Cordeiro, Cândido Celestino Xavier

Torres Novas, 16 abril 1842 — Lisboa, 20 janeiro 1905

Palavras-chave: caminhos de ferro, bitola estreita/reduzida, viagens de aprendizagem, circulação de conhecimento.

DOI: https://doi.org/10.58277/MTVV9514

Cândido Celestino Xavier Cordeiro foi um engenheiro que se destacou pela introdução da tecnologia do caminho de ferro de bitola estreita (ou reduzida) em Portugal, por ter sido um dos iniciadores da política de fomento nas colónias e pelo seu contributo para o desenvolvimento da rede ferroviária nacional entre 1870 e o final do século.

Foi filho de Cândido Joaquim Xavier Cordeiro e de Maria do Rosário Cordeiro. Cresceu numa família de algumas posses, com influência política a nível local e muita ilustração cultural. O seu pai, liberal e setembrista, foi um farmacêutico diplomado pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, autor da obra Elementos de Pharmacia Teorica e Pratica e detentor de vários cargos autárquicos em Torres Novas. O seu tio, António Xavier Rodrigues Cordeiro, foi um poeta ultrarromântico, jornalista, administrador do concelho de Leiria e deputado da nação em 1851–1852 e 1857–1858

Xavier Cordeiro inscreveu-se nas Faculdades de Matemática e Filosofia da Universidade de Coimbra com apenas 13 anos. Durante a frequência universitária, viveu com o pai dentro da Universidade no edifício do Museu. Foi um excelente aluno e privou com estudantes que se tornaram figuras ilustres da segunda metade do século XIX, como o engenheiro Pedro Inácio Lopes ou os oradores José Falcão, Jaime Moniz ou Mendonça Cortês. Concluiu os cursos de Matemática e Filosofia em 1861 e em seguida matriculou-se no curso de Engenharia da Escola do Exército. Simultaneamente, frequentou as disciplinas de Botânica e Economia Política na Escola Politécnica de Lisboa. Na capital, viveu em casa do tio, que lhe facilitou o relacionamento com diversos poetas, jurisconsultos e engenheiros. Concluiu o curso de Engenharia em 1863. 

Uma vez que era civil, teve de cumprir um estágio de dois anos como condutor de Obras Públicas, apesar de o Conselho Superior de Obras Públicas recomendar a sua contratação como engenheiro, tendo em conta falta de mão de obra habilitada. Começou por estagiar na Direção de Obras Públicas de Castelo Branco e depois, por influência do pai, foi transferido para mais próximo de casa, para a construção da estrada entre Penela e Condeixa-a-Nova. Xavier Cordeiro nunca concordou com esta situação que distinguia injustamente militares de paisanos sem atender às respetivas habilitações. As suas reclamações (apoiadas pela Escola do Exército e pelo Ministério da Guerra) foram ouvidas e, em 1864 foi promovido a chefe de secção e a engenheiro. 

Em 1864, foi-lhe oferecida a posição de lente na Universidade de Coimbra, mas Xavier Cordeiro preferiu rumar a Paris, à École des Ponts et Chaussées, depois de se classificar em primeiro lugar num concurso para frequentar a academia parisiense a expensas do Estado, à frente de Luciano Simões de Carvalho e João Mendes Guerreiro, que também beneficiaram do mesmo apoio público. Em Paris, foram colegas do agrónomo Diogo de Macedo e dos engenheiros Pedro Vítor da Costa Sequeira e Ressano Garcia.

No âmbito do curso, Xavier Cordeiro visitou a construção do túnel do Monte Cenis, as oficinas do caminho de ferro Paris–Lyon–Méditerranée, as minas de Creil e Epone, as fundições de Montataire, as obras da linha-férrea de Auteil, a montagem da ponte no Point du Jour, o porto de Marselha e o estaleiro da Exposição Mundial de Paris de 1867. Neste ano, o governo português promoveu-o a engenheiro subalterno de segunda classe e encarregou-o de visitar a Exposição Mundial e recolher informação sobre a construção de faróis e sobre material fixo e circulante dos caminhos de ferro. 

Concluiu os estudos em Paris em 1867, sendo o segundo melhor aluno do ano, apenas superado pelo austríaco Eustachi Skrochowski. Em vez de regressar a Portugal, manteve-se no estrangeiro por ordem do governo, visitando, até julho de 1868 as cidades e vias-férreas da Bretanha, Alemanha, Bélgica, Itália, Áustria-Hungria e Sérvia.

Quando regressou a Portugal, foi colocado à frente da Direção de Obras Públicas de Coimbra, onde analisou a problemática do abastecimento de água à cidade, tendo assinado dois contratos com a câmara local para esse efeito (1872 e 1873).

Em 1869, foi um dos fundadores da Associação de Engenheiros Civis Portugueses (AECP). Nos anos seguintes, colaborou assiduamente na organização e na sua publicação, a Revista de Obras Publicas e Minas.

Em 1870, o governo incumbiu-o de analisar a questão dos caminhos de ferro de bitola estreita (inferior à medida de 1.67 m usada nas linhas nacionais) nas regiões montanhosas de França, Alemanha e Áustria. Tratava-se de linhas de construção mais económica e adaptáveis à orografia dos terrenos. O governo pretendia usar a mesma solução nas províncias montanhosas do território nacional. As conclusões de Xavier Cordeiro motivaram um aceso debate no Ministério das Obras Públicas (MOP) e na AECP.

Em 1872, o MOP decretou a construção da linha do Minho, à frente da qual foi colocado o engenheiro João Joaquim de Matos, que convidou para seus auxiliares os graduados da classe de 1867 da École des Ponts et Chaussées: Luciano de Carvalho, Mendes Guerreiro e Xavier Cordeiro. A este último coube a direção do assentamento da secção entre a margem esquerda do rio Ave e Nine (Famalicão). Após a inauguração da linha até Braga, em 1875, Xavier Cordeiro foi encarregue de fixar o traçado da via entre Nine e Viana do Castelo. Depois, foi colocado na construção da linha do Douro, onde projetou o túnel da Tapada. Regressou ao Minho para dirigir a construção da secção entre Tamel e Viana do Castelo, que incluía importantes obras como o túnel de Tamel, o viaduto de Durães e a ponte sobre o rio Lima (adjudicada à Casa Eiffel). Foi por iniciativa de Xavier Cordeiro que o fotógrafo Emílio Biel fotografou a evolução da obra, uma tarefa que se estendeu depois a outras vias-férreas.

Pela sua experiência com pontes e com a Casa Eiffel, em 1877, o governo incluiu-o na comissão encarregada de proceder às provas da ponte Maria Pia (com João Crisóstomo de Abreu e Sousa e João Joaquim de Matos). O parecer foi positivo e a ponte foi inaugurada a 4 de novembro daquele ano.

Em 1878, Xavier Cordeiro foi novamente enviado a Paris para visitar a Exposição Mundial e estudar a tecnologia da bitola reduzida. O engenheiro não se limitou ao espaço da Exposição e visitou a rede de linhas secundárias do norte de França e outros projetos que podiam ser replicados em Portugal, como as penitenciárias de Paris e Lovaina, o porto de Antuérpia, as obras hidráulicas no rio Mosa e as oficinas ferroviárias de Cockerill (Seraing, Bélgica). Em Paris, foi convidado pelo engenheiro Edmond Bartissol para dirigir a construção da linha da Beira Alta, adjudicada em 1878 à Societé Financière de Paris. Xavier Cordeiro recusou, porque preferiu manter-se ao serviço do Estado.

Após regressar a Portugal, publicou a Memoria acerca dos caminhos de ferro de via reduzida, onde demonstrou que o custo de construção destas ferrovias era de facto mais baixo, mas a sua operação e manutenção mais onerosas, além que a velocidade e capacidade de transporte dos comboios eram mais reduzidas. Concluiu que tudo dependia das características do terreno, das necessidades de transporte e das expectativas de tráfego. A Memoria conheceu uma grande divulgação, considerando que foi publicada pela Imprensa Nacional e em diversos números da Revista de Obras Publicas e Minas. Posteriormente, teve uma grande influência na discussão e evolução da rede nacional de bitola estreita, tanto na metrópole como no ultramar.

Até 1881, o governo colocou-o em diversas funções: fiscal do assentamento da linha da Beira Alta, vogal da Junta Consultiva de Obras Públicas (órgão consultivo da tutela), inspetor dos serviços distritais de Obras Públicas (com João Joaquim de Matos e Gilberto Rola), fiscal da construção da ponte sobre o Tejo em Santarém (com João Joaquim de Matos e Almeida d’Eça), membro do júri das propostas para construção da ponte sobre o Douro no Porto (com João Joaquim de Matos, Agnelo Moreira, Anastácio de Carvalho e Luciano de Carvalho) e chefe da Repartição de Obras Públicas.

Antes, em 1879, foi colocado ao serviço do Ministério da Marinha e Ultramar e incumbido de se reunir com o corpo técnico do Stafford House Committee (engenheiros Hawkshaw, Hayter e Sawyer), contratado para construir um caminho de ferro em Goa, entre o porto de Mormugão e a Índia Britânica, através da cordilheira dos Ghats. A nomeação ficou a dever-se à sua competência e à sua amizade com António Augusto de Aguiar, na altura comissário régio na Índia e encarregado de aplicar o tratado luso-britânico de 1878 (no qual se acordara a construção daquela via-férrea). 

Xavier Cordeiro concluiu que, apesar do acidentado terreno, se devia aplicar a bitola normal (1.67 m), uma vez que antecipava um aturado tráfego na linha. Adicionalmente, refutou a opinião do engenheiro inglês Buyers, que afirmara que o porto de Karwar (100 km a sul de Goa) era superior ao de Mormugão e que devia ser o ponto término do caminho de ferro. A sua ação foi decisiva para que o projeto fosse aprovado, ainda que no final os governos português e britânico tivessem preferido a bitola estreita para reduzir os custos do empreendimento.

Em 1881, a construção da linha e porto de Mormugão foi adjudicada à West of India Portuguese Guaranteed Railway Company, fundada pelo Stafford House Commitee. Tendo em conta o seu conhecimento sobre a matéria e a sua relação com os engenheiros da concessionária, Xavier Cordeiro foi nomeado para fiscalizar a obra e estudar a rede de estradas em torno da via-férrea. Nesta tarefa, contou com o apoio dos condutores de obras públicas, Correia Mendes e Simões dos Reis, que o acompanhavam desde a construção da linha do Minho. Xavier Cordeiro presidiu ao concurso para escolha dos empreiteiros (Dixon, Bailey, Bulkly & Thorne), inspecionou a empreitada, fiscalizou as expropriações e avaliou os orçamentos apresentados pela concessionária. Pelo seu trabalho foi condecorado com a Ordem de Cristo em 1883.

A partir desta altura, começaram a registar-se divergências entre a West of India e os seus empreiteiros, que redundaram na rescisão do contrato de empreitada. A obra, já de si lenta pelas dificuldades de transporte, insalubridade do território, falta de material, dificuldade em angariar pessoal e morosidade das expropriações, abrandou ainda mais. A situação levou o ministro da Marinha e Ultramar, Pinheiro Chagas, a lançar algumas críticas a Xavier Cordeiro, que se demitiu do cargo em 1885 (substituído por Fernando Luís Mouzinho de Albuquerque).

Um mês depois, Xavier Cordeiro foi contratado como engenheiro-chefe de construção pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses (CRCFP), o mais importante operador ferroviário de então. Na altura, a CRCFP construía as linhas da Beira Baixa, Oeste, Sintra, Cascais, Urbana e Cintura de Lisboa. Xavier Cordeiro esteve envolvido em todas, exceto na última. O seu trabalho destacou-se na obra do túnel do Rossio (na linha urbana), cujo projeto elaborou juntamente com Vasconcelos Porto. Por esta tarefa, viu o seu nome inscrito numa placa colocada à entrada do túnel.

Quando as empreitadas se aproximavam do final, Xavier Cordeiro passou a engenheiro-chefe de via e obras, cabendo-lhe a execução de diversos melhoramentos nas vias-férreas da CRCFP (substituição dos tabuleiros metálicos nas pontes, duplicação de via no troço entre Lisboa e o Entroncamento, alinhamentos em planta e perfil, aplicação de um novo sistema de agulhas, instalação de iluminação elétrica nas estações).

As suas responsabilidades na CRCFP não o impediram de colaborar com o MOP. Em 1886, foi promovido a engenheiro de primeira classe e em 1892 a inspetor graduado. Em 1895, integrou a comissão encarregada de elaborar o novo regulamento de provas às pontes metálicas. Em 1898, foi nomeado vogal da comissão para o estudo do plano ferroviário ao sul do Tejo. Em 1899, foi consultado sobre o estado calamitoso da operação dos caminhos de ferro coloniais de Ambaca e Mormugão. 

Colaborou igualmente com empreendimentos da iniciativa privada alheios à CRCFP: aproveitamento agrícola dos terrenos da Ria Formosa (da Companhia Exploradora dos Terrenos Salgados do Algarve); elaboração do projeto de melhoramento do porto de Lisboa; avaliação de propostas para a construção do Coliseu dos Recreios; consulta sobre a construção de dois canais entre o Tejo, o Sado e o Guadiana.

Xavier Cordeiro empenhou-se particularmente no projeto da linha do Vouga, com diversos artigos na imprensa da especialidade e uma monografia promovendo o empreendimento. A obra foi concessionada a Frederico Palha em 1889 e Xavier Cordeiro elaborou o projeto definitivo, onde sugeriu o recurso à hulha branca (energia hidroelétrica) como fonte de energia. Uma vez que o traçado era parcialmente paralelo ao caminho de ferro do Norte, a CRCFP protestou, mas Xavier Cordeiro defendeu o projeto contra as pretensões da sua entidade empregadora. A CRCFP desistiu da queixa depois de o governo ter aceitado adjudicar-lhe a linha de Vendas Novas a Setil (cuja ponte sobre o Tejo foi projetada por Xavier Cordeiro). A via-férrea do Vouga só começou a ser construída anos depois, já após a morte de Xavier Cordeiro.

Em 1901, tornou-se presidente da AECP e, em 1902, abandonou os quadros da CRCFP (passou a colaborar pontualmente com a firma, como engenheiro consultor) e regressou ao MOP. Em 1903, foi promovido a inspetor-geral e nomeado inspetor dos Edifícios Públicos e vogal da Comissão de Pontes e Construções Metálicas, do Conselho Superior de Obras Públicas e Minas e do Conselho de Monumentos Nacionais. Em 1904, integrou a comissão de estudos de um porto em Buarcos. Neste ano, a AECP atribuiu-lhe a medalha de ouro e diploma de honra pela sua carreira e produção bibliográfica sobre caminhos de ferro e Mecânica Aplicada e a Academia Real de Ciências admitiu-o como sócio correspondente. Participou ainda em diversos congressos ferroviários realizados no início do século XX e na Exposição Universal de Paris de 1900.

A partir de 1904, afastou-se da vida pública, devido à morte prematura do irmão. Pouco menos de um ano depois, a 20 de janeiro de 1905, morreu de diabetes. 

Homem de fraca compleição física, tímido e pouco expansivo, na caracterização dos seus camaradas, Cândido Celestino Xavier Cordeiro foi um importante membro da classe engenheira nacional da segunda metade do século XIX. Dotado de uma formação de elite, em Portugal e França, foi um dos principais contribuidores para o desenvolvimento da rede ferroviária nacional, tanto ao serviço do Estado, como no sector privado (sobretudo na CRCFP). Os seus trabalhos sobre a bitola estreita foram cruciais para a implementação desta tecnologia nas periferias acidentadas de Portugal e colónias, onde os caminhos de ferro de bitola larga tinham dificuldades em chegar.

Hugo Silveira Pereira

CIUHCT – Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, Universidade NOVA de Lisboa
Department of History, University of York

Arquivo 

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 42, Cândido Celestino Xavier Cordeiro, PT/AHMOP/PI/042/032.

Obras

Cordeiro, Cândido Celestino Xavier. “Estudos feitos em França e Allemanha.” Revista de Obras Públicas e Minas 1 (5) (1870): 3–14, 37–50, 69–84 e 127–141.

Cordeiro, Cândido Celestino Xavier. “O túnel.” Gazeta dos Caminhos de Ferro de Portugal e Hespanha 60 (1890), 183–184.

Cordeiro, Cândido Celestino Xavier. “Os caminhos de ferro vicinaes.” Gazeta dos Caminhos de Ferro de Portugal e Hespanha 135 (1893), 225–226.

Cordeiro, Cândido Celestino Xavier. Le chemin de fer du Vouga. Lisboa: Tipografia do Comércio de Portugal, 1894.

Cordeiro, Cândido Celestino Xavier. Memoria acerca dos caminhos de ferro de via reduzida. Lisboa: Imprensa Nacional, 1880.

Sousa, João Crisóstomo de Abreu e, João Joaquim de Matos e Cândido Xavier Cordeiro. “Relatorio ácerca das experiencias feitas na ponte do Douro e nas passagens inferiores com taboleiro metallico da 5.ª secção.” Revista de Obras Públicas e Minas 105–106 (1878): 361–418.

Bibliografia sobre o biografado

Carvalho, A. Luciano de. “Elogio Historico de Candido Xavier Cordeiro.” Revista de Obras Publicas e Minas 442–444 (1906): 523–592.

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chaussées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos, Maria Paula Diogo, Irina Gouzévitch e André Grelon, 177–208. Lisboa: Colibri, 2009.

Matos, Ana Cardoso de. “Etudier en France, travailler au Portugal: le cas de l’ingénieur Candido Xavier Cordeiro (seconde moitié du XIXe siècle).” In Édifice & artifice. Histoires constructives, ed. Robert Carvais, André Guillerme, Valérie Negre e Joël Sakarovitch, 231–240. Paris: Editions A. et J. Picard, 2010.

Matos, Ana Cardoso de e Maria Paula Diogo. “From the École de Ponts et Chaussées to Portuguese railways: the transfer of technological knowledge and practices in the second half of the 19th century.” In Railway modernization: an historical perspective (19th and 20th centuries), ed. Magda Pinheiro, 77–90. Lisboa: Centro de Estudos de História Contemporânea de Portugal, 2009.

Pereira, Hugo Silveira e Bruno J. Navarro. “The implementation and development of narrow-gauge railways in Portugal as a case of knowledge transfer (c. 1850–c. 1910).” The Journal of Transport History 39 (3) (2018): 355–380.

Pereira, Hugo Silveira e Bruno J. Navarro. “Xavier Cordeiro: Uma Biografia.” In A Questão da Bitola Estreita em Portugal e Colónias. A “Memória Acerca dos Caminhos de Ferro de Via Reduzida” do Engenheiro Xavier Cordeiro (1880), ed. Hugo Silveira Pereira, Bruno J. Navarro e Eduardo Beira, 63–94. Porto: Iniciativa TUA, 2019.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de

Porto, 7 junho 1838 — m. 15 junho 1912

Palavras-chave: caminhos de ferro, saint-simonismo, Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, Minho e Douro.

DOI: https://doi.org/10.58277/DJEX5656

Augusto Luciano Simões de Carvalho foi um engenheiro português, formado em França, que se destacou no desenvolvimento da rede nacional ferroviária, nomeadamente nas linhas do Minho e do Douro.

Nasceu na Rua de Santa Catarina, n.º 888 (freguesia de Santo Ildefonso, concelho do Porto), filho de Luciano Simões de Carvalho, setembrista, antigo presidente da câmara do Porto, e de Maria Emília Gonçalves de Carvalho. 

Completou os primeiros estudos de Humanidades, Retórica, Literatura, História Natural, Física e Química no Colégio da Lapa (Porto) e em 1857 ingressou na Universidade de Coimbra. Aqui fez parte do Instituto de Coimbra (1860–1862), onde colaborou com o quinzenário Preludios Litterarios dirigido por Antero de Quental. Em 1863, obteve o grau de bacharel em Matemática e Filosofia. Inscreveu-se em seguida no curso de Engenharia da Escola do Exército, mas não o concluiu, uma vez que em 1864 foi escolhido para continuar os estudos na Escola de Pontes e Calçadas de Paris juntamente com os seus camaradas Cândido Celestino Xavier Cordeiro e Joaquim Veríssimo Mendes Guerreiro. Em Paris, estudou construção de caminhos de ferro, estradas, canais e portos, canalização de rios, arquitetura, mecânica aplicada à resistência de materiais, hidráulica e hidráulica agrícola e contatou de perto com o ideário saint-simoniano. O curso tinha um forte componente prática e Luciano de Carvalho participou em duas missões de obras públicas em Grenoble e Bordéus (com os professores Bertier e Gérier, respetivamente). Terminou o seu programa de estudos em 1867, sem grande brilhantismo (na avaliação final, somou 633 pontos em 975 possíveis). Antes de regressar a Portugal, foi incumbido pelo governo de visitar, com Xavier Cordeiro, a Exposição Universal de Paris e as regiões litorais do sul e sudoeste de França, de Espanha e de Itália, onde se focou na construção de faróis e material ferroviário fixo e circulante. 

Chegou a Portugal em 1868, no ano em que o governo extinguiu o corpo de engenharia civil. Luciano de Carvalho ficou assim numa situação precária, uma vez que, sem o curso da Escola do Exército, não tinha qualquer patente militar. Assim, enquanto a maioria dos seus camaradas foi reintegrado no ministério da Guerra, Luciano de Carvalho ficou temporariamente sem ocupação, até que em 1869 foi colocado nas direções reunidas de Obras Públicas de Beja e Portalegre. 

Em 1872, iniciou a sua longa carreira ferroviária. Por pedido João Joaquim de Matos, diretor da construção das linhas do Minho e Douro, foi contratado para dirigir o assentamento nas secções do primeiro daqueles caminhos de ferro entre a estação de Campanhã e o rio Ave e entre Nine e Tamel. A operação iniciou-se em 1875 até Braga e Luciano de Carvalho acumulou esta tarefa com a continuação da construção. Promovido a chefe de via e obras em 1877, foi encarregue do estudo da travessia do rio Minho em direção a Espanha. Depois de um curto interregno durante o qual visitou a Exposição Internacional de Paris de 1878, foi sucessivamente promovido a chefe de tração e conservação, diretor interino e diretor efetivo das linhas do Minho e do Douro (1879–1880). Em 1881, dirigiu o assentamento dos carris entre Valença e Espanha, incluindo a travessia internacional do rio Minho, e delineou uma variante da linha da Alfândega do Porto.

A partir de 1883, passou a trabalhar na linha do Douro. A sua experiência no terreno levou-o a acumular outras tarefas de obras públicas realizadas nas imediações: direção da construção da ponte Hintze Ribeiro em Entre-os-Rios (1884), fiscalização da construção e operação da linha do Tua (1884–1885), organização da brigada de estudos das diretrizes das linhas de Mirandela a Bragança e Viseu ao Pocinho e Miranda do Douro (1886–1890) e, coadjuvado pelos seus colegas Justino Teixeira, Afonso de Espregueira e Lobo Poppe, exame técnico e financeiro das ligações das linhas do Douro e Beira Alta a Salamanca, construídas pelo Sindicato Portuense (1888). Na linha do Douro propriamente dita, dirigiu a empreitada até 1889, destacando-se na construção da ponte internacional sobre o rio Águeda (1886–1887). Por esta tarefa e pela realizada anteriormente na ponte sobre o Minho foi agraciado pelo governo de Espanha. Terminada a construção das linhas do Minho e Douro, foi transferido para a sua exploração.

A sua experiência acumulada no setor valeu-lhe a promoção a engenheiro de primeira classe e a participação na comissão encarregada de organizar o serviço de construção, exploração e fiscalização dos caminhos de ferro nacionais (1886) e na gestão da exploração da linha do Minho (1889).

Em 1888 e 1889, acumulou os seus afazeres ferroviários com uma curta passagem pela questão hidráulica nacional no porto de Aveiro (com Joaquim Pires de Sousa Gomes e Adolfo Loureiro), e nos rios Mondego, Vouga e Liz. 

Depois de mais uma missão à Exposição Universal de Paris (1889), foi contratado, por sugestão do seu camarada Pedro Inácio Lopes, pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, primeiro como engenheiro-chefe de exploração (via e obras, tração e movimento) e depois como engenheiro-adjunto da direção. Durante este período, foi promovido a engenheiro-chefe de segunda classe (1892). Em 1893, fez parte da organização da participação nacional na Exposição Universal de Chicago. Voltou à Companhia Real, entre 1903 e 1906, como subdiretor da empresa. 

Regressou ao ministério das Obras Públicas em 1897, onde permaneceu até se reformar em 1911, como engenheiro-chefe de primeira classe (desde 1898), inspetor de obras públicas (desde 1905) e inspetor-geral (1911). Durante este período, integrou diversas comissões, ligadas ao caminho de ferro: para complementar a rede férrea a norte do Mondego, para defender o Estado no pleito que opunha aos empreiteiros da linha do Douro e para rebater a pretensão da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta contra a concessão da linha do Vouga; foi ainda delegado ao congresso internacional de caminhos de ferro de Berna. Fora do sector ferroviário, fez parte dos conselhos superiores dos Monumentos Nacionais, de Comércio e Indústria, de Arte e Arqueologia e de Obras Públicas e Minas; das comissões da Segurança dos Operários de Construção Civil, de verificar os estragos provocados pelo terramoto de 1909, de melhorar a acústica da câmara dos deputados e de extinguir a formiga branca. Internacionalmente, foi admitido na Academia Físico-Química Italiana.

Foi também um cronista da engenharia em Portugal, redigindo três súmulas biográficas dos seus camaradas Pedro Inácio Lopes, Xavier Cordeiro, João Evangelista Abreu e José Diogo Mascarenhas Mouzinho de Albuquerque.

Faleceu em 15 de julho de 1912. 

Augusto Luciano Simões de Carvalho foi um dos engenheiros portugueses que atuaram como agentes de modernidade no Portugal da segunda metade do século XIX. Formado em França, na prestigiada Escola de Pontes e Calçadas de Paris, trouxe para Portugal não só os mais modernos conhecimentos técnicos, como a promessa saint-simoniana de progresso baseado na tecnologia, os quais aplicou sobretudo no sector ferroviário. Fez parte do grupo de engenheiros que afirmou a classe na sociedade portuguesa, graças aos seus conhecimentos técnicos, desempenhando funções de relevo não só no serviço público, mas também no sector privado, contribuindo em ambos para a colocação da nação na senda do progresso. 

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, Instituto de Coimbra, correspondência recebida 1884.

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 32, Augusto Luciano Simões de Carvalho, PT/AHMOP/PI/032/041.

Obras 

Carvalho, A. Luciano de. “Caminhos de ferro do Minho e Douro. Linha Urbana do Porto.” Revista de Obras Publicas e Minas, 28 (327–328) (1897): 128–151. 

Carvalho, A. Luciano de. “Caminhos de ferro do Minho e Douro. Ramal da estação á alfandega do Porto.” Revista de Obras Publicas e Minas, 18 (215–216) (1887): 356–378. 

Carvalho, A. Luciano de. Catalogo descriptivo da coleccção de albuns, memorias e desenhos expostos na Exposição Universal de Chicago. Lisboa: Imprensa Nacional, 1896.

Carvalho, A. Luciano de. “De como foi iniciada a campanha da construção.” Gazeta dos Caminhos de Ferro de Portugal e Hespanha, 9 (213) (1896): 324–325. 

Carvalho, A. Luciano de e Alfredo Soares. “Ponte internacional sobre o rio Agueda.” Revista de Obras Publicas e Minas, 20 (233–238) (1889): 121–152, 165–229 e 273–293. 

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Caminhos de Ferro do Minho e Douro: ponte internacional sobre o rio Águeda: Memória. Lisboa: Imprensa Nacional, 1890.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Caminhos de Ferro do Minho e Douro: ponte internacional sobre o rio Minho: Memória. Lisboa: Imprensa Nacional, 1886.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Cândido Xavier Cordeiro: elogio histórico. Lisboa: Imprensa Nacional, 1907.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. João Evangelista de Abreu: elogio histórico. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Portugal: catálogo descriptivo da collecção de albuns, memorias e desenhos expostos da Associação de Engenheiros Civis Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional, 1895.

Carvalho, Augusto Luciano Simões de. Portugal. Continjente da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses: exposição universal de Chicago, 1893. Lisboa: Imprensa Nacional, 1893.

Espregueira, Manuel Afonso de, Augusto César Justino Teixeira e Augusto Luciano S. de Carvalho. Caminhos de ferro de Salamanca á fronteira de Portugal. Relatorio ácerca do custo da sua construcção. Porto: Tipografia de Alexandre da Fonseca Vasconcelos, 1899.

Bibliografia sobre o biografado

Macedo, Marta Coelho de. Projectar e construir a nação. Engenheiros e território em Portugal (1873-1893). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chausées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos, Maria Paula Diogo, Irina Gouzévitch e André Grelon, 177–208. Lisboa: Colibri, 2009.

Matos, Ana Cardoso de. “World Exhibitions of the Second Half of the 19th Century: A Means of Updating Engineering and Highlighting its Importance.” Quaderns d’Història de l’Enginyeria 6 (2004): 225–235.

Matos, Ana Cardoso de e Maria Paula Diogo. “Bringing It All Back Home: Portuguese Engineers and Their Travels of Learning (1850-1900).” HoST  Journal of History of Science and Technology 1 (2009): 155–182.

Matos, Ana Cardoso de e Maria Paula Diogo. “Le Rôle des Ingénieurs dans l’Administration Portugaise, 1852-1900.” Quaderns d’Història de l’Enginyeria 10 (2009): 351–365.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899).” Tese de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Couceiro, José Anselmo Gromicho

Elvas, 11 abril 1822 — 1895

Palavras-chave: Regeneração, caminhos de ferro, saint-simonismo, Escola de Pontes e Calçadas.

DOI: https://doi.org/10.58277/XIHE3039

José Anselmo Gromicho Couceiro foi um engenheiro português que se evidenciou no processo de avanços e recuos dos primeiros anos do caminho de ferro em Portugal.

Filho de Jerónimo Couceiro e de Benigna Gromicho, assentou praça como voluntário em 1837, frequentando a Academia Politécnica do Porto e a Escola do Exército. Tendo aderido à falhada revolta de Torres Novas, foi forçado a fugir para França, onde estudou Engenharia Civil na Escola de Pontes e Calçadas, juntamente com Sousa Brandão e Lobo d’Ávila, entre outros. Ali, contactou com os princípios saint-simonistas de progresso e assistiu à instauração da República, saudando o governo provisório.

Regressou a Portugal em 1848, mas o seu passado de setembrista e de apoiante do republicanismo francês fez crescer a desconfiança das autoridades portuguesas. Vivia-se numa época em que a ideologia falava mais alto que a necessidade de desenvolver materialmente o País, de modo que as competências de Gromicho Couceiro foram desprezadas em face de considerandos políticos. 

A suspeição que envolveu o engenheiro só foi esfumada por intervenção do barão da Luz (Joaquim António Velez Barreiros), inspetor-geral de Obras Públicas, que solicitou a sua colocação na direção do Minho. Seguidamente, passou pela comissão de melhoramentos do Tejo e pela fiscalização das estradas de Santarém. Trabalhou também em Trás-os-Montes, pois em 1853 foi convidado a partilhar os seus conhecimentos sobre a província para a fixação da rede de estradas local.

Mas foi no esforço de implementação do caminho de ferro em Portugal que Gromicho Couceiro mais se destacou. Desde 1852, estudou a diretriz das linhas do Norte (com Sousa Brandão e Nunes de Aguiar) e da Beira Alta (advertindo que esta última seria de construção cara e difícil, o que de facto se verificou); fiscalizou as obras do caminho de ferro do Leste, assumindo a direção da obra (com Simões Margiochi) quando os empreiteiros da concessionária abandonaram os trabalhos; coadjuvou o engenheiro francês Watier no estudo das linhas de Lisboa à fronteira e Porto (novamente com Sousa Brandão e Margiochi); trabalhou como engenheiro-chefe na Companhia Central Peninsular, pouco podendo, porém, fazer para evitar o fracasso da inauguração do caminho de ferro Lisboa-Carregado; vistoriou as obras da linha do Sul (com Margiochi e Gomes Fontoura); chefiou a exploração do caminho de ferro do Leste, ao tempo gerida pelo governo, e manteve-se como fiscal da operação após o seu trespasse à Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses; por fim, fez parte da equipa que redigiu a lei geral ferroviária, decretada em 31 de dezembro de 1864. 

Manteve-se ligado à ferrovia, como diretor da fiscalização até 1868, ano em que saiu do ministério das Obras Públicas e ingressou no da Guerra. A decisão, que ficou decerto a dever-se à extinção do corpo de Engenharia Civil, afastou-o definitivamente da política de melhoramentos materiais do Fontismo. Tornou-se depois percetor militar dos infantes D. Carlos e D. Afonso e mais tarde ajudante-de-campo honorário de D. Luís. 

Ao longo da sua carreira foi condecorado com as comendas das ordens de Cristo, Avis e Torre e Espada e com a grã-cruz da ordem de Isabel, a Católica. Na carreira militar, reformou-se na patente de general. Faleceu em 1895.

Gromicho Couceiro foi um engenheiro que fez parte do processo de aprendizagem da implementação de caminhos de ferro em Portugal. Acompanhou de perto os primeiros falhanços da política ferroviária nacional e os passos tendentes a corrigi-los. Contribuiu também para a fixação das diretrizes das primeiras linhas construídas e lançou as bases para outros caminhos de ferro assentes posteriormente. Foi uma das vítimas da política de austeridade de finais da década de 1860, que extinguiu o corpo de Engenharia Civil do ministério das Obras Públicas e o empurrou para outras funções no ministério da Guerra. 

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 48, José Anselmo Gromicho Couceiro, PT/AHMOP/PI/048/006.

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, Cx. 2145, processo individual de José Anselmo Gromicho Couceiro.

Obras 

Couceiro, José Anselmo Gromicho. “Relatorio sobre o resultado do reconhecimento do terreno entre o caminho de ferro do Norte e a fronteira de Leste, a fim de conhecer a possibilidade de uma linha ferrea nesta direcção.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 1 (1860): 74–75. 

Couceiro, José Anselmo Gromicho e Joaquim Simões Margiochi. “Relatorio dos Fiscaes do Governo sobre os trabalhos executados no caminho de ferro de Leste, desde o seu começo até 31 de Dezembro de 1854.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 6 (1855): 257–262. 

Couceiro, José Anselmo Gromicho, Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas e Pedro de Alcântara Gomes Fontoura. “Relatorio. Linha do Barreiro ás Vendas Novas”, Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 2 (1861): 137–151. 

Bibliografia sobre o biografado

Costa, António José Pereira da. “José Anselmo Gromicho Couceiro. General de Brigada (1822-1895).” In Os Generais do Exército Português, ed. António José Pereira da Costa, 2 (2): 187. Lisboa: Biblioteca do Exército, 2005.

Macedo, Marta Coelho de. Projectar e construir a nação. Engenheiros e território em Portugal (1873–1893). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chausées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos et al., 177–208. Lisboa: Colibri, 2009.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899).” Tese de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Sousa, José Fernando de

Viana do Alentejo, 30 maio 1855 — Lisboa, 12 março 1942

Palavras-chave: caminhos de ferro, coordenação dos transportes, estradas, Gazeta dos Caminhos de Ferro.

DOI: https://doi.org/10.58277/JZLC6120

José Fernando de Sousa  foi um polémico engenheiro ferroviário português. 

Foi filho do médico António José de Sousa e de sua esposa Maria José. Foi irmão de Isidoro de Sousa, importante vinicultor local. Casou com Berta Guerreiro com quem teve oito filhos.

Frequentou o liceu de Évora, a Escola Politécnica de Lisboa (1869–1873) e a Escola do Exército. Em 1876, concluiu o curso de Engenharia, tendo recebido vários prémios ao longo do seu percurso.

Principiou a sua carreira em 1877, nos Serviços de Engenharia do Ministério da Guerra e na Direção-Geral dos Serviços Geodésicos. Em 1890, iniciou a ligação à ferrovia, na Direção dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, onde as suas qualidades pessoais e técnicas lhe valeram a comenda de Avis. Em 1898, integrou a comissão encarregada de reorganizar os caminhos de ferro do Estado (Minho, Douro, Sul e Sueste), na sequência do decreto de 6 de outubro de 1898. A equipa reuniu a elite dos engenheiros ferroviários nacionais. Fernando de Sousa foi o redator das atas das sessões e do relatório final, que deu origem aos Caminhos de Ferro do Estado, ao fundo especial de caminhos de ferro e ao primeiro plano de rede ferroviária nacional aprovado com força legal. Em 1899, foi nomeado inspetor técnico das linhas de Salamanca à fronteira portuguesa (construídas em território espanhol por um consórcio de bancos portugueses) e vogal da Junta Central de Melhoramentos Sanitários.

A sua carreira militar foi precocemente interrompida em 1900. Instado pelo Ministro da Guerra a bater-se em duelo com o diretor d’O Seculo, recusou, invocando princípios religiosos. Foi levado a Conselho Superior de Disciplina, onde apresentou a demissão.

Manteve-se ligado ao Ministério das Obras Públicas e em particular ao Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro do Estado e ao Conselho Superior de Caminhos de Ferro. Chegou a conselheiro de Estado em 1904 e a deputado em 1906.

Monárquico convicto, ultraconservador católico, antiliberal e antimaçónico, opôs-se vigorosamente ao regime republicano e aos movimentos operários associados, tendo sido por isso saneado dos Caminhos de Ferro do Estado em 1911. Passou a colaborar com diversas companhias portuguesas e estrangeiras (Eiffel, Sociedade Estoril, Burnay, Companhia Portuguesa para a Construção e Exploração de Caminhos de Ferro) e com a Sociedade de Propaganda de Portugal (promotora do país como destino turístico). Simultaneamente, foi eleito senador, em 1925 e manteve uma profícua carreira publicista em diversos jornais, como o Correio NacionalA OrdemPortugal: Diário Católico, entre outros, com o pseudónimo, Nemo.

Na sua carreira profissional, demonstrou igual conservadorismo, mas também uma grande perícia técnica que o guindou à presidência da Associação de Engenheiros Civis Portugueses e à condição de associado da Academia das Ciências de Lisboa. Nas dezenas de trabalhos de temática ferroviária que publicou, tanto na Gazeta dos Caminhos de Ferro, como em volumes avulso, sempre defendeu a manutenção e extensão das linhas do Estado sob alçada pública, excepto durante a República, em que propôs a sua privatização para subtrair o sector à influência do anarquismo e do associativismo. Como um dos últimos engenheiros com formação oitocentista, foi um acérrimo defensor da ferrovia contra o desenvolvimento da concorrência automóvel. Em 1929, propôs a duplicação da extensão da rede ferroviária nacional e a tomada de medidas que faziam do automóvel um apoio e não um concorrente do caminho de ferro, num relatório que foi considerado pela Associação de Engenheiros como obsoleto.

Até à sua morte, em 1942, foi uma personalidade controversa pelo extremar das suas posições políticas, mas também pela sua opinião sobre a coordenação dos transportes. Defendeu sempre a prevalência do caminho de ferro no transporte a longa distância, numa altura em que a estrada e a camionagem se começavam a assumir como meios de transporte mais eficazes e representantes mais emblemáticos do progresso. Deixou esta e outras opiniões nas suas diversas obras, que, além de demonstrarem um profundo conhecimento do sector, constituem uma importante fonte para a história do caminho de ferro em Portugal.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos individuais, Cx. 172, José Fernando de Sousa, PT/AHMOP/PI/172/012.

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, cx. 1122, processo individual de José Fernando de Sousa.

Obras 

Comissão encarregada de propor um plano de reorganização dos Caminhos de Ferro do Estado pelo decreto de 6 de Outubro de 1898. Relatorio. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899.

Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Actas da commissão encarregada de propor um plano de reorganisação dos caminhos de ferro do Estado pelo decreto de 6 de Outubro de 1898. Lisboa: Imprensa Nacional, 1898.

Ministério do Comércio e Comunicações. Direção Geral dos Caminhos de Ferro. Plano Geral da Rêde Ferroviária do Continente proposto pela Comissão encarregada da elaboração dêsse plano (Decreto n.º 13:829, de 17 de Junho de 1927). Lisboa: Imprensa Nacional, 1929.

Sousa, José Fernando de. Comunicações. Lisboa: Imprensa Nacional, 1929.

Sousa, José Fernando de. Comunicações em Trás-os-Montes. Lisboa: Oficinas Gráficas da Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1941.

Sousa, José Fernando de. Douro e Leixões. A questão dos portos commerciaes. Lisboa: Oficinas do Comércio do Porto, 1912.

Sousa, José Fernando de. O caminho de ferro do Vale-do-Lima. Lisboa: Tipografia Minerva, 1927.

Sousa, José Fernando de. O problema nacional ferroviário. Lisboa: Oficinas Gráficas da Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1938.

Sousa, José Fernando de. O problema nacional ferroviário e a coordenação dos transportes. Sintese doutrinal de quatro conferências. Lisboa: Oficinas Gráficas da Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1938.

Sousa, José Fernando de. Os caminhos de ferro do Estado e a reforma da lei da contabilidade publica. [S. l]: [s. n.], 1906.