Tavares, Joaquim da Silva

Vila de Rei, 17 agosto 1866 — Paris, 2 setembro 1931

Palavras-chave: Brotéria, Companhia de Jesus, botânica, zoologia, cecídias.

DOI: https://doi.org/10.58277/RXNA6324

Joaquim da Silva Tavares, S.J. ingressou na Companhia de Jesus com catorze anos, no dia 13 de novembro de 1880. Depois de dois anos no Noviciado do Barro em Torres Vedras, estudou Humanidades (1882–1885) e Filosofia (1885–1888) no Colégio de São Francisco em Setúbal. Entre 1889 e 1894 foi professor de Física, Química e História Natural no Colégio de Campolide (1889) em Lisboa e no Colégio de São Fiel (1890–1894) em Louriçal do Campo, onde ensinou também Latim e Grego. Tal como todos os seus companheiros jesuítas neste período, estudou Teologia fora de Portugal, primeiro em Uclés (1894–1897), na província de Cuenca em Espanha e depois em Vals-près-le-Puy na região de Haute Loire em França (1897–1898). Foi ordenado sacerdote em Uclés no dia 20 de junho de 1897 e, entre 1898 e 1899, esteve em Viena para se preparar para a profissão dos últimos votos na Companhia de Jesus. De regresso a Portugal, ensinou Física, Química e Mecânica no Colégio de São Francisco (1899–1900) e Física, Química e História Natural no Colégio de São Fiel (1900–1907), onde também dirigiu o herbário e o museu de história natural. Entre 3 de julho de 1908 e 5 de outubro de 1910, foi reitor de São Fiel.

Em Outubro de 1902, Joaquim da Silva Tavares, Cândido de Azevedo Mendes, S.J. (1874–1943) e Carlos Zimmermann, S.J. (1871–1950) fundaram a revista científica Brotéria. Por ter como principal objetivo a identificação de novas espécies de animais e plantas, a Brotéria: Revista de Sciencias Naturaes do Collegio de S. Fiel tomou o nome do naturalista Félix de Avelar Brotero (1744–1828), a quem a revista era dedicada. Além de ter atingido uma longevidade singular para uma revista científica em Portugal, a Brotéria Científica (1902–2002) distinguiu-se também das outras publicações da Companhia de Jesus em todo o mundo, por ser uma revista exclusivamente científica e não uma gazeta de divulgação com fins apologéticos. Ao longo de cem anos, publicaram-se na Brotéria cerca de 1 300 artigos de investigação original, em áreas como a botânica, a zoologia, a genética e melhoramento de plantas, a bioquímica e a genética molecular. Com a fundação da Brotéria, os naturalistas da Companhia de Jesus pretendiam difundir os seus trabalhos de classificação sistemática e contribuir para o progresso da botânica e da zoologia no nosso país. Este objetivo foi alcançado através da identificação e descrição de vários milhares de espécies de animais e plantas, muitas delas novas para a ciência, sobretudo em Portugal, Espanha, Madeira, Angola, Moçambique, Brasil e Timor. Entre 1902 e 1979, foram identificadas e descritas 1 327 novas espécies de animais e 890 novas espécies de plantas na revista dos jesuítas portugueses. Durante a direção de Silva Tavares (1901–1931), a Brotéria revelou ser uma importante revista científica, de circulação nacional e internacional. A relevância das suas publicações foi reconhecida em Portugal e no estrangeiro e logo nos primeiros anos da sua existência, houve revistas científicas especializadas como o American Naturalist, Journal of Mycology e o Bulletin of the Torrey Botanical Club, o primeiro jornal de botânica editado nos Estados Unidos da América, a dedicar artigos às novas espécies identificadas e descritas pelos naturalistas da Companhia de Jesus, inserindo-as nos seus catálogos anuais. A inclusão das espécies descritas na Brotéria nestes catálogos revela a importância da circulação do conhecimento entre os jesuítas e os botânicos americanos, não só para o desenvolvimento da sistemática e da taxonomia no início do século XX, mas também para a credibilização internacional dos jesuítas portugueses.

Silva Tavares dedicou-se à identificação e descrição de cecídias, estruturas vulgarmente designadas por galhas e que se desenvolvem nas plantas como resposta ao ataque de outros seres vivos. Ao longo da sua carreira, estudou centenas de espécies de zoocecídias colecionadas em Portugal, Espanha, Áustria, Brasil, Argentina e Moçambique. Em 1900, publicou o seu primeiro trabalho sobre as zoocecídias portuguesas nos Anais de Ciências Naturais, o que lhe valeu a nomeação para membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa em 1903. Ao longo de 92 páginas, o jesuíta identificou 234 insetos cecidogénicos, 24 dos quais novos para a ciência, e setenta novas plantas hospedeiras. Os seus trabalhos de classificação sistemática de cecídias tiveram a sua continuação natural na Brotéria. No ano de fundação da revista, Silva Tavares publicou uma série de artigos sobre as cecídias portuguesas, destacando-se uma adenda ao estudo publicado nos Anais de Ciências Naturais dois anos antes, onde identificava quinze novas espécies. 

Inspirado pelo trabalho de Jean-Jacques Kieffer, S.J. (1857–1925), que tinha publicado uma resenha das zoocecídias da Europa em 1901, Silva Tavares decidiu publicar uma sinopse das espécies portuguesas em 1905. Para a conclusão deste trabalho, contou com a colaboração de diversos naturalistas para a colheita de alguns espécimes, nomeadamente Gonçalo Sampaio (1865–1937) e Augusto Nobre (1865–1945), da Academia Politécnica do Porto, e Afonso Luisier, S.J. (1872–1957). Para a classificação taxonómica de alguns espécimes, o jesuíta reconheceu ainda a importância das contribuições de Kieffer, Louis Bedel (1849–1922) e dos irmãos Joseph de Joannis, S.J. (1854–1932) e Léon de Joannis, S.J. (1843–1919). Para complementar a identificação e descrição das zoocecídias portuguesas, este estudo incluiu catorze estampas com fotografias de cerca de 240 espécies. Apesar da prática comum nos estudos sobre cecídias ser a publicação de desenhos, Silva Tavares considerava que era mais vantajoso publicar antes fotografias, por causa da sua maior fidelidade. Em 1907, o jesuíta publicou um apêndice a esta sinopse, onde identificou 32 novas espécies de cecídias e uma nova espécie de díptero. 

Em 1903, 1905 e 1914, Silva Tavares publicou os resultados dos seus estudos sobre as zoocedídias, que o botânico Carlos Azevedo de Meneses (1863–1928) lhe enviou da ilha da Madeira, e identificou 72 espécies, doze das quais novas para a ciência. Em 1908, publicou um estudo sobre as cecídias da Zambézia, onde identificou 54 espécies, onze das quais inéditas. Os espécimes da Zambézia tinham sido colhidos pelo missionário Luís Lopes, S.J. (1867–1954). Os últimos trabalhos que Silva Tavares publicou antes da expulsão dos jesuítas versavam sobre as cecídias do Brasil e do Gerês. Enquanto no primeiro estudo, descreveu quarenta espécies, a partir do material enviado pelos padres Johann Rick, S.J. (1869–1946) e Bruggmann, S.J. (1863–1922), no segundo, identificou 137 espécies.

Entre 1902 e 1906, a Brotéria afigurou-se como uma revista científica dirigida a um público académico. Neste período, Silva Tavares conseguiu estabelecer mais de uma centena de permutas com revistas nacionais e internacionais. Contudo, o número de assinantes em Portugal não era suficiente para financiar a sua publicação. Por isso, resolveu restruturar a Brotéria dividindo-a em três séries distintas: Vulgarização CientíficaBotânica e Zoologia. Enquanto as séries científicas publicaram artigos de investigação original na língua de preferência do autor (português, latim, italiano, francês, alemão, espanhol, francês ou inglês), a série de Vulgarização Científica foi integralmente escrita em português e a sua publicação teve como objetivo garantir a independência financeira à Brotéria. Dividida em seis fascículos anuais, esta série foi publicada alternadamente com os cadernos de Botânica Zoologia até 1924, dando depois origem à Brotéria Cultural. Apesar da sua curta longevidade, publicaram-se nesta série mais de quatrocentos artigos de divulgação científica em áreas como agricultura, física, geografia, medicina, higiene, química e história das ciências. O projeto de divulgação da Brotéria esteve manifestamente dependente do seu diretor e dos seus maiores colaboradores, nomeadamente os jesuítas Camilo Torrend (1875–1961), Raúl Sarreira (1889–1968), Manuel Rebimbas (1873–1944), António de Oliveira Pinto (1868–1933), Cândido Azevedo Mendes (1874–1943), Manuel Martins (1858–1940) e Artur Redondo (1873–1966) e outros cientistas e médicos portugueses e brasileiros como António Ferreira da Silva (1853–1923), Egas Moniz Barreto de Aragão (1870–1924), José Pedro Dias Chorão (1853–1928) e Fernando de Almeida e Silva (1873–1942). O empenho de Silva Tavares na publicação desta série refletiu-se sobretudo na quantidade de artigos que escreveu. Ao longo de dezoito anos, o diretor da Brotéria publicou 174 artigos na Brotéria: Vulgarização Científica, o que representou mais de 40% de todos os artigos publicados nesta série. A partir dos artigos que escreveu na Vulgarização Científica, publicou um volume sobre As fruteiras do Brasil em 1923.

Após a implantação da República, Silva Tavares foi forçado a exilar-se, tendo chegado a Salamanca a 13 de outubro de 1910. No dia 7 de novembro partiu de Cádis para Buenos Aires, onde chegou no dia 25 desse mês. De Buenos Aires seguiu para a Baía, onde restabeleceu, em 1912, a publicação da Brotéria, que assumiu então o subtítulo de Revista Luso-Brasileira. Permaneceu no Brasil até 1914, data em que regressou a Espanha, fixando-se na Galiza, primeiro em Pontevedra e depois no Colégio de La Guardia. Tal como os seus companheiros jesuítas, viu as suas coleções confiscadas pelo Governo Provisório. Embora desse razão a Silva Tavares, António José de Almeida (1866–1929), ministro do Interior, acabou por entregar a resolução deste assunto ao ministro da Justiça, Afonso Costa (1871–1937), que recusou as pretensões do jesuíta. Assim, apesar da insistência de Veríssimo de Almeida (1834–1915), Marck Athias (1875–1946), Carlos Arruda Furtado (1886–1953), António Ferreira da Silva (1853–1923) e Ricardo Jorge (1858–1934), Silva Tavares só recuperou as suas coleções de cecídias quando regressou a Portugal em 1928.

No exílio, Silva Tavares estudou as cecídias e os insetos cecidogénicos da Argentina, do Brasil e da Península Ibérica. Em 1915, fruto da sua breve estadia em Buenos Aires, publicou um artigo sobre as cecídias da Argentina, onde identificou e descreveu 73 espécies. Entre 1916 e 1924, publicou uma série de artigos sobre os insetos das famílias Cynipidae e Cecidomyiidae da Península Ibérica, onde identificou e descreveu pela primeira vez oito géneros, 33 espécies, dez subespécies e uma variedade. Entre 1918 e 1922, descreveu nas páginas da Brotéria onze novos géneros e trinta novas espécies de cecídias do Brasil. Em 1925, publicou uma “Nova contribuição para o estudo da cecidologia brasileira”, onde identificou um novo género e cinco novas espécies de galhas. Entre 1927 e 1931, a Brotéria editou um conjunto de artigos de Silva Tavares sobre os insetos da família Cynipidae encontrados na Península Ibérica. Nestes artigos, o jesuíta descreveu seis novas espécies e seis novas subespécies destes insetos. Em 1931, Silva Tavares reuniu estes trabalhos numa monografia intitulada Cynipidae Peninsulae Ibericae. O primeiro volume, profusamente ilustrado, compreendeu os artigos publicados até 1928. Com a morte de Silva Tavares, o segundo volume, que incluía os artigos publicados entre 1930 e 1931, ficou incompleto e nunca chegou a ser publicado.

Durante a direção de Silva Tavares, a publicação da Brotéria foi reconhecida no Brasil, onde a revista recebeu duas medalhas de ouro, a primeira na Exposição do Liceu de Artes e Ofícios da Baía, em 1913, e a segunda na Exposição Internacional do Rio de Janeiro, em 1922. Enquanto esteve sediada na Baía (1912–1914), por causa do exílio dos jesuítas, a sua subsistência financeira foi garantida, em grande medida, por assinantes brasileiros, dado que existiam na Europa apenas 98 assinantes. Em 1927, a situação já se tinha invertido e a maioria dos assinantes encontrava-se no nosso país. De regresso a Portugal em 1928, Silva Tavares foi convidado para trabalhar no Instituto Rocha Cabral e em 1930 conseguiu que a Brotéria – Botânica e a Brotéria – Zoologia fossem subsidiadas pela recém-criada Junta de Educação Nacional. Apesar de ter publicado a grande maioria dos seus trabalhos na Brotéria, publicou também no Boletim da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, na Marcellia, nos Annales de la Societé Linnéenne, e em atas de encontros organizados pela Associación Española para el Progresso de las Ciencias. Entre os seus principais correspondes estrangeiros encontravam-se os jesuítas Jean-Jacques Kieffer, Joseph de Joannis, Léon de Joannis e Johann Rick, e ainda os naturalistas italianos Alfredo Corti (1880–1973) e Mario Bezzi (1868–1927).

Pelas suas atividades científicas em torno da identificação e classificação sistemática de cecídias, a sua reputação científica foi-se construindo, quer a nível nacional, quer no panorama internacional. Além de ter sido cofundador da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e da Sociedade Ibérica de Ciências Naturais, pertenceu ainda a várias outras reputadas academias científicas nacionais e estrangeiras como a Reial Acadèmia de Ciències i Arts de Barcelona, a Société Lynnéenne, a Sociedad Española de Historia Natural, a Asociación Española para el Progreso de las Ciências, a Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências, a Société Entomologique de France, a Sociedade Entomológica de España, o Museu Nacional do Rio de Janeiro e a Accademia Pontificia dei Nuovi Lincei. O reconhecimento científico atingiu o seu apogeu com a nomeação, por unanimidade, para sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa. A eleição, realizada a 6 de março de 1928, foi amplamente noticiada nos periódicos portugueses e valeu a Silva Tavares a felicitação pessoal de Egas Moniz. Ocorrida em plena Ditadura Militar, esta nomeação foi um dos primeiros sinais públicos de reconhecimento científico dos jesuítas, em Portugal, após a implantação da República em outubro de 1910. 

Silva Tavares morreu no dia 2 de setembro de 1931 em Paris e foi homenageado na Academia das Ciências no dia 5 de novembro de 1936, numa sessão realizada por Aquiles Machado (1862–1942), Celestino da Costa (1844–1956) e Antero Seabra (1897–1983), seu sucessor na Academia.

Francisco Malta Romeiras

Obras

Tavares, Joaquim da Silva. “As Zoocecidias Portuguesas. Enumeração das espécies até agora encontradas em Portugal e descrição de dezanove ainda não estudadas.” Anais de Ciências Naturais 7 (1900): 17–106.

Tavares, Joaquim da Silva. “As Zoocecidias portuguesas: Addenda.” Brotéria 1 (1902): 5–48.

Tavares, Joaquim da Silva. “Zoocecidias dos suburbios de Vienna d’Austria.” Brotéria 1 (1902): 77–94.

Tavares, Joaquim da Silva. “Zoocecidias da ilha da Madeira.” Brotéria 2 (1903): 179–186; 4 (1905): 221–227.

Tavares, Joaquim da Silva. “Zoocecidias da ilha da Madeira.” Brotéria: Zoologia 12 (1914): 193–197.

Tavares, Joaquim da Silva. “Synopse das Zoocecidias Portuguesas.” Brotéria 4 (1905): v–xii, 1–123.

Tavares, Joaquim da Silva. “Contributio prima ad cognitionem cecidologiae Regionis Zambeziase.” Brotéria: Zoologia 7 (1908): 133–174.

Tavares, Joaquim da Silva. “Cécidologie Argentine.” Brotéria: Zoologia 13 (1915): 88–128.

Tavares, Joaquim da Silva. “Espécies novas de Cynípides e Ceccidomyas da Península Ibérica, e descrição de algumas já conhecidas.” Brotéria: Zoologia 14 (1916): 65–136; 16 (1918): 130–142; 17 (1919): 5–101; 18 (1920): 43–69; 20 (1922): 97–155; 21 (1924): 5–48.

Tavares, Joaquim da Silva. “Cecidologia Brasileira.” Brotéria: Zoologia 16 (1918): 21–28; 18 (1920): 82–125; 19 (1921): 76–112; 20 (1922): 5–48.

Tavares, Joaquim da Silva. “Os Cynípides da Península Ibérica.” Brotéria: Zoologia 24 (1927): 16–78; 25 (1928): 11–152; 26 (1930): 25–53; 27 (1931): 5–100.

Bibliografia sobre o biografado

Carvalho, José Vaz de. “Joaquim da Silva Tavares.” In Diccionario Histórico de la Compañía de Jesús, vol. 4: 3706. Madrid e Roma: Universidade Pontificia Comillas e Institutum Historicum Societatis Iesu, 2001.

Leite, Serafim. “J.S. Tavares.” Brotéria: Fé, Ciências, Letras 13 (1931): 273–297.

Luisier, Afonso. “In memoriam. Le R. P. J. da Silva Tavares, S.J.” Brotéria: Ciências Naturais 1 (1932): 9-34.

Maurício, Domingos. “O fundador da Brotéria na Academia.” Brotéria: Revista Contemporânea de Cultura 23 (1936): 449–455.

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. xxx: 811–814. Lisboa e Rio de Janeiro: Verbo, 1936–1960