Simas, Manuel Soares de Melo e

Horta, 10 julho 1870 — Lisboa, 10 agosto 1934

Palavras Chave: astrónomo amador e profissional, divulgação da ciência, republicanismo, Observatório Astronómico de Lisboa.

DOI: https://doi.org/10.58277/RCRY4303

Astrónomo com um percurso invulgar, Manuel Soares de Melo e Simas foi um cidadão multifacetado que integrou a ciência, a educação e a  divulgação científica, em estreita relação com a militância republicana.

Melo e Simas estudou na Escola Secundária da Horta e matriculou-se, em 1887, na Universidade de Coimbra, onde frequentou o curso preparatório de Artilharia. Ingressou na Escola do Exército em Lisboa, em 1889, onde completou o curso de Artilharia com distinção. Viria a reformar-se no posto de coronel, em 1930. Os conhecimentos matemáticos adquiridos na sua formação militar foram essenciais para o seu futuro trabalho em astronomia, área para a qual despertou provavelmente em Coimbra, tendo feito a transição, então invulgar, tanto na Europa como nos Estados Unidos da América, de astrónomo amador para profissional. Enquanto astrónomo amador, iniciou-se com observações de fenómenos astronómicos variados, incluindo eclipses, ocultações e estrelas variáveis, mas rapidamente se interessou pelo cálculo de trajetórias de planetas e cometas, em que se tornou exímio. 

Os resultados das primeiras observações de Melo e Simas como astrónomo amador foram enviados à Société Astronomique de France, em 1895. Nesse mesmo ano, tornou-se membro desta sociedade e, dois anos depois, em 1897, da British Astronomical Association. Entretanto Melo e Simas iniciara a sua participação no projeto internacional de identificação e classificação de estrelas variáveis, liderado por Edward Pickering, diretor do Harvard College Observatory. Em 1902, a série de observações de estrelas variáveis publicada na revista Annals of the Astronomical Observatory of Harvard College incluía algumas realizadas por Melo e Simas nos Açores com um telescópio de três polegadas. Ao interesse pelas observações, Melo e Simas juntou, desde cedo, o cálculo de efemérides e trajetórias de objetos celestes. Em 1901, calculou os elementos do planeta 1901 GV baseando-se em observações realizadas em Roma e publicadas na Astronömische Nachrichten, revista prestigiada onde continuou a publicar regularmente.

A necessidade de observações precisas que sustentassem os seus cálculos levou-o, ainda nos Açores, a contactar Oom, a quem solicitou dados astronómicos variados, iniciando-se, assim, o intercâmbio com o observatório, que incluiu ocasionalmente a utilização dos seus instrumentos. O primeiro destes contactos ocorreu a propósito do cálculo da órbita definitiva do cometa 1900 II, descoberto em 23 de Julho de 1900, próximo da eclíptica. Com as informações facultadas por Oom, em Abril de 1902, Melo e Simas publicou o artigo “Definitive orbit elements of Comet 1900 II”, na revista Astronömische Nachrichten.

Com exceção do curso de astronomia que frequentou no ano lectivo 1905 − 6 na Escola Politécnica de Lisboa, a cargo do matemático Pedro José da Cunha, a sua formação em astronomia foi a de um autodidata. Entre 1904 e 1907, correspondeu-se com o  subdiretor do Observatório Astronómico de Lisboa, Frederico Oom, o que provavelmente lhe valeu a eleição para membro correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, em 1907 (tendo passado a efetivo em 1930). O reconhecimento das qualidades de Melo e Simas no domínio da astronomia matemática e da observação de estrelas variáveis valeu-lhe também a contratação como astrónomo  supranumerário de 1ª classe, em 1911 (Decreto de 8 Março de 1911). Trabalhou em astronomia observacional tal como era tradição  no Observatório Astronómico de Lisboa, tendo ascendido a subdiretor, em 1931.

A sua primeira tarefa no observatório consistiu na observação do planeta Marte com o Grande Equatorial, uma prática nova para ele, que realizou com sucesso, tendo, daí em diante, passado a usar sistematicamente este telescópio. Em 1913 e 1914, foi-lhe atribuído o serviço da hora. Contrariamente à prática normal, fê-lo com recurso ao círculo meridiano, que também usaria num projeto de revisão da determinação de ascensões retas de estrelas. A morosidade destas reduções fez com que a sua publicação só viesse a ser completada décadas depois, já postumamente.

Melo e Simas retomou também cálculos das soluções de órbitas de planetas e cometas, entre os quais a caracterização da órbita do cometa 1910a. Usou novas técnicas para a redução das observações provenientes de vários observatórios europeus e novos métodos para a análise de erros. Numa outra publicação apresentou os cálculos dos movimentos próprios de 40 estrelas circumpolares visíveis no hemisfério do sul, ainda pouco conhecido dos astrónomos. 

Melo e Simas abraçou também o ideal republicano, tendo participado desde o início nas atividades da Universidade Livre, fundada em 1912, instituição associada à Academia das Ciências de Portugal, criada em 1907, da qual foi membro fundador. Integrou o Corpo Expedicionário Português durante a Primeira Guerra Mundial, entre 21 de Fevereiro de 1917 e 23 de Julho de 1919, foi senador eleito pelo círculo da Horta, em 1915, membro da Federação Republicana Portuguesa, a partir 1919, e Ministro da Instrução Pública, por um mês, no governo meteórico de Ginestal Machado em 1923.  

Após o fim da Grande Guerra, Melo e Simas regressou ao Observatório. Na sequência da expedição realizada por Arthur Stanley Eddington à Ilha do Príncipe, para testar o encurvamento dos raios luminosos que rasavam o Sol, uma das previsões da teoria da relatividade generalizada de Albert Einstein, viria a interessar-se pelos resultados de expedições astronómicas realizadas com esse propósito. Depois do eclipse solar de 1922, e de um pedido sobre assunto desconhecido do editor da revista Astronömische Nachrichten, na noite de 7 de Maio de 1923, Melo e Simas aproveitou o Grande Equatorial para observar a ocultação da estrela Washington 5478 pelo planeta Júpiter. Em 1924, comunicou à Academia das Ciências de Lisboa o resultado inconcludente desta observação, explicando a sua importância, método utilizado, e analisando o resultado e margem de erro. Anteriormente, em Julho de 1922, na revista do observatório, Almanaque, já acentuara a importância da astronomia na comprovação de uma teoria física tão revolucionária como a teoria da relatividade. 

Melo e Simas interessou-se desde os tempos açorianos pela divulgação científica, que foi parte integrante da sua atividade enquanto cidadão-astrónomo. No contexto da agenda republicana que professou,  colaborou na imprensa diária e periódica e proferiu palestras e lições públicas, tendo algumas vindo a ser publicadas.

Nos Açores contribuiu regularmente para jornais como o Faialense, entre 1899 e 1902, e periódicos como A Folha, dirigido por Alice Moderno, entre 1902 e 1904. Em ambos, pregava o “evangelho positivista”, com o intuito de desmistificar erros comuns através de explicações científicas, por vezes apoiadas pela história, numa linguagem clara, recorrendo amplamente a analogias, e discutindo descobertas, a vida e obra de cientistas célebres, o papel das mulheres nas ciências, as relações entre as ciências, a sociedade e a religião, e, ainda, os valores da ciência, entre os quais destacava a honestidade, integridade e seriedade. 

Não admira, pois, que Melo e Simas tenha sido também figura central na apropriação da visita do cometa Halley, em 1910, para a agenda republicana. Com o objetivo de educar o cidadão comum nos caminhos da ciência, através de artigos de jornal no Diário de Notícias, comunicações e publicações, realizadas no contexto da Academia das Ciências de Portugal, Melo e Simas explicou o que era um cometa, como era composto, e discutiu as probabilidades de impacto com a Terra. Usou ainda a história das sucessivas passagens do cometa Halley para ilustrar a evolução comteana do conhecimento, da fase teológica à metafísica e à positiva, transformando este cometa, no que poderíamos designar um verdadeiro “cometa republicano”.

Logo no início das lições na Universidade Livre, em 1913, falou sobre a “Utilidade da astronomia. Grandeza e magnificência do Universo. Ideia geral da distribuição dos mundos” e outra sobre “Os eclipses do sol e da lua,” nelas procurando explicar a utilidade e funções das ciências e, cerca de dez anos depois, entre 19 de Novembro de 1922 e 27 de Maio de 1923, proferiu uma série de treze lições sobre “Relatividade − sua noção e preceitos”. 

Melo e Simas morreu em 1934. No elogio fúnebre publicado pela Academia das Ciências de Lisboa, o colega e astrónomo Manuel Peres  elogiou o facto de ter sido “estruturalmente astrónomo, astrónomo mais de alma do que de profissão”, assinalando a continuidade que parece existir entre os seus estudos sobre  as trajetórias de balas, realizados no âmbito militar, e a sua atividade de astrónomo especializado em trajetórias de astros. Definiu-o, também, como um “político matemático”, almejando conquistar adeptos através de métodos equivalentes aos das demonstrações algébricas, e não como um “político artilheiro”, que procurasse impor as suas ideias à força. A 10 de Junho de 2005, no semanário Expresso foi recordado como o único astrónomo português a realizar um teste à teoria da relatividade, o que não deixando de ser verdade obscurece a real importância de Melo e Simas para a história das ciências, que se encontra no seu papel como astrónomo, educador e divulgador das ciências, atividades integradas na agenda republicana que abraçou. 

Ana Simões

Arquivos

Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico
Academia de Ciências de Lisboa
Arquivo Histórico Militar
Arquivo Histórico do Museu de Ciências da Universidade de Lisboa

Obras

 “Elements of Planet (478) [1901 GV]”,  Astronömische Nachrichten, 158 (1902): 379−80.

Definitive orbit elements of Comet 1900 II. Kiel: Verlag der Astronömische Nachrichten, 1903.

“Sur les eléments définitifs de l’orbite de la comète 1910a”, Astronömische Nachrichten 193 (1912): 441−2.  

“Utilidade da Astronomia. Grandeza e magnificência do Universo. Ideia geral da distribuição dos Mundos”, Universidade Livre, 1ª lição (31 de Janeiro de 1913). Lisboa, Universidade de Livre, 1913.

A instrução científica e a educação positiva. Lisboa: Universidade Livre, 1913.

“Movimentos próprios de quarenta estrelas circumpolares austrais,” Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa (1ª classe, Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes) 7 p. II (1914): 1−23.

“O cometa de Halley. Sua influência sobre a Terra”, Trabalhos da Academia de Sciências de Portugal 3 (1915): 399−422.

 As classes médias e a questão económica. Lisboa, Federação Nacional Republicana, 1920.

“Ocultação de uma estrela por Júpiter”, Jornal de Sciencias Matemáticas, Físicas e Naturais da Academia de Sciencias de Lisboa 19 (1924).

“Positions d’étoiles en ascension droite”, Bulletin de l’Observatoire Astronomique de Lisbonne (Tapada) 5 (1935) : 33−39; 6 (1936): 41−46; 7 (1936): 47−53; 8 (1937): 55−61; 9 (1937): 63−69. 

Bibliografia sobre o biografado

Arruda, L. M., “Manuel Soares de Melo e Simas, militar, astrónomo e político. Abordagem à sua biografia”, in O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX. Horta: Núcleo Cultura da Horta, 2006,  477−519.

Mota, Elsa, Paulo Crawford e Ana Simões, “Einstein in Portugal. Eddington’s 1919 expedition to Principe and the reactions of Portuguese astronomers (1917−1925).” British Journal for the History of Science 42 (2009): 245−73. 

[Peres, Manuel], “A Academia das Ciências de Lisboa sofreu uma dolorosa perda”, in Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico, s/d, Manuel Soares de Melo e Simas, processo individual, texto dactilografado.

Simões, Ana, Isabel Zilhão, Maria Paula Diogo e Ana Carneiro, “Halley turns Republican. How the Portuguese press perceived the 1910 return of Halley’s comet”, History of Science 51 (2013): 199−219.

Simões, Ana e Luís Miguel Carolino, “The Portuguese astronomer Melo e Simas (1870-1934). Republican ideals and popularization of science”, Science in Context 27 (2014): 49−77.