Pereira, Duarte Pacheco

Lisboa, ca. 1460 — 1533

Palavras-chave: Expansão marítima, Cosmografia, Experiência, Oceano Atlântico.

Duarte Pacheco Pereira (Lisboa, ca. 1460–1533) foi um prestigiado navegador, cosmógrafo e soldado da coroa portuguesa, na época da expansão marítima. No mundo ibérico desta altura, um cosmógrafo possuía conhecimentos alargados nos domínios da náutica, geografia, cartografia, astronomia e matemáticos associados à navegação. Os seus conhecimentos científicos e militares foram cruciais para as funções que exerceu ao serviço da Casa de Avis, concretamente nos reinados de D. João II (1481-1495), D. Manuel I (1495-1521) e D. João III (1521-1557). Ficou conhecido como o autor da obra Esmeraldo de Situ Orbis, escrita em 1506, considerado um dos trabalhos mais representativos da cosmografia portuguesa do século XVI.

Duarte Pacheco Pereira, de família nobre, era filho de João Pacheco—morto em Tânger numa batalha contra os muçulmanos—e de Isabel Pereira, e neto de um comerciante lisboeta, Gonçalo Pacheco, tesoureiro da Casa de Ceuta. Foi casado com Antónia de Albuquerque, filha de Jorge Garcez, secretário do rei D. Manuel I, e de Isabel de Albuquerque Galvão, filha de Duarte Galvão, Alcaide Mór de Leiria. Teve dois filhos e uma filha: João Fernandes Pacheco, Comendador do Banho; Jeronymo Pacheco, morto em combate em Tânger, e Maria de Albuquerque, casada com João da Silva, Alcaide Mór e Commendador de Soure. Foi o primogénito de Duarte Pacheco Pereira, João, quem herdou, nos últimos anos da vida do pai (provavelmente falecido em 1533), 20 000 reais da sua pensão de 50 000. 

Duarte Pacheco Pereira realizou diversos trabalhos de exploração e reconhecimento no último quartel do século XV, o que lhe permitiu adquirir experiência como cosmógrafo e militar em terras e mares distantes. Foi cavaleiro de D. João II e membro da sua guarda pessoal. Em resultado da sua experiência ultramarina obteve a confiança do rei e foi chamado a integrar a delegação portuguesa que esteve presente nos acordos diplomáticos do Tratado de Tordesilhas, assinado entre D. João II e os Reis Católicos de Castela e Aragão, Fernando e Isabel, em 7 de Junho de 1494 na cidade de Tordesilhas. Este tratado estabeleceu a divisão ibérica do mundo, separando as zonas de navegação e conquista do oceano Atlântico e do Novo Mundo através da fixação de um meridiano localizado a 370 léguas, a oeste das ilhas de Cabo Verde. O objetivo do acordo era evitar conflitos de interesses entre a monarquia portuguesa e a espanhola. Pacheco Pereira participou no acordo como testemunha da junta portuguesa. 

Sabe-se que já nos anos oitenta do século XV, Pacheco Pereira tinha navegado por águas atlânticas na costa occidental africana, explorando as terras do Golfo da Guiné, pois esteve quatro vezes em Benim, e provavelmente entrou em contato com a nova navegação astronómica praticada por navegadores portugueses no Atlántico, a partir da segunda metade do século. Esteve assim diretamente envolvido em tarefas científicas da maior importância para a história da ciência moderna, como seja o esboço cartográfico de África, a correção e aperfeiçoamento das cartas náuticas utilizadas pelos marinheiros portugueses, cuja produção era controlada pelos Armazéns da Guiné e Índia (em Lisboa). De salientar, também, o uso de instrumentos astronómicos adaptados agora à navegação oceânica, como o astrolábio e o quadrante náuticos. Também se sabe que precisamente em 1488, o explorador português Bartolomeu Dias, no regresso da viagem pelo oceano Índico depois de ter dobrado o Cabo das Tormentas, também conhecido por Cabo da Boa Esperança, trouxe Duarte Pacheco Pereira de regresso ao reino por este se encontrar doente na ilha do Príncipe.

Segundo o seu próprio testemunho em o Esmeraldo, durante o reinado de D. Manuel I, em 1498, Pacheco Pereira empreendeu uma longa viagem através do Atlântico, por incumbência do rei que estava interessado na exploração da parte sul do Atlântico ocidental. Duarte Pacheco Pereira reconheceu ter chegado a uma “grande terra firme”, localizada a 70º de latitude do Pólo ártico e a 28º do Pólo antártico. Segundo a interpretação de alguns historiadores, Pacheco Pereira poderia ter chegado a terras americanas antes de 1500, incluíndo o Brasil. A sua participação na viagem de Pedro Álvares Cabral à Índia e ao Brasil em 1500 tem sido objeto de discussão, pois como assinala Fernão Lopes de Castanheda na História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses (1551, data de publicação do primeiro volume) alguém com o mesmo nome fez parte da tripulação. 

No início do século XVI, Pacheco Pereira viajou também para o Oriente, especificamente para a Índia, desta vez comandando uma das naus que fazia parte da armada capitaneada por Afonso de Abuquerque, que partiu de Lisboa em abril de 1503. Esta viagem na qual também participou seu primo Francisco de Albuquerque tinha por objetivo manter as boas relações diplomáticas com o rei de Cochim e combater os poderes locais de Calecute. A coroa portuguesa estava principalmente interessada na expulsão do Samorim (título dos antigos reis de Calecute), devolvendo assim o controlo desta cidade aos cochinenses, seus aliados. Foi nestas batalhas contra o Samorim que Duarte Pacheco Pereira mostrou os seus dotes de estratega e de guerreiro, conquistando a fortaleza local com apenas 150 homens, uma caravela e uma nau. Este acontecimento aumentou indubitavelmente o seu prestígio militar, a ponto de ser designado “Aquiles Lusitano” por Luís de Camões, em Os Lusíadas. Ao regressar ao reino, em 1505, foi recebido como um herói, passando a ser tratado deste modo pelos cronistas coevos e pela historiografia posterior. Este feito memorável, festejado e reconhecido pela coroa, serviu para melhorar a posição social de Pacheco Pereira. 

Passado o primeiro lustro do século XVI, e depois de várias viagens e batalhas, Pacheco Pereira dedicou-se à escrita da obra Esmeraldo de Situ Orbis, redigida em língua portuguesa e dedicada a D. Manuel I. Dividida em quatro livros esta obra esteve perdida durante séculos. Pacheco Pereira interrompeu a redação de o Esmeraldo em 1508, deixando assim o manuscrito inacabado. Foi publicado pela primeira vez em 1892, data da comemoração dos quatrocentos anos da descoberta da América por Cristóvão Colombo. Existem dois manuscritos do Esmeraldo, um preservado na Biblioteca Pública de Évora (Cod. CXV / 1-3) e um outro guardado na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa (COD. 888). Trata-se de uma obra especialmente significativa se tivermos em conta o escasso número de documentos desta época que chegou aos nossos dias. O Esmeraldo é um livro de cosmografia e marinharia concebido pelo autor como um manual de navegação para percorrer o caminho entre Lisboa e a Índia, isto é, um roteiro das costas orientais e ocidentais de África. É um livro de cosmografia no sentido em que contém um amplo número de coordenadas geográficas de latitude e longitude de lugares recém-descobertos, assim como descrições geográficas e etnográficas de territórios e comunidades nativas do litoral africano. Embora a obra se refira a vários mapas, nenhuma das cópias conhecidas do Esmeraldo contem mapas ou cartas náuticas.

Uma das principais premissas de o Esmeraldo é a adoção da noção de “experiência” como principal critério para a obtenção de conhecimento fidedigno, desafiando assim a tradição textual greco-romana e a autoridade herdada dos autores clássicos. Pacheco Pereira apela por diversas vezes à experiência como “madre das cousas”, isto é, à observação pessoal e direta do navegador, ideia recuperada mais tarde por autores como o vice-rei da Índia, D. João de Castro (1500‒1548) e o padre Fernando Oliveira (1507‒1581). Além do elogio acrítico dos eruditos humanistas do Renascimento aos textos e autores da Antiguidade Clássica, Pacheco Pereira é representativo de uma atitude coletiva, baseada na confiança plena na categoria de experiência como ferramenta cognitiva para chegar à verdade. É só através da experiência vivida na primeira pessoa que se pode ir além do já conhecido e validar o conhecimento procedente de novos mundos. 

Em 1509, o rei encarregou Pacheco Pereira de uma nova tarefa, relacionada com o combate aos atos de pirataria ao longo da costa Portuguesa contra as embarcações da coroa que vinham carregadas de mercadorias das feitorias de além-mar, que tantos prejuízos provocavam aos cofres reais. Nesse ano, a armada liderada por Pacheco Pereira c capturou um temido corsário francês conhecido por Mondragon, que tinha praticado o corso com a proteção do rei de França, Luis XII em anos anteriores, no litoral de Portugal. A partir de 1510 e nos anos seguintes Pacheco Pereira realizou tarefas semelhantes no Estreito de Gibraltar, quer lutando contra os piratas mouriscos, quer auxiliando as praças-fortes portuguesas do norte de África, como foi o caso de Ceuta e Tânger. Posteriormente, e em resultado da sua ascensão social, Pacheco Pereira casou com Antónia de Albuquerque, pertencente a uma reputada família portuguesa, da segunda década do século XVI.

Em 1519, Pacheco Pereira voltou a África, não como explorador ou navegador, mas como capitão do Castelo e Fortaleza de São Jorge da Mina, no atual Gana. Lá permaneceu até dezembro de 1521, ano em que foi afastado do cargo e feito prisioneiro por ordem de D. João III que ascendera ao trono, na sequência da morte de seu pai, D. Manuel I. Pacheco Pereira foi acusado de cometer irregularidades na gestão financeira da fortaleza, nomeadamente de corrupção e contrabando, pelo que teve de entregar à coroa parte dos seus bens, a troco da sua liberdade.  

Depois de ter passado pela prisão, sabemos por cartas do nobre espanhol Juan de Zúñiga Avellaneda y Velasco (1488‒1546), embaixador de Carlos V na corte lisboeta dos anos vinte, que Pacheco Pereira teve a intenção de se colocar ao serviço do rei espanhol, na qualidade de cosmógrafo, especificamente no que dizia respeito à localização das cobiçadas ilhas das especiarias, as Molucas, no sudeste asiático. Nos anos em que Duarte Pacheco Pereira ofereceu a sua experiência e conhecimentos a Carlos V as tensões entre Portugal e Espanha em relação aos direitos de posse e de exploração foram aumentando, questão que acabaria por ser resolvida apenas parcialmente em 1529 com o Tratado de Saragoça. No entanto, ao contrário de outros compatriotas—nomeadamente aqueles envolvidos na primeira circunavegação do globo entre 1519 a 1522—parece que Pacheco Pereira nunca prestou serviço à coroa espanhola, sendo que desde a sua libertação até o dia da sua morte continuou a receber comissões da casa real portuguesa.

Antonio Sánchez

Aguiar, Jorge de

Século XV-XVI
Palavras-chave: cartografia náutica, carta-portulano

DOI: https://doi.org/10.58277/QADE6751

Cartógrafo português do final do século XV, autor da mais antiga carta náutica portuguesa assinada e datada que chegou aos nossos dias (1492). Segundo o historiador da cartografia Armando Cortesão, Jorge de Aguiar era provavelmente o fidalgo e poeta português do mesmo nome, nascido em meados do século XV, que comandou uma armada de treze navios a caminho da Índia. Tendo zarpado de Lisboa em Abril de 1508, a bordo da nau capitânia S. João, esta naufragou nas águas das ilhas de Tristão da Cunha, ocorrência que foi registada no Livro das Armadas com uma imagem evocativa. Nada se sabe sobre a eventual experiência de Jorge de Aguiar como cartógrafo, e o facto de ter sido nomeado capitão-mor de uma Armada da Índia não significa que tivesse quaisquer conhecimentos no domínio da ciência náutica. Estes factos levaram o historiador Inácio Guerreiro, que sujeitou a hipótese de Cortesão a uma análise historiográfica mais profunda, a encará-la com alguma reserva.

A carta de Jorge de Aguiar é uma típica carta-portulano, quer na cobertura quer no modelo cartográfico, tendo sido ainda construída com base em rumos e distâncias. Junto à sua margem esquerda pode ler-se: “Iorge dagujar Me fez em Lixboa no anno dominus nostry Jhu Xpi de 1492”. Nela é representada a Europa, os arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde, e a costa ocidental de África até S. Jorge da Mina, no Golfo da Guiné. Tal como na carta náutica de Pedro Reinel construída no final do século XV, a parte da costa africana para sul da Serra Leoa foi desenhada no interior do continente. Este expediente é, porventura, justificado pelo facto de o cartógrafo ter copiado a maior parte da informação de um modelo desactualizado, em que este trecho de costa não figurava. Contudo, continua por explicar o facto de a linha de costa se interromper no Golfo da Guiné, numa data em que toda a costa africana até ao Cabo da Boa Esperança era já conhecida dos portugueses. De acordo com o historiador Alfredo Pinheiro Marques, o facto de a decoração desta carta ser semelhante à da escola de Malhorca situa-a no período mais antigo da cartografia portuguesa, que Armando Cortesão designou por “escola do Infante”. O seu modelo cartográfico, cobertura geográfica e decoração exuberante sugerem que não foi concebida para ser utilizada em navegação.

Joaquim Alves Gaspar

Bibliografia sobre o bibliografado

Cortesão, Armando. History of Portuguese Cartography, Vol. 2, 212-16. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1971.

Gaspar, Joaquim Alves. “From the Portolan Chart of the Mediterranean to the Latitude Chart of the Atlantic: Cartographic Analysis and Modeling.” Tese de doutoramento, 89. Universidade Nova de Lisboa, 2010.

Guerreiro, Inácio. A carta náutica de Jorge de Aguiar de 1492. Lisboa: Academia de Marinha e Edições Inapa.Marques, Alfredo Pinheiro (1987), ‘Jorge de Aguiar, Carta de 1492’, in Cortesão, Armando e Mota, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. VI, 75-81. Edição fac-similada. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.