Carbone, João Baptista

Oria, reino de Nápoles, 2 setembro 1694 — Lisboa, 5 abril 1750

Palavras-chave: longitude, eclipses, D. João V, Royal Society, diplomacia.

DOI: https://doi.org/10.58277/JAOM4247

São incertas as informações de que dispomos sobre as origens de Giovanni Battista Carbone (chamado em Portugal João Baptista Carbone), matemático régio e astrónomo de D. João V, praticante distinto da astronomia geográfica. As suas observações de eclipses dos satélites de Júpiter, do Sol e da Lua, contribuíram para o conhecimento rigoroso da longitude de diferentes pontos do globo, melhorando assim o conhecimento da geografia Terrestre.

Segundo Jaime Cortesão teve origem fidalga no reino de Nápoles. Porém, diversas fontes—incluindo a documentação manuscrita produzida pela Campanhia de Jesus—atestam o seu nascimento em Oria, pertencente na época à província de Otranto, no sul da península itálica, a 2 de Setembro de 1694. Segundo o seu biógrafo oficial, o secretário e fidalgo da corte portuguesa Fernando Antonio da Costa de Barboza, ainda em tenra idade terá mudado para Bari onde aprendeu as primeiras letras. Sobre o momento da entrada de Carbone na Campanhia os catálogos trienais dos jesuítas são muito claros: 2 de Dezembro de 1709. São ainda os catálogos que documentam o percurso como aluno e depois como professor em vários colégios do reino de Nápoles.

Após o noviciado estudou Retórica entre 1711 e 1712 no Colégio Máximo, e, de 1712 a 1714, ensinou Gramática e Religião Católica no Colégio de Chieti (Theatinum, na designação latina). Em Chieti assumiu o cargo de Prefeito da Congregação dos Alunos Inferiores. No período entre 1714 e 1717 regressou ao Colégio Máximo de Nápoles cursando Filosofia. Deve ter frequentado nestes anos aulas de matemática uma vez que, nos currículos jesuítas, a matemática se encontrava inserida no programa de Filosofia; conforme fora determinado no principal documento normativo jesuíta para o ensino, a Ratio studiorum. Em Lecce ensinou Humanidades até 1719 ingressando então no Colégio dos Nobres, onde permaneceu cerca de um ano, dedicado ao estudo da Teologia. 

Domenico Capacci, que viria a acompanhar Carbone numa missão científica na Província Lusitana, surge no catálogo do Colégio dos Nobres para 1720 na posição subsequente da lista. Ambos tinham a mesma idade, ambos tinha completado 3 anos de Filosofia e ambos tinham quatro anos de docência nas Humanidades. Atendendo a esta fonte parece pois natural que, dadas as afinidades, o Geral da Companhia de Jesus Michelangelo Tamburini (1648–1730) tenha decidido juntá-los na mesma missão. Entre 1720 e a partida para a Corte de Lisboa Giovanni Battista Carbone voltou a estudar Filosofia no Colégio Máximo, onde se especializou em Lógica. O Colégio Máximo de Nápoles desenvolveu uma peculiar tradição matemática e astronómica cuja reputação deve, de algum modo, ter motivado a escolha de Carbone e Capacci. 

Em 1722 respondendo a uma recomendação do Conselho Ultramarino D. João V solicitou a Tamburini dois missionários, competentes nas matemáticas, para trabalharem na cartografia do Brasil. Necessidades prementes da administração do território da colónia mormente a da definição precisa dos limites entre as capitanias, assim como um melhor conhecimento das regiões mineiras, levou à chamada dos dois peritos da Itália. Antes da jornada para Lisboa Carbone e Capacci seriam recebidos em Roma, no final de Maio de 1722, pelo matemático jesuíta Manuel de Campos (1681–1758) e pelo embaixador português, o 4º Conde das Galveias. Desde logo a atividade astronómica de Carbone foi enquadrada e apoiada pela diplomacia portuguesa, contexto em que se haveria de desenvolver até à sua morte em 1750. De acordo com a correspondência que Manuel de Campos manteve com Luís Gonzaga (1666–1747) em Lisboa, o embaixador ofereceu aos dois religiosos toda a ajuda possível no cumprimento da missão que lhes tinha sido confiada. E, de facto, a Coroa Portuguesa suportou o seu apetrechamento ainda na península Itálica com um bom conjunto de instrumentos e livros matemáticos. Era um reportório de instrumentos e livros, vários de autores jesuítas, claramente adaptado à missão cartográfica a que estavam destinados, refletindo simultaneamente a tradição matemática da Companhia.

Na sua correspondência Manuel de Campos tecia comentários muito positivos sobre a formação matemática de Carbone e Capacci mas argumentava que ambos necessitavam de mais prática, certamente aludindo à necessidade de um maior domínio dos procedimentos astronómicos envolvidos nas determinações geográficas e cartográficas. Após várias visitas em Roma, a 27 de Julho de 1722, ambos acompanharam Francesco Bianchini (1662–1729), astrónomo e membro proeminente da corte papal, numa das suas observações dos satélites de Júpiter. No entanto, as necessidades de formação no que diz respeito às observações astronómicas seriam sobretudo colmatadas no Colégio Romano, a escola de elite e a referência modelar do sistema de ensino jesuíta. Depois do papel fulcral do germânico Christophorus Clavius (1538–1612) no estabelecimento de uma tradição de ensino matemático em toda a rede de colégios da Companhia, a própria cátedra de matemática do Colégio Romano seria ocupada por professores com diversas competências e inclinações. Aparentemente, a existência formal da Academia Matemática do Colégio não sobreviveu muito tempo à morte do seu fundador e principal impulsionador. Segundo Ugo Baldini, Orazio Borgondio (1675–1740) foi o professor que, embora sem o conseguir completamente, restaurou definitivamente o vigor do ensino matemático no século XVIII depois do declínio do nível técnico verificado no final do século anterior. Borgondio, que ocupou a cátedra de matemática entre 1712 e 1740, é sobretudo conhecido como mestre e antecessor do notável filósofo natural Ruggero Boscovich (1711–1787). Mas Borgondio teve muitos outros discípulos e entre eles, ao que tudo indica, Giovanni Battista Carbone e Domenico Capacci.

Carbone e Capacci chegaram a Lisboa em Setembro de 1722 tendo sido bem acolhidos na corte e recebidos em audiência pelo rei. Até ao fim da década de 1720 Carbone tornou-se um cortesão influente, matemático régio e preceptor de matemática do príncipe D. José (futuro rei D. José I) e de italiano e geografia de D. Bárbara de Bragança (futura rainha de Espanha). Esse foi também um período de intensa atividade no domínio da astronomia geográfica, onde procurou determinar as coordenadas do reino com um elevado rigor, usando métodos astronómicos e os melhores instrumentos disponíveis na época. Efetivamente, com o suporte da pequena mas fiel rede de diplomatas e agentes da coroa foram encomendados e adquiridos alguns dos melhores instrumentos matemáticos e óticos disponíveis em Londres, Paris e Roma. Entre outros foram comprados telescópios de Giuseppe Campani (1635–1715), pêndulas de George Graham (1673–1751), um micrómetro de nova invenção manufacturado por Étienne Jean Lefebvre (m. 1753), e até um quadrante astronómico com um dispositivo imaginado por Orazio Borgondio, que permitia leituras angulares até ao segundo de grau. Carbone manteve correspondência regular com astrónomos influentes da época, com os quais trocou informação técnica e observações, nomeadamente com Francesco Bianchini, em Roma, Antoine-François Laval (1664–1728), em Toulon, e Samuel Molyneux (1689–1728), em Londres. 

Seguindo ordens de D. João V dois observatórios, ou estações de observação, foram criados em Lisboa por Carbone e Capacci: um no palácio Real de Ribeira, outra no Colégio de Santo Antão-o-Novo. As datas da fundação são incertas. Provavelmente as primeiras observações não usaram estruturas permanentes e, como notou Roger Hahn, a palavra “observatório” foi usada com ambiguidade durante o Iluminismo, por vezes referindo-se apenas a um local onde instrumentos portáteis podiam ser instalados. Por exemplo, em Maio de 1724 foi observado em Lisboa um eclipse solar. Carbone, D. João V e elementos do seu entourage observaram o fenómeno nos limites da cidade, enquanto Capacci se deslocou a Sintra para registar o eclipse, visível no ocidente da península Ibérica ao pôr-do-Sol.

Indiciando projetos mais ambiciosos para a astronomia em Lisboa, no Verão de 1724 foi lançado um inquérito diplomático com o objetivo de obter descrições, plantas e desenhos dos principais observatórios astronómicos europeus, a que os diplomatas portugueses responderam diligentemente. Todavia, um observatório permanente, ou Especula, composto por várias casas de madeira e colocado sob a responsabilidade de Carbone, só seria edificado por volta de 1739, num dos terraços da igreja do Colégio de Santo Antão. 

A participação eficiente de Carbone na rede diplomática portuguesa—a sua própria rede de correspondentes, onde se incluíam as importantes redes epistolares da Companhia de Jesus—resultou na publicação das observações realizadas em Lisboa nos mais importantes periódicos científicos: Philosophical TransactionsHistoire de l’Académie royale des sciences avec les mémoires de mathématique et de physiqueActa EruditorumCommentarii Academiae Scientiarum Imperialis Petropolitanae. James Bradley (1693–1762), professor de astronomia em Oxford e mais tarde Astrónomo Real, foi um dos observadores que usou os dados recolhidos em Lisboa para determinar a longitude de outros pontos da Terra. No caso de Bradley foram as longitudes de Nova Iorque e Londres as calculadas por comparação com os tempos de fenómenos astronómicos observados simultaneamente em Lisboa—resultado que seria publicado nas Philosophical Transactions. Culminando uma década de grande atividade, em 6 de Novembro de 1729 carbone foi eleito Fellow da Royal Society, tornando-se assim no primeiro jesuíta eleito para a agremiação Londrina.

Em Novembro de 1729 Domenico Capacci e Diogo Soares (1684–1748) partiram para o Brasil, onde chegariam no início do ano seguinte, desenvolvendo aí uma ativa missão cartográfica, na costa e no sertão da região meridional. Do seu labor, por vezes em condições climáticas particularmente adversas, resultaram dezenas de cartas geográficas da América Portuguesa e a determinação de centenas de latitudes—sendo que as longitudes raramente foram registadas explicitamente.

João Baptista Carbone ficou na corte, como assistente do rei, atendendo a numerosas solicitações e encargos da administração do Estado. Entre as várias tarefas de que foi incumbido estiveram os pagamentos das obras do convento-palácio-basílica de Mafra, correspondência diversa com vários pontos do Império, da América Portuguesa ao Oriente, e, a partir de 1736, a correspondência diplomática com Roma.

No último ano de vida João Baptista Carbone foi reitor do Colégio de Santo Antão-o-Novo, responsabilidade que acumulou com os «infinitos negócios» de que estava encarregue na corte. A nomeação para o reitorado desagradou-lhe por já se encontrar imerso em tantos papéis e afazeres, embora tenha apreciado a decisão porque, deste modo, era considerado e tratado como português e não como estrangeiro. Carbone morreu a 5 de abril de 1750, cerca de quatro meses antes da morte de D. João V. Ficou sepultado na igreja do Colégio de Santo Antão—Colégio que fora a sua residência desde 1722—em cerimónias fúnebres muito concorridas pela nobreza da corte, por religiosos de todas as ordens e pelo povo. O acontecimento foi relatado em várias páginas na Gazeta de Lisboa, que habitualmente não dedicava muito espaço aos acontecimentos nacionais, e uma versão abreviada seria publicada no Mercure de France. Como defendeu Daryl Alden, João Baptista Carbone tinha-se tornado no mais respeitado e influente jesuíta do reino.

Luís Tirapicos

Arquivos

Roma, Biblioteca Valliceliana

Fundo Bianchini

Ms. U 16: 348-356, 359-387, 400-418

Ms. U 21: 109-114

Ms. S 82: 97-99, 102-104, 111-113, 135, 137-138, 152-154, 161-165, 169-171, 191-197, 200-202, 204-207, 252-259

Ms. U 23: 153-155, 157-161, 163r, 169-180, 182-187r, 202-208

Ms. U 24: 48r, 140-148, 150-153r, 277r, 280r, 282r

Ms. U 43: 78, 80-83r

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Cartório dos Jesuítas 

Maço 78

Lisboa, Biblioteca da Ajuda

Ms. 49-VIII-39

Ms. 49-VIII-40

Ms. 49-VIII-41

Ms. 49-IX-1

Ms. 51-X-31

Ms. 51-X-32

Ms. 52-XI-7, nºs 68-70 

Ms. 54-X-30, nº 269

Obras 

Carbone, J. B., Capassi, D. (s/d) Observatio Lunaris Eclipsis Habita Ulyssipone in Palatio Régio Die I. Novembris 1724. A’ PP. Joanne Baptista Carbone, et Dominico Capasso Soc. Jesu.

Carbone, J. B. (s/d) Observationes astronomicae habitae Ulissypone [observações de 1725 e 1726].

Bibliografia sobre o biografado

Almeida, André Ferrand de. A formação do espaço brasileiro e o projecto do novo Atlas da América Portuguesa. Lisboa: Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 2001.

Cardoso, Bernardino Ferreira. O P.e João Baptista Carbone, S.J. na Corte do Magnânimo – Subsídios para uma história diplomática no reinado de D. João V. Dissertação de licenciatura, Universidade de Lisboa, 1956.

Carvalho, Rómulo de. A Astronomia em Portugal no Século XVIII. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1985.

Tirapicos, Luís. “Ciência e diplomacia na corte de D. João V: a ação de João Baptista Carbone, 1722–1750.” Dissertação de doutoramento, Universidade de Lisboa, 2017.

Tirapicos, Luís. “Instruments and Astronomical Observations at the Jesuit College of Santo Antão-o-Novo, 1722-1759.”In History of Astronomy in Portugal. Institutions, Theories, Practices, ed. Luís Saraiva, 65–84. Porto: Sociedade Portuguesa de Astronomia, 2014.

Corvo, João de Andrade

Torres Novas, 30 janeiro 1824 — Lisboa, 15 fevereiro 1890

Palavras-chave: Regeneração, agricultura, política colonial, diplomacia.

DOI: https://doi.org/10.58277/GSUG8135

João de Andrade Corvo foi uma personalidade interventiva no meio político português da segunda metade do século XIX. Ainda que seja mais conhecido devido ao impulsionamento de uma nova política colonial em África, desempenhou ainda um papel relevante enquanto diplomata e contribuiu para a modernização agrícola de Portugal e para o ordenamento do território. Quer através da divulgação científica, do leccionamento de disciplinas científicas em instituições de ensino superior, ou do estudo de problemas agrícolas concretos, defendeu o potencial da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento do país, aderindo à Regeneração e ao projeto político de Fontes Pereira de Melo.

Andrade Corvo nasceu em Torres Novas, a 30 de Janeiro de 1824, no seio de uma família de proprietários rurais partidários do absolutismo. O seu pai, um oficial de cavalaria, combateu ao serviço de D. Miguel durante as Guerras Liberais. Os excessos que o jovem Andrade Corvo presenciou neste período conturbado impressionaram-no ao ponto de repudiar as posições políticas da sua família, aderindo ao liberalismo e enfatizando, até ao final da vida, a importância da diplomacia para a manutenção da paz. 

Em 1834, após o fim das Guerras Liberais, a família de Andrade Corvo mudou-se para Lisboa. A educação do jovem foi tomada a cargo do seu tio materno, o general Nuno Augusto de Brito Taborda, que se afastara da esfera política na sequência da instauração do regime liberal. Andrade Corvo foi direcionado para uma carreira militar, tendo frequentado o Colégio Militar e, desde os 15 anos, a então recentemente criada Escola Politécnica de Lisboa, uma instituição predominantemente dedicada ao ensino técnico-científico. Concluiu os estudos na Escola do Exército, formando-se em Engenharia Militar. Até ao início da década de 1850, dedicou ainda o seu tempo livre às artes literárias, escrevendo peças de teatro e um romance.

À semelhança de outros liberais da época influenciados por doutrinas saint-simonistas, Andrade Corvo defendia que o desenvolvimento material do país dependia fortemente da ação de especialistas que, tal como ele, dominassem conhecimentos técnico-científicos. Entre 1848 e 1851, disseminou estas ideias em periódicos como A Época e O Ateneu, onde também argumentou que a reforma da administração pública e a liberalização da economia constituíam medidas importantes para a consolidação de um regime liberal incipiente.

Com a instauração da nova cultura política da Regeneração, no início da década de 1850, e a presença de Fontes Pereira de Melo no governo, os projectos saint-simonistas apoiados por Andrade Corvo começaram a ser concretizados. O facto de pertencer ao quadro docente da Escola Politécnica, desde que venceu o concurso para lente substituto da cadeira de botânica e agricultura em 1844, com apenas vinte anos, permitiram-lhe tornar-se um perito nestas matérias, apesar de não ser inicialmente um especialista em botânica ou agronomia. A necessidade de resolver problemas agrícolas com impacto económico para o país facilitou a sua nomeação em cargos onde pôde implementar algumas das medidas que defendera. Simultaneamente, a sua ligação profissional a José Maria Grande, lente proprietário de botânica e parlamentar já com um percurso político traçado, conduziu à sua aproximação aos círculos políticos da época.

As contribuições científicas mais importantes de Andrade Corvo resultaram da análise de questões agrícolas, o sector económico de maior relevo para o Portugal da época. Em 1853, estudou a praga de oídio que dizimava as vinhas madeirenses, por incumbência da Academia das Ciências de Lisboa, e em 1859 avaliou a influência dos arrozais na saúde pública, fazendo parte de uma comissão criada por Fontes Pereira de Melo, à data ministro do reino.

Além de lecionar na Escola Politécnica, acumulou funções docentes no Instituto Agrícola de Lisboa, a primeira escola técnica agrícola de nível superior no país, e que era dirigida, desde a sua fundação em 1852, pelo seu colega Grande. Esta posição permitiu-lhe contribuir para a melhoria da instrução da população, o que considerava fundamental para a modernização agrícola do país.  Para este fim, aquando da sua presença na Exposição Universal de Paris de 1855, adquiriu instrumentos agrícolas modernos que mais se poderiam adequar à realidade nacional, para uso pedagógico no Instituto Agrícola.

O reconhecimento das suas qualidades no ordenamento do território agrícola, bem como o seu envolvimento crescente na política nacional, conduziram à eleição de Andrade Corvo como deputado pelo Partido Regenerador, em 1865. No ano seguinte, a aceitação do cargo de ministro das obras públicas, comércio e indústria colocou-o num lugar privilegiado para implementar reformas que vinha defendendo há anos, como a drenagem de terrenos pantanosos para reconversão agrícola e a extensão do caminho-de-ferro. Contudo, esta passagem foi breve, devido à revolta de 1 de janeiro de 1868, que precipitou a queda do governo.

Andrade Corvo nunca deixou de contribuir para a modernização agrícola do país, tendo publicado obras de divulgação de boas práticas em anos subsequentes, com destaque para a Biblioteca de Agricultura e Ciências. Contudo, a partir do final da década de 1860, a sua atenção concentrou-se na política externa do país. Andrade Corvo temia que os movimentos políticos de unificação, bem-sucedidos em Itália e na Prússia, atingissem Portugal, pois a deposição da rainha Isabel II de Espanha, em 1868, permitira a ascensão de elites favoráveis à unificação ibérica. Tal como a maioria das elites portuguesas, Andrade Corvo receava que a união das duas coroas se traduzisse na subjugação política de Portugal face a Espanha. Para frustrar estes planos, foi enviado na qualidade de ministro plenipotenciário a Madrid, entre 1869 e 1870, tendo sido bem-sucedido.

Os receios de Andrade Corvo, porém, não se limitavam a uma eventual união ibérica. Na sua opinião, o reduzido peso político de Portugal face a outros estados europeus mais prósperos e extensos punha em causa a sua sobrevivência enquanto nação independente. Assim, propôs uma nova política externa para o país, baseada na formação de alianças políticas e na assinatura de tratados de comércio aptos a sustentar uma rede internacional de boas relações. A economia e a diplomacia deveriam concorrer para evitar a todo o custo um eventual conflito armado que pusesse em causa a soberania nacional. Em 1871, com o apoio político de um novo governo formado pelo Partido Regenerador, Andrade Corvo tornou-se ministro dos negócios estrangeiros e procurou implementar este plano.

Ao longo do seu mandato, desentendimentos diplomáticos com a Grã-Bretanha relativamente à posse e privilégios sobre territórios ultramarinos  , levaram a que Andrade Corvo dedicasse particular atenção à política colonial. Ainda que as suas negociações com diplomatas britânicos tenham sido bem-sucedidas até 1875, sendo respeitada a prioridade histórica de Portugal, era claro que esta seria rapidamente invalidada caso uma potência rival ocupasse efetivamente territórios reivindicados, mas na realidade com uma presença portuguesa irrisória. Pressionado por um número crescente de vozes que exigiam a adoção de políticas expansionistas em solo ultramarino, criou a Comissão Central Permanente de Geografia no Ministério da Marinha e Ultramar, durante um dos períodos em que acumulou a sua direção, entre 1875 e 1878. Através deste organismo, aplicou a política fontista de construção de vias de comunicação, já iniciada em Portugal, ao espaço colonial, destacando equipas de engenheiros, em 1877, para a concretização de obras projetadas para Angola e Moçambique. No mesmo ano, enviou ainda uma expedição científica liderada por Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, no intuito de cartografar a geografia de Angola e identificar possíveis vias de comunicação com o interior. Simultaneamente, prosseguiu com a negociação de tratados liberalizadores do comércio colonial, sobretudo com a Grã-Bretanha, tentando obter em contrapartida investimentos em projetos de engenharia nas colónias. As iniciativas ficaram aquém dos seus objetivos: apenas conseguiu concluir um tratado para a construção de um caminho-de-ferro de Mormugão (Goa) até à Índia britânica, não tendo seguimento a construção de linhas em Angola e Moçambique. Além disso, foi duramente criticado pela concessão da região da Zambézia (Moçambique) ao militar Paiva de Andrada, que pretendia formar uma companhia de exploração de recursos naturais com capitais estrangeiros, o que era entendido como um ataque à soberania portuguesa. Em 1879, na sequência da queda do governo regenerador, Andrade Corvo foi afastado de cargos ministeriais. Apesar disso, continuou a defender os interesses coloniais portugueses na década seguinte, publicando estudos que pudessem auxiliar a organização de uma política colonial realista e consistente.

Em 1881, iniciou uma carreira diplomática enquanto ministro plenipotenciário em Madrid e, dois anos depois, em Paris. Tornou-se um dos principais conselheiros do seu colega da Escola Politécnica de Lisboa, José Vicente Barbosa du Bocage, quando este ocupou a pasta dos negócios estrangeiros de um novo governo regenerador, entre 1883 e 1886, para resolver a partilha colonial do Congo entre França, Portugal e Bélgica. Andrade Corvo desempenhou um papel importante por ocasião da Conferência de Berlim (1884–1885), servindo de interlocutor junto do governo francês, tendo ainda negociado e concluído um tratado de definição dos limites entre zonas de soberania francesa e portuguesa na Guiné e no Baixo Congo, em 1886. Terminada a missão, regressou a Portugal. 

Ponderado e crente no poder da ciência e da tecnologia para a modernização de Portugal, Andrade Corvo foi um patriota avesso a extremismos políticos e um defensor convicto do liberalismo, tendo desempenhado um papel importante na organização de uma nova política expansionista em África e na defesa dos interesses coloniais portugueses. Faleceu em Fevereiro de 1890, em Lisboa, sem assistir à resolução do conflito diplomático desencadeado pelo ultimato britânico a Portugal.

Daniel Gamito-Marques

Arquivo

Biblioteca Nacional: Arquivo Andrade Corvo.
Instituto Diplomático: Arquivo Pessoal João de Andrade Corvo.

Obras

Corvo, João de Andrade. Botânica elementar escrita para uso dos alunos da Introdução à História Natural. Lisboa: Tipografia da Revista Universal Lisbonense, 1850.

Corvo, João de Andrade. Memórias sobre as ilhas da Madeira e Porto-Santo. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1854.

Corvo, João de Andrade. Relatório sobre a Exposição Universal de Paris. Agricultura. Lisboa: Imprensa Nacional, 1857.

Corvo, João de Andrade. “Estudos económicos e higiénicos sobre os arrozais.” In Relatório sobre a Cultura do Arroz em Portugal e sua Influência na Saúde Pública, coordenado por Manuel José Ribeiro, Sebastião Betâmio de Almeida, e João de Andrade Corvo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1860.

Corvo, João de Andrade. A instrução pública: discurso pronunciado nas sessões de 9, 10 e 11 de Abril de 1866. Lisboa, Tipografia Franco-Portuguesa, 1866.

Corvo, João de Andrade. Memória sobre os processos de vinificação empregados nos principais centros vinhateiros do continente do Reino. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

Corvo, João de Andrade. Conferências Agrícolas. Volume I: Conferência feita na Real Associação Central da Agricultura Portuguesa. Lisboa: Tipografia Universal, 1867.

Corvo, João de Andrade. Perigos. Lisboa: Tipografia Universal, 1870.

Corvo, João de Andrade. e António Augusto de Aguiar. O livro do lavrador. Lisboa: Tipografia Universal, 1873.

Corvo, João de Andrade. Relatório e documentos sobre a abolição da emigração de chinas contratados em Macau.Lisboa: Imprensa Nacional, 1874.

Corvo, João de Andrade. Algumas palavras acerca do estado geral das nossas terras em 1875. Lisboa: Minerva, 1875.

Corvo, João de Andrade. A Agricultura e a Natureza. Lisboa: Empresa Comercial e Industrial Agrícola, 1880.

Corvo, João de Andrade. Física popular. Lisboa: Empresa Comercial e Industrial Agrícola, 1881.

Corvo, João de Andrade. Química popular. Lisboa: Empresa Comercial e Industrial Agrícola, 1881.

Corvo, João de Andrade. Da água para as regas. Lisboa: Lallemant Frères, 1881.

Corvo, João de Andrade. Economia política para todos. Lisboa: Empresa Comercial e Industrial Agrícola, 1881.

Corvo, João de Andrade. Estudos sobre as províncias ultramarinas. 4 vols. Lisboa: Tipografia da Academia Real das Ciências, 1883-7.

Corvo, João de Andrade. Os motores na indústria e na agricultura. Lisboa: Empresa Comercial e Industrial Agrícola, 1883.

Bibliografia sobre o biografado

Palmeirim, Luís Augusto. “João d’Andrade Corvo.” Revista Contemporânea de Portugal e Brasil 2 (6) (1860): 242–254.

Alexandre, Valentim. “CORVO, João de Andrade (1824–1890).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834–1910. Volume 1, ed. Maria Filomena Mónica, 841–843. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais e Assembleia da República, 2005.

Gamito-Marques, Daniel. “Defending metropolitan identity through colonial politics: The role of Portuguese naturalists (1870–91).” History of Science 56 (2) (2018): 224–253.