Coutinho, António Xavier Pereira

Lisboa, 11 junho 1851 — São Pedro do Estoril?, 27 março 1939

Palavras-chave: Botânica, Instituto Agrícola, Escola Politécnica de Lisboa, Agronomia.

DOI: https://doi.org/10.58277/NLFH4624

Engenheiro agrónomo de formação, D. António Xavier Pereira Coutinho foi um importante agrónomo e botânico que dedicou grande parte da sua vida ao estudo da flora portuguesa. Foi o principal responsável pela publicação da primeira flora moderna de Portugal, relativa às plantas vasculares, em 1913. Através da regência de cadeiras no Instituto Agrícola e na instituição que o sucedeu, formou várias gerações de técnicos agrícolas que contribuíram para o ordenamento do território nacional e colonial. Também desempenhou uma importante atividade pedagógica através da publicação de manuais escolares para diversos níveis de ensino.

Pereira Coutinho nasceu em Lisboa, numa família da alta nobreza. Era filho de D. Martinho da França e Faro Pereira Coutinho Pacheco Pato de Novais Pimentel, moço fidalgo com exercício no Paço, formado em engenharia militar, e de D. Maria da Penha de França Baena Falcão de Magalhães e Avelar. Vários dos ascendentes de Pereira Coutinho tinham servido como cavaleiros, camaristas ou mordomos de reis portugueses e espanhóis, desde os inícios do século XVIII. Os serviços prestados junto da corte espanhola valeram à casa dos Pereiras Coutinhos os títulos de Marquês de Soydos e Visconde de Santo António, o que a tornou a única casa fidalga portuguesa com dois títulos nobiliárquicos espanhóis.  

Frequentou a Escola Politécnica de Lisboa, continuando os seus estudos no Instituto Agrícola de Lisboa, a mais importante escola técnica agrícola do país, onde concluiu o curso de engenheiro agrónomo em 1874, com uma dissertação sobre o estudo do clima agrícola. Em seguida, arranjou emprego como agrónomo, cargo que desempenhou até 1879. Destacado para o distrito de Bragança, visitou os seus pontos principais, familiarizando-se com o clima, as práticas agrícolas e as restantes atividades económicas da região, tendo ainda organizado a quinta distrital. Para melhor prestar auxílio aos lavradores, e dada a escassez de estudos sobre a flora local, procurou estudá-la ele próprio, apesar de possuir uma experiência limitada enquanto botânico e não ter acesso a herbários e obras de referência. 

Em 1878, foi nomeado para uma comissão encarregada do estudo da praga de filoxera que atacava as vinhas da região do Douro, um problema agrícola importante, pois afetava uma das culturas mais relevantes para a economia nacional. O hábito de colher plantas pelas regiões por onde andava despertou a atenção de Manuel Paulino de Oliveira, professor da Universidade de Coimbra dedicado à entomologia e vice-presidente da comissão, que estudava o inseto causador da praga. Por esta altura, o seu colega Júlio Henriques, professor de Botânica e diretor do Jardim Botânico da Universidade, tentava criar um grupo de estudos botânicos capaz de empreender um levantamento sistemático da flora nacional, e ao ver um possível colaborador em Pereira Coutinho, contactou-o. Este acedeu, estando presente desde o início da fundação oficial deste grupo em 1879, a Sociedade Broteriana, e desenvolveu uma grande estima por Henriques, que se tornou um mentor, dando-lhe acesso a herbários e obras de referência. 

A competência profissional de Pereira Coutinho tornou-o conhecido entre as elites científicas da época, dando-lhe acesso a uma carreira académica no Instituto Agrícola. Nomeado chefe dos serviços químicos em 1879, estudou a composição dos fenos e das palhas de diversas regiões do reino e substituiu o professor João Inácio Ferreira Lapa na cadeira de Tecnologia, Química Agrícola e Análise. Em 1882, concorreu à regência da cadeira de Silvicultura, criada nesse mesmo ano por reforma governamental, tendo sido aprovado, e redigiu um manual para auxiliar os alunos, que publicou em dois volumes, entre 1886 e 1887. Em 1886, a cadeira a que prestava substituição foi dividida em duas, e transitou para a nova disciplina de Química Agrícola, Análise de Terras, Adubos e Plantas, posição que manteve durante vários anos, tomando ainda a direção do laboratório químico do Instituto.

Pereira Coutinho foi, à semelhança de outras personalidades da época ligadas ao ensino da agronomia, como José Maria GrandeJoão de Andrade Corvo, um defensor da modernização da agricultura portuguesa. Para este fim, fundou, em 1886, e com José Veríssimo de Almeida, seu colega no Instituto, o periódico A Agricultura Contemporânea (em 1890, o título foi alterado para A Revista dos Campos), onde eram fornecidas informações sobre novos instrumentos agrícolas, técnicas de estrumação, legislação agrícola aprovada, e pragas agrícolas, entre outros temas. Pereira Coutinho também escreveu para outros periódicos, como O Agricultor Português e Portugal Agrícola. Durante este período, outra das suas contribuições mais significativas foi a publicação, em 1889, de um guia de boas práticas para o fabrico e tratamento do vinho português, no sentido de aperfeiçoar a sua produção e fazer face à competição por parte de vinhos franceses, italianos e espanhóis. 

A partir do final da década de 1880, Pereira Coutinho iniciou um programa de investigação que tinha por objetivo o estudo taxonómico das Angiospérmicas presentes em território nacional, com vista à publicação de uma flora portuguesa moderna. Apesar de já ter realizado alguns estudos taxonómicos no passado, só nesta altura começou a empreendê-los de um modo sistemático. A sua admissão na Escola Politécnica de Lisboa, onde provavelmente poderia mobilizar mais recursos para estudos deste tipo, contribuiu para a mudança. Foi admitido no lugar de naturalista-adjunto da Secção Botânica do Museu Nacional de Lisboa, em 1890, graças à intervenção do Conde de Ficalho, o diretor da Secção e então regente da cadeira de Botânica da Escola, e no ano seguinte venceu o concurso para lente substituto dessa cadeira. Em 1903, após a morte de Ficalho, tornou-se regente da cadeira e diretor do Jardim Botânico da Escola.

Pereira Coutinho foi professor na Escola Politécnica e no Instituto Agrícola até 1921, data em que atingiu o limite legal de idade. No seguimento da reforma republicana do ensino superior de 1911, que transformou a Escola na Faculdade de Ciências da recém-criada Universidade de Lisboa, passou a reger a cadeira de Botânica Especial e Geografia Botânica, dedicada ao ensino da taxonomia vegetal. Também se dedicou ao ensino da botânica no Instituto, tendo provavelmente transitado para a cadeira respetiva após a reforma de 1911, que criou o novo Instituto Superior de Agronomia.

Após mais de duas décadas de estudos, Pereira Coutinho publicou um primeiro esboço de uma flora nacional em 1913, tendo incorporado o contributo de outros membros da Sociedade Broteriana, especialmente Júlio Henriques, Joaquim de Mariz, Gonçalo Sampaio e Jules Daveau. Este trabalho foi considerado a sua obra-prima. Continuou a expandir e a revê-lo até ao final da vida, dedicando-se ainda ao estudo de líquenes, musgos, hepáticas e basidiomicetas (à época, todos eram agrupados no reino das Plantas).

Ainda que as qualidades científicas de Pereira Coutinho fossem apreciadas e enaltecidas pelos seus colegas, foi como professor que deixou as impressões mais profundas. Os seus antigos alunos recordam-no como um exemplo de integridade moral e intelectual, austero e exigente, que os conquistava por uma modéstia característica e pela clareza com que ensinava os assuntos mais complexos. Nas suas aulas, enfatizava a observação direta de espécimes vegetais, chegando a adotar métodos de ensino inovadores. Após publicar a Flora de Portugal, deu uma feição quase completamente prática à cadeira que lecionava na Escola Politécnica: em vez de começar por exposições teóricas, fornecia plantas aos alunos e convidava-os a determinar a espécie a que pertenciam, segundo as chaves dicotómicas da Flora. A sua ação pedagógica incluiu ainda a escrita de manuais escolares para o ensino primário e secundário, ilustrados por si próprio, cujos conteúdos eram apresentados com simplicidade e rigor, e que foram reeditados diversas vezes. Alguns deles impressionavam pelo seu estilo original, que interpelava diretamente o leitor, como se conversasse com ele. Pereira Coutinho marcou vários dos seus alunos, especialmente Aurélio Quintanilha, que foi seu assistente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e alcançou reconhecimento internacional como botânico.

Contrariamente a outros colegas, e apesar do seu elevado estatuto social, Pereira Coutinho não enveredou por uma carreira política, tendo mesmo recusado o cargo de diretor-geral da agricultura para o qual foi convidado durante a monarquia constitucional. A docência e a investigação eram mais importantes para si, mas é possível que o seu desinteresse esteja ligado a uma discordância ou resignação face ao triunfo das forças liberais em Portugal. Pereira Coutinho provinha de uma família de monárquicos favoráveis a D. Miguel, e alguns parentes tinham mesmo lutado em seu nome durante as Guerras Liberais. Também é possível que as memórias deixadas pela Guerra nos membros da sua família o tenham influenciado a levar uma vida arredada da política. De qualquer modo, possuía um espírito tolerante (Quintanilha era um republicano convicto, mas nunca se sentiu discriminado).

A partir de 1921, após jubilação, retirou-se para a sua quinta de Caparide, em São Pedro do Estoril, vivendo em grande medida isolado do mundo, entregue à família e aos estudos taxonómicos. Casou com a sua prima D. Isabel Pereira Coutinho e teve uma numerosa descendência. Já perto do final da vida, por insistência de colegas e antigos alunos, conseguiu terminar novas versões do Esboço de uma flora lenhosa portuguesa e da Flora de Portugal

De uma grande austeridade moral, provavelmente derivada da sua profunda fé católica, Pereira Coutinho foi um investigador muito empenhado, tendo uma longa e regular carreira dedicada à taxonomia vegetal, além da ação que desempenhara, nas primeiras décadas da sua vida, em prol do ordenamento do território agrícola. Faleceu em Março de 1939, deixando uma vasta obra enquanto botânico e saudosas memórias em vários dos alunos de quem fora professor.

Daniel Gamito-Marques

Obras

Coutinho, António Xavier Pereira. A quinta distrital de Bragança no ano agrícola de 1875 a 1876. Porto: Tipografia do Jornal do Porto, 1877.

Coutinho, António Xavier Pereira. Os fenos espontâneos e as palhas de trigo, em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1884.

Coutinho, António Xavier Pereira. Curso de Silvicultura. Tomo I: Botanica Florestal. Lisboa: Tipografia da Academia Real de Ciências, 1886.

Coutinho, António Xavier Pereira. Curso de Silvicultura. Tomo II: Esboço de uma Flora Lenhosa Portuguesa. Lisboa: Tipografia da Academia Real de Ciências, 1887.

Coutinho, António Xavier Pereira. Guia do vinicultor. Porto: Lugan & Genelioux, sucessores, 1889.

Coutinho, António Xavier Pereira. Curso elementar de botânica para uso dos liceus. Lisboa: Guillard, Aillaud & C.ia, 1895. [Reeditado em anos subsequentes].

Coutinho, António Xavier Pereira. Rudimentos de agricultura. Paris e Lisboa: Aillaud & C.ia, [1903].

Coutinho, António Xavier Pereira. A Flora de Portugal (Plantas vasculares). Lisboa: Aillaud, Alves & C.ia, 1913. 

Coutinho, António Xavier Pereira. Esboço de uma flora lenhosa portuguesa. Lisboa: Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, 1936. 

Coutinho, António Xavier Pereira. Flora de Portugal (plantas vasculares) disposta em chaves dicotómicas. Lisboa: Bertrand Irmãos, Ltd., 1939. 

Bibliografia sobre o biografado

Coutinho, António Xavier da Gama Pereira (dir.). In-Memoriam do Professor Dom António-Xavier Pereira Coutinho. Porto: Diário do Porto, 1941. 

Fernandes, Abílio e Artur Augusto Taborda de Morais. “Publicações do Prof. A. X. Pereira Coutinho.” Boletim da Sociedade Broteriana 14 (1940): XI–XX.

Palhinha, Rui Teles. “D. António Xavier Pereira Coutinho.” Boletim da Sociedade Broteriana 14 (1940): VII–X.

Palhinha, Rui Teles. “D. António Xavier Pereira Coutinho.” Revista da Faculdade de Ciências 5 (1940): 37–38.