Coutinho, António Xavier Pereira

Lisboa, 11 junho 1851 — São Pedro do Estoril?, 27 março 1939

Palavras-chave: Botânica, Instituto Agrícola, Escola Politécnica de Lisboa, Agronomia.

DOI: https://doi.org/10.58277/NLFH4624

Engenheiro agrónomo de formação, D. António Xavier Pereira Coutinho foi um importante agrónomo e botânico que dedicou grande parte da sua vida ao estudo da flora portuguesa. Foi o principal responsável pela publicação da primeira flora moderna de Portugal, relativa às plantas vasculares, em 1913. Através da regência de cadeiras no Instituto Agrícola e na instituição que o sucedeu, formou várias gerações de técnicos agrícolas que contribuíram para o ordenamento do território nacional e colonial. Também desempenhou uma importante atividade pedagógica através da publicação de manuais escolares para diversos níveis de ensino.

Pereira Coutinho nasceu em Lisboa, numa família da alta nobreza. Era filho de D. Martinho da França e Faro Pereira Coutinho Pacheco Pato de Novais Pimentel, moço fidalgo com exercício no Paço, formado em engenharia militar, e de D. Maria da Penha de França Baena Falcão de Magalhães e Avelar. Vários dos ascendentes de Pereira Coutinho tinham servido como cavaleiros, camaristas ou mordomos de reis portugueses e espanhóis, desde os inícios do século XVIII. Os serviços prestados junto da corte espanhola valeram à casa dos Pereiras Coutinhos os títulos de Marquês de Soydos e Visconde de Santo António, o que a tornou a única casa fidalga portuguesa com dois títulos nobiliárquicos espanhóis.  

Frequentou a Escola Politécnica de Lisboa, continuando os seus estudos no Instituto Agrícola de Lisboa, a mais importante escola técnica agrícola do país, onde concluiu o curso de engenheiro agrónomo em 1874, com uma dissertação sobre o estudo do clima agrícola. Em seguida, arranjou emprego como agrónomo, cargo que desempenhou até 1879. Destacado para o distrito de Bragança, visitou os seus pontos principais, familiarizando-se com o clima, as práticas agrícolas e as restantes atividades económicas da região, tendo ainda organizado a quinta distrital. Para melhor prestar auxílio aos lavradores, e dada a escassez de estudos sobre a flora local, procurou estudá-la ele próprio, apesar de possuir uma experiência limitada enquanto botânico e não ter acesso a herbários e obras de referência. 

Em 1878, foi nomeado para uma comissão encarregada do estudo da praga de filoxera que atacava as vinhas da região do Douro, um problema agrícola importante, pois afetava uma das culturas mais relevantes para a economia nacional. O hábito de colher plantas pelas regiões por onde andava despertou a atenção de Manuel Paulino de Oliveira, professor da Universidade de Coimbra dedicado à entomologia e vice-presidente da comissão, que estudava o inseto causador da praga. Por esta altura, o seu colega Júlio Henriques, professor de Botânica e diretor do Jardim Botânico da Universidade, tentava criar um grupo de estudos botânicos capaz de empreender um levantamento sistemático da flora nacional, e ao ver um possível colaborador em Pereira Coutinho, contactou-o. Este acedeu, estando presente desde o início da fundação oficial deste grupo em 1879, a Sociedade Broteriana, e desenvolveu uma grande estima por Henriques, que se tornou um mentor, dando-lhe acesso a herbários e obras de referência. 

A competência profissional de Pereira Coutinho tornou-o conhecido entre as elites científicas da época, dando-lhe acesso a uma carreira académica no Instituto Agrícola. Nomeado chefe dos serviços químicos em 1879, estudou a composição dos fenos e das palhas de diversas regiões do reino e substituiu o professor João Inácio Ferreira Lapa na cadeira de Tecnologia, Química Agrícola e Análise. Em 1882, concorreu à regência da cadeira de Silvicultura, criada nesse mesmo ano por reforma governamental, tendo sido aprovado, e redigiu um manual para auxiliar os alunos, que publicou em dois volumes, entre 1886 e 1887. Em 1886, a cadeira a que prestava substituição foi dividida em duas, e transitou para a nova disciplina de Química Agrícola, Análise de Terras, Adubos e Plantas, posição que manteve durante vários anos, tomando ainda a direção do laboratório químico do Instituto.

Pereira Coutinho foi, à semelhança de outras personalidades da época ligadas ao ensino da agronomia, como José Maria GrandeJoão de Andrade Corvo, um defensor da modernização da agricultura portuguesa. Para este fim, fundou, em 1886, e com José Veríssimo de Almeida, seu colega no Instituto, o periódico A Agricultura Contemporânea (em 1890, o título foi alterado para A Revista dos Campos), onde eram fornecidas informações sobre novos instrumentos agrícolas, técnicas de estrumação, legislação agrícola aprovada, e pragas agrícolas, entre outros temas. Pereira Coutinho também escreveu para outros periódicos, como O Agricultor Português e Portugal Agrícola. Durante este período, outra das suas contribuições mais significativas foi a publicação, em 1889, de um guia de boas práticas para o fabrico e tratamento do vinho português, no sentido de aperfeiçoar a sua produção e fazer face à competição por parte de vinhos franceses, italianos e espanhóis. 

A partir do final da década de 1880, Pereira Coutinho iniciou um programa de investigação que tinha por objetivo o estudo taxonómico das Angiospérmicas presentes em território nacional, com vista à publicação de uma flora portuguesa moderna. Apesar de já ter realizado alguns estudos taxonómicos no passado, só nesta altura começou a empreendê-los de um modo sistemático. A sua admissão na Escola Politécnica de Lisboa, onde provavelmente poderia mobilizar mais recursos para estudos deste tipo, contribuiu para a mudança. Foi admitido no lugar de naturalista-adjunto da Secção Botânica do Museu Nacional de Lisboa, em 1890, graças à intervenção do Conde de Ficalho, o diretor da Secção e então regente da cadeira de Botânica da Escola, e no ano seguinte venceu o concurso para lente substituto dessa cadeira. Em 1903, após a morte de Ficalho, tornou-se regente da cadeira e diretor do Jardim Botânico da Escola.

Pereira Coutinho foi professor na Escola Politécnica e no Instituto Agrícola até 1921, data em que atingiu o limite legal de idade. No seguimento da reforma republicana do ensino superior de 1911, que transformou a Escola na Faculdade de Ciências da recém-criada Universidade de Lisboa, passou a reger a cadeira de Botânica Especial e Geografia Botânica, dedicada ao ensino da taxonomia vegetal. Também se dedicou ao ensino da botânica no Instituto, tendo provavelmente transitado para a cadeira respetiva após a reforma de 1911, que criou o novo Instituto Superior de Agronomia.

Após mais de duas décadas de estudos, Pereira Coutinho publicou um primeiro esboço de uma flora nacional em 1913, tendo incorporado o contributo de outros membros da Sociedade Broteriana, especialmente Júlio Henriques, Joaquim de Mariz, Gonçalo Sampaio e Jules Daveau. Este trabalho foi considerado a sua obra-prima. Continuou a expandir e a revê-lo até ao final da vida, dedicando-se ainda ao estudo de líquenes, musgos, hepáticas e basidiomicetas (à época, todos eram agrupados no reino das Plantas).

Ainda que as qualidades científicas de Pereira Coutinho fossem apreciadas e enaltecidas pelos seus colegas, foi como professor que deixou as impressões mais profundas. Os seus antigos alunos recordam-no como um exemplo de integridade moral e intelectual, austero e exigente, que os conquistava por uma modéstia característica e pela clareza com que ensinava os assuntos mais complexos. Nas suas aulas, enfatizava a observação direta de espécimes vegetais, chegando a adotar métodos de ensino inovadores. Após publicar a Flora de Portugal, deu uma feição quase completamente prática à cadeira que lecionava na Escola Politécnica: em vez de começar por exposições teóricas, fornecia plantas aos alunos e convidava-os a determinar a espécie a que pertenciam, segundo as chaves dicotómicas da Flora. A sua ação pedagógica incluiu ainda a escrita de manuais escolares para o ensino primário e secundário, ilustrados por si próprio, cujos conteúdos eram apresentados com simplicidade e rigor, e que foram reeditados diversas vezes. Alguns deles impressionavam pelo seu estilo original, que interpelava diretamente o leitor, como se conversasse com ele. Pereira Coutinho marcou vários dos seus alunos, especialmente Aurélio Quintanilha, que foi seu assistente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e alcançou reconhecimento internacional como botânico.

Contrariamente a outros colegas, e apesar do seu elevado estatuto social, Pereira Coutinho não enveredou por uma carreira política, tendo mesmo recusado o cargo de diretor-geral da agricultura para o qual foi convidado durante a monarquia constitucional. A docência e a investigação eram mais importantes para si, mas é possível que o seu desinteresse esteja ligado a uma discordância ou resignação face ao triunfo das forças liberais em Portugal. Pereira Coutinho provinha de uma família de monárquicos favoráveis a D. Miguel, e alguns parentes tinham mesmo lutado em seu nome durante as Guerras Liberais. Também é possível que as memórias deixadas pela Guerra nos membros da sua família o tenham influenciado a levar uma vida arredada da política. De qualquer modo, possuía um espírito tolerante (Quintanilha era um republicano convicto, mas nunca se sentiu discriminado).

A partir de 1921, após jubilação, retirou-se para a sua quinta de Caparide, em São Pedro do Estoril, vivendo em grande medida isolado do mundo, entregue à família e aos estudos taxonómicos. Casou com a sua prima D. Isabel Pereira Coutinho e teve uma numerosa descendência. Já perto do final da vida, por insistência de colegas e antigos alunos, conseguiu terminar novas versões do Esboço de uma flora lenhosa portuguesa e da Flora de Portugal

De uma grande austeridade moral, provavelmente derivada da sua profunda fé católica, Pereira Coutinho foi um investigador muito empenhado, tendo uma longa e regular carreira dedicada à taxonomia vegetal, além da ação que desempenhara, nas primeiras décadas da sua vida, em prol do ordenamento do território agrícola. Faleceu em Março de 1939, deixando uma vasta obra enquanto botânico e saudosas memórias em vários dos alunos de quem fora professor.

Daniel Gamito-Marques

Obras

Coutinho, António Xavier Pereira. A quinta distrital de Bragança no ano agrícola de 1875 a 1876. Porto: Tipografia do Jornal do Porto, 1877.

Coutinho, António Xavier Pereira. Os fenos espontâneos e as palhas de trigo, em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1884.

Coutinho, António Xavier Pereira. Curso de Silvicultura. Tomo I: Botanica Florestal. Lisboa: Tipografia da Academia Real de Ciências, 1886.

Coutinho, António Xavier Pereira. Curso de Silvicultura. Tomo II: Esboço de uma Flora Lenhosa Portuguesa. Lisboa: Tipografia da Academia Real de Ciências, 1887.

Coutinho, António Xavier Pereira. Guia do vinicultor. Porto: Lugan & Genelioux, sucessores, 1889.

Coutinho, António Xavier Pereira. Curso elementar de botânica para uso dos liceus. Lisboa: Guillard, Aillaud & C.ia, 1895. [Reeditado em anos subsequentes].

Coutinho, António Xavier Pereira. Rudimentos de agricultura. Paris e Lisboa: Aillaud & C.ia, [1903].

Coutinho, António Xavier Pereira. A Flora de Portugal (Plantas vasculares). Lisboa: Aillaud, Alves & C.ia, 1913. 

Coutinho, António Xavier Pereira. Esboço de uma flora lenhosa portuguesa. Lisboa: Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, 1936. 

Coutinho, António Xavier Pereira. Flora de Portugal (plantas vasculares) disposta em chaves dicotómicas. Lisboa: Bertrand Irmãos, Ltd., 1939. 

Bibliografia sobre o biografado

Coutinho, António Xavier da Gama Pereira (dir.). In-Memoriam do Professor Dom António-Xavier Pereira Coutinho. Porto: Diário do Porto, 1941. 

Fernandes, Abílio e Artur Augusto Taborda de Morais. “Publicações do Prof. A. X. Pereira Coutinho.” Boletim da Sociedade Broteriana 14 (1940): XI–XX.

Palhinha, Rui Teles. “D. António Xavier Pereira Coutinho.” Boletim da Sociedade Broteriana 14 (1940): VII–X.

Palhinha, Rui Teles. “D. António Xavier Pereira Coutinho.” Revista da Faculdade de Ciências 5 (1940): 37–38.

Albuquerque, Luís da Silva Mouzinho de (Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de)

Lisboa, 16 junho 1792 – Torres Vedras, 24 dezembro 1846

Palavras-chave: agronomia, química, reforma do ensino, engenharia, restauro.

DOI: https://doi.org/10.58277/NLHO8492

Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, mediador de conhecimentos científicos entre a Europa e Portugal na primeira metade do século XIX, distinguiu-se nas áreas da Agronomia, da Química, dos projetos de reforma do ensino e na Engenharia (Obras Públicas), tendo ainda sido percursor no restauro de monumentos históricos.

Quinto filho de um desembargador foi apadrinhado por D. Tomás Xavier de Lima, fundador da Real Biblioteca Pública. Aos cinco anos coube-lhe a carreira eclesiástica na Ordem de Jerusalém ou de Malta em que seu tio, frei José da Silva Ataíde, foi o último balio residente em Malta. 

As guerras napoleónicas deram-lhe, porém, um rumo diferente, não só pela conotação pró-francesa da família, como pela crise da Ordem de Malta após a tomada da ilha pelos franceses. Assim entrou para a Brigada Real de Marinha, frequentou a Real Academia de Marinha e, em 1812, já tinha completado o curso de Matemática, pedindo então para entrar como partidista do Observatório. 

Uma breve passagem pela agricultura no Fundão deu-lhe ensejo de escrever alguns artigos sobre temas agrícolas para a revista Anais das Ciências e das Artes que seu tio e sogro, Mascarenhas Neto, publicava em Paris. Publicou também em Paris o poema Geórgicas Portuguesas. Deslocou-se para junto do sogro em 1820. Aí completou a sua formação frequentando os laboratórios do Jardin des Plantes e assistindo aos cursos de Vauclin. 

Nos Anais publicou múltiplos estudos sobre técnicas e instrumentos entre os quais se destacam a técnica litográfica e a régua de cálculo e os seus usos. Os seus artigos sobre adubos foram, segundo Maria Carlos Radich, elementos fundamentais na ciência agronómica portuguesa, mostrando nele um sólido partidário da teoria orgânica e do método experimental. Publicou ainda um artigo sobre eletricidade em que defendeu a conjugação das experiências com a análise matemática que afirmou permitir confirmar as hipóteses. 

Em 1823 ofereceu às Cortes uma Memória sobre o estabelecimento da Instrução Pública em Portugal. A educação que propunha era influenciada pelas reformas revolucionárias francesas. Para além de um ensino primário (centrado no ensino das primeiras letras e destinado a todos os cidadãos) e de ensinos secundário e liceal (que visavam a especialização e o ensino profissional), criava três Academias que substituíam a Universidade. Nestas, as escolas viradas para o ensino das Ciências Naturais, da Matemática da Física e da Química representavam um esforço de compreensão da natureza e das suas leis. De salientar o carácter colegial da administração do ensino que voltará a propor em 1836, enquanto ministro do Reino. Com efeito, a 25 de janeiro de 1836 apresentou na Câmara dos Deputados um regulamento do ensino primário no reino e um regulamento provisório dos estudos maiores na cidade de Lisboa, que criava faculdades de Medicina, de Matemática, de Engenharia Civil e escolas Militar, de Marinha, de Comércio e Administração Pública. O projeto estendia-se ao Porto e de forma mais restrita aos Açores e à Madeira.

Desde 27 de abril de 1823 foi sócio correspondente da Academia de Ciências e em novembro de 1824 tornou-se sócio efetivo na classe de Ciências Naturais.

Em setembro de 1823 apresentou os seus quadros de química à Academia das Ciências de Lisboa, que os aprovou. No seu regresso a Lisboa, foi nomeado provedor da Casa da Moeda. Escreveu então um compêndio de físico-química, oferecendo-o aos alunos que frequentavam a sua aula na casa da Moeda. Apesar de pareceres positivos, a Academia não recomendou a sua publicação, mas esta foi autorizada pelo governo do duque de Palmela em 16 de setembro de 1824. Apesar do uso do método experimental, não existe neste compêndio referência à notação simbólica proposta por Berzelius em 1820.

Entre setembro e outubro de 1825 viajou até aos Açores para analisar as águas das Furnas. Nesta viagem estudou e descreveu vários aspetos da ilha cujo atraso agrícola salientou. Em 1826 publicou as suas Observações debruçando-se sobre a constituição geológica, a flora e origem histórica da paisagem agrária de São Miguel, que atribuiu à má distribuição da propriedade. Enquanto Governador da Madeira, em 1835, redigiu um relatório semelhante sobre as ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas.

A sua carreira de cientista foi abruptamente interrompida pela Guerra Civil em que assumiu um papel de relevo. Não foi chamado a participar no ensino de Físico-Química nas escolas criadas depois deste conflito militar.

 A breve tutela das Obras Públicas, enquanto ministro do Reino em 1836, fê-lo dedicar-se a este sector sendo nomeado inspetor das Obras Públicas da Região Centro a 22 de junho de 1836. Apresentou o seu primeiro relatório sobre a barra de Aveiro, o encanamento do Mondego e a estrada de Lisboa ao Porto a 3 de maio de 1837, defendendo a criação de um canal entre Aveiro e as proximidades de Leiria. A adesão à Revolta dos Marechais voltou a cortar a sua carreira, mas a 7 de março de 1840 foi nomeado Inspetor Geral-interino das Obras Públicas do Reino.

O estado calamitoso das comunicações do país tornou-se desde 1836 a sua maior preocupação, tendo feito aprovar contratos referentes a obras de necessidade indiscutível, como os referentes à estrada de Lisboa ao Porto e às pontes de Sacavém e pênsil do Porto. Entre 1840 e 1842 estudou a situação geral do país e participou na constituição da Sociedade Promotora da Construção, Conservação e Aperfeiçoamento das Comunicações do Reino. Concebeu e redigiu o projeto de financiamento da construção de estradas no reino com um plano apenso das estradas a construir. Este plano, apesar das dificuldades financeiras e da nova guerra civil, durante a qual perdeu a vida, constituiu, conforme escreveu Fernando Eduardo de Serpa Pimentel em finais do século, a estrutura de referência da rede de estradas construída em Portugal no século XIX.

 Para financiar o projeto, propunha a criação de um imposto destinado a subsidiar as construções, que teria o seu uso fiscalizado por comissões eleitas nas cabeças de distrito. Em dez anos, o plano de estradas deveria estar terminado. Para tal esforço ser possível, recomendava que alguns engenheiros deviam vir de fora do país e os melhores jovens engenheiros portugueses deviam ser enviados a escolas estrangeiras. Como deputado, defendeu o projeto que foi aprovado com ligeiras modificações 

Opositor a Costa Cabral, foi exonerado do seu cargo em 1843, mas continuou a defender o seu projeto no parlamento, para onde foi sucessivamente reeleito deputado. Opôs-se à lei de 3 de março de 1845 que constituía a Companhia das Obras Públicas como empreiteiro geral das estradas a construir e rendeiro do imposto. Previu que levantaria oposições, como veio a acontecer na primavera de 1846.

Entretanto, em 1844, escreveu e enviou à Academia das Ciências o Guia do Engenheiro na Construção das Pontes de Pedra, destinado a apoiar os engenheiros na construção de pontes. Para além da apresentação do projeto, em que a memória descritiva era considerada uma peça fundamental, guiava-os na procura de rochas capazes de ser utilizadas na fabricação de cimentos e nos princípios construtivos. 

Apesar de centrar então a sua ação na rede de estradas, não abandonou a ideia de que alguns canais seriam de grande utilidade e fácil construção. Neste sentido, empregou-se na direção dos trabalhos de construção da vala da Azambuja.

Para além de publicar o poema de ambiente medieval Ruy, o Escudeiro, cuja escrita terá iniciado durante a Guerra Civil, teve um papel relevante no início de uma política de conservação e restauro de monumentos históricos. Desde 1836, ordenou à Academia de Ciências que determinasse quais os Monumentos a preservar. Em 1836/1837, enquanto Inspetor das Obras Públicas da Região Centro, começou a estudar o mosteiro da Batalha e iniciou a sua reconstrução. Após a sua morte, foi publicada a memória em que descreveu os trabalhos que realizou e que exprimiram o seu amor eminentemente romântico pelo estilo gótico.

Faleceu de ferimentos sofridos na batalha de Torres Vedras às 7 horas do dia 24 de dezembro de 1846.

Magda Pinheiro
ISCTE-IUL

Obras

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. As Geórgicas Portuguesas, dedicadas a D. Anna Mascarenhas de Athayde. Paris: A. Bobée, 1820.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Ideias sobre o estabelecimento da Instrução Pública em Portugal. Paris: A. Bobée, 1823.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Curso elementar de Física e de Química oferecido aos alunos destas ciências no Laboratório de Química da Casa da Moeda. Lisboa: Imprensa Régia, 1824. 5 volumes.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Observações sobre a ilha de São Miguel recolhidas pela comissão enviada à mesma ilha em Agosto de 1825 e regressada em Outubro do mesmo ano. Lisboa: Imprensa Régia, 1826.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Observações para servirem a História das ilhas da Madeira e Porto Santo e Desertas, oferecidas à Real Academia das Ciências. Lisboa: s. n., 1836.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Breve exposição do esforço em favor da Carta Constitucional, em Portugal, em 1837, por um testemunho ocular. Porto: Typ. Commercial Portuense, 1837.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório do Ministro secretário de Estado dos Negócios do Reino apresentado às Cortes em 1836. Lisboa: s. n.,1837.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório contendo os fundamentos e a explicação da despesa orçada para a repartição das Obras Públicas, a exposição do sistema fundamental para a aplicação dos fundos votados para esta repartição e a indicação e proposta de algumas providências legislativas, e regulamentares, necessárias para o andamento regular deste ramo do Serviço Público: apresentado ao ilustríssimo e excelentíssimo senhor ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, em observância da portaria de 17 de Novembro de 1840, pelo inspector-geral interino das Obras Públicas do Reino, Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque. S. l.: s. n., 1840. 

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório geral sobre as Obras Públicas do Reino apresentado ao excelentíssimo Ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino pelo inspector-geral interino das Obras Públicas do Reino, o conselheiro de Albuquerque, 18 de Julho de 1840. S. l.: s. n., 1840.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Relatório da Inspeção das Obras e Comunicações Internas nos Distritos do Reino ao Norte do Tejo executada em Outubro e Novembro de 1842. Lisboa: s. n., 1842.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Guia do Engenheiro na Construção de Pontes de Pedra, oferecido à Academia das Ciências.Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias,1844.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Ruy o escudeiro, conto por L. S. Mousinho de Albuquerque, Oferecido à Sociedade Propagadora dos Conhecimentos úteis. Lisboa: Typ. da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1844.

Mouzinho de Albuquerque, Luís da Silva. Memória Inédita sobre o Edifício Monumental da Batalha. Leiria: Tipografia do Leiriense, 1854.

Bibliografia sobre o biografado

Cordeiro, António Xavier. Elogio Histórico do Sócio do Instituto da Academia Dramática, Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque: recitado na sessão solemne de 9 de Junho de 1850. Coimbra: E. Trovão, 1850.

Fernandes, Rogério. “Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque e as Reformas do Ensino em 1835-1836.” Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra 37 (1985): 221–304.

Pimentel, Júlio Máximo d’Oliveira. Elogio Histórico do Sócio Efectivo Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque, Recitado na sessão pública da Academia Real das Ciências, em 19 de Novembro de 1856. Lisboa: Typ. Academia das Sciencias: s. n., 1856. 

Pinheiro, Magda. Luís Mousinho de Albuquerque. Um Intelectual na Revolução. Lisboa: Fundação Maria Manuela e Vasco Albuquerque D’Orey, 1992.

Torgal, Luís Reis, e Isabel Nobre Vargues. Vintismo e Instrução Pública. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,1984.

Grande, José Maria

Portalegre, 13 abril 1799 — Lisboa?, 15 dezembro 1857

Palavras-chave: agronomia, Regeneração, Instituto Agrícola, Guerras Liberais.

DOI: https://doi.org/10.58277/VRQX1231

José Maria Grande, liberal convicto e agente mobilizador da resistência ao absolutismo, distinguiu-se ao comando de forças liberais e alcançou um lugar de relevo na política portuguesa das primeiras décadas da monarquia constitucional. Crente no potencial da ciência e da tecnologia como motor de desenvolvimento económico, foi um dos mais importantes defensores da modernização agrícola do país, tendo sido responsável pela criação da lei reguladora do ensino técnico agrícola e pela fundação do Instituto Agrícola, escola de que foi o seu primeiro diretor.

Grande nasceu em Portalegre, em 1799. O seu pai, o médico espanhol Francisco Grande e Metelo, era doutorado em Medicina pela Universidad de Salamanca e exercia em Portalegre. A sua mãe, Antónia Isabel Caldeira de Andrade, provinha de uma família de proprietários rurais e lavradores de algum estatuto social, do concelho do Crato. 

Até aos 14 anos, a educação de Grande esteve a cargo do seu pai. Em 1814, frequentou o Colégio das Artes em Coimbra, tendo, no ano seguinte, iniciado o percurso de formação em Medicina na Universidade de Coimbra, no qual se distinguiu com diversos prémios. Em 1824, um ano após a conclusão dos estudos, Grande regressou à sua região natal, onde exerceu em hospitais militares.

O percurso de Grande foi abalado em 1828 pelo golpe absolutista favorável a D. Miguel. Como outros liberais desta época, sofreu perseguições, acabando por se exilar em Espanha. Opondo-se ativamente ao regime absolutista, envolveu-se diretamente nas Guerras Liberais, organizando e comandando ataques na região de Portalegre, entre 1833 e 1834. Os seus feitos militares valeram-lhe algumas condecorações. 

Os serviços prestados à causa liberal durante a Guerra Civil conferiram-lhe notoriedade e abriram-lhe portas a uma carreira política, após a derrota das forças absolutistas em 1834. Passou por cargos de administração e alcançou o lugar de governador civil do distrito de Portalegre em 1835. Na sequência da Revolução de Setembro de 1836, foi demitido devido às suas tendências moderadas, voltando a exilar-se em Espanha. No ano seguinte, ainda participou na contrarrevoluçãoconhecida como Revolta dos Marechais, mas o fracasso do golpe obrigou-o a deixar o país.

Este segundo período de exílio foi importante, pois permitiu a Grande viajar por alguns países e complementar a sua formação científica. Em França, assistiu a aulas de matérias médicas, botânica e agricultura. Foi provavelmente nesta altura que se aproximou das doutrinas saint-simonistas, vendo no saber técnico-científico potencial para a modernização e o desenvolvimento das nações. Continuou a sua formação na Bélgica, onde se doutorou em Medicina na Université Catholique de Louvain, em 1838. Passou ainda por Inglaterra.

Em 1839, com o afastamento da ala liberal mais à esquerda que liderara a Revolução de Setembro, Grande regressou a Lisboa e foi eleito deputado, retomando a sua atividade política. Nos anos que se seguiram, contribuiu para a aprovação de medidas em domínios diversos, entre os quais a saúde pública, a modernização agrícola, o desenvolvimento das vias de comunicação, a reforma das prisões ou a reforma do ensino. A ação de Grande em várias frentes atesta o seu empenho em adaptar o país ao novo modelo do liberalismo.

Além de uma atividade política intensa, Grande também se dedicou ao ensino, lecionando a cadeira de Botânica da então recentemente criada Escola Politécnica de Lisboa, instituição para a qual foi nomeado professor em 1840. A Escola encontrava-se em linha com o pensamento de Grande, pois disseminava conhecimentos técnico-científicos que poderiam ser utilizados na modernização do país. Além da regência da cadeira, Grande acumulou a direção do estabelecimento que lhe fora incorporado, o Jardim Botânico da Ajuda, tentando resgatá-lo da situação precária em que se encontrava há anos. 

Ainda que fosse um apoiante da Carta Constitucional de 1826 e não tivesse criticado a sua restauração na sequência do golpe conduzido por Costa Cabral em 1842, a promulgação de medidas de cariz mais autoritário, como a restrição da liberdade de imprensa, levaram a que Grande se posicionasse entre os opositores ao governo em 1846. Após a Revolta da Maria da Fonte, a insatisfação com o rumo que a política nacional tomara fê-lo afastar-se das lides parlamentares, passando a concentrar-se na modernização da agricultura nacional, tarefa que tomou como uma missão pessoal. O seu primeiro grande contributo consistiu na escrita e publicação de uma obra pormenorizada de divulgação de boas práticas agrícolas, o Guia ou manual do cultivador. Grande entendia que a reforma da agricultura era essencial ao desenvolvimento do país, dado o seu peso na economia portuguesa. De facto, este era o sector económico de maior relevo, pois empregava cerca de três quartos da população ativa.

No início da década de 1850, dois acontecimentos deram destaque político aos planos de Grande para a modernização agrícola do país. O afastamento definitivo de Costa Cabral do poder, a partir do golpe de estado ocorrido em maio de1851, e a instauração da nova cultura política da Regeneração levaram Grande a reaproximar-se aos meios políticos. A ascensão de Fontes Pereira de Melo e a sua abertura à criação de escolas técnico-científicas, levou-o a empenhar-se seriamente na elaboração da lei reguladora do ensino técnico agrícola, tendo sido um dos seus principais contribuidores. Para este fim, Grande visitou quintas de escolas técnicas agrícolas e estudou o seu modo de organização e aplicabilidade ao contexto nacional, aproveitando uma viagem a Paris, em 1851, em representação do país à Conferência Sanitária Internacional.

A lei fundadora do ensino técnico agrícola foi publicada no final de 1852, organizando-o em três níveis. Ainda que a implementação tivesse ficado aquém das intenções de Grande, a sua maior concretização consistiu na criação de uma escola técnica de nível superior em Lisboa, o Instituto Agrícola, de que foi nomeado diretor. Encontrando-se na posição ideal para levar a cabo as reformas que vinha defendendo há anos, Grande organizou-o com relativa rapidez, dotando-o das infraestruturas e meios necessários para se tornar num estabelecimento de qualidade e apto a melhorar a instrução de futuros trabalhadores agrícolas. O antigo palácio da Cruz do Tabuado foi remodelado para servir de sede, e a quinta da Bemposta foi preparada para receber as aulas práticas, onde se testava a aclimatização de espécies vegetais de interesse económico e novas técnicas agrícolas baseadas em estudos científicos. Em 1855, Grande incorporou na instituição a Escola de Veterinária, ampliando as suas valências com um hospital veterinário, uma farmácia anexa e uma oficina siderotécnica para o fornecimento e a reparação de ferragens para aparelhamento de animais e para a construção de instrumentos agrícolas. Andrade Corvo, colega de Grande no Instituto Agrícola e também na Escola Politécnica de Lisboa, chegou mesmo a adquirir instrumentos agrícolas modernos para uso pedagógico no Instituto quando se deslocou à Exposição Universal de Paris, em 1855.

Grande participou ainda na resolução de problemas agrícolas concretos, como o estudo da praga de oídio que dizimara as vinhas portuguesas no início da década de 1850. Por volta de agosto de 1856, encontrava-se a estudar a agricultura e a economia rural da sua região natal, provavelmente no intuito de propor medidas para a sua modernização.

Grande adquiriu uma posição social de relevo, acumulando diversos títulos, como o de conselheiro de Estado (1845), presidente da Secção de Ciências Matemáticas, Físicas e      Naturais da Academia das Ciências de Lisboa (após a reforma de dezembro de 1851) e Par do Reino (1853).

Defensor da Carta Constitucional, Grande foi um cidadão empenhado na transformação do país segundo o modelo do liberalismo moderado. Faleceu em dezembro de 1857, deixando como grande legado o Instituto Agrícola e marcando o início do movimento de modernização técnico-científica da agricultura em Portugal.

Daniel Gamito-Marques

Obras

Grande, José Maria. Guia e manual do cultivador ou elementos de agricultura. Lisboa: Tipografia Galhardo Irmãos. 2 vols., 1849.

Grande, José Maria. Considerações sobre os principais obstáculos que se opõem ao aperfeiçoamento da nossa agricultura e sobre os meios de os remover. Lisboa: Imprensa Nacional, 1853.    

Grande, José Maria. Considerações sobre a influência maléfica dos pântanos, e sobre os meios de atenuar ou destruir essa influência. Lisboa: Imprensa de Francisco Xavier de Sousa, 1854.

Grande, José Maria. Memória sobre a moléstia das vinhas. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1854.          

Grande, José Maria. Relatório sobre os trabalhos escolares, processos, operações e serviços rurais instituídos no Instituto Agrícola e Escola Regional de Lisboa durante o ano escolar de 1853–54. Lisboa: Imprensa Nacional, 1854.

Grande, José Maria. Relatório dos trabalhos escolares e serviços rurais instituídos no Instituto Agrícola durante o ano escolar de 1855–56. Lisboa: Tipografia do Jornal do Comércio, 1857.

Bibliografia sobre o biografado

Conde, José Martim dos Santos. José Maria Grande: figura nacional do Liberalismo. Lisboa: Colibri, 1998.

Gusmão, Francisco António Rodrigues de. Memórias biográficas dos médicos e cirurgiões portugueses que, no presente século, se têm feito conhecidos por seus escritos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858.

“José Maria Grande.” Revista Contemporânea 4 (1856): 24–30.

Pereira, Zélia. “GRANDE, José Maria (1799–1857).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834–1910. Volume 2, ed. Maria Filomena Mónica, 366–369. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais e Assembleia da República, 2005.