Ribeiro, Orlando

Lisboa, 16 fevereiro 1911 — 17 novembro 1997

Palavras-chave: biografia, Portugal, geografia, Lisboa.

DOI: https://doi.org/10.58277/KFGM8554

Orlando da Cunha Ribeiro foi um dos geógrafos portugueses mais profícuos do século XX. Formou-se em Ciências Histórico-Geográficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Depois de concluir o doutoramento sobre a serra da Arrábida (1936) foi nomeado leitor de Português na Sorbonne, onde foi discípulo de De Martonne e Demangeon, até 1940. A sua carreira como professor e investigador decorreu, entre 1941 e 1981, sobretudo na Universidade de Lisboa, onde fundou um importante Centro de Estudos Geográficos e a Revista Finisterra. A sua obra científica conta mais de quatrocentos títulos em áreas diversas da geografia. O seu livro mais conhecido é a síntese Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, estando muitos dos seus trabalhos reunidos nos seus Opúsculos Geográficos.

Orlando da Cunha Ribeiro foi filho de António da Cunha Ribeiro e Palmira Carvella Ribeiro, estabelecidos em Lisboa como comerciantes na rua da Escola Politécnica, em frente da Faculdade de Ciências. 

A morte da mãe quando tinha quatro anos, a par dos golpes militares frequentes na capital, quedas de governo e a participação na I Guerra Mundial, características da conturbada Primeira República (1910–1926), fizeram com que Orlando Ribeiro fosse viver com os avós em Runa, no Asilo dos Inválidos Militares, do qual o avô, Augusto Carvella, oficial do exército, era um dos administradores. O avô marcou-o profundamente. 

Voltou a Lisboa com oito anos de idade. No bairro onde vivia a família, frequentou um colégio, onde começou a aprender francês, incutindo-lhe o gosto pela língua e cultura desse país, francesismo que marcará o seu trabalho. Passou para o liceu Passos Manuel (entre 1921 e 1928) e começou a frequentar bibliotecas populares. A transição para uma escola de grandes dimensões levou-o a perder o terceiro ano. Manteve-se aplicado a História e Geografia pela relação que estabeleceu com o docente, que lhe inspirou a ideia de ter igual profissão. No liceu, marcaram-no outros professores que ensinavam pela observação e experiência. Completou o exame da sétima classe, secção de letras, com a classificação de dezoito valores. Observador por natureza, a sua curiosidade por história despertou-o a ler romances de Alexandre Herculano. Para o superar, estudou árabe, inscrevendo-se na Faculdade de Letras antes de acabar o liceu. Conheceu o arabista David Lopes e leu livros de geógrafos nacionais e estrangeiros. No final do liceu, leu trabalhos de Leite de Vasconcellos, cuja casa começou a frequentar nos primeiros anos do curso universitário. Ganhou hábitos de reflexão a partir das suas leituras. Frequentou a Biblioteca Nacional, a da Sociedade de Geografia e da Imprensa Nacional. Com base no seu precoce gosto pela investigação, defendeu a junção entre investigação e ensino na Universidade.

Amante de música, desde cedo frequentou concertos e estabeleceu a comparação entre música e ciência. Defendeu que a arquitetura musical era paralela ao travejamento do trabalho científico, pois a harmonia estimulava a criação baseada no raciocínio, mas integrando ingredientes emocionais.

O facto de rer sido criado no bairro da Politécnica facilitou ao jovem estudante os primeiros contactos académicos. Na escola primária, conviveu com os filhos do embriologista e professor Augusto Celestino da Costa. No liceu, conheceu o amigo, futuro dermatologista e professor catedrático, Juvenal Alvarez Esteves. Conviveu com professores e alunos da Universidade, já que o pai fornecia os laboratórios universitários. 

Nos estudos universitários, a geografia à época estava ligada à história. No ensino secundário, predominavam as listas de nomes para decorar, que qualquer um podia ensinar. 

Ao ingressar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Orlando Ribeiro encontrou “uma escola má com alguns professores excelentes”. Em geografia o ensino era inteiramente teórico e verbal. “Nunca fizemos uma excursão, nunca vimos um mapa de grande escala”. Influenciou-o o professor de História, Manuel Ramos, que condensava um parágrafo com uma rubrica à margem, permitindo-lhe retirar o fundamental do texto, hábito que Orlando Ribeiro adquiriu. Também o médico, primeiro professor português de Geografia a nível superior, Francisco Xavier da Silva Telles, o marcou.

Orlando Ribeiro proferiu a sua primeira conferência aquando da celebração do centenário da morte de Goethe, em 1932, ano em que concluiu a licenciatura. Nessa altura decidiu fazer doutoramento e carreira em ciência. 

Foi fora da faculdade que Orlando Ribeiro encontrou os verdadeiros mestres: Ernest Fleury, um geólogo suíço que ensinava no Instituto Superior Técnico (em 1932–1933 frequentou a sua cadeira, na qual se iniciou no trabalho de campo) e José Leite de Vasconcellos: “a ele, mais do que a ninguém, devo a posse de uma disciplina de trabalho e de um ideal de servir a Ciência”. Foi também nesta época que conheceu Manuel Viegas Guerreiro.

Assim que completou a licenciatura, lecionou no Colégio Infante de Sagres, em Lisboa, onde foi colega do filósofo Agostinho da Silva. Considerou o ensino secundário a melhor iniciação pedagógica, já que permitia aprender a tornar claras e atraentes as aulas e relacionar-se com os alunos. Hauriu pedagogias modernas, de Pestalozzi e Manuel Silva Leal, o diretor do colégio, dando importância ao ar livre.

Em 1934, iniciou um programa de viagens em Portugal, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, tomando conhecimento direto do território continental português. 

Aproveitou as férias de 1935 para participar no I Cruzeiro de Férias às Colónias, dirigido por Marcello Caetano. Aí conheceu a ilha da Madeira e as colónias da África ocidental, convivendo com autores que conheciam o pensamento de Gilberto Freyre, deixando-o recetivo ao luso-tropicalismo que marcou a sua análise do Brasil e Cabo Verde. 

No ano seguinte, defendeu a dissertação de doutoramento em Ciências Geográficas pela Faculdade de Letras de Lisboa. A dissertação, intitulada “Arrábida, Esboço Geográfico”, girou em torno dos mapas e bibliografia existentes, trabalho de campo e observações pessoais. A escolha do tema deveu-se à proximidade de Lisboa e à facilidade de transportes à época. 

Na dissertação, transparecem vários aspetos da personalidade do jovem investigador e da sua vida. Por um lado, a sua ambição científica, (planeando estudos mais abrangentes para o futuro), a sua admiração pelo povo (preferindo as designações populares em aspetos do relevo e da vegetação) e o prazer da descoberta. Para Ribeiro, a ciência era um atraente exercício de espírito com proveito educativo. Inovou no quadro territorial abordado, escolhendo uma serra. Reconheceu a necessidade de gravuras e mapas (com o tempo ganhou o hábito de se deslocar no campo com o mapa e martelo — para identificar rochas ou colher amostras — e depois, com a máquina fotográfica), não os incluindo na dissertação por limitações financeiras. A observação direta no campo ganhou importância fundamental, tal como a escala local. A geografia foi a única disciplina abordada, autonomizando-se da história, pois os fenómenos temporais suportavam apenas a geografia humana.

Cinco dos capítulos da tese foram dedicados às características físicas: “Arquitetura do Solo”, “Fatores do Relevo”, “Formas do Relevo”, “O Litoral”, “Clima e Vegetação” e um único dedicado a “Alguns Aspetos de Geografia Humana”. Os dois primeiros serviram de base, ao explicarem aspetos da estrutura e tectónica, orogenia e sismologia, a natureza das rochas ou erosão, a individualização e caracterização de cada unidade que compunha a serra e o litoral. Faltando dados e bibliografia climatológica, para lá de obras gerais, o autor cingiu-se “a observações pessoais e informações colhidas entre os habitantes”. A vegetação já estudada, foi alvo de uma descrição cuidadosa e atenta. O seu estilo era escorreito. No que respeita à parte humana, limitou-se a indicar os aspetos essenciais, prometendo um trabalho mais desenvolvido sobre a península de Setúbal. “Ocupação Económica” (apropriação da Natureza) e “Povoamento” (apropriação do território) são os aspetos mais marcantes da geografia, “isto é, aqueles por que principalmente se exprimem na paisagem a presença do homem”. Concluiu com os “Factos de Circulação” (transportes e comércio, os fluxos).

A geografia humana da Arrábida articulou-se assim numa estrutura onde os fatores naturais jogaram um papel explicativo relevante da realidade geográfica: “A razão principal desta distribuição [da população] está no aproveitamento das águas (pesca, salinas, comunicações) e na natureza do solo arável”. Porém, a noção de região geográfica como síntese de características físicas e humanas, individualizadas e específicas de um espaço, foi defendida. A terminologia que tentou fixar serviu de apoio a uma síntese final. A “pequena região natural” que se propôs estudar nas primeiras páginas possuiu uma “individualidade geográfica” na conclusão. Ribeiro considerou a Arrábida “única pela estrutura entre as recentes montanhas portuguesas, polimórfica no relevo, no clima, na vegetação, na forma dos agrupamentos humanos”. Sustentou desconhecer “em Portugal, nenhum outro lugar onde, em tão pequeno espaço, se possam contemplar tão variados aspetos naturais. Esta riqueza de paisagens se por um lado dificulta muito o estudo geográfico da região, por outro, compensa o investigador com a diversidade de ensinamentos que lhe proporciona”.

A sua exigência consigo próprio no sentido de colmatar as lacunas da sua formação e o ambiente intelectual existente, procurando selecionar cientistas prometedores, levaram-no ao cargo de leitor de Português na Sorbonne entre 1937 e 1940. No convite para o cargo, foram importantes as relações com Marcello Caetano e o trabalho de reconhecimento do território que Ribeiro já havia realizado.

Em Paris, estudou Geografia e ciências cognatas na Faculdade de Letras daquela universidade, na Escola Normal Superior e no Colégio de França. Sob a direção de docentes como Albert Demangeon e Emmanuel de Martonne visitou várias regiões da França. Estagiou no Seminário de Geografia e Geologia da Universidade de Liège (Bélgica). Participou no XV Congresso Internacional de Geografia, em Amesterdão (1938). Assistiu De Martonne na organização dos trabalhos práticos do curso de geografia durante a Segunda Grande Guerra, tendo dado aulas e dirigido excursões nos arredores de Paris. Voltou a Portugal durante os verões, percorrendo o país na companhia do geógrafo Pierre Birot.

Regressou definitivamente a Portugal em 1940, semanas antes da ocupação de Paris pelos nazis. No ano seguinte, ingressou como professor extraordinário na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde assistiu Aristides de Amorim Girão, que o conheceu através dos cursos de férias da universidade. Em 1943, Ribeiro passou a professor catedrático na Universidade de Lisboa. Neste ano fundou, numa ruela contígua ao convento de Jesus, o Centro de Estudos Geográficos, que aglutinou um pequeno grupo de colaboradores provenientes de várias áreas. Durante a Segunda Guerra Mundial, percorreu o centro de Portugal com Hermann Lautensach.

Manteve-se fiel à forma de fazer geografia tal como a aperfeiçoou: baseada na observação da paisagem, trabalho de campo, descrição e comparação para atingir a interpretação dos fenómenos geográficos, numa visão unitária e abrangente. Como professor, realizou muitas visitas de estudo em Lisboa e arredores. Ditos célebres, sobre este método identitário da disciplina, marcaram gerações de estudantes: “os geógrafos não se dissolvem em água” e “a geografia faz-se com a planta dos pés”, são dois exemplos.

Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico foi uma das grandes obras de Ribeiro. O livro começou a ser pensado em 1941, sendo publicado em 1945 pela Coimbra Editora. Logo considerado marcante, esgotou rapidamente e conheceu várias reedições. Captou as constantes da personalidade geográfica do país, materializadas nas paisagens através das inter-relações físicas e humanas.

Aprofundando linhas de investigação esboçadas por Bernardino Barros Gomes e Hermann Lautensach, propôs uma divisão do país em três grandes regiões. O Noroeste, entre a parte terminal do Mondego e a Cordilheira Central; o Norte Interior, separado da região anterior por serras e estendendo-se a sul também até à Cordilheira Central; e o Sul, o restante território.

O Noroeste caracterizava-se pelas influências climáticas atlânticas, elevada humidade e precipitação, relevo acidentado, fortes densidades populacionais, policultura de minifúndio e importância da cultura do milho num povoamento rural disperso. O Norte Interior era marcado pela continentalidade, vastas extensões planálticas, povoamento rural aglomerado e traços de comunitarismo em algumas aldeias. Finalmente, o Sul, onde as características mediterrâneas se impunham progressivamente, era uma região que possuía precipitação reduzida, baixa densidade populacional, povoamento rural concentrado e montados de sobro e azinho associados à cultura extensiva de cereais em latifúndios.  

No interior de cada uma destas grandes regiões distinguiam-se pequenas áreas com características semelhantes e uma grande variedade de aspetos e contrastes que asseguravam ao país uma enorme diversidade. A análise da paisagem e da economia regional revelava uma articulação complexa, que em grande parte era devida à ação do ser humano. A síntese das gentes e das plantas e a variedade das combinações regionais era onde radicava a misteriosa unidade portuguesa. O país era o somatório das regiões, feito a diferentes escalas.

Para Orlando Ribeiro, a unidade de Portugal foi em grande parte obra do povo português, desde há séculos contido numa fronteira fixa que tornou o país uma formação antiga e estável do mapa político mundial. 

Outro marco da geografia portuguesa foi o Congresso Internacional de Geografia de 1949, realizado entre 8 e 15 de abril em Lisboa, em virtude das relações de Orlando Ribeiro com os seus mestres franceses, numa altura em que ainda se sentiam os efeitos da Segunda Grande Guerra na maioria dos países europeus. Contou com a presença de 779 participantes que representavam 37 países. Do evento resultaram quatro volumes de atas, um volume de resumos das comunicações e seis livros-guia de excursões. A Escola de Geografia de Lisboa ganhou então projeção internacional. 

Entre os seus colaboradores na organização do congresso, destacaram-se jovens que se tornaram importantes cientistas nas áreas respetivas: o geógrafo coimbrão Alfredo Fernandes Martins, o geólogo Georges Zbyszewski, o etnólogo Jorge Dias, o engenheiro civil convertido à geomorfologia Mariano Feio e a historiadora Virgínia Rau. Teve também grande ajuda das primeiras alunas do curso de Geografia, caso de Raquel Soeiro de Brito. Ribeiro indicou como condição de êxito na investigação mais do que condições materiais, pessoas que criavam, desenvolvam e acreditavam numa Escola. 

No congresso seguinte, em Washington (1952), Orlando Ribeiro foi nomeado para primeiro vice-presidente da União Geográfica Internacional. Tornou-se o geógrafo português mais reputado no estrangeiro. 

Após o Congresso, colaborou na Geografia de Espanha e Portugal, publicada em Barcelona (1955). A participação neste trabalho, ligou-se ao contacto com os geógrafos espanhóis (sobretudo a família Hernández–Pacheco e Manuel de Terán) e à participação em excursões às outras regiões peninsulares desde o curso de Geografia Peninsular e dos Pirenéus de Jaca, em 1946. 

A partir de 1947, Ribeiro participou em missões ultramarinas e publicou os seus resultados, ligando-se ao contexto do colonialismo tardio português.  Em 1951 e 1957, grandes erupções vulcânicas ocorreram na ilha do Fogo (Cabo Verde) e Faial (Açores), respetivamente. Ribeiro estudou-as, e publicou A Ilha do Fogo e as Suas Erupções (1954), aquela que considerou ser a sua melhor monografia. Ilídio do Amaral e Francisco Tenreiro foram colaboradores que se destacaram na exploração das regiões tropicais sob sua orientação.

Também refletiu sobre o método da geografia em Atitude e Explicação em Geografia Humana (1960), as relações entre geografia e cultura em Geografia e Civilização (1961), o ensino superior em Portugal, na coletânea Problemas da Universidade (1964) e as marcas da expansão portuguesa no mundo, em Aspectos e Problemas da Expansão Portuguesa(1962). Aqui, a história estava presente, mas apenas para compreender as consequências da expansão. Ribeiro encarou-a de forma humanista. Para o autor a expansão anunciou o desabrochar de uma civilização planetária que, num ideal nem sempre atingido, respeitou a diversidade social. 

O período mediado entre a década de 1960 e a sua aposentação, em 1981, foi o de maior produção do cientista e de grande atividade como professor, num momento em que a sua escola se expandiu e alargou horizontes.

Ribeiro publicou mais de 120 títulos em várias línguas e países. Escrevendo em francês e castelhano, promoveu a divulgação de trabalhos que, em português, não atingiriam tanta repercussão internacional. 

Em 1968, publicou Mediterrâneo, Ambiente e Tradição, que foi traduzido em italiano. Dois anos depois deu à estampa Ensaios de Geografia Humana e Regional. Em 1973, publicou La Zone Intertropicale Humide, uma síntese de reflexões sobre a zona equatorial, em conjunto com sua esposa Suzanne Daveau, antiga professora da Universidade de Dacar. Estes laços facilitaram a criação e a afirmação de Finisterra – Revista Portuguesa de Geografia (1966). Em 1977 editou Introduções Geográficas à História de Portugal que evidenciou interesses por aspetos teóricos, históricos e culturais. 

Após 1981, sucederam-se reedições de trabalhos e publicações novas. Foi o caso de A Colonização de Angola e o seu Fracasso (1981), onde expôs reflexões sobre a ex-colónia, e de outros livros que serviram de transmissão da experiência científica, como Iniciação em Geografia Humana (1986), Introdução ao Estudo da Geografia Regional (1987), ou elaboraram reflexões sobre a identidade nacional, caso de A Formação de Portugal (1987). 

Parte do trabalho de divulgação da sua obra deveu-se à sua esposa, que preparou volumes como Geografia de Portugal(quatro volumes, entre 1987 e 1991, reunindo o trabalho de Orlando Ribeiro e de Herman Lautensach, com atualização de Suzanne Daveau) e Opúsculos Geográficos (seis volumes, publicados entre 1989 e 1995), onde se compilaram 179 artigos, cobrindo as áreas do método e pensamento ou história da geografia, aspetos da natureza, mundo rural, temas urbanos e estudos regionais.

Pelo seu reconhecimento internacional, Ribeiro teve um lugar particular no meio universitário do Estado Novo. Criticou-o pública e particularmente em relatórios sobre a reforma administrativa, educativa ou questões coloniais. Tal valeu-lhe o adiamento do seu reconhecimento interno pelas instituições académicas. Somente em 1976 se tornou académico correspondente da Academia das Ciências e sete anos depois académico efetivo na secção de Ciências Naturais. Posteriormente, as décadas de 1980 e 1990 foram anos de outras homenagens universitárias e títulos de doutor Honoris Causa

Orlando Ribeiro foi um geógrafo completo, que se debruçou sobre todos os aspetos da disciplina e praticou-a de forma unificada. Dotou a geografia de um corpo científico e institucional. O seu trabalho pode ser ainda considerado atual.

José Braga

Arquivos

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Espólio D12.

Obras 

Ribeiro, Orlando. A Arrábida: esboço geográfico. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1935. 

Ribeiro, Orlando. A Ilha do Fogo e as Suas Erupções. Lisboa: Junta das Investigações do Ultramar, 1954. 

Ribeiro, Orlando. Aspetos e Problemas da Expansão Portuguesa. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1962. 

Ribeiro, Orlando. Geografia e Civilização. Lisboa: Instituto da Alta Cultura, 1961. 

Ribeiro, Orlando. Mediterrâneo, Ambiente e Tradição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1968. 

Ribeiro, Orlando. Memórias de um Geógrafo. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 2003.

Ribeiro, Orlando. Opúsculos Geográficos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989–1995. 6 volumes.

Ribeiro, Orlando. Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico. Coimbra: Coimbra Editora, 1945. 

Ribeiro, Orlando e Suzanne Daveau. La Zone Intertropicale Humide. Paris: Armand Colin, 1973.

Ribeiro, Orlando, Hermann Lautensach e Suzanne Daveau. Geografia de Portugal. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1987–1991. 4 volumes.

Bibliografia sobre o biografado

Amaral, Ilídio. A “Escola Geográfica de Lisboa” e a sua contribuição para o conhecimento geográfico das regiões tropicais. Lisboa: Centro de Estudos Geográficos, 1979.

Amaral, Ilídio. “O Centro de estudos Geográficos 1943-1973.” Finisterra 8 (16) (1973): 310 –315.

Costa, José Braga. “Geografia de Lisboa Segundo Orlando Ribeiro.” Dissertação de mestrado. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2012.

Daveau, Suzanne. “O Investigador, o Professor Universitário e o Director do Centro de Estudos Geográficos.” Finisterra43 (85) (2008): 85–93.

Daveau, Suzanne. “Orlando Ribeiro (1911–1997).” Geographers Biobiographical Studies 31 (2012): 30–55.

Daveau, Suzanne. “Os Anos de Formação de Orlando Ribeiro.” Finisterra 43 (85) (2008): 19–34.

Garcia, João Carlos. “Orlando Ribeiro (1911–1997): O Mundo à sua Procura.” Revista da Faculdade de Letras – Geografia 1 (14) (1998): 107–116. 

Garcia, João Carlos. “Sobre a Reedição de A Arrábida, Esboço Geográficode Orlando Ribeiro.” Revista da Faculdade de Letras – Geografia 1 (1) (1986): 209–243.

Gaspar, Jorge. “Orlando Ribeiro e Lisboa – Locais de Vida e Memória.” Finisterra 43 (85) (2008): 67–76.

Orlando Ribeiro, 1911–1997. Online. Disponível em: orlandoribeiro.igot.ulisboa.pt. Consultado em 3 agosto 2022.

Ribeiro, Orlando. “Os Percursos de Orlando Ribeiro e Mariano Feio até aos começos do Centro de Estudos Geográficos.” Finisterra 37 (73) (2002): 109-117.

Reinel, Jorge

m. ca. 1572

Palavras-chave: Cartografia, planisfério, Lisboa, Sevilha, Armazéns.

DOI: https://doi.org/10.58277/GGGA8612

Jorge Reinel foi um cartógrafo português do século XVI que trabalhou nos Armazéns da Guiné e Índia de Lisboa, a principal instituição portuguesa na produção de cartas náuticas daquela época. Tal como acontece com o seu pai, Pedro Reinel, não são muitos os dados sobre a sua vida. Os documentos conhecidos não permitem determinar com precisão quando é que Jorge Reinel nasceu e morreu, mas indicam que viveu grande parte do século XVI. Sabemos, no entanto, que trabalhou ao serviço da Coroa portuguesa como cartógrafo e examinador da ciência e arte de navegar, e também, temporariamente, para a Coroa espanhola em circunstâncias ainda pouco esclarecidas. Sabe-se igualmente que esteve casado com Beatriz Lopes e que, em 1572, no fim da sua vida, estava doente e vivia na pobreza.

Segundo uma carta régia de 6 de Junho de 1532, parece que Jorge Reinel tinha tido, anos antes, problemas pessoais, em Lisboa, com um clérigo chamado Pero Anes. É consensual na historiografia portuguesa considerar este episódio como a causa para a sua deslocação a Sevilha, em 1519, com o grupo de portugueses envolvidos na preparação científico-técnica da viagem de Fernão Magalhães. A participação de Jorge nestas tarefas teria a ver com a construção de uma carta náutica hoje perdida, que alguns historiadores identificam com o planisfério anónimo de Munique, conhecido por Kunstmann IV (que hoje conhecemos só a partir de um fac-símile construído em 1836 por Otto Progel conservado na Bibliothèque nationale de France). Segundo Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, esta carta foi utilizada na preparação da viagem de Magalhães. Duas das suas características mais relevantes são o fato de apresentar pela primeira vez o Equador graduado e de representar as ilhas Molucas no hemisfério espanhol. 

A vinculação do trabalho desenvolvido por Jorge em Sevilha e este planisfério, feito por volta de 1519, surge a partir de uma missiva de Sebastião Álvares, também assinada em 1519. Neste documento, Álvares, feitor português em Sevilha, conta a D. Manuel ter visto as Ilhas Molucas representadas numa carta de Jorge Reinel terminada pelo pai, quando este foi àquela cidade à procura do filho. É sabido que os dois Reinel, pai e filho, acabaram por voltar a Portugal e, segundo o documento de 1532 já mencionado, Jorge seria finalmente perdoado dos seus conflitos com a justiça portuguesa. De fato, quatro anos antes, em 1528, D. João III concedeu a Jorge Reinel (e também ao seu pai) uma carta de mercê com um salário anual de 10.000 reais pelos seus serviços como mestre de cartas de marear. 

Para além da referência ao trabalho cartográfico dos Reinel em Sevilha, a carta de Álvares é também relevante porque afirma que aquele mapa serviu de modelo para um dos principais cartógrafos da Casa de la Contratación dos anos vinte, o também português Diogo Ribeiro. Isto quer dizer que a carta iniciada pelo filho Reinel e acabada pelo pai foi utilizada na Casa como base para as cartas que ali se faziam, nomeadamente o chamado Padrón Real e as suas cópias. O Padrón Real era o modelo cartográfico da Casa a partir do qual eram construídas todas as cartas utlizadas na Carrera de Indiasespanhola. A afirmação de Álvares reforça a hipótese de que a carta dos Reinel seja o planisfério de Munique, uma vez que os trabalhos cartográficos de Ribeiro que sobreviveram são todos planisférios ou pedaços de planisférios, com características técnicas semelhantes. 

Qualquer que fosse o trabalho desenvolvido pelos Reinel em Espanha, parece que a sua passagem pelo país vizinho não deixou indiferentes os delegados espanhóis nas negociações pela pertença e exploração das Ihas Molucas. Uma carta assinada em 9 de Junho de 1524 pelos representantes portugueses na Junta de Badajoz-Elvas, Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho, dizia a D. João III que Jorge Reinel e o seu pai foram convidados a trabalhar ao serviço da Coroa espanhola. Tal convite não parece, porém ter sido aceite, segundo as cartas de mercê dadas em 1528.

Alguns documentos testemunham igualmente as funções de Jorge Reinel como examinador e o apoio ao Cosmógrafo-Mor Pedro Nunes no exame aos futuros cartógrafos da Coroa. Do seu trabalho como examinador, em questões relacionadas com a arte de navegar, sabemos graças a dois autos de juramento, assinados pelo cartógrafo João Freire na qualidade de escrivão, existentes no Arquivo Municipal de Lisboa com as datas de 1551 e 1554 respetivamente, onde o seu nome aparece junto com o de outro cartógrafo, Lopo Homem. Por outro lado, Jorge Reinel foi nomeado para assistir aos exames que o Cosmógrafo-Mor fazia àqueles que desejavam ser cartógrafos. Segundo o Regimento do Cosmógrafo-Mor (1592), estes exames eram feitos pelo Cosmógrafo-Mor na presença de um mestre em cartas de marear. Estes cartógrafos eram escolhidos entre os quais exerciam há mais tempo o cargo, que tinham maior experiência e habilidades e, também, que tinham melhor reputação. Como já foi dado a conhecer pelo historiador Sousa Viterbo, Jorge Reinel esteve presente em pelo menos três exames, o de António Martins em 1563 e os de Bartolomeu Lasso e Luís Teixeira em 1564, sendo sempre Pedro Nunes o Cosmógrafo-Mor responsável.

Apesar de a maioria dos documentos acima mencionados fazerem referência a Jorge Reinel como mestre de fazer cartas de marear, não se conhece nenhuma carta náutica assinada por ele. No entanto, são várias as cartas que se lhe atribuem. A mais antiga é uma representação do Oceano Índico, em pergaminho e datada de 1510, que esta conservada na Herzog August Bibliothek, em Wolfenbüttel (Alemanha). Há ainda que mencionar o já referido planisfério de Munique e as cartas do Atlas Miller (1519), na Bibliothèque nationale de France. Em data muito posterior, c. 1540, foi construída a última carta atribuída a Jorge Reinel. Trata-se de uma carta em pergaminho que representa o Atlântico, Europa, África ocidental e Brasil. No canto superior esquerdo pode-se ler Reinel em letras maiúsculas. Esta carta encontra-se hoje na Biblioteca Barone Ricasoli-Firidolfi, em Florença (Itália). 

Antonio Sánchez
Universidad Autónoma de Madrid

Arquivos

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Carta de Sebastião Álvares ao rei D. Manuel I, 18 de Julho de 1519. Corpo Cronológico, P. 1.ª, maço 13, doc. 20. 

Carta de Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho ao rei D. João III, 9 de Junho de 1524. Gaveta 18, maço 8, doc. 13.

Carta de mercê do rei D. João III a Jorge Reinel, 10 de Fevereiro de 1528. Chancelaria de D. João III, Doações, ofícios e mercês 1521/1557, Liv. 14, fol. 67. 

Carta régia de 6 de Junho de 1532. Chancelaria de D. João III, Doações, ofícios e mercês 1521/1557, Liv. 18, f. 48v. 

Carta de mestre de cartas de marear a António Martins, 1563. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, ofícios e mercês, Liv. 13, f. 158v. 

Carta de mestre de cartas de marear a Bartolomeu Lasso, 17 de Maio de 1564. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, ofícios e mercês, Liv. 15, f. 69. 

Carta de mestre de cartas de marear a Luís Teixeira, 18 de Outubro de 1564. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, ofícios e mercês, Liv. 13, f. 261.

Carta régia, 16 de Julho de 1572. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Perdões e legitimações, Liv. 44, f. 196v.

Lisboa, Arquivo Municipal–Arquivo Histórico 

Chancelaria da Cidade, Livro 1º da vereação, f. 103.

Chancelaria da Cidade, Livro 2º da vereação, f. 33v. 

Bibliografia sobre o biografado

Cortesão, Armando. Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos XV e XVI, Vol. I: 249–305. Lisboa: Seara Nova, 1935.

Cortesão, Armando e Avelino Teixeira da Mota. Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987 [1960].

Denucé, Jean. Les origines de la cartographie portugaise et les cartes des Reinel. Gand: Librairie Scientifique E. Van Goethem, 1908. 

Marques, Alfredo Pinheiro. “Reinel, Pedro e Jorge.” In Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, ed. Luís de Albuquerque, Vol. II: 940–941. Lisboa: Caminho, 1994.

Viterbo, Sousa. Trabalhos náuticos dos Portuguezes nos séculos XVI e XVII, Parte I. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1898.