Teixeira, Carlos

Aboim, Fafe, 23 outubro 1910 — Lisboa, 7 junho 1982

Palavras-chave: Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, escola de investigação, cartografia geológica.

DOI: https://doi.org/10.58277/LKGQ1507

Carlos Teixeira era filho de Joaquina Teixeira de Magalhães, solteira, e de pai desconhecido. Crê-se, no entanto, que o pai terá sido um padre amigo do seu tio José Teixeira, também ele padre, e que, durante algum tempo, se hospedou em casa da família. Carlos Teixeira cresceu numa família de lavradores com poucas posses, tendo os seus dois tios maternos, José e Manuel Teixeira, sido fundamentais na sua educação, tanto do ponto de vista material como espiritual.

Os primeiros anos da vida de Carlos Teixeira foram passados no campo, em São Pedro, freguesia de Rossas, concelho de Vieira do Minho, circunstância que terá sido responsável pelo seu apego à terra e amor à Natureza. Chegado à idade escolar, foi levado pelo seu tio padre para Casas Novas, Redondelo, no concelho de Chaves, onde complementou a frequência da escola primária com o ensino ministrado, em casa, pelo tio. Entre 1922 e 1929, frequentou o liceu, primeiro em Chaves e, depois, em Braga.

Carlos Teixeira tinha a intenção de cursar Medicina na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) mas acabou por optar pela licenciatura em Ciências Histórico-Naturais, decisão ditada pela falta de dinheiro: uma licenciatura mais breve era menos dispendiosa. A difícil situação financeira de Carlos Teixeira enquanto estudante, levou-o a trabalhar como perfeito em dois colégios do Porto a fim de suportar os custos do ensino universitário. Carlos Teixeira ingressou na FCUP no ano lectivo de 1929/1930 e terminou a licenciatura em 1933, com quinze (15) valores. No mesmo ano, foi convidado por Gonçalo António da Silva Ferreira Sampaio (1865–1937)—que tinha sido seu professor e com quem obteve uma boa classificação—para assistente extraordinário de Botânica na mesma Faculdade. Simultaneamente, cursou Ciências Pedagógicas na Universidade de Coimbra e deu aulas no Liceu de Braga.

O final da licenciatura coincidiu com a provável integração de Carlos Teixeira na escola de investigação liderada por António Augusto Esteves Mendes Correia (1888–1960) no Instituto de Antropologia da FCUP, por ele fundado e dirigido. Mendes Correia era então professor catedrático do 1º grupo, Mineralogia e Geologia, da 3ª secção, Ciências Histórico-Naturais, da FCUP e, até 1936, dirigiu, igualmente, o Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico (MLMG). Mendes Correia foi professor de Carlos Teixeira nas cadeiras de Geologia, Geografia Física, Paleontologia e Antropologia. A influência de Mendes Correia revelou-se decisiva no modo como Teixeira encarava o conhecimento e a prática científica e é provável que lhe tenha servido de modelo quando criou a sua própria escola de investigação em geologia na década de 1950.

Em 1937, Carlos Teixeira foi contratado como naturalista do MLMG, circunstância que determinou que a sua vida científica e profissional acabasse por ser dedicada à geologia. O próprio, aliás, sempre atribuiu esta circunstância à influência de João Carrington Simões da Costa (1891–1982) e Domingos José Rosas da Silva (1896–1967), ambos professores de geologia na FCUP, tendo o primeiro precedido Teixeira no cargo de naturalista no MLMG. Entretanto, Carlos Teixeira iniciou a preparação de uma tese de doutoramento dedicada ao Carbónico de Portugal, tendo estagiado no Instituto Geológico da Universidade de Lille, França, em 1938, na qualidade de bolseiro do Instituto para a Alta Cultura (IAC).

Em Lille, Teixeira trabalhou com os especialistas do Paleozóico superior Paul Bertrand (1879–1944), Pierre Pruvost (1890–1967) e Paul Corsin (1904–1983). A sua situação de bolseiro deu-lhe a oportunidade de, por um lado, contactar de modo continuado, pela primeira vez, com a prática científica em vários países estrangeiro — França mas também Bélgica e Suíça — e, por outro, de travar conhecimento com algumas figuras ligadas ao meio científico português e que, tal como ele, eram bolseiros do IAC. Em Paris, conheceu os geógrafos António de Medeiros Gouveia (1900–1972) e Orlando Ribeiro (1911–1997), com quem acabaria por desenvolver, de regresso a Portugal, relações de trabalho e amizade. Foi igualmente em Paris que conheceu o geólogo francês Georges Zbyszewski (1909–1999), que, em 1940, se estabeleceu em Portugal como geólogo dos Serviços Geológicos (SG), de quem se tornou igualmente amigo e com quem manteve uma significativa colaboração científica.

De regresso a Portugal, Carlos Teixeira integrou o grupo de geólogos que, a partir da segunda metade da década de 1930, foi responsável por um período de intensa actividade científica na FCUP. Foi neste contexto que, em 1940, Carrington da Costa, Carlos Teixeira e João Manuel Cotelo Neiva (1917–20) criaram a Sociedade Geológica de Portugal.

Carlos Teixeira obteve o doutoramento pela FCUP em 1944, o mesmo ano em que se tornou colaborador oficial dos SG. Carlos Teixeira continuou a ocupar o lugar de naturalista do MLGM até 1946, mas, neste ano, deixou a FCUP, ingressando como 1º assistente de geologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Em 1948, realizou as provas de agregação e, em 1950, ascendeu a professor catedrático. 

Geólogo de campo por excelência, Carlos Teixeira foi o principal responsável pela introdução da prática de campo sistemática na licenciatura em Ciências Geológicas—a partir de 1964, licenciatura em Geologia—da FCUL. 

Todavia, a sua iniciação na prática da Geologia em contexto académico não terá sido diferente da que era habitual, na época, em Portugal: o trabalho de gabinete, concretamente, no caso de Teixeira, o trabalho de gabinete enquanto naturalista de MLMG. É preciso recuar aos anos da licenciatura em Ciências Histórico-Naturais para detectar o rasto das primeiras saídas de campo de Teixeira, realizadas sob orientação de Rui de Serpa Pinto (1907–1933), licenciado em Matemática e Engenharia Civil que acabou por se dedicar à investigação em Antropologia, Arqueologia e Geologia e que, em 1930, se tornou assistente do grupo de Mineralogia e Geologia da FCUP. Mais tarde, durante a preparação do doutoramento, a estadia de Teixeira no Instituto Geológico de Lille ter-se-á revelado fundamental, uma vez que a instituição era reconhecida enquanto escola de formação em trabalho de campo. De regresso a Portugal, a colaboração científica com os SG, em particular com o geólogo Georges Zbyszewski e com os colectores da instituição, poderá ser entendida como uma derradeira etapa na formação de Carlos Teixeira enquanto geólogo de campo.

Carlos Teixeira foi o líder daquela que terá sido a primeira escola de investigação em geologia existente em Portugal, criada pelo IAC, em 1956, no Centro de Estudos de Geologia Pura e Aplicada sediado na mesma Faculdade. Foi desta escola que saíram alguns dos mais significativos geólogos portugueses da segunda metade do século XX, muitos dos quais, como os próprios reconheceram, tiveram como mestre Carlos Teixeira. Foi o caso, por exemplo, de Francisco Gonçalves (1926–1997), João José Cardoso Pais (1949–2016), António Marcos Galopim de Carvalho (1931) ou Rogério Eduardo Bordalo da Rocha (1941).

Teixeira foi um líder carismático, que exerceu uma liderança forte e efetiva, a raiar, por vezes, o autoritarismo. A par da sua indiscutível competência científica, o significativo poder institucional de Carlos Teixeira permitiu-lhe a obtenção de bolsas e a colocação de discípulos em diversas instituições ligadas à Geologia, com destaque para as universidades e os SG, onde era colaborador científico desde 1944. A liberdade de movimentos de Teixeira nesta instituição era de tal modo significativa que, durante as décadas de 1960 e 1970, os SG funcionaram como uma escola prática de geologia, extensão da escola de investigação da FCUL, que não possuía os recursos humanos e materiais adequados à prossecução de trabalho de campo. A existência desta escola prática nos SG permitiu o estreitamento e a consolidação de relações entre a instituição e a FCUL que se mantiveram durante muito tempo.

A Revolução de Abril de 1974 trouxe mudanças radicais e abruptas no quotidiano universitário. O poder significativo de que Carlos Teixeira tinha disfrutado durante o regime ditatorial conduziu a uma situação de confronto com a nova academia, levando Teixeira, que se considerava injustiçado, a afastar-se da FCUL.

Para além do desenvolvimento da sua carreira como professor na FCUL, Carlos Teixeira desempenhou um papel relevante em instituições que, de algum modo, contemplavam algum tipo de atividade geológica. Foi o caso da Junta de Investigações do Ultramar (JIU), onde foi vogal e chefiou o Laboratório de Estudos Petrológicos e Paleontológicos, e da Junta de Energia Nuclear (JEN), onde foi igualmente vogal e consultor científico, tendo acompanhado os levantamentos geológicos de áreas com mineralizações de urânio em Portugal continental. Teixeira desempenhou ainda o papel de consultor benévolo em diversas outras instituições públicas.

A detenção destes cargos e posições devem-se, em grande parte, às relações que mantinha com personalidades que detiveram alguma relevância institucional e política durante o Estado Novo, com destaque para Carrington da Costa e Mendes Correia. Deve-se, certamente, a Carrington da Costa as funções que Teixeira desempenhou na JEN e na JIU, uma vez que o primeiro desempenhou cargos executivos em ambas as instituições. Se o percurso científico e profissional destes três homens se começou a cruzar na FCUP, na década de 1930, entre eles acabaram por se estabelecer relações de grande proximidade e afinidade: começaram por ser mestre/aluno e colegas e acabaram por se tornar amigos.

Da obra científica de Carlos Teixeira constam quase quinhentos trabalhos, dedicados não apenas à geologia de Portugal continental, mas também à das antigas possessões coloniais portuguesas.

Todavia, os primeiros trabalhos científicos de Teixeira, que datam de 1934, são dedicados à arqueologia, antropologia e etnologia, encontrando-se relacionados com a sua integração na escola de investigação liderada por Mendes Correia. Até ao final da década de 1930, e ainda durante o ano de 1940, Teixeira continuou a publicar, preferencialmente, nestas áreas; de facto, o seu interesse pelas mesmas acompanhou-o ao longo da vida.

Foi apenas em 1937, quando se tornou naturalista do MLMG, que Carlos Teixeira publicou os primeiros artigos científicos no âmbito da geologia, mais especificamente, da paleobotânica. O primeiro, no Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Lisboa, é dedicado ao estudo de musgos do Carbónico português; o segundo, sobre o Estefaniano do Norte de Portugal, surge, em francês, no Bulletin de la Société Portugaise des Sciences Naturelles. As temáticas abordadas estão directamente relacionadas com a preparação da sua tese de doutoramento com o título O Antracolítico Continental Português (Estratigrafia-Tectónica).

Apesar de, inicialmente, Teixeira se ter centrado no estudo de formações geológicas anteriores ao Mesozóico—com destaque para as pertencentes ao Carbónico continental—no decorrer da sua carreira científica e profissional acabou por dedicar-se ao estudo de formações de, praticamente, todas as idades. Por outro lado, a sua investigação passou também a abarcar diversas áreas da geologia. Muitos dos seus trabalhos possuem um carácter global e abrangente, constituindo-se como verdadeiros estudos de geologia regional. Pode dizer-se que o trabalho de Carlos Teixeira—e de grande parte dos geólogos portugueses até ao último quartel do século XX—se caracterizou por uma visão global e generalista da geologia, eminentemente descritiva e, à primeira vista, baseada em pressupostos teóricos cuja aceitação em contexto nacional não foi, regra geral, problematizada. Esta visão encontrou a sua expressão máxima na realização da cartografia geológica e nos estudos de geologia regional a ela associados.

A colaboração de Carlos Teixeira com os SG permitiu-lhe a autoria ou co-autoria de uma parte significativa das folhas da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50 000. Em 1972, foi o principal responsável pela 4ª edição da Carta Geológica de Portugal Continental na escala 1:500 000 e participou na construção e publicação das cartas geológicas do Noroeste e do Sudoeste peninsulares, resultantes de extenso trabalho conjunto com geólogos espanhóis. O estabelecimento e desenvolvimento de relações de trabalho com cientistas estrangeiros foram, aliás, uma das marcas da atividade científica e profissional de Carlos Teixeira.

Carlos Teixeira teve ainda uma importância fundamental na defesa e desenvolvimento da geologia em Portugal. Enquanto co-fundador da Sociedade Geológica de Portugal, que foi estabelecida com o objectivo de promover o reconhecimento científico e social da geologia e dos geólogos, Teixeira desenvolveu uma extensa atividade que encontrou expressão em diversas publicações e comunicações orais. O seu empenhamento na defesa da geologia e do papel dos geólogos na sociedade portuguesa extravasou o âmbito restrito da comunidade científica, adquirindo uma acentuada vertente pública, uma vez que o geólogo escreveu sobre este assunto em diversos periódicos.

Carlos Teixeira foi sócio da Sociedade Geológica de França desde cerca de 1940, onde chegou a desempenhar as funções de vice-presidente. Em 1952, tornou-se sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa e, em 1960, sócio efetivo, substituindo Mendes Correia na secção de Ciências Histórico-Naturais. Em 1955, foi eleito sócio correspondente da Real Academia de Ciências Exactas, Físicas e Naturais de Madrid. No início da década de 1950, foi responsável pela inscrição de Portugal na International Union of Geological Sciences (IUGS) e, a partir de então, passou a representar Portugal em diversos encontros científicos internacionais, nomeadamente nas sessões do Congresso Internacional de Geologia realizadas em Copenhaga, em 1964, e em Praga, em 1968

A imagem usufruída por Carlos Teixeira entre os geólogos portugueses, foi construída e perpetuada tanto pelos seus discípulos e amigos mais próximos, como pelos seus críticos. É uma imagem dúplice mas nem por isso contraditória e que hoje integra a ‘mitologia’ fundadora da comunidade geológica. Após a sua morte, e juntamente com os pioneiros da ‘época de ouro’ da geologia, Carlos Ribeiro (1814–1882), Nery Delgado (1835–1908) e Paul Choffat (1849–1919), Teixeira passou a ser considerado um dos ‘pais fundadores’ da geologia em Portugal.

Carlos Teixeira parece ter sido o geólogo de campo por excelência, conhecedor ímpar da geologia de todo o país, observador invulgar com uma memória visual fora do comum; os próprios cadernos de campo ser-lhe-iam praticamente dispensáveis. Durante o trabalho de campo, mostrava-se insensível às horas, ao frio e ao cansaço, ao calor e à chuva. A expressão ‘um geólogo não é solúvel’, repetida de geração em geração por geólogos seniores aos seus discípulos durante as primeiras saídas de campo, é-lhe atribuída.

Solteiro, praticamente sem família, Teixeira representa o estereótipo do ‘cientista sacerdote’ que renunciou aos aspetos mais mundanos da vida para se dedicar totalmente à ciência, sacrificando-se tanto do ponto de vista pessoal como material. Este último aspecto é vincado pelo testemunho da sua prodigalidade e desapego material, de que beneficiaram amigos, colegas e alunos. Personalidade forte, de carácter vincado, somam-se as qualidades de carácter: lutador, abnegado, solidário, leal, amigo do seu amigo.

Mas Carlos Teixeira é igualmente retratado como um homem de natureza difícil, autoritário, dado a zangas e humores, por vezes mesmo rancoroso, e com quem se tornava difícil conviver. Usava o prestígio e a influência de que desfrutava para satisfazer os seus interesses mas mesmo os seus críticos reconhecem que esses interesses diziam mais respeito à comunidade geológica portuguesa do que a objectivos pessoais. Na verdade, durante toda a vida, Teixeira lutou intensamente pela valorização da geologia e pela dignificação da profissão de geólogo na sociedade portuguesa.

Só é possível compreender a personalidade de Carlos Teixeira se contextualizarmos histórica e socialmente as suas ações, as suas opções científicas e profissionais, as suas idiossincrasias. Mas a sua imagem, construída e perpetuada ao longo dos anos pela comunidade geológica, não deve ser negligenciada; de outra forma, arriscamo-nos a obter uma imagem distorcida do homem e do cientista e a perpetuar ‘estórias’ e anedotas.

Há assim dois aspectos que se afiguram fundamentais na compreensão de Carlos Teixeira. Por um lado, a importância institucional e a notoriedade científica que adquiriu resultaram não só à sua inquestionável competência científica como das relações de proximidade que manteve com algumas personalidades ligadas ao Estado Novo, algumas delas ainda por reconhecer plenamente. Apesar de um não comprometimento político objectivo com a ditadura, Teixeira soube aproveitar o carácter nacionalista do regime para fazer valer os seus interesses e os da comunidade geológica em geral, que por vezes se confundiam.

Por outro, é significativa a importância que o cruzamento de valores católicos e republicanos desempenhou na formação do carácter de Carlos Teixeira. A infância num meio rural pobre, intrinsecamente rude e agreste, marcada pela ausência da figura paterna e em que a presença dos tios, um dos quais padre, se afigura determinante, cruza-se com a interiorização de valores republicanos durante a experiência universitária. Como mostram diversos testemunhos deixados pelo próprio Carlos Teixeira, as suas palavras ecoam as dos mestres Mendes Correia e Carrington da Costa, ambos republicanos, as quais enaltecem o professor universitário não apenas enquanto transmissor de conhecimentos mas também, e sobretudo, enquanto investigador original e cientista comprometido com questões intelectuais e sociais. O conhecimento e a prática científicos são considerados fundamentais para o desenvolvimento e o ‘progresso’ do país, sendo dado particular relevo ao papel da formação de discípulos no contexto de escolas de investigação.

Mas também os valores transmitidos pela educação católica de Carlos Teixeira acabaram por influenciar a sua prática científica. Foi ao catolicismo que o geólogo foi buscar valores como o trabalho árduo, a dedicação, o sacrifício e o desprendimento pelos bens materiais, que reforçam a construção de uma imagem que não é, de todo, invulgar na retórica e iconografia científicas: a do cientista cujas excepcionais e invulgares características e capacidades lhe permitem uma devoção completa à ciência. No caso de Teixeira, essa dedicação acabou por adquirir os contornos de um verdadeiro sacerdócio, reforçada pelo facto do geólogo ter permanecido solteiro, e encontrando uma espécie de culminar no final da sua vida, quando, cego devido à diabetes, continuou a trabalhar, ditando os seus trabalhos a colaboradores e amigos.

Teresa Salomé Mota
Gestão e conversação do património geológico

Arquivos

Arquivo Histórico do Laboratório Nacional de Energia e Geologia

Arquivo Histórico do Instituto de Investigação Científica e Tropical

Arquivo Histórico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Arquivo Histórico da Academia de Ciências de Lisboa

Arquivo Histórico Camões

Obras

Teixeira, Carlos. “Introdução.” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 1 (1941): 3–4.

Teixeira, Carlos. “O Antracolítico continental português (Estratigrafia-Tectónica).” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 5 (1945): 1–139.

Teixeira, Carlos. “Flora mesozóica portuguesa.” Memórias dos Serviços Geológicos de Portugal (1948): pp.

Teixeira, Carlos. O que Vale a Geologia. Missão do Geólogo. Lisboa: Edição de autor, 1950.

Teixeira, Carlos. “Cartografia geológica de Goa”. In A Geologia de Goa. Considerações e Controvérsias, 139–160. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960.

Teixeira, Carlos. Carta Geológica de Portugal na escala 1/500 000. Lisboa: Serviços Geológicos de Portugal, 1972.

Teixeira, Carlos e Luís Carlos Garcia de Figuerola, Luis Carlos, dir.; Francisco Gonçalves, Francisco e J. L. Hernandez Enrile, coord. Mapa Geológico do Maciço Hespérico do Sudoeste da Península Ibérica na Escala 1/500 000. Madrid: Departamento de Petrologia e Geoquimica de la Universidade de Salamanca/Instituto Geografico y Cadastral, 1975.

Teixeira, Carlos, Rogério Rocha, Rogério e João Pais. Quadros de Unidades Estratigráficas e da Estratigrafia Portuguesa. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1979.

Teixeira, Carlos e Francisco Gonçalves. Introdução à Geologia de Portugal. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1980.

Teixeira, Carlos Geologia de Portugal, Volume 1—Precâmbrico Paleozóico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.

Bibliografia sobre o biografado

Gonçalves, Francisco. Carlos Teixeira, Notícia Bio-bibliográfica, o Pedagogo, o Cientista. Lisboa: Edição de autor, 1976.

Ribeiro, Orlando. “A personalidade de Carlos Teixeira.” In Opúsculos Geográficos, Volume I: Orlando Ribeiro, 307–313. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

Ribeiro, António. “Carlos Teixeira (1910–1982). O renascimento da geologia de campo no século XX.” In Memórias de Professores Cientistas, ed. Ana Simões, 90–95. Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2001.

Rocha, Rogério. “Carlos Teixeira (1910–1982)—Uma vida devotada ao serviço da Ciência.” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 25 (2009): 19–24.

Carneiro, Ana, Ana Simões, Maria Paula Diogo, e Teresa Salomé Mota. “Geology and religion in Portugal.” Notes and Records of the Royal Society 67 (2013): 331–354.

Sousa, Francisco Luís Pereira de

Funchal, 22 setembro 1870 — Portimão, 25 setembro 1931

Palavras-chave: engenharia militar, Serviços Geológicos, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, terramoto de 1755, tectónica.

DOI: https://doi.org/10.58277/TXFQ2967

Francisco Luís Pereira de Sousa foi talvez um exemplo de um certo homem de ciência que existiu em Portugal na transição do século XIX para o seguinte.

Pereira de Sousa passou a infância e a adolescência na sua cidade natal, onde realizou os primeiros estudos. Aos dezassete anos, partiu para Lisboa a fim de cursar os preparatórios de Engenharia Militar na Escola Politécnica e, em 1888, ingressou na Escola do Exército a fim de completar a sua formação. Concluiu o curso em 1894 e foi colocado na divisão de engenharia militar em Tancos. A 10 de outubro de 1904, com o posto de tenente, foi nomeado engenheiro subalterno de segunda classe do Corpo de Engenharia Civil da secção de Obras Públicas. Promovido a capitão no mesmo mês, foi destacado para a Direção Geral dos Correios e Telégrafos.

No dia 1 de janeiro de 1911, Pereira de Sousa passou a prestar serviço, a seu pedido, na Comissão do Serviço Geológico, uma vez que a geologia lhe despertava grande interesse desde há muito. Entre 1918 e 1922, chefiou, interinamente, por duas vezes, os Serviços Geológicos (SG), instituição que, em 1918, substituiu a Comissão do Serviço Geológico. Pereira de Sousa permaneceu nos SG até setembro de 1928, quando foi forçado a abandonar a instituição devido à publicação de legislação que limitava a acumulação de cargos na função pública.

A par de trabalhar nos SG, Pereira de Sousa foi igualmente professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) desde a sua criação, em 1911. Ingressou na carreira académica como segundo assistente da cadeira de Geologia e, em 1915, foi promovido a primeiro assistente, tendo passado a reger, além da cadeira de Geologia, a de Geografia Física e Física do Globo e a de Mineralogia e Petrologia. Em abril de 1929, foi nomeado professor catedrático e diretor do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico anexo à FCUL, sendo-lhe atribuído, em julho do mesmo ano, o título de doutor em Ciências Histórico-Naturais.

Pereira de Sousa foi sócio da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses; sócio e vice-presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Associação dos Arqueólogos Portugueses e sócio efetivo da Academia de Ciências de Lisboa. No plano internacional, foi sócio da Sociedade Geológica de França, tendo desempenhado as funções de vice-presidente, em 1922.

Fora do âmbito científico e académico, Pereira de Sousa foi presidente do Conselho Fiscal do Banco Nacional Ultramarino e membro de uma comissão nomeada pela ditadura nacional com a finalidade de estabelecer uma nova divisão administrativa de Portugal.

Pouco se sabe sobre o trabalho de Pereira de Sousa antes de ter sido destacado para os SG mas é de supor que, além de tratar de aspetos burocráticos inerentes ao funcionalismo público, a sua principal atividade fosse o aconselhamento e o acompanhamento técnico. Efetivamente, durante este período, Pereira de Sousa fez parte do Conselho Superior de Obras Públicas e de um comité de inspeção do Observatório Astronómico de Lisboa.

Foram os anos que Pereira de Sousa passou, primeiro na Comissão do Serviço Geológico, e, em seguida, nos SG, que, do ponto de vista científico, foram os mais produtivos e significativos da sua carreira. No entanto, este foi também um dos períodos mais difíceis da vida da instituição. Quando Pereira de Sousa ingressou nos SG, Paul Léon de Choffat (1849–1919) era o único geólogo que aí trabalhava; a convivência entre os dois, a influência e os ensinamentos de Choffat terão sido decisivos na formação geológica de Pereira de Sousa. Todavia, não é possível afirmar que existiu entre ambos uma relação de mestre/discípulo.

A presidência interina dos SG a que Pereira de Sousa se viu obrigado, não parece ter sido uma experiência particularmente gratificante. Acima de tudo, a acumulação das funções desempenhadas nos SG com as de docente na FCUL não deixavam a Pereira de Sousa tempo suficiente para desenvolver a sua atividade científica. As pretensões de Pereira de Sousa no que respeita ao abandono da chefia dos SG acabaram por ser atendidas, mas o geólogo permaneceu na instituição até ter sido legalmente impedido.

Enquanto professor na FCUL, Pereira de Sousa parece ter sido um dos poucos a fomentar a realização de saídas geológicas junto dos seus alunos. Muitos desses alunos frequentavam o curso de Ciências Histórico-Naturais com o objetivo de virem a ser professores de ciências no ensino secundário. Outros eram obrigados a ter aproveitamento em cadeiras de Geologia que faziam parte dos cursos preparatórios de Engenharia. Poucos eram os alunos que pretendiam prosseguir uma carreira de algum modo relacionada com a geologia, o que não permitiu a Pereira de Sousa criar discípulos, nem na FCUL, nem nos SG.

Na verdade, no que respeita à geologia, as condições académicas, científicas e mesmo sociais existentes à época no país não permitiam o efetivo desenvolvimento desta ciência. Ao criar, em 1931, o Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico, cujo objetivo era a publicação de estudos inéditos dedicados à geologia portuguesa, Pereira de Sousa pretendeu, certamente, contribuir para uma desejada transformação do panorama da investigação e prática geológicas.

Os estudos de Pereira de Sousa relativos à geologia do Algarve, que se encontravam relacionados com a realização pelos SG de uma Carta Geológica do Algarve na escala 1:50,000, são, talvez, os mais reveladores da sua atividade científica. Esses estudos permitiram-lhe escrever e publicar diversos artigos sobre a petrografia, o vulcanismo, a tectónica e a estratigrafia da região e constituíram grande parte da sua produção científica entre 1917 e 1922. Foram ainda fundamentais para o conhecimento do Carbónico do Algarve, que se encontrava, na época, ainda pouco estudado. A maior parte desses estudos foram publicados nas Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris e nas Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal.

O trabalho de investigação de Pereira de Sousa levou a que se deslocasse com frequência ao Laboratório de Mineralogia do Museu de História Natural de Paris, onde trabalhou com François Antoine Alfred Lacroix (1863–1948), que considerava seu mestre. Teorias relativas às estruturas tectónicas deste e de outros geólogos franceses, bem como as do sismólogo Fernand Montessus de Ballore (1851–1913), foram as principais e mais diretas influências nos estudos de Pereira de Sousa dedicados à tectónica. Indiretamente, Pereira de Sousa foi também influenciado pelas teorias do geólogo austríaco Eduard Suess (1831–1914), uma vez que os geólogos franceses com quem privou eram parte de uma linhagem de seguidores de Suess.

Uma das consequências das teorias tectónicas de Suess foi o renovado interesse da comunidade geológica pela questão da Atlântida no início do século XX. Pereira de Sousa interessou-se pelo tema, tanto mais que a localização lendária da Atlântida dada por Platão era de modo a poder situá-la próximo de Portugal, o que conferia à questão um interesse acrescido. Pereira de Sousa considerava que a Atlântida teria sido um grande continente que ocupava quase todo o oceano Atlântico em tempos anteriores ao Quaternário e que ligava as actuais Europa, África e América; os arquipélagos das Canárias e da Madeira seriam os vestígios deixados pela submersão dessa hipotética Atlântida.

As teorias de Suess e dos geólogos franceses foram, igualmente, o ponto de partida para aquele que é, sem dúvida, o trabalho mais conhecido de Pereira de Sousa: a obra em quatro volumes dedicada ao terramoto de Lisboa de 1755, publicada entre 1919 e 1931 e deixada incompleta pelo facto do geólogo ter falecido subitamente devido a uma síncope cardíaca quando realizava trabalho de campo no Algarve.

Neste trabalho, Pereira de Sousa identificou regiões com diferente sismicidade em Portugal Continental, utilizando, para tal, as intensidades relativas apresentadas pelo terramoto em várias localidades. As intensidades foram obtidas a partir de dados retirados dos inquéritos mandados realizar pelo marquês de Pombal no seguimento da catástrofe. Pereira de Sousa considerou ainda que o epicentro do sismo se teria situado a sul do Algarve ocidental e a nordeste do arquipélago da Madeira e a sua origem estaria relacionada com movimentos epirogénicos de uma depressão existente no fundo do Mediterrâneo, com atividade tectónica recente.

Apesar do seu impacto científico limitado, tanto nacional como internacionalmente, o estudo de Pereira de Sousa sobre o terramoto de 1755 constituiu uma das primeiras tentativas no campo da investigação geológica de sismos em Portugal.

Pereira de Sousa foi um geólogo por vocação, uma vez que não possuía qualquer formação específica em geologia. A sua vontade de construir uma reputação científica enquanto geólogo, levou-o a conseguir uma posição nos SG, o único sítio em Portugal onde era possível desenvolver uma prática geológica efetiva. A sua carreira na instituição apresenta assim um padrão semelhante à de outros geólogos portugueses que, durante o século XIX, aí trabalharam: engenheiros militares cujo gosto pela geologia os levou a uma quase autoaprendizagem que permitiu a alguns deles tornarem-se competentes geólogos.

Pode dizer-se que Pereira de Sousa é o último dos geólogos do período pioneiro da geologia em Portugal e que, à data da sua morte, a sua carreira científica possuía alguma visibilidade, até mesmo no estrangeiro, algo que não voltaria a acontecer a um geólogo português nas duas décadas seguintes.

Teresa Salomé Mota
Gestão e conversação do património geológico

Arquivos

Lisboa, Arquivo Histórico da Academia de Ciências de Lisboa.

Lisboa, Arquivo Histórico de Economia.

Lisboa, Arquivo Histórico do Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia.

Lisboa, Arquivo Histórico do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa.

Obras

Gentil, Louis e Francisco Luís Pereira de Sousa. “Sur les effets au Maroc du Grand Tremblement de Terre en Portugal (1755).” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 157 (1913): 805–808.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Algumas rochas eruptivas das orlas mesozoica e cenozoica de Portugal.” Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Lisboa 1 (1931–1934): 1–16.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Alguns prognósticos possíveis do terramoto de 1755.” Boletim da Academia das Ciências de Lisboa 1 (1929): 98–109.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Aperçu sur le Carbonique de la rive droite du Guadiana.” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 15 (1924): 43–48.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Contribution à l’étude petrographique du nord d’Angola.” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 157 (1913): 1450–1453.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Estudo geológico do Polygno de Tancos.” Revista de Engenharia Militar 15 (1902): 1–34.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “La Serre de Monchique.” Bulletin de la Société Géologique de France 26 (1926): 321–350.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. O Terremoto do 1º de Novembro de 1755 em Portugal e um Estudo Demográfico. Lisboa: Oficina Gráfica Lda, 1919-1931. 4 vols.

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Bibliografia sobre o biografado

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Carneiro, Ana e Teresa Salomé Mota. “Francisco Pereira de Sousa (1870–1931): um terramoto para uma vida.” In O Terramoto de 1755 — Impactos Históricos, ed. Ana Cristina Araújo, José Luís Cardoso, Nuno Gonçalo Monteiro, Walter Rossa e José Vicente Serrão, 131-143Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais e Livros Horizonte, 2007.

Costa, Alfredo Augusto d’Oliveira Machado e. “O Professor Dr. Francisco Luís Pereira de Sousa, 1870-1931.” Boletim do Museu de Mineralogia e Geologia da Universidade de Lisboa 2 (1933): 2–14.

Simões, Jorge Macedo de Oliveira. “Biografia de geólogos portugueses — Francisco Luís Pereira de Sousa (1870-1931).” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 17 (1931): 3–11.