Homem, Lopo

fl. Séculos XV-XVI

Palavras-chave: cartografia náutica, cosmografia.

DOI: https://doi.org/10.58277/PCCF3643

Cartógrafo português do século XVI, o primeiro de uma família de cartógrafos que inclui os seus filhos Diogo e Lopo. Desconhecem-se as datas de nascimento e morte de Lopo Homem, e a mais antiga referência à sua actividade é uma carta régia assinada por D. João III, de 1524, confirmando um alvará de D. Manuel I de 1517, no qual ele é referido como “escudeiro de minha casa” e mestre de cartas de marear, e lhe é dada autorização para construir e reparar agulhas de marear. Vários outros documentos oficiais se referem a Lopo Homem como cartógrafo (1541), examinador de pilotos (1551) e cavaleiro da casa del Rei (1563). Através do testemunho do cosmógrafo espanhol Alonso de Chaves, sabe-se que Lopo Homem fez parta da delegação portuguesa às negociações da Junta de Badajoz-Elvas, que decorreram em 1524. Dessa mesma missão nos deu conta o próprio cartógrafo, numa carta enviada ao rei por volta de 1560, em que se identifica como cosmógrafo e cavaleiro da casa real, e se queixa asperamente do novo padrão estabelecido pelo cosmógrafo-mor Pedro Nunes a partir de medidas de longitudes obtidas por observação dos eclipses do Sol e da Lua. Segundo Homem, todas as cartas que se fizeram a partir desse padrão eram contrárias à ciência de navegar, e por isso muitos navios da carreira das Índias se perderam, obrigando os pilotos a adquirir outras cartas a Castela. Muito embora as alegações de Lopo Homem sejam certamente exageradas, o facto é que a razão parecia estar do seu lado, já que as cartas tradicionais estavam bem adapatadas aos métodos de navegação da época, que eram baseados em rumos magnécticos. Substituí-las por outras baseadas nas longitudes dos lugares poderia afectar gravemente a eficácia e segurança da navegação, já que os rumos medidos sobre elas não coincidiriam com aqueles que eram determinados a bordo com a agulha de marear.

Embora a produção cartográfica de Lopo Homem tenha sido porventura muito extensa, somente quatro exemplares assinados chegaram aos nossos dias: i) o mapa-múndi de 1519, que faz parte do chamado Atlas Miller e está conservado na Biblotèque nationale de France; ii) uma carta do Mediterrâneo, Mar Negro e Europa ocidental, ao estilo das cartas portulano e de data muito incerta, que Armando Cortesão datou de c.1550, conservada no Arquivo Salviati de Miglirino, em Roma; iii) uma carta atlântica de c.1550 conservada na Biblioteca Nacional de Portugal, dotada de uma escala de latitudes secundária para a região da Terra Nova; iv) e um planisfério de 1554, conservado no Istituto e Museo di Storia della Sinzia, em Florença. O exemplar mais interessante do ponto de vista historiográfico é o primeiro, pelo facto de o seu desenho ser relativamente grosseiro, quando comparado como o das outras cartas do Atlas Miller, e também por representar o mundo como um disco, em que os oceanos Atlântico e Índico aparecem totalmente rodeados por terra. Esta antiga concepção cosmográfica inspirada nas ideias de Ptolomeu, já antes adoptada no fragmento do planisfério de Piri Reis que chegou aos nossos dias (c.1513), só seria abandonada depois de completada a viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães e Sébastian de Elcano (1519-22). Também de notar é o facto de, no planisfério de 1554, a típica distorção longitudinal do continente africano aparecer consideravelmente mitigada, provavelmente por imposição do cosmógrafo-mor Pedro Nunes. 

Joaquim Alves Gaspar

Arquivos

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Chancelaria de D. João III, Doações, Liv. 37, f.. 170v.

Livro das Denunciações da Inquisição de 1537 em deante, f. 96.

Lisboa, Câmara Municipal de Lisbo

 L.º 1.º de Vereação, f. 103.

Livro de lançamento e serviço qve a cidade de Lixa fez a elrei nosso sôr o anno de 1565, f.. 377.

Madrid, Arquivo (?)

Crónica del Emperador Carlos V, Tomo II: 88–89. 

Paris, Bibliothèque Nationale de France

Ms. Coll des Cinque Cents de Colbert, 298, ff.. 6r–8r. [Editado em Luís de Matos, Les portugais en France au XVIe siècle, 100–105, 318–322. Coimbra: Imprensa da Universidade Coimbra, 1952].

Obras

Bibliografia sobre o biografado

Cortesão, Armando e Avelino Teixeira da Mota. Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I: 49–61.  Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987.

Albuquerque, Luís de. “Homem, Lopo.’ In Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, ed. Luís de Albuquerque, Volume I: 501–502. Lisboa: Caminho, 1993.

Homem, Diogo

fl. século XVI

Palavras-chave: cartografia náutica, cartografia, atlas.

DOI: https://doi.org/10.58277/HSKV8512

Cartógrafo português do século XVI, filho do cartógrafo Lopo Homem e autor de um vasto número de cartas e atlas náuticos, quase todos conservados fora de Portugal. Desconhecem-se as datas de nascimento e morte e são escassos os documentos históricos que o mencionam. O mais antigo é uma carta de D. João III conservada na Torre do Tombo, de 1547, na qual o rei acede a um pedido de perdão da pena a que tinha sido condenado em tribunal pela morte de um indivíduo, na condição de voltar ao reino no prazo de oito meses e aí servir a coroa. Nessa ocasião encontrava-se Diogo Homem em Londres, como cosmógrafo. Um outro documento está conservado em Londres e refere-se a uma declaração apresentada por Diogo Homem ao Tribunal do Almirantado, a propósito de um atlas que fizera por encomenda a um cliente veneziano e não tinha sido aceite ou pago. O terceiro documento é uma carta enviada de Londres, em 1567, pelo embaixador espanhol Guzman de Silva para Filipe II de Portugal, referindo a prisão de Diogo Homem a propósito de uma missão de um navio inglês a África, em que teriam participado portugueses. Contudo, desconhece-se o motivo da prisão.

A obra de Diogo Homem que chegou aos nossos dias consta de vinte e três trabalhos que incluem cinco atlas universais, sete atlas da Europa e Mediterrâneo e onze cartas avulsas. Destes trabalhos somente desassete estão assinados. As datas variam entre 1557 e 1576, presumindo-se que o cartógrafo teria cerca de 55 anos quando completou esta última, em Veneza. Tendo em conta que, em 1547, Diogo Homem estava em Londres e já seria um cartógrafo competente, muitos outros trabalhos se terão perdido. 

De acordo com Armando Cortesão e Teixeira da Mota, a abundante ornamentação das cartas mais antigas seria progressivamente suavizada nos trabalhos mais recentes. De acordo com os mesmos autores, ao grande volume e beleza estética da obra de Diogo Homem está também associado alguma falta de originalidade. 

Joaquim Alves Gaspar

Arquivos

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Legitimações e Perdões, Liv. 312, f. 202. 

Valladolid, Archivo de Simancas, Estado 819, f. 199.

Obras sobre o biografado

Cortesão, Armando e Avelino Teixeira da Mota, eds. Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. II: 5–10. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda 1987.

Albuquerque, Luís de. “Homem, Diogo.” In Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, ed. Luís de Albuqerque, Volume I: 300–301. Lisboa: Caminho, 1993.

Dourado, Fernão Vaz

ca.1520 — ca. 1580

Palavras-chave: atlas, cartografia náutica, Goa.

DOI: https://doi.org/10.58277/NTHR8686

Sobre o cartógrafo Fernão Vaz Dourado existem poucas e inseguras informações. Apenas chegaram até nós cinco atlas manuscritos primorosamente iluminados, com datas entre 1568 e 1580, cujo autor se identifica como Fernão Vaz Dourado, e um sexto que lhe é atribuído. Em três deles apresenta-se com o título de “Fronteiro destas partes da India”. Dois dos atlas foram desenhados em Goa, e outros dois, provavelmente também, pelas informações náuticas que incluem se referirem ao subcontinente indiano. A ser verdade que o autor tenha estado alguma vez em Portugal, o quinto poderá ter sido elaborado em Lisboa,. Foi também atribuído a Dourado o atlas universal de 20 cartas, complementar do Livro de Marinharia de João de Lisboa (c.1560), considerando-se hoje que apenas um fragmento de um mapa, figurando o Índico ocidental, é de sua autoria.

Em busca do cartógrafo e da família Dourado encontraram os biógrafos um Fernão Dourado em viagens no Índico oriental, entre 1543 e 1544, ou em 1547, e um Fernão Vaz Dourado ferido no segundo cerco de Diu, em 1546. Supondo que o militar, o navegador-comerciante e o cartógrafo-iluminador sejam o mesmo homem, ele poderia ser filho de Francisco Dourado, moço de câmara, que em 1513 embarcou em Lisboa para a Índia. Levantaram-se ainda as hipóteses de a mãe ser indiana e de Fernão ter estudado em Goa, próximo do círculo do Colégio jesuíta de São Paulo; pelo contrário, pode ter vindo jovem a Portugal e estudado na Universidade, em Lisboa, e ter voltado à Corte, por breve período, no fim da vida, a acompanhar o vice-rei D. Luís de Ataíde (1516−1581), de quem era protegido.

Esta biografia construída com base em dados soltos e de diversa origem, mas criteriosamente selecionados e relacionados, deve-se a Armando Cortesão, que desde 1935 deixou estabelecida a crónica do herói, como modelo e exemplo maior entre os cartógrafos luso-asiáticos quinhentistas. Porém, tudo são suposições. Como em muitos outros casos, o técnico e artista gráfico não deixa nem numerosos, nem seguros testemunhos nos arquivos institucionais. 

Ao nome de Vaz Dourado têm sido associados os de Diogo Botelho Pereira, cujos mapas se encontram perdidos, e de Lázaro Luís, autor do famoso Atlas Universal de 1563, cujas cartas tantas semelhanças apresentam com as de Dourado. Os três cartógrafos, provavelmente, nasceram e formaram-se na Índia portuguesa, representando os seus mapas o que de melhor em cartografia aí se produziu na segunda metade do século XVI. Porém, há notícias documentais sobre a atividade cartográfica portuguesa no Oriente desde a década de 30, com Heitor de Coimbra, continuada por Luís do Rego (c.1545), Pedro de Ataíde (1596), Mateus do Rego, “mestiço de Goa” (1601) e, finalmente, com o luso-malaio Manuel Godinho de Erédia (c.1560-1623), natural de Malaca, conhecido pelas suas coletâneas de vistas e plantas das cidades coloniais portuguesas no Oriente.

Pouco se sabe de concreto sobre a existência de uma comunidade de técnicos e artistas em Goa, assim como de todo o processo de construção dos mapas: desde a proveniência e fabrico do pergaminho e das tintas, à origem e aos tipos de fontes consultados, assim como dos métodos utilizados no desenho do fundo das cartas e no estabelecimento da sua coloração e ainda sobre a inclusão de elementos iconográficos.

Os mapas de Vaz Dourado não devem ser apenas comparados com os dos seus contemporâneos que trabalhavam no Oriente e com as fontes cartográficas orientais, donde podem ter chegado materiais e cores, informações geográficas ou elementos decorativos. Os protótipos das cartas portuguesas realizadas na metrópole, em originais, cópias ou variantes, chegavam também periodicamente a Goa, daí as semelhanças possíveis de encontrar, cotejando Dourado com os mapas da última fase de Lopo Homem, os atlas de Diogo Homem (1561 e 1568) ou os de Sebastião Lopes (c. 1565). Mas será também de considerar a influência da cartografia italiana e da cartografia espanhola.

Sobre o método de trabalho de Vaz Dourado afirma Armando Cortesão: “Embora todos os seus trabalhos obedeçam a um tipo inconfundível, parece que Vaz Dourado tinha um Atlas protótipo, cuja parte meramente cartográfica foi aproveitando para todos os outros, mas acrescentando-os e modificando-os conforme os novos conhecimentos geográficos adquiridos ou o fim a que os destinava.”.  Contudo, tratando-se de cartografia de luxo ou de aparato, o seu processo de construção parece dever mais às regras da pintura e, concretamente, da iluminura, do que às da cartografia prática. O cartógrafo-iluminador terá sido antes um iluminador-cartógrafo ou, o que é mais provável, vários terão sido os técnicos e artistas implicados nas distintas fases de elaboração dos mapas. Só uma escola com experiência, oficinas e artistas em atividade, poderia responder a tais encomendas e produzir tais obras.

Os mapas dos atlas têm sido analisados quase exclusivamente a partir da toponímia inscrita e da configuração e desenho das ilhas e dos litorais. Na maior parte dos estudos, o objetivo último foi a relação entre esses aspetos e os episódios da história política e militar, como demonstração da prioridade dos portugueses na descoberta e ocupação de territórios não europeus. A hipótese de que as novas imagens cartográficas portuguesas se revelem fontes determinantes para a cartografia impressa da Europa do Norte e, mesmo, que transmitam elementos iconográficos originais e exóticos, mereceriam um estudo comparativo mais minucioso. No caso de Vaz Dourado, a quem são atribuídas inovadoras imagens cartográficas de Ceilão e do arquipélago japonês, algumas dessas análises foram já realizadas.

A receção e difusão das imagens de Vaz Dourado, em especial as do Oriente, atendendo à sua originalidade e qualidade estética, em que ressaltam os elementos decorativos renascentistas, fez-se sentir com alguma rapidez na cartografia impressa do Norte da Europa, como é o caso da inserta na obra de Jan van Linschoten ou a difundida nas edições da obra de Abraham Ortelius. A partir dessas imagens se elaboraram novas versões, impressas ou manuscritas, por todo o Mundo.

João Carlos Garcia

Arquivos

Arquivo Nacional – Torre do Tombo, Lisboa

Atlas Universal de Fernão Vaz Dorado (1571)

Bayerische Staatsbibliothek, Munique

Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado (1580)

Biblioteca dos Duques de Alba, Madrid

Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado (1568)

Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado (1576)

British Library, Londres

Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado (1575)

Huntington Library, San Marino, Califórnia

Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado (1570)

Obras

Dourado, Fernão Vaz. Atlas de… (Reprodução fidelíssima do exemplar da Torre do Tombo, datado de Gôa, 1571). Publicado por iniciativa e sob a direcção do Visconde de Lagoa, Porto: Livraria Civilização – Editora, 1948.

—. Atlas. Reprodução do Códice Iluminado 171 da Biblioteca Nacional, prefácio e nota introdutória de Luís de Albuquerque, Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1991.

—. Atlas Universal de… 1571, coord. João Carlos Garcia, Barcelona : M. Moleiro, 2014.

Bibliografia sobre o  biografado

Alegria, Maria Fernanda, Suzanne Daveau, João Carlos Garcia, Francesc Relaño. Portuguese Cartography in the Renaissance, in: David Woodward (ed.), Cartography in the Renaissance. Vol. 3, part 1 of The History of Cartography, Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 975-1068.

Cortesão, Armando. Cartografia e Cartógrafos Portugueses (contribuição para um estudo completo), 2 vols., Lisboa: Seara Nova, 1935.

—. Um novo atlas de Vaz Dourado, in: Boletim Geral das Colónias VIII, 81 (1932), p. 142-151.

Cortesão, Armando, Avelino Teixeira da Mota. Portugaliae Monumenta Cartographica, 6 vols., Lisboa: Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960-1962.

Couto, Gustavo. O Cosmógrafo Fernam Vaz Dourado, Fronteiro da Índia e a sua obra, Lisboa: Tip. e Papelaria Carmona, 1928.