Lisboa, c. 1681 — Londres, 20 novembro 1729
Palavras-chave: The Royal Society, Astronomia, Medicina, Londres.
DOI: https://doi.org/10.58277/QFTS3320
Médico, poeta e homem de ciência com um variado conjunto de interesses, Isaac de Sequeira Samuda foi o primeiro judeu eleito sócio da Royal Society (RS) e um importante agente na circulação de ciência e tecnologia entre Londres e Lisboa durante a década de 1720s.
Filho de Rodrigo de Sequeira, mercador de panos, foi batizado na Igreja de São Julião, em Lisboa, com o mesmo nome do avô materno, Simão Lopes Samuda. Pouco se sabe sobre a sua infância e juventude, nascido e criado no seio de uma família cristã-nova originária do Alentejo constantemente alvo da perseguição inquisitorial.
Após completar o curso de Artes com a apresentação da tese Coronam physicam novem gemmis splendide imbutam…, Samuda matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra a 1 de outubro de 1696. Obtido o grau a 21 de maio de 1702, regressou a Lisboa, onde se estabeleceu numa casa no Beco das Comédias. Denunciado pelo parente António de Mesquita e Sá, foi preso pela Inquisição de Lisboa a 23 de agosto de 1703, mas nunca chegou a corroborar nenhuma das acusações que o haviam conduzido à prisão. Saiu no auto da fé celebrado a 21 de outubro de 1704, sentenciado a cárcere ao arbítrio dos inquisidores. Nestes primeiros anos de setecentos, a família de Samuda foi profundamente atingida por uma vaga de prisões inquisitoriais que atingiu algumas das principais famílias cristãs-novas de Lisboa.
Cumprida a pena, Samuda abandonou Portugal. A data de partida é incerta, mas situar-se-ia entre 1706 e 1709. Em outubro deste último ano, o médico português aparecia nos registos da sinagoga Bevis Marks de Londres. De facto, ao chegar à cidade britânica, Samuda abraçou publicamente a religião judaica e adotou o nome próprio Isaac e o apelido paterno Sequeira. Em Londres, encontrou vários parentes e conhecidos que, ao longo dos anos anteriores e muito devido ao recrudescer da perseguição inquisitorial, também haviam rumado a Inglaterra. Era o caso do meio-irmão Gaspar de Almeida, mercador que, ainda antes de fixar a residência em Londres, já operava em negócios entre a capital inglesa e Lisboa, ou da tia Grácia Caetana, esposa do médico Diogo Nunes Ribeiro (Samuel Nunes Ribeiro). Possivelmente devido a este consolidado círculo de relações, a sua integração no seio da comunidade judaica de Londres foi rápida e bem sucedida. Uma prova inequívoca é o facto de Samuda aparecer ao lado de alguns dos mais proeminentes judeus sefarditas da cidade como autor de dois poemas laudatórios na dedicatória a obra de Daniel Israel Lopez Laguna, Espejo fiel de vidas, uma paráfrase do Livro dos Salmos editada em 1720. Samuda pertencia então ao círculo de homens de letras e ciência que rodeavam David Nieto, rabi da sinagoga Bevis Marks. Essa proximidade encontra-se espelhada no sermão que pronunciou, oito anos mais tarde, por ocasião das exéquias dos 30 dias da morte do rabi, bem como no epitáfio que compôs para o seu túmulo.
A 19 de Março de 1721, Samuda ingressou no Royal College of Physicians. Pouco mais de dois anos depois, a 27 de junho de 1723, era eleito Fellow of the Royal Society, tornando-se, assim, no primeiro judeu a ingressar na instituição. Nos arquivos da RS, encontram-se alguns manuscritos de apresentações feitas por Samuda, sendo que apenas dois tratam de matérias médicas: um registo de observações anatómicas feitas pelo médico António Monrava e o estudo de uma febre que atingira Lisboa no verão de 1723. Fora estes dois exemplos, as apresentações de Samuda perante a RS versavam um espectro variado de temas, indo da meteorologia à história natural. Mas a área mais corrente — e aquela que teria despertado um maior interesse junto dos outros membros, justificando a publicação de vários artigos nas Philosophical Transactions of the Royal Society of London —era a astronomia. Tal encontra-se diretamente relacionado com a sua proximidade à representação diplomática portuguesa em Londres.
Em 1724, Samuda tornou-se no médico de António Galvão de Castelo-Branco, enviado extraordinário na cidade. Tinha sido o seu antecessor, o Dr. Fernando Mendes, quem o recomendara como pessoa de confiança para o exercício de tal cargo. Mas esta colaboração, que duraria até à morte de Samuda, havia começado ainda antes, com o desempenho de funções consultivas em matérias científicas.
Samuda tornou-se então no porta-voz na RS da ciência desenvolvida por Portugal em 1720s. Por seu intermédio, chegaram até às páginas das Philosophical Transactions of the Royal Society of London, as observações astronómicas realizadas pelo jesuíta napolitano João Baptista Carbone nos observatórios mandados construir por D. João V em Lisboa. Através da correspondência trocada com Carbone (quer diretamente, quer por via de António Galvão), Samuda também se revelou numa peça fundamental no fomento do diálogo científico entre a RS e a Companhia de Jesus.
Mas a sua colaboração com a diplomacia portuguesa não se resumia ao vínculo com a RS. Num momento em que era necessário equipar os novos observatórios do Terreiro do Paço e do Colégio de Santo Antão, o conhecimento técnico e os contactos do médico português em Londres foram essenciais para responder às constantes encomendas de Lisboa – relógios, telescópios, barómetros e, sobretudo, livros e textos científicos, alguns dos quais traduzidos pelos próprio Samuda. Por seu intermédio, chegaram a Portugal as obras e ideias de John Kepler, John Flamsteed, James Bradley ou Francis Hauksbee.
Vítima de uma doença repentina, Samuda faleceu em novembro de 1729. Por terminar, deixou um longo poema épico, as Viríadas, finalizado pelo seu colega e parente Jacob de Castro Sarmento. Esta obra junto com o soneto e as oitavas que integram a obra de Lopez Laguna não são os únicos testemunhos da atividade poética de Samuda: ainda em Portugal e sob o nome de Simão Lopes Samuda, escrevera um poema de inspiração greco-latina, “Fábula de Píramo e Tisbe” (in Poesias diversas feitas por diversos autores e escritas por Rodrigo da Veiga, 1713, manuscrito conservado na Biblioteca Angelica di Roma). Das Viríadas apenas são conhecidos dois manuscritos (conservados nos acervos do Jewish Theological Seminar of New York e do The Thomas Fisher Rare Book Library at the University of Toronto) e só muito recentemente foi alvo de edição.
Além das Viríadas, Sarmento também prosseguiu com o trabalho deixado em aberto pela morte de Samuda enquanto médico e conselheiro científico da representação diplomática portuguesa em Londres, além de intermediário entre a RS e a comunidade científica portuguesa.
Carla Vieira
CHAM, Universidade NOVA de Lisboa, Universidade dos Açores
Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Arquivos
Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, Série Azul, Códices 600 a 603.
Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, Processo n.º 7178.
Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cartório dos Jesuítas, maço 78, docs. 52, 55-56, 72-75.
Londres, Royal Society Archives, Classified Papers, vol. 5, doc. 34; vol. 12, doc. 4; vol. 12ii, doc. 19; vol. 14ii, doc. 18; vol. 15i, doc. 73.
Londres, Royal Society Archives, Register Book Original, vol. 12, doc. 23; vol. 11, doc. 75; vol. 13, docs. 35 e 41; vol. 14, doc. 118.
Londres, Royal Society Archives, Early Letters C2, docs. 61, 62, 83 e 84.
Toronto, The Thomas Fisher Rare Book Library at the University of Toronto, Ms. MSS 05074.
Obras
Samuda, Simão Lopes [Isaac Sequeira]. Coronam physicam novem gemmis splendide imbutam, praeside R. P. ac S.M. Iosepho de Almeyda Societatis Iesu, propugnabit Simon Lopes Samuda In Aula Regali Artium Collegij Conimbricensis. Integra die 1 Martij Qvaestio Problematica…. Coimbra: Impresso por João Antunes, 1697.
Samuda, Isaac Sequeira. “Observatio ejusdem Cometæ ab Illustrissimo Domino Francisco Bianchini habita Albani Mense Octobri, 1723. & ab eodem Ulysipponem missa P. Joanni Baptistæ Carbone Soc Jesu. Commuuicavit Isaacus Samuda, M.D. Col. Med. Lond, L. S.R.S.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 33, n.º 382 (Março-Abril 1724): 51-53.
Samuda, Isaac Sequeira. “Meridianorum Ulyssiponensis, Parisiensis & Londinensis differentia, ex literis Clarissimi Doctrissimique Viri, Reverend. Patr. Johannis Baptistæ Carbone Soc. Jes. ad Isaacum Sequeyra Samuda M.D. Coll. Med. Lond. Lic. S.R.S.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 33, n.º 385 (Outubro-Dezembro 1724): 186-189.
Samuda, Isaac Sequeira. “Observationes Astromicæ habitæ Ulyssipone, Anno 1725, & sub init. 1726, à Rev. P. Johanne Baptista Carbone, Soc. Jes. Communicante Isaaco Sequeyra Samuda, M.D. R.S.S. Coll. Med. Lond. Lic.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 34, n.º 394 (Maio-Julho 1726): 90-101.
Samuda, Isaac Sequeira. “Eclipsis Lunæ observata Romæ, ad radices Collis Quirinalis, nocte sequente diem 31. Octobris, 1724. per clarissimum Virum Franciscum Blanchinum. Ex Epistola Rev. & Cl. Viri, Johannis Baptistæ Carbone, S. Jes. ad Isaacum Sequeyra Samuda, M.D. R.S.S. Coll. Med. Lond. Lic.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 34, n.º 396 (Novembro-Dezembro 1726): 174-176.
Samuda, Isaac Sequeira. “Observationes Astromicæ habitæ Ulyssipone, Anno 1726. à Rev. P. Joh. Baptista Carbone, Soc. Jes. Communicante Isaaco Sequeyra Samuda, M.D. R.S.S. & Coll. Med. Lond. Lic.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 35, n.º 401 (Janeiro-Fevereiro 1727): 408-413.
Samuda, Isaac Sequeira. “Observationes Astromicæ à R. P. Joh. Baptista Carbone transamissæ, communicante Is. de Seguera Samuda, M.D. R.S.S. & Coll. Med. Lond. Lic.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 35, n.º 403 (Julho-Setembro 1727): 471-479.
Samuda, Isaac Sequeira? “Observationes Astromicæ habitæ in Observatorio Bononiensi Anno 1727, a Cl. Eustachio Manfredi, R.S.S. Ex Epistola J. Baptistæ Carbone ad Isaacum de Sequeyra Samuda M.D. Coll. Med. Lic. & R.S.S.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 35, n.º 404 (Outubro 1728): 534-535.
Samuda, Isaac Sequeira. “Observationes Astromicæ Pekini habitæ a R.P. Ignatio Kogler Soc. Jesu Tribun, Math. in Sinis Præside. Ex Epistolà R. P. Joh Bapt. Carbone ad Isaacum de Sequeyra Samuda, R.S.S. &c.”. Philosophical Transactions of the Royal Society 35, n.º 405 (Novembro 1728): 553-556.
Samuda, Isaac Sequeira. Sermam funebre pera as exequias dos trinta Dias do insigne, eminente e pio Haham e Doutor R. David Netto. Londres: [s.n.], 1728.
Samuda, Isaac Sequeira, e Sarmento, Jacob de Castro. As Viríadas do Doutor Samuda. Edição crítica de Manuel Curado. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2014.
Bibliografia sobre o biografado
Barnett, Richard. “Dr. Jacob de Castro Sarmento and Sephardim in medical practice in 18th century London”. In Transactions of the Jewish Historical Society of England 28 (1982): 84-114.
Esaguy, Augusto d’. “Breve notícia sôbre o médico português Isaac de Sequeira Samuda”. O Instituto 87 (1934): 262-269.
Samuel, Edgar. “Samuda, Isaac de Sequeira (bap. 1681, d. 1729)”. In Oxford Dictionary of National Biography. Oxford: Oxford University Press, 2014, acedido 23 Maio 2016, http://www.oxforddnb.com/index/71/101071570/.
Vieira, Carla. “Observing the Skies of Lisbon. Isaac de Sequeira Samuda, an Estrangeirado in the Royal Society”. Notes & Records. The Royal Society Journal of the History of Science 68 (2004): 135-149.
Vieira, Carla. Nação entre Impérios: Judeus Portugueses e a Aliança Luso-Britânica. Famalicão: Húmus, 2022.