobre o estabelecimento da Instrução Pública em Portugal. Paris: A. Bobée, 1823.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Curso elementar de Física e de Química oferecido aos alunos destas ciências no Laboratório de Química da Casa da Moeda. Lisboa: Imprensa Régia, 1824. 5 volumes.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Observações sobre a ilha de São Miguel recolhidas pela comissão enviada à mesma ilha em Agosto de 1825 e regressada em Outubro do mesmo ano. Lisboa: Imprensa Régia, 1826.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Observações para servirem a História das ilhas da Madeira e Porto Santo e Desertas, oferecidas à Real Academia das Ciências. Lisboa: s. n., 1836.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Breve exposição do esforço em favor da Carta Constitucional, em Portugal, em 1837, por um testemunho ocular. Porto: Typ. Commercial Portuense, 1837.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório do Ministro secretário de Estado dos Negócios do Reino apresentado às Cortes em 1836. Lisboa: s. n.,1837.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório contendo os fundamentos e a explicação da despesa orçada para a repartição das Obras Públicas, a exposição do sistema fundamental para a aplicação dos fundos votados para esta repartição e a indicação e proposta de algumas providências legislativas, e regulamentares, necessárias para o andamento regular deste ramo do Serviço Público: apresentado ao ilustríssimo e excelentíssimo senhor ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, em observância da portaria de 17 de Novembro de 1840, pelo inspector-geral interino das Obras Públicas do Reino, Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque. S. l.: s. n., 1840. 

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório geral sobre as Obras Públicas do Reino apresentado ao excelentíssimo Ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino pelo inspector-geral interino das Obras Públicas do Reino, o conselheiro de Albuquerque, 18 de Julho de 1840. S. l.: s. n., 1840.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório da Inspeção das Obras e Comunicações Internas nos Distritos do Reino ao Norte do Tejo executada em Outubro e Novembro de 1842. Lisboa: s. n., 1842.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Guia do Engenheiro na Construção de Pontes de Pedra, oferecido à Academia das Ciências.Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias,1844.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Ruy o escudeiro, conto por L. S. Mousinho de Albuquerque, Oferecido à Sociedade Propagadora dos Conhecimentos úteis. Lisboa: Typ. da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1844.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Memória Inédita sobre o Edifício Monumental da Batalha. Leiria: Tipografia do Leiriense, 1854.

Bibliografia sobre o biografado

Cordeiro, António Xavier. Elogio Histórico do Sócio do Instituto da Academia Dramática, Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque: recitado na sessão solemne de 9 de Junho de 1850. Coimbra: E. Trovão, 1850.

Fernandes, Rogério. “Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque e as Reformas do Ensino em 1835-1836.” Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra 37 (1985): 221–304.

Pimentel, Júlio Máximo d’Oliveira. Elogio Histórico do Sócio Efectivo Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque, Recitado na sessão pública da Academia Real das Ciências, em 19 de Novembro de 1856. Lisboa: Typ. Academia das Sciencias: s. n., 1856. 

Pinheiro, Magda. Luís Mousinho de Albuquerque. Um Intelectual na Revolução. Lisboa: Fundação Maria Manuela e Vasco Albuquerque D’Orey, 1992.

Torgal, Luís Reis, e Isabel Nobre Vargues. Vintismo e Instrução Pública. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,1984.