Torrend, Camilo (Camille Torrend)

Saint-Privat d’Allier, Haute-Loire, França, 21 junho 1875 — Salvador, Baía, Brasil, 24 junho 1961

Palavras-chave: Brotéria, Companhia de Jesus, fungos, botânica.

DOI: https://doi.org/10.58277/YSEO1434

Camilo Torrend, S.J. tinha dezanove anos quando entrou na Companhia de Jesus no Noviciado do Barro, em Torres Vedras, no dia 25 de outubro de 1894. A decisão de ingressar na Companhia de Jesus em Portugal prendeu-se com o desejo de vir a ser missionário na Zambézia, à semelhança do seu irmão Jules (1861–1936). Depois de três anos no Noviciado do Barro, estudou Filosofia e Ciências Naturais no Colégio de São Fiel (1897–1898) em Louriçal do Campo e no Colégio de São Francisco (1900–1902) em Setúbal. Entre 1904 e 1908, estudou Teologia em Dublin e foi ordenado sacerdote nesta cidade no dia 29 de julho de 1907. De regresso a Portugal, foi destinado para o Colégio de Campolide, em Lisboa, onde se focou na identificação e caracterização de novas espécies de fungos. Neste colégio, constituiu uma importante coleção de 283 mixomicetes, na qual se encontravam representadas 199 espécies diferentes. Antes do exílio, realizou diversas expedições para recolha de fungos em Almada, no Vale do Rosal, na Costa de Caparica, em Setúbal e na Serra de Monchique. 

No dia 6 de outubro de 1910, Torrend encontrava-se no Noviciado do Barro, onde estava a terminar a sua formação religiosa, quando toda a comunidade, constituída por noventa jesuítas, foi presa por ordem de Afonso Costa. Graças à ação diplomática francesa, foi libertado da prisão de Caxias no dia 12. Nesse dia foi entrevistado por Afonso Costa que lhe ofereceu uma cátedra na Universidade de Coimbra, caso quisesse permanecer em Portugal. Torrend recusou a oferta do ministro da Justiça e acabou por embarcar para Londres no dia 18 de outubro. Tal como acontecera com os seus companheiros jesuítas, viu as suas coleções científicas confiscadas pelo Governo Provisório. Contudo, graças à intervenção do embaixador francês, conseguiu recuperá-las em abril de 1913.

Torrend foi um dos principais autores da Brotéria, a revista científica fundada por três jesuítas portugueses no Colégio de São Fiel em 1902. Ao longo da sua carreira, identificou e descreveu centenas de espécies de fungos em Portugal, na Madeira, em Moçambique, em Timor e no Brasil. No primeiro artigo que publicou na Brotéria, Torrend identificou 512 espécies de fungos na região de Setúbal. Na época, este trabalho foi reconhecido por Júlio Henriques (1838–1928) e José Veríssimo de Almeida (1834–1915) como uma das mais importantes contribuições para o estudo da flora micológica portuguesa. Em 1905, quando ainda estava em Dublin a estudar Teologia, Torrend publicou a sua primeira contribuição para o estudo dos fungos de Moçambique. Neste trabalho, identificou 36 fungos pertencentes à flora da Zambézia e, juntamente, com o Padre Giacomo Bresadola (1847–1929), fundador da Societé Mycologique de France, descreveu duas espécies novas para a ciência. Estes espécimes tinham sido recolhidos pelo seu irmão Jules e por Luís Gonzaga Dialer, S.J. (1866–1943), missionários em Mururú, no distrito do Zumbo, e enviados para Torrend, para posterior identificação e descrição. Entre 1907 e 1908, o jesuíta publicou na Brotéria: Botânica uma importante resenha com as 271 espécies de mixomicetes conhecidas até então. Além de uma tabela geral de géneros, espécies e sinonímias, a revista dos jesuítas portugueses publicou ainda 240 ilustrações de mixomicetes em nove estampas diferentes. Entre 1909 e 1913, Torrend estudou os cogumelos da ilha Madeira e identificou 338 espécies, 31 das quais novas para a ciência. Estes fungos tinham sido recolhidos por Carlos Azevedo Meneses (1863–1928) e pelos padres Jaime Gouveia Barreto (1887–1963) e Manuel da Silveira, seus correspondentes na Madeira. Entre 1922 e 1935, publicou na Brotéria, uma série de artigos sobre os basidiomicetes da família Polyporaceae do Brasil, tendo identificado e descrito 115 espécies diferentes, uma das quais inédita. Apesar da Brotéria ter editado a maioria dos seus trabalhos de classificação sistemática, Torrend publicou também no Boletim da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, no Bulletin de la Societé Mycologique de France, nas Mycological Notes e no The Irish Naturalist.

Ao longo da sua carreira, Torrend publicou alguns artigos de divulgação científica, nomeadamente na Brotéria-Vulgarização Científica (1907–1924), tendo-se destacado, neste contexto, o texto que escreveu sobre a expedição de Eddington e Crommelin a São Tomé e Príncipe e ao Brasil, para a observação do eclipse total de 29 de maio de 1919. Por ter publicado o artigo antes de terem sido analisadas as chapas fotográficas do eclipse, Torrend apresentou os três cenários possíveis, salientando qual o resultado que poderia confirmar a teoria da relatividade de Einstein 

Entre 1912 e 1914, foi professor no Instituto Nun’Álvares (Château de Dielighem, Bruxelas). Com o início da Primeira Guerra Mundial, Torrend partiu para o Brasil. Ensinou Apologética e Biologia no Colégio Padre António Vieira, em Salvador da Baía (1914–1953) e regeu a cátedra de Fitopatologia e Botânica na Escola Agrícola da Baía entre 1932 e 1943. Sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e membro da Real Sociedade de Agricultura de Turim e da Real Academia das Ciências, Torrend foi ainda conselheiro do Diretório Regional de Geografia do Brasil e presidente da Sociedade Baiana de História. Quando o micólogo brasileiro Augusto Chaves Batista (1916–1967), que tinha como seu aluno, criou o Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco, em 1954, decidiu dar o nome do jesuíta ao herbário. Constituído por cerca de 88 mil registos de fungos e 46 mil exsicatas é considerado atualmente o maior herbário do género da América Latina. Em 1957, a Universidade do Recife distinguiu-o com um doutoramento honoris causa.

Morreu com 86 anos em Salvador da Baía, no Brasil, no dia 24 de junho de 1961.

Francisco Malta Romeiras

Obras

Torrend, Camilo. “Contribuições para o estudo dos fungos da região setubalense.” Brotéria 1, (1902): 93–150; 2 (1903): 123–148; 4 (1905): 207–211.

Torrend, Camilo. “Primeira contribuição para o estudo da llora mycologica da provincia de Moçambique.” Brotéria 4 (1905): 212–221.

Torrend, Camilo. “Les Myxomycètes. Étude des espèces connues jusqu’ici.” Brotéria: Botânica 6 (1907): 5–64; 7 (1908): 5–177.

Torrend, Camilo. “Contribuitions pour l’étude des champignons de l’île de Madère.” Brotéria: Botânica 8 (1909): 128–144; 10 (1912): 29–49; 11 (1913): 165–181.

Torrend, Camilo. “Fungos. Que são e como se coleccionam.” Brotéria: Vulgarização Científica 9 (1910): 95–106.

Torrend, Camilo. “Premiére contribuition à l’étude des champignons de l’île de Timor (Océanie).” Brotéria: Botânica 9 (1910): 83–91.

Torrend, Camilo. “Un nouveau genre de Discomycètes, Helolachnun aurantiacum Torrend.” Brotéria: Botânica 9 (1910): 53.

Torrend, Camilo. “Les Basidiomycètes des environs de Lisbonne et de la région de S. Fiel (Beixa Baixa).” Brotéria: Botânica 10 (1912): 192–210; 11 (1913): 54–98.

Torrend, Camilo. “O eclipse total de 29 de Maio de 1919, no Brazil.” Brotéria: Vulgarização Científica 18 (1920): 40–41.

Torrend, Camilo. “Les Polyporacées du Brésil.” Brotéria: Botânica 18, (1920): 23–43 e 121–142; 20 (1922): 107–112; 22 (1924): 12–42; 24 (1926): 5–19; Brotéria: Ciências Naturais 31 (1935): 108–120.

Bibliografia sobre o biografado

Carvalho, José Vaz de Carvalho. “Camilo Torrend.” In Diccionario Histórico de la Compañía de Jesús, vol. 4: 3816. Madrid e Roma: Universidade Pontificia Comillas e Institutum Historicum Societatis Iesu., 2001.