Lisboa, 26 setembro 1901 – Mem Martins, Sintra, 24 novembro 1987
Palavras-chave: Petrologia/Petrografia, Ensino/Educação, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, geologia das colónias.
DOI: https://doi.org/10.58277/LRWR1652
Carlos Fernando Torre de Assunção foi um dos responsáveis pela modernização da geologia em Portugal e pioneiro da especialização nas áreas da petrologia e da geoquímica.
Depois de completado o ensino liceal na capital, Torre de Assunção ingressou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), frequentando, em simultâneo, os preparatórios de Engenharia Militar e a licenciatura em Ciências Histórico-Naturais. Não prosseguiu os estudos de engenharia, optando antes pela licenciatura que terminou em 1922. À época, o principal destino dos licenciados em Ciências Histórico-Naturais era o ensino secundário, pelo que, no mesmo ano, Torre de Assunção iniciou a sua carreira como professor em escolas do ensino particular. Em 1923, tornou-se assistente no 1º grupo da 3ª secção, Ciências Geológicas, da FCUL, desenvolvendo a carreira docente nos ensinos universitário e secundário em paralelo até 1939, ano em que abandonou o último. Entretanto, em 1934, tinha já sido contratado como professor extraordinário pela FCUL e, em 1936, obtido o doutoramento em Ciências Geológicas com a tese Cristalização-diferenciação do magma basáltico. Observação em rochas portuguesas. Seis anos depois, em 1942, Torre de Assunção ascendeu a professor catedrático, cargo que ocupou até à jubilação, em 1971.
Torre de Assunção esteve ainda ligado à Junta de Investigações do Ultramar (JIU), com a qual iniciou uma intensa e duradoura colaboração científica no início da década de 1940. Participou em diversas missões e expedições organizadas por esta instituição, e, a partir de 1950, passou a dirigir o Laboratório de Técnicas Físico-Químicas Aplicadas à Mineralogia e Cristalografia. Foi igualmente colaborador científico dos Serviços Geológicos de Portugal, tendo sido responsável pelos estudos petrográficos/petrológicos de inúmeras folhas da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50000 e 1:25000, publicadas entre o final da década de 1950 e o início da de 1970.
Retirado em Mem Martins durante os últimos anos da sua vida, diminuído do ponto de vista físico, Torre de Assunção morreu em 1987. Foi dado o seu nome a uma rua na freguesia de Algueirão, Mem Martins, Sintra.
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A tese de doutoramento de Torre de Assunção encontra-se em linha com um dos problemas mais estudados à época nessas áreas de especialidade do conhecimento geológico: a origem de diferentes tipos de rochas magmáticas a partir de um mesmo magma basáltico primário. Além disso, contribuiu para que o trabalho de campo geológico passasse a ser parte integrante da investigação em petrografia/petrologia, circunstância inovadora no panorama da geologia portuguesa, uma vez que, até então, a mesma se tinha centrado, quase exclusivamente, em estudos de gabinete/laboratório. De um modo mais abrangente, Torre de Assunção fez parte de um amplo movimento de modernização da geologia em Portugal, iniciado durante a década de 1940.
Desde cedo empenhado em desenvolver a carreira académica de acordo com o modelo do professor-investigador, a primeira publicação científica de Torre de Assunção data de 1933, com um estudo dedicado às rochas vulcânicas da região de Sintra. Publicou, ainda, mais alguns trabalhos antes de completar o doutoramento, mas é a partir daí que a sua actividade enquanto investigador se revela mais significativa, sendo autor de diversos trabalhos respeitantes à descrição, análise, origem e evolução de diferentes tipos de litologias presentes no território de Portugal continental, arquipélagos da Madeira e dos Açores e antigas colónias ultramarinas. São, aliás, os estudos de Torre de Assunção relativos à geologia das antigas possessões coloniais portuguesas que levaram a que fosse convidado a ligar-se institucionalmente à JIU. De um modo geral, os trabalhos de Torre de Assunção foram a base de inúmeros estudos petrográficos/petrológicos relativos à geologia de Portugal.
Enquanto director da secção do Centro de Mineralogia e Geologia da Comissão de Estudos de Energia Nuclear, criado na FCUL pelo Instituto para a Alta Cultura (IAC), em 1954, Torre de Assunção efectuou estudos relativos aos depósitos e minerais de urânio portugueses. Foi na aplicação da radiocristalografia à determinação de minerais uraníferos que publicou uma das suas obras mais conhecidas, Tables Pour la Detérmination des Minéraux au Moyen des Rayons X, em co-autoria com Julio Garrido Mareca (Madrid, 8-11-1911 – Madrid, 14-05-1982).
Testemunhos escritos e orais dão conta das qualidades de Torre de Assunção enquanto professor, salientando-lhe a clareza do discurso, a facilidade de comunicação e a disponibilidade para com os alunos. Estes traços de carácter terão certamente contribuído para a captação de discípulos que prosseguiram a tradição de investigação em petrologia iniciada por Torre de Assunção no Centro de Estudos de Geologia da FCUL, principalmente a partir da década de 1960, quando este centro de investigação patrocinado pelo IAC desenvolveu uma actividade de investigação significativa no âmbito da geologia.
A maior parte das vezes, Torre de Assunção publicou sozinho, principalmente no Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Lisboa, no Boletim da Sociedade Geológica de Portugal e em publicações da JIU. Colaborou igualmente com outros membros da comunidade geológica nacional que com ele partilharam os mesmos espaços de prática geológica, em particular o seu colega na FCUL Carlos Teixeira (Aboim, 1910 – Lisboa, 1982); José António Neves Brak-Lamy (? – ?), naturalista do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da FCUL; António de Vasconcelos Teixeira Pinto Coelho (? – ?), investigador da Junta de Investigações do Ultramar; Georges Zbyszewski (Gatchnina, Rússia 1909 – Lisboa, 1999), Octávio Reinaldo dos Santos da Veiga Ferreira (Lisboa, 1917 – Lisboa, 1997) e Artur Cândido de Medeiros (Vila Franca do Campo, Açores 1908 – ? 1977), elementos dos Serviços Geológicos.
Desenvolvendo quase toda a sua actividade científica e profissional durante a ditadura, as oportunidades de Torre de Assunção estabelecer relações de trabalho com cientistas de outros países encontrou-se condicionada, situação generalizada no que diz respeito a praticamente toda a comunidade científica portuguesa, mas que, no seu caso, poderá ter sido exacerbada devido ao seu posicionamento político. Os congressos científicos internacionais foram as principais ocasiões que permitiram a Torre de Assunção contactar com os seus pares no estrangeiro. Em 1953, integrou, por designação ministerial, a representação portuguesa à Associação Científica do Oceano Índico e, em 1971, foi a Moscovo, para uma reunião da União Internacional de Geodesia e Geografia, onde participou como membro da secção portuguesa.
É manifesto — e, na época, até mesmo algo invulgar para um professor universitário — o elevado interesse de Torre de Assunção pelo ensino secundário, circunstância a que não foi certamente estranha a sua experiência de docência durante largos anos nesse nível de ensino. Torre de Assunção mostrou-se empenhado na formação de professores do ensino secundário, tendo participado, entre 1966 e 1970, em diversos cursos de extensão universitária promovidos pelo Centro de Estudos de Geologia da FCUL com vista à actualização do professorado em matérias de geologia. Talvez o mais relevante neste aspecto da sua actividade tenha sido o facto de, no início da década de 1970, o Gabinete de Estudos e Planeamento de Acção Educativa do Ministério da Educação Nacional ter encarregado Torre de Assunção da reforma dos programas e metodologias da disciplina de Ciências Geológicas do curso complementar dos liceus. Daí resultaram dois manuais destinados aos 6º e 7º anos, intitulados Curso de Geologia, que foram utilizados em turmas piloto no antigo Liceu de Pedro Nunes, manuais esses que marcaram uma ruptura no ensino liceal da geologia.
De acordo com o testemunho de um discípulo responsável por uma das suas notas biográficas, Torre de Assunção terá pertencido, na década de 1940, ao Núcleo de Doutrinação e Acção Socialista que, em 1944, originou a União Socialista. Aderiu ao Partido Socialista aquando da sua fundação, em 1973. As opções políticas de Torre de Assunção serviram de argumento para, na sequência das conturbadas eleições de 1945 para a Assembleia Nacional, a ditadura o incluir no grupo de professores e assistentes universitários demitidos em 1947. No entanto, novos dados permitem uma reinterpretação dos acontecimentos que conduziram à purga universitária: alguns dos elementos expulsos, entre os quais Torre de Assunção, tê-lo-ão sido mais por razões respeitantes às políticas académicas de investigação do que por razões político-ideológicas. A verdade é que Torre de Assunção foi um dos académicos que, na Universidade de Lisboa, defendeu a introdução de uma nova cultura de investigação científica, até então quase inexistente apesar das intenções legislativas. O envolvimento político que ditou o seu afastamento em 1947 terá sido assim, um pretexto para que alguns dos seus pares o afastassem, dadas as suas posições respeitantes à investigação e ensino universitários.
Pouco tempo depois da sua demissão, Torre de Assunção foi reintegrado na FCUL e, no decurso da sua vida profissional e científica subsequente, não encontrou dificuldades para exercer cargos de responsabilidade em instituições científicas ligadas ao regime, como foi o caso da JIU.
Teresa Salomé Mota
Arquivos
Arquivo Histórico do Laboratório Nacional de Energia e Geologia
Arquivo Histórico do Instituto de Investigação Científica e Tropical
Arquivo Histórico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Obras
Assunção, Carlos Fernando Torre de. “Cristalização-diferenciação do magma basáltico. Observação em rochas portuguesas.” Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 1936.
Assunção, Carlos Fernando Torre de e J. Brack-Lamy. “Géologie et Pétrographie du Massif Éruptif de Sintra-Portugal.” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 10 (1952): 23-57.
Assunção, Carlos Fernando Torre de e Júlio Garrido. “Tables pour la Détermination des Minéraux au Moyen des Rayons X.” Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 20-21 (1954).
Assunção, Carlos Fernando Torre de e A. V. Pinto Coelho. “The Rocks with Charnockitic Affinities in Mozambique.” In Proceedings of the Pan-Indian Ocean Scientific Congress (1954): 29-33.
Assunção, Carlos Fernando Torre de. “Expedição Científica à Ilha do Fogo, Cabo Verde.” Memórias da Junta de Investigações do Ultramar, Série Petrográfica 1, 1954.
Assunção, Carlos Fernando Torre de. “Notas de Petrografia Timorense.” Garcia de Orta 4 (2) (1956): 265-278.
Assunção, Carlos Fernando Torre de, F.J. Mendes e M. da Silveira. “Contribuições para o Conhecimento dos Minerais de Urânio Portugueses. A Malha das Pechblendas da Metrópole Portuguesa e as suas Possíveis Relações com a Composição Química.” Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 2ª série, C – Ciências Naturais 2 (1957): 261-276.
Assunção, Carlos Fernando Torre de, F. Machado e R. Gomes. “On the Occurrence of Carbonatites in the Cape Verde Islands.” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 16 (1965): 179-188.
Assunção, Carlos Fernando Torre de e M. H. Canilho. “A Petrografia da Ilha de Maio e suas Relações com a Petrografia do Arquipélago de Cabo Verde.” Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 11 (2) (1970): 161-191.
Assunção, Carlos Fernando Torre de. Curso de Geologia (Ciclo Complementar do Ensino Secundário Liceal). Lisboa: Ministério de Educação Nacional, 1973.
Bibliografia sobre o biografado
Almeida, Justino Mendes de. “O Prof. Torre de Assunção na Junta de Investigações do Ultramar.” Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa 17 (1972), 2.ª série C, separata.
Alves, Carlos Matos. “Torre de Assunção (1901-1987). Um Enciclopedista no século XX.” In Memórias de Professores Cientistas, coordenado por Ana Simões, 58-65. Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2001.
Costa, João Carrington da. “Personalidade e Obra do Professor Doutor Carlos Fernando Torre de Assunção.” Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa, 17 (1972), 2.ª série C: vii-xxviii.
Ribeiro, Orlando. “O Professor Torre de Assunção.” Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa, 17 (1972), 2.ª série C, separata.
Simões, Ana “O Ano de 1947 e o Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa.” Gazeta de Física, 34 (2) (2011): 16-20.